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12/11/2019

As “Escoteiras” de Leuven

Leuven (imagem tripadvisor.com)


Antonio Rocha
Uns escrevem Louvain, outros Louvan e ainda Lovaina, mas lá eles falam Leuven, pronuncia-se “Leuwen”. É uma bela cidade universitária da Bélgica. A parte acadêmica tem a Universidade Católica de Louvan, onde alguns amigos meus fizeram graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado e outra que é a Universidade Estatal.
Mas, nós estávamos lá nas férias do verão europeu e assim a cidade dos estudantes estava praticamente vazia.
A outra parte de Leuven é uma cidade comum, como qualquer outra. Estávamos então passeando por esta parte de moradias, comércio e cultura quando três jovens, moças por volta dos quinze anos nos cumprimentaram e pediram licença.
Primeiro perguntaram de onde nós éramos. Respondemos. Em seguida disseram que faziam parte de uma instituição que o meu genro traduziu como algo parecendo escoteiras.
Explicaram que aquele era o dia de treinamento delas nas ruas. Uma espécie de peregrinação: saem de casa pela manhã sem nenhum tostão e só voltam a tarde. Como estava próximo ao almoço elas tinham a prática de abordar visitantes e turistas.
Iriam cantar em holandês três canções folclóricas, se nós gostássemos poderíamos fazer alguma oferta monetária para que elas comprassem o almoço. Se não gostássemos elas pediam desculpas de iriam embora abordar outras pessoas.
Todos concordamos e as três meninas cantaram e nos encantaram. E como ficamos felizes com o encontro elas resolveram cantar mais uma canção. Pagamos espontaneamente o show e continuamos nossa caminhada pelas ruas da cidade.
Eu me lembrei do “Pindapata” que é um treinamento espiritual que os monges budistas fazem na Ásia. Na hora do almoço saem do mosteiro em fila indiana cantando trechos das escrituras budistas, com uma tigela nas mãos e os fiéis fazem a entrega de alimentos cozidos, prontos para o consumo. Tudo o que lhes for ofertado comem e não recusam nada. Em geral tais alimentos são vegetarianos, veganos, macrobióticos, unibióticos, naturalistas, orgânicos etc.
Não são todas as ordens que fazem essa prática, só as mais ortodoxas.
O significado é que, através deste procedimento os praticantes ficam mais humildes, mas simples, desapegados ao ter que receber “esmolas” de comida.
As garotas de Leuven explicaram-nos que era mais ou menos isso a finalidade que buscavam. Sabendo que há tanta fome no mundo, elas vivem um dia semanal de peregrinação.
Escoteiras (Éclaireuses) de Leuven recebendo a "Lumière de la Paix", chama trazida de Belém pelo Movimento Escoteiro, em 2014 (imagem La Toile Scoute)

Por outro lado, de acordo com o Budismo, as pessoas que oferecem alimentos aos monges são abençoadas nesta e nas próximas vidas. Pois estão fazendo o treinamento de caridade, ajuda material e espiritual, apoio humanístico, humanitário e afins.
No Ocidente, onde o Budismo está mais desenvolvido o Pindapata já está sendo praticado, mais nos países de Língua Inglesa. Na internet é fácil encontrar vídeos e fotos dos monges recebendo os alimentos nas ruas.
Inclusive alguns budistas nos EUA estão fazendo retiro de 24 horas nas ruas. Eles ficam um dia nas condições acima descritas para em solidariedade aos mais pobres do mundo sentir, vivenciarem como é a dureza da vida.  Há casos de artistas, empresários e até milionários famosos que usam vestimentas para não serem reconhecidos e se tornam andarilhos por um dia de treinamento espiritual.
Alguns criticam, falam que é hipocrisia, mas os defensores declaram que faz parte do treinamento desapegado e muitos fazem suas doações de caridade a instituições idôneas de auxílio. Estes praticantes, por motivos de segurança, ficam juntos com outros (as). Os respectivos templos sabem do fato e, qualquer coisa, é só acionar o celular sob as vestes aparentemente “mendicantes”.
Mas não são todos que tem a coragem de fazer isso, eu nunca fiz.


11 comentários:

  1. Wilson Baptisa Junior14/11/2019, 14:47

    Mestre Antonio,
    é muito bom ver as escoteiras de Leuven praticando de verdade a versão moderna do chela e da escudela do Teshoo Lama da minha infância, e é muito bom ver também que o movimento escoteiro continua, lá pelo menos, voltado para o desenvolvimento moral das crianças e adolescentes. Vão crescer com uma bela compreensão da realidade humana.
    Obrigado pela boa notícia, e um abraço do Mano

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    1. 1) Salve Mano, eu sempre fui, desde criança um admirador do Movimento Escoteiro.

      2) Fiquei felicíssimo qdo encontrei as jovens escoteiras em Leuven.

      3)Estou chegando hoje de um passeio onde ficamos, eu e Heloisa, durante seis dias no Hotel Sesc Alpina, muito bom demais ! Irei aos poucos responder os comentários.

      4) Não vi a parede de Hortênsias, mas a Heloisa andou plantando ness muro umas mudinhas de plantinhas, devidamente autorizada pelos funcionários.

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  2. Moacir Pimentel14/11/2019, 18:40

    Antoniusji,
    Penso que todas essas experiências que nos fazem abandonar o espaço cotidiano da realidade - como viagens, meditações, retiros, acampamentos, peregrinações etc - são desafios e portanto positivas. Lembro que viajando sozinho como mochileiro, do outro lado do mundo, era como se eu tivesse sido despojado do ontem e do amanhã e, sem o peso de tudo o que era, condenado a vivenciar da forma mais simples apenas o que rolava no agora. Essa sensação me fazia ficar mais ligado com os olhos abertos às novidades das novas paisagens, pensar de forma mais larga e desenvolta, desenvolver a imaginação, perder o medo do desconhecido.
    É claro que as línguas ferinas vão dizer que as três garotas escoteiras são alienadas, hipócritas, reaçinhas. Mas e daí? Elas estão tentando achar significado! É duro, principalmente para a juventude, lidar com a dor, as misérias e as desigualdades do mundo. Mesmo na terceira idade, mesmo pelo caminho do meio, tem dias que a gente não consegue ver, ler, ouvir o barulho doido de pedra lá fora. Que bom que tem feriado e final de semana para a gente puxar o freio de mão, reabastecer e tentar recobrar a temperança nos nossos mundinhos da lua.
    Namastê!

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    1. 1)Falou e disse Moacirji, concordo plenamente com a sua abordagem.

      2) Na minha adolescência não fui escoteiro, mas achava as Escoteiras/Bandeirantes muito bonitas, ótimas alunas, pessoas sérias !

      3) Aliás, nas suas caminhadas pela Ásia, vc deve ter presenciado muitos Pindapatas...

      4)Abraços continentais !

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  3. Flávio José Bortolotto15/11/2019, 14:57

    Prezado Prof. Dr. ANTONIO ROCHA,

    Sua Crônica " As Escoteiras de Leuven" nos conta do Costume que a Ordem Escoteira tem de algumas vezes por ano, por um dia, enviar Grupos de duas ou três venderem Arte/Artesanatos na Comunidade e assim interagir diretamente com o POVO, aprendendo muito da Psique Humana.

    Nosso Editor-Moderador Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR ficou contente de ver que a Ordem Escoteira continua a ensinar e desenvolver a Moral das Crianças e Adolescentes, inclusive com esta Técnica de imersão plena na Comunidade.

    Nosso Viajante do Mundo e excelente Escritor Sr. Mundo, apenas com a mochila nas costas sem pensar muito no ontem e no amanhã, era quando tinha mais clareza em observar a Natureza e em especial o Ser Humano, e que esse nunca lhe faltou com a Hospitalidade.

    Vossa associação com o "Pindapata Budista" faz sentido porque as Escoteiras "vendiam Arte para o Povo", e os Monges "vendem Conhecimento para o Povo". E conhecimento, que como escreveu o grande MOISÉS nos fará FELIZES a Nós e a nosso Descendentes, e que valem muito bem o Sustento dos Professores.

    Abração.


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    1. 1) Obrigadíssimo Mestre Bortolotto. Eu também gosto muito do "grande Moisés", foi um dos iluminados de nosso planeta.

      2)O nosso viajante/escritor/guia turístico Pimentelji, realizou nos anos 60/70 do século 20, o que a minha geração hippie formulou...

      3) Os escoteiros me ensinaram uma saudação "sempre alerta" e os Lobinhos, as crianças do movimento o lema "O Melhor possível". Assim cresci e continuo crescendo e aprendendo.

      4) Abração !

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  4. Flávio José Bortolotto15/11/2019, 17:18

    Nosso Viajante do Mundo e excelente Escritor Sr. MOACIR PIMENTEL.....

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  5. Francisco Bendl17/11/2019, 09:45

    Considero um bênção divina a pessoa poder conhecer outros países, modos, costumes, cidades, povos diferentes do que somos.

    Principalmente, se esta nação passou pelos horrores de uma guerra, e seus habitantes perderam entes queridos, seus bens, a sua casa, e tiveram de recomeçar a vida, pelo menos os que sobreviveram.

    Conhecer depois este país reconstruído e mantendo as suas tradições, merece ser visitado e reconhecido pelos esforços dispendidos em face da determinação do seu povo.

    E, a Bélgica, é um país bonito; as suas cidades têm um encanto especial.

    Obrigado, meu amigo e professor Rocha, por estares compartilhando conosco esta tua viagem, e nos convidando para conhecer um pouco deste país cuja participação no maior conflito da história da humanidade foi importantíssima.

    Um forte abraço.
    Saúde, muita saúde.

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    1. 1) Chicão vc está certo.

      2) Uma vez um psicólogo disse que eu tinha muita sorte na vida pois já viajara por vários países.

      3) Concordando com ele, lembrei que é uma das "proteções budistas", estar bem em outras terras.

      4)E sempre grato à nossa Terra natal.

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  6. Olá Antonio,
    Acho melhor comentar seu texto depois porque ele me trouxe um monte de perguntas. Tipo:
    -Soberba e prepotência são antônimos de humildade? Porque não gosto de soberba mas também não gosto de humildade, palavrinha enjoada! Prefiro simplicidade, gratidão. Tenho meus orgulhos e sou orgulhosa deles.
    -Como funciona um exercício de humildade por um dia, no caso das escoteiras, se tudo volta ao normal no dia seguinte? Ficarão satisfeitas com esse um dia, ficarão mais soberbas por o terem feito, ou terão a cabeça e o coração mais abertos?
    Talvez algumas.
    Ajude-me a pensar uma vez que você me propôs as dúvidas e também por ser mais espritualizado!
    Até mais.

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    1. 1) Oi Ana, pode perguntar à vontade:

      2) De acordo com os budistas/espiritualistas, na área onde transito, "Soberba e prepotência são antônimos de humildade sim!

      3) Muita gente não gosta da palavra humildade pois pensa que é algo negativo, no âmbito espiritualista, humildade é sinônimo de "simplicidade e gratidão".

      4) O teólogo Leonardo Boff informa em um de seus livros que Humildade vem de húmus, a terra molhada e adubada que ajuda a florescer as plantas, O termo humildade vem dos Evangelhos e eu acho uma palavra bonita.

      5) Quanto ao termo "orgulho" os budistas evitam ter e usar pois é algo negativo, sugere pelo menos uma ponta de vaidade. E vaidade faz mal à saúde. Por exemplo, sou muito feliz com as vitórias profissionais e outras da minha filha e genro, na Bélgica, mas não tenho orgulho dela, pois para os budistas é algo que atrapalha a caminhada até o Nirvana.

      6) Penso que após um dia de treinamento de humildade as Escoteiras ficarão mais maduras, mais desapegadas quanto às vaidades passageiras da vida, Ficarão mais simples respeitando os mais pobres, os deserdados da sorte e até orando/ajuda pela melhoria social deles.

      7)O termo soberba também não é bom, é vaidade em alto grau e devemos evitá-las ao máximo, Buda dizia que "alegria é um dos fatores da iluminação". Mas veja bem, alegria saudável e não soberba/orgulho/prepotência.

      8) Tudo de bom !

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