fotografia WBJ |
Wilson Baptista Junior
Hoje
em dia é muito fácil comprar pela internet, tanto procurar o produto quanto
fazer o pagamento e receber a compra em casa. Já se tornou coisa rotineira.
Em
compensação temos uma completa impessoalidade na relação cliente/fornecedor e ocasionalmente
dificuldades se por acaso a compra não nos satisfizer ou o produto vier com
defeito.
Mas,
nem sempre...
Teoricamente
aposentado, depois de muitos anos como executivo, consultor de empresas e
professor, trabalho de vez em quando com traduções e versões de vários tipos
para a empresa especializada em linguagens de um de meus sobrinhos, a Fale Alfa.
Semanas
atrás, tendo que verter para o inglês com prazo curto alguns documentos
contábeis (traduções certificadas, onde o tradutor assume responsabilidade
civil pela exatidão de um trabalho que pode ter utilização legal), senti falta,
para maior segurança, de um dicionário de contabilidade português/inglês.
Achar
um dicionário destes inglês/português é fácil, a necessidade do mercado já
produziu diversos, e também a minha vida em empresas me deixa bastante à
vontade em entender demonstrações financeiras em inglês. Mas o contrário já é,
como costumamos dizer por aqui, “outra conversa”.
Depois
de procurar um bocado só consegui achar um que me pareceu resolver, mas
infelizmente era uma edição esgotada. Como costumo fazer nesses casos recorri
ao site “Estante Virtual”, bem conhecido, que reúne informações sobre o acervo
de diversas livrarias e sebos. Bingo! lá estava o livro. Entre as poucas opções
encontradas, nenhuma das quais minha conhecida, escolhi a oferta de uma
livraria chamada Rio de Letras e fiz pelo computador a compra e o pagamento.
Passado
o prazo normal, o correio entregou um pacote muito bem embrulhado em papel
pardo, que a Ana recebeu quando chegava em casa e me trouxe.
A
primeira coisa que me chamou a atenção foi o endereçamento manuscrito, numa
caligrafia segura que hoje não se encontra mais por aí.
A
segunda coisa foi a falta da nota fiscal de venda, que geralmente vem colada do
lado de fora do pacote.
Depois
de retirar o papel de embrulho, meticulosamente selado com fita adesiva,
encontrei o livro num saquinho plástico fechado, para evitar qualquer problema
de umidade no trajeto. Mas antes do envelope havia um bilhete, também manuscrito:
“Prezado Wilson, bom dia! Este livro (é)
brinde. Peço desculpas pois não tenho mais este livro no meu acervo, desta
forma estou fazendo o ressarcimento do valor pago pelo livro. Dentro deste
livro que fica como brinde está a quantia de 17,00 reais referente à devolução.
Renovo minhas desculpas, estou à disposição para qualquer dúvida.
Atenciosamente, Amorim”
Seguia-se
o número de um telefone celular, que deve ser o do senhor Amorim.
O
livro enviado era o da fotografia que abre este post. Com o dinheiro entre as
suas folhas. Tive a curiosidade de verificar, não encontrei outro exemplar à
venda cá pelas nossas terras.
Fiquei
algum tempo olhando para o livro e o bilhete, e pensando que dos dezessete
reais pagos e agora recebidos de volta, dez eram pelo livro e sete pelo frete.
O livreiro, de quem eu nunca tinha sido cliente antes e que nunca tinha me
visto, teve o trabalho de escolher um de seus livros, embalar com todo o
cuidado e mandar para mim gastando de frete quase o preço do livro encomendado
para me devolver a totalidade do que eu tinha pago, quando poderia simplesmente
ter devolvido o dinheiro sem custo através do banco.
Uma
atenção que já não se encontra mais e que me lembrou alguns antigos livreiros
que tive a sorte de conhecer, como o senhor Van Damme, dono de uma livraria que
infelizmente já fechou mas marcou gerações de leitores da minha cidade, o velho
senhor Amadeu do sebo famoso que ainda leva o seu nome, e outros de velhas
livrarias daqui.
Peguei
meu telefone e mandei uma mensagem para o senhor Amorim, agradecendo a atenção
e dizendo de minha alegria de encontrar um livreiro da velha escola.
O
livro parece muito interessante, pelas primeiras páginas que já li. Um tratado extenso
do uso de ervas na medicina tradicional chinesa, com boa indexação cruzada
entre as ervas e as doenças que são usadas para curar. Quem sabe com ele podemos
ter a esperança de seguir pelo chang shou
dao, o “caminho da longa vida” dos chineses?
O tempo dirá.
Mano
ResponderExcluirA gentileza nestes nossos tempos chama a atenção
Bom demais encontrar estas pessoas e eu sempre fico emocionada com gestos assim
Um abraço
"Quase prima" Léa, É bom, sim, encontrar essas pessoas. Faz bem à alma.
ExcluirUm abraço do Mano
1) Que história bonita ! Parabéns a vc Mano e ao livreiro e aos Correios ECT.
ResponderExcluir2)Boas traduções.
Mestre Antonio, que bom que você gostou. E o livreiro, sim, merece os parabéns.
ExcluirObrigado e um abraço do Mano
Prezado Autor Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR, nosso Editor/Moderador,
ResponderExcluirComo é bom negociar com Negociante Honesto e bem Educado, especialmente um Livreiro como o Sr. AMORIM, da Livraria "Rio de Letras" Rua Luis de Camões, 44, Centro, Rio de Janeiro -RJ. E que nome de Rua, para uma Livraria, o do maior dos Poetas de Língua Portuguesa, o grande LUIS DE CAMÕES.
Esses "Livreiros à moda antiga" que ainda escrevem a mão, em bonita firme e legível Caligrafia, são jóias cada vez mais raras na Profissão.
Não menos nobre é a atitude de nosso Editor/Moderador Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR em nos contar a história.
Abração.
Caro Bortolotto, o nome da livraria e o nome da rua fazem justiça a um livreiro que honra a profissão. E eu seria mal-agradecido se deixasse de contar o que ele fez.
ExcluirUm abraço do Mano
Os desenvolvimentos que tivemos nos últimos 50 anos vêm cobrando um preço muito alto do ser humano.
ResponderExcluirSe, por um lado, o mundo se transformou numa aldeia global, do outro nos separou, nos distanciou, impedindo o contato físico, o aperto de mão, o abraço, o beijo, o carinho.
Eu, da mesma maneira que o Mano, tenho para com os livros um cuidado especial.
Não consigo lê-los pela Internet; não me atrai deixar de folhá-los; não ler partes do meio, do fim, do início, voltar às páginas anteriores.
Preciso vê-los na minhas estantes, olhando seus títulos diariamente, pegando um que outro exemplar nas mãos para consulta ou distração.
E tenho dois locais que eu os compro:
A Saraiva, e um sebo muito bom, em Porto Alegre, chamado A Traça.
Certa vez, a saraiva não me enviou o pedido completo, faltando um livro dos quatro que eu havia adquirido.
Enviei a comunicação do ocorrido, e cinco dias depois o dinheiro daquele exemplar estava na minha conta.
Faz dois meses que adquiri vários livros entre novos e usados, mas em boa conservação.
Não é nada, mas a minha pequena biblioteca conta com mais de 1.300 exemplares, e mais de 500 revistas somente sobre História e Filosofia.
Outro detalhe, que deixa as minhas noras doidas comigo:
Possuo três ENCICLOPÉDIAS!!!!
A Delta Larrousse, Barsa, e o Lelo Universal.
Evidente que desatualizadas, mas não importa, pois dados históricos, biografias, invenções, artes ... elas servem como fontes de consultas importantes, então eu não me desfaço dos quase 40 volumes, cada um pesando mais de 1Kg!!
Mas, volto a frisar, eu os manuseio, toco, gosto de tê-los comigo.
Dito isso, aplaudo mais esse artigo do meu caríssimo amigo Wilson.
Livro é coisa séria, e devemos ter cuidados com esses objetos que tanto nos ensinam, distraem, informam, nos emocionam, nos alegram e, até mesmo, nos entristecem.
Forte abraço, Mano.
Saúde, muita saúde junto aos teus amados.
Amigo Chicão, que bom saber que você continua procurando e comprando, e lendo, livros. Enciclopédias, já não as temos por absoluta falta de espaço. Mas eu, que cresci lendo a Britannica como se os volumes fossem romances, tenho saudade do tempo em que abria um deles e a busca por um assunto me levava a outro, e esse a outro, num caminho gostoso e sem esforço de descoberta...
ExcluirUm abraço, e muita, muita saúde.
Wilson,
ResponderExcluirAntes mesmo de ler muito apreciei os livros que posam na foto que inaugura essa sua bela e inspiradora história na qual tive o prazer de conhecer o Sr. Amorim, um livreiro da old breed que acredita que “gentileza gera gentileza”. Sabe? Na semana passada fui intimado a arrumar os meus livros em caixas de papelão para que as estantes pudessem ser recauchutadas (rsrs) Com que alegria sacudi a poeira desses passaportes para qualquer lugar no tempo ou espaço! É essa sensação boa de tocar um livro, de segurá-lo com as mãos, de virar-lhe as páginas devagar, é o ato visceral de transformar fisicamente uma página em parte da memória, em bagagem mental que explica porque os sebos agonizam mas não morrem e porque ainda há livreiros oferecendo a seus clientes contato físico com livros usados em um mundo que insiste em transformar as velhas livrarias em estantes digitais.
Foram muitos os alfarrabistas da minha vida começando pelo “Seu Melquisedeque”, cujo sebo minúsculo eu já frequentava com meu avô, muito antes do cara virar herói e conquistar o uso exclusivo para os sebistas do Recife de um espaço de nome Praça do Sebo. Adolescente, no começo dos anos 70, ia com meus pai e tio à Livraria São José, no Castelo, então frequentada pela galera democrática para falar mal do governo, discutir as novidades e resenhar o último livro lido. Nos anos 80/90 era um programão garimpar livros de edições esgotadas e/ou de arte – de preços proibitivos nas livrarias!- nos sebos que então moravam entre a Cinelândia e a Carioca e a Uruguaiana, nos subsolos da Av. Rio Branco, na Rua do Ouvidor e na do Rosário, na Praça XV, na Lapa e até no Saara.
Creio que foi na virada do milênio que os alfarrabistas começaram a ter que "se adaptar" à escassez de leitores e até o Al-Farabi, um dos nossos prediletos, virou um combo de sebo/bar/restaurante, onde tomávamos umas e outras e beliscávamos antes e/ou depois das exposições do Centro Cultural do Banco do Brasil. Foi com tristeza que soube que o “Alfa”, apesar da repaginação radical, finalmente fechara as portas. Hoje confesso que me limito a passar, cada vez mais raramente, pelo Baratos da Ribeiro que fugiu da rua onde nasceu – a Barata Ribeiro em Copacabana - e foi morar em Botafogo. Também os meus alfarrabistas preferidos da Rua das Flores, no Porto, estão sendo despejados do bairro dos Clérigos devido aos aluguéis exorbitantes e o velho Signore Bruno, da Libreria del Viaggiatore, em Roma, foi para o andar de cima.
A impressão que tenho é a de que todos os sebos do vasto mundo estão vendendo mais vinis do que livros e que a maioria deles está se associando a lojas como a Estante Virtual, da qual me tornei freguês há valentes anos. É triste porque nas antigas livrarias sempre rola a surpresa de descobrir algo especial que a gente não estava procurando e sobra o encanto não só pelas estórias nos livros, mas pelas histórias dos próprios livros contadas magistralmente pelos seus proprietários. Mas aqui entre nós e baixinho depois que as maiores redes brasileiras de livrarias entraram em recuperação judicial ando muito desconfiado de que a gentileza dos amigos dos livros e os benditos sebos empoeirados, ao fim e ao cabo, vão perder a guerra. Fiquei mudo dia desses diante de uma garota de apenas dezessete anos, filha de um grande amigo, que me afirmou que definitivamente aprende muuuuito melhor no computador pois "segurar um livro e virar-lhe as páginas lhe atrapalha o raciocínio". Complicado! A conclusão é óbvia: em breve os livros de papel desaparecerão das escolas. E depois? "O tempo dirá"...
Abração
Moacir, bem imagino que você tenha reconhecido e se lembrado de todos os nosso amigos que "posaram" na fotografia. Aliás de improviso, para dizer a verdade, porque foi o único pedaço de prateleira em que sobrava uma beirada para colocar o novo morador para fazer a ilustração :) E que bom que o terremoto da reforma promovido pela arquiteta de sua vida tenha te dado a oportunidade de rever todos os seus fiéis e antigos companheiros. Posso imaginar as lembranças que tirar e guardar cada um deles te trouxe.
ExcluirUm dos encantos que vão desaparecendo (será mesmo?) e vão fazer mais falta é esse de que "nas antigas livrarias sempre rola a surpresa de descobrir algo especial que a gente não estava procurando e sobra o encanto não só pelas estórias nos livros, mas pelas histórias dos próprios livros contadas magistralmente pelos seus proprietários", como você tão bem colocou. E confesso que me preocupou a história da garota, e tive pena dela, não só pela falta do contato com os livros como, muito mais ainda, pela preocupação com um novo tipo de raciocínio (ou falta dele?) que se não sobrevive ao intervalo de virar as páginas como vai conseguir funcionar nas alternâncias de uma conversa?
É, o tempo dirá. Espero que o que diga seja bom :)
Um abraço do Mano