desenho Ana Nunes |
Ana Nunes
Enquanto lavo essas maçãs e peras magníficas que vão para a
geladeira, prontas para momentos de saboreio entre leituras silenciosas e
sedados de Netflix, meu pensamento escapa pelos olhos distraídos nas cores e
formas e cheiros da Natureza.
Como pode ela trazer da mesma terra escura, perfumada pela chuva,
sabores tão diferentes? Texturas lisas como a pele da maçã lavada ou a aspereza
da pera delicada. O aveludado do pêssego, o liso da uva e a cascudez do
abacate. A casca da laranja cheia de sumos e aromas, que de tanto desenhar
achei que era pele de gente. Laranja, fruta popular da feira, farta na nossa
terra. Quando madura, dando mole na beira da estrada, carece de cuidado, “está bichada Zé, ou tem marimbondo no pé”.
O doce perfumado abacaxi, que reina de coroa e tudo. E que sempre espeta, não
importa se primeiro lhe cortamos a cabeça. Sonso, às vezes se disfarça de
ananás.
Os cheiros e as cores!
A infinita gama de cores da natureza, muito maior do que uma caixa
de 100 lápis de cor. Tanto que emprestam generosamente seus nomes às cores.
Verde abacate, verde limão, “Meu limão,
meu limoeiro, meu pé de jacarandá”, laranja, roxo beterraba, roxo uva.
Sempre acho que deveria ser lápises, assim como um pires deveria
ser um pir.
Plurais e singulares. Como as frutas e os legumes.
O vermelho da maçã, maçãzinha indecorosa dos pecados no paraíso, e
o amarelado meio verde da pera. Pera essa que, de cabeça para baixo, tem forma
de bundinha... foi meu neto quem me ensinou. Não são só as avós a ensinar
bobeiras. Aprendemos também! A indecisa cor do pêssego, ora rosa ou laranja.
Ora amarelo ou esverdeado. Mas o cheiro sempre o mesmo perfumando a casa,
contando que aqui é um lugar de trabalho, descanso e de afetos.
Tem verde abacate, tem alaranjados nas mexericas, laranjas e ponkãs.
O amarelo intenso e fecundo do mamão recheado de sementinhas pretas, gordas e
lustrosas. Ardidas como pimenta do reino! Doce mamão das colações e vitaminas
no barulho enlouquecido do liquidificador. Que também bate frutas vermelhas,
cerejas, amoras e morangos no molho delicado derramado em sorvete de creme.
Nossa!
Tem verde das pinhas e jacas rugosas de cheiro forte, roxo de uvas
e abacate amadurecendo. Que, de repente, pode mudar de roupa e ficar meio roxo
escuro.
Tem a cor estranha e variada da lichia espinhuda, preferida do meu
pai. Bem bobinha eu acho.
A cor e forma erótica da banana amarelada. Coitada! Tão simples e
tão mal falada!
Deve ser por causa da sua casca cômica... das escorregadelas.
Casca em pétalas compridas parecendo saia, tanto que a “Chiquita bacana lá da Martinica se veste com casca de banana nanica”!
Preferidas dos macacos. Virou mote perguntar pra macaco se quer banana.
Gente! O vermelho do morango! Vermelho de batom entre dentes
brancos. Ácido morango se banhando no creme de leite gelado e macio. Chamado
para chamar de seu o rosa fake dos sorvetes e picolés. Morangos do Desengano,
feira da minha infância onde eles eram colhidos pelas nossas mãos em canteiros
rasteiros e úmidos do sereno da madrugada. Bem ao lado do Grupo Escolar das
minhas primeiras letras e do meu primeiro beijo. Segredo carregado por séculos.
E do hino nacional, o Ouviram do Ipiranga.
A natureza gosta do vermelho e põe dele nos caquis doces que
sempre me lembram que meu aniversário está chegando! Como se as rugas já não o
me dissessem! Macios, parecem quentes escorrendo nas mordidas. Meu cunhado come
boleados em colheres. Que desperdício! É como comer manga em garfo e faca,
esquecendo que um dia foi comida direto da árvore, escorrendo pelos cotovelos e
sujando a ponta do nariz. A doce manga do pomar do meu avô paulista plantador
de café. Que também me apresentou o milagre das jabuticabeiras cobertas de flores
miúdas que logo depois são esferas pretas e sumarentas. Que comemos primeiro
com as sementes depois descartadas para caber mais. Árvore coberta dessas
bolinhas pretas mais parece oração de Deus.
E o que dizer da melancia barriga de grávida que a gente brinca de
comer e cuspir as sementes em quem por perto estiver. Ou acertar a pia. Ou
competir distâncias. Melancia que de tão fresca nos faz tremer de frio depois
de uma gula desenfreada. Melão também!
Goiaba verde e vermelha, perigosa nos seus bichos roliços e
brancos. Dizem que bicho de goiaba goiaba é. Não penso assim. Prefiro as mais verdes
e sem ocupantes ocasionais...
Tamarindo de casca seca e corpo peludinho num lindo marrom azedo
aparecendo na árvore frondosa em cima da porteira. Comidos lá mesmo num desfile
de caretas.
Tem a carambola, veneno para os doentes dos rins. Dentro da casa
de folhas penduradas até o chão, misturadas folhas e frutos verde claro, em
forma de estrela quando cortadas. Frescor do dia inteiro!
Tudo muito melhor dito na Refazenda do Gilberto Gil. Lá tem
tomate, fruta-legume, indeciso ele ou indeciso eu, pequeno, grande, redondo ou
pontudo, sempre vermelho em meio às folhas verdes do alface e de outros matos
salutares.
Calma, já estou em outro mundo. Legumes e folhas
saídos da mesma terra fértil, escura e cheirosa. Abobrinha, abóbora amarela,
berinjela, jiló e quiabo, doce beterraba e doce batata doce, batata e vagem e
couve-flor, chuchu e cenouras boas para as vistas porque coelhos não usam
óculos. Uma lista sem fim que leva a outra estória de cores e formas e sabores.desenho Ana Nunes |
A gente machuca a Natureza, suja as águas e polui os ares. E ela,
quase sempre serena, nos presenteia todos os dias, generosa, com suas coisas
boas e belas. E do lar!
Até mais.
1)Oi Ana, belíssimo texto, com ótimas vibrações, muitos nutrientes.
ResponderExcluir2) Os vegetarianos,veganos, naturalistas, macrobióticos, unibióticos, crudívoros e outras tribos da moda irão adorar as suas palavras.
3)Outros dizem que Deus, o Criador de todas as coisas é a Mãe Natureza e o Pai Ecossistema, casal bem Uno.
4)Bom fim de semana com muitas vitaminas, sucos, sumos e alegrias alimentares para todos nós !
Olá Antonio.
ExcluirGratidão pelo comentário.
Sim, Deus e Natureza devem andar juntos. Prova disso é a jabuticabeira quando se veste para festa.
Fruta é lazer, é divertimento, é remédio, é conforto e delícia.
Muitas alegrias alimentares para você neste domingo. Antes e depois da macarronada!
Até mais.
Ana
ResponderExcluirSó vc pra conseguir escrever com tanta facilidade
Pega um assunto e envereda por ele com sabedoria
Senti o sabor e o perfume das frutas
E ri em algumas frases como a do aniversário e os caquis ... e as rugas !!
Ótima salada de frutas para vc ! 😘
Léa querida,
ExcluirObrigada pelos seus comentários, aqui, no zap, ou na voz.
Sempre a primeira a me deixar feliz.
Até mais. Um beijo.
Pode, Aninha, podes falar de frutas e de qualquer outro assunto que quiseres, aliás, este seria um legítimo “papo saudável”!
ResponderExcluirTenho restrições por algumas frutas e uma ou outra detesto!
Só de sentir o cheiro saio correndo:
Banana.
Também não me apetecem goiaba, a fruta do caju – não a castanha, que tenho paixões -, manga, mamão, tanto o comum quanto o papaia. Cito as que mais gosto:
Melancia
Abacaxi
Pêssego
Uva
Melão, do RN, uma delícia
Pera
Maçã, a verde
Morango
Bom, vocês não querem saber dos meus gostos pessoais por essas iguarias, lógico, então vamos ao que interessa:
Mais uma vez, a Aninha nos brinda com um texto brilhante, bem feito, e que traz consigo algumas metáforas, como é do seu estilo pessoal e marcante.
O homem – melhor dizendo -, o homo sapiens, e se quiserem para eu ser justo, a “mulher sapiens” também, assim como essa variedade incrível de alimentos que a Natureza nos oferece para a nossa saúde, compomos este planeta da mesma forma.
Não nos diferencia das frutas e dos demais alimentos o fato de industrializá-los, plantá-los, de sermos racionais, nada.
Vivemos e somos frutos desta nave espacial chamada Terra.
E, até mesmo ambos os “sapiens”, tem seus sabores, seus gostos:
Existem os bons e os ruins;
As pessoas saborosas e as detestáveis;
As saudáveis e os que nos adoecem;
Os que possuem uma variedade de utilidades, e os que não servem para nada;
Os cascudos e os sem casca alguma, invariavelmente doentes, sujeitos a bichos e apodrecerem cedo demais;
Existem as pessoas doces e as azedas;
As bonitas de aparência, mas seus interiores são tomados de espinhos, que podem nos ferir com seriedade;
Aquelas sem gosto algum, tipo chuchu;
Pessoas que não podemos deixar de estar ao lado porque nos fazem bem, e aquelas que queremos distantes, pelo fato de nos fazer mal.
Logo, as frutas e os humanos são muito parecidos, independente de as nossas origens serem rigorosamente a mesma, filhos de um homem e de uma mulher, porém somos classificados como uma espécie tão variável e misteriosa, que não existem na Natureza nada semelhante nessas diferenças tão acentuadas entre os humanos.
E viemos da terra, assim como para ela voltaremos, conforme o ciclo da vida, exatamente como as frutas.
Curiosamente, na mesma proporção que os nomes de Adão e Eva são conhecidos no mundo, pelo menos no Ocidental, a maçã, como símbolo da tentação do primeiro casal, se tornou tão ou mais famosa que seus protagonistas.
Da mesma forma, Walt Disney se utilizou dessa fruta, que foi usada pela bruxa onde nela inoculou veneno, no célebre e imortal desenho A Branca de Neve e os Sete Anões.
Parabéns, Aninha, por mais este trabalho que nos brindas em pleno fim de semana.
E que deixa uma sugestão excelente e saudável para depois das refeições ou lanche ocasional:
Uma saborosa salada de frutas!
Texto delicioso, Aninha, além de proporcionar inúmeras interpretações a respeito, afora nos ter lembrado da necessidade de nos alimentarmos mais com frutas, ainda mais na minha idade, onde a mente é voltada para churrasco, maionese e pudim de leite!!!
Tá vendo?
Até eu sucumbi à tentação das frutas, pois vale dizer que se trata de outra apresentação tua que devemos aplaudir, como as anteriores, mas esta com um sabor indiscutivelmente próprio, característico, que me fez viajar no tempo ao me lembrar das infindáveis vezes que eu catava laranja e bergamota nos pés dessas árvores, e a gostosíssima amora nas amoreiras, que manchavam as roupas inapelavelmente, e cortar os cachos de uvas das parreiras tomadas dessa iguaria incomparável, pelo fato da bebida dos deuses que produz:
O vinho!
Um brinde à tua crônica, Aninha.
Abraços.
Saúde, muita saúde junto aos teus amados.
Olá Francisco Bendl,
ExcluirComo você está comportado!!!
Gostei demais do paralelo fruta\homem. "Os cascudos" foi ótimo. Existem mesmo esses cascas grossas a nos entristecer quando estamos suscetíveis ou nos irar em dias atacados. Pessoas doces e azedas, bonitas ou feias (coitadas, não têm culpa!).
E as insuportáveis. E as "maduras". Viva nós!
Viva o vinho - isso parece cartilha para vovós beberrões:
Vovô viu a uva
A uva virou vinho
O vinho veio vermelho
Pode continuar a cartilha! Como dizia o meu professor Vlad, importado da terra dos vampiros, " isso dá sámba". Será que na nossa cartilha o vermelho do vampiro é vinho?
Obrigada amigão.
Até mais.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirÉ interessante verificar como a senhora jogou "a infinita gama de cores da Terra e as formas, texturas, sabores e cheiros da Natureza" no seu texto e não nos seus desenhos que, no entanto, mesmo pretos no branco me parecem extremamente apetitosos. Sim, concordo que frutas devem ser devoradas escorrendo entre as mordidas, nos lambuzando o nariz, o bigode e as mãos e – vá lá! – quem sabe os cotovelos? (rsrs)
Mas essa deliciosa aventura hortifrutograngeira começa antes da pia , não é mesmo? Ou pelo menos assim me garantem as minhas memórias alimentares dos anos 90 quando levávamos os quatro curumins para tomar o café da manhã que preferissem no mercado da Cobal. Tudo bem se fosse um suco com um misto quente, quibes ou esfihas com guaraná, pão sírio com babaganuche ou homus tagine , bolo de chocolate. musse de maracujá ou biscoitos de nozes. Qualquer opção era válida porque era sábado!
E depois vinha o melhor da festa: decidir o que iríamos comer durante a semana e escolher os produtos, uma arte complicada. Posso lhe garantir que, no que se refere aos abacaxis, não basta que tenham uma bela cor amarelada e um doce perfume, para ter certeza que estão prontos para o consumo há que examinar a coroa e puxar uma das folhas: se sair com facilidade a fruta está madura! (rsrs) Chegávamos em casa abarrotados de delícias que precisavam ser lavadas, porcionadas, colocadas na geladeira e no freezer e, é claro, cozinhadas. Cadê tempo com os miúdos aprontando à nossa beira? Aqueles almoços de sábado não podiam ser mais básicos: uma salada verde, um arrozinho estrugido com bifes e/ou galetos e, de sobremesa, é claro, salada de fruta! À tarde antes de sair para levar a galera para o cinema ou passeio escolhido deixávamos um minestroni adiantado sobre o fogão. Delícia! E apesar da correria o tempo todo experimentávamos o ótimo sentimento de estar dando conta do recado: alimentando e educando da melhor forma possível a nossa tribo.
Hoje a velha Cobal está na CTI mas ainda vamos à feira sempre que podemos porque continuamos acreditando que cozinhar é um ato de afeto, que reunir a família “no lar” em torno de comida de qualidade é um programa divertido, mais barato, saudável e saboroso.
“Até sempre mais"
Olá Moacir,
ExcluirMuito bom esse tal de "estrugido". Tive que olhar no dicionário, pode ser refogado ou estrondoso. Acho que vou usar!
Nessa nossa época carente dos heróis, onde até tentaram tirar o mérito do Tiradentes, eu os elejo, o casal, como meus heróis favoritos. Eu nunca iria com QUATRO miúdos fazer compras para a semana. Com o agravante de serem essas compras de acordo com o menu escolhido democraticamente! Haja coragem, audácia e paciência. Eu não iria nem se os miúdos já fossem graúdos, tipo dezoito anos.
Parabéns estrugidos ( estrondosos!) a vocês dois.
Minha irmã também fazia compras na Cobal. E se não me engano era lá que tinha uns ótimos congelados de uma alemã famosa.
Reunir gente querida em volta de uma mesa é muito, muito bom! Desce até uma comidinha tipo "engasga lobo". E cozinhar, só com afeto!
Parabéns de novo e de novo gratíssima pelo comemtário! ( que me fez avaliar se fui mesmo uma ótima mãe...Não conclusivo.)
Até sempre mais.
Prezada Autora Sra. ANA NUNES,
ResponderExcluirAssim como PELÉ, outro Mineiro ilustre, fazia o que queria com a redonda bola de futebol e esta docilmente lhe obedecia em tudo, principalmente indo beijar da redes, a Artista Plástica e Escritora Sra. ANA NUNES faz o que quer das Letras como bem demostrado nessa "Posso falar de frutas", onde elas além de obedientes, muitas vezes até se antecipam ao seu Pensamento, formando sempre um todo harmônico.
Feliz de quem, além de outros dons ( Artes Plásticas, etc) tem o dom de Escrever bem, e a Sra. ANA NUNES escreve muito bem.
Saudações.
Olá Flávio Bortolotto,
ResponderExcluirCavalheiro como sempre.
Se sou o Pelé das letras, não o somos todos? Você com a economia, o Moacir com os livros, viagens e arte, o Chicão com as coisas da vida, da filosofia e da ópera, o Antonio com as maravilhas do espírito, o Mano com as coisas do passado e as relações delicadas que encontra pelo caminho e os livros que o prepararam e divertiram vida a fora.(a fora ou afora? Tenho sempre dúvidas, aí vou desavergonhadamente alternando. Um dia, espero, chego ao definitivo!)
De diferente trago os meus desenhos, afeto antigo e realização tardia mas intensa depois dos quarenta.
Grata por dividir comigo a leitura do meu post e os seus elogios.
Até mais.
Dizer o que das suas frutas, que vocë não tenha dito melhor com sua mágica? Só que fico muito contente de que elas te lembrem que construímos juntos (você pela maior parte) e gostamos de viver neste "lugar de trabalho, descanso e de afetos." Principalmente, de afetos...
ResponderExcluirAh, marido!
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