Do outro lado do lago - fotografia WBJ |
Wilson Baptista Junior
Alguns dias
atrás estávamos almoçando com um novo conhecido, um engenheiro argentino que
estava em Belo Horizonte para fazer um trabalho. Conversando de viagens, e a
certa altura ele contou que se admirava de ter conhecido aldeias na Itália onde
os moradores não tinham contato com os moradores de aldeias vizinhas, nos vales
seguintes, era como se o seu mundo estivesse contido naquele horizonte fechado
pelas montanhas.
E eu lhe
disse que tinha visto coisa parecida, mas nem precisava ir tão longe, isso já
foi muito comum; o meu bisavô paterno, o velho Mestre Augusto, carpinteiro de
Santa Luzia, o mais longe que tinha ido de sua casa foi numa viagem até Ouro
Preto, coisa de umas dezesseis ou dezoito léguas, como se dizia no seu tempo, e
assim mesmo apenas porque, sendo considerado um dos homens de mais confiança de
sua cidade, foi escolhido para escoltar um preso até a cadeia de Ouro Preto. Se
não fosse por isso provavelmente nunca teria viajado tanto.
E
comentávamos que do outro lado das serras mineiras, ou dos vales italianos, naquele
outro mundo desconhecido, as pessoas que não se conheciam eram as mesmas, a
terra era a mesma, os rios corriam do mesmo jeito, o sol se punha à tarde e se
levantava de manhã, e os pássaros voavam no mesmo céu de um lado para outro.
E me lembrei
de ter ouvido uma história, contada ou inventada não sei por quem, do menininho
que voltou da escola onde a professora tinha dado uma aula de geografia e o pai
lhe mostrou uma revista com uma fotografia tirada por um astronauta, dizendo: “Veja
aqui os lugares que você estudou”. E o menininho perguntou: “Mas Papai, onde
estão as linhas?” e o pai perguntou “Que linhas, meu filho?” e o menininho
respondeu “Aquelas linhas, Papai, que separam os países...”
fotografia NASA |
Não sei como
o pai acabou explicando para ele que aquelas linhas estão na cabeça e no
coração dos homens, foram postas lá através do tempo e dos desentendimentos e dos
medos e das ambições que conduziram a história desse mundo que nasceu sem elas.
Na
fotografia que abre este post vemos dois pedaços de deserto, um da cada lado de
um grande lago, que têm a mesma areia, as mesmas pedras, o mesmo céu, mas são
separados por uma das linhas invisíveis mais tristes e mais raivosas entre
tantas. Eu tirei a fotografia pisando a areia do Deserto da Judeia, e as
colinas do outro lado do lago, que é o Mar Morto, formado pelas águas do
Jordão, são as colinas de Golan. Foi daquele lado de lá que um dia três reis
magos vieram seguindo uma estrela para saudar um menino que havia nascido do
lado de cá e que mais tarde foi batizado nas águas do mesmo rio que forma o
lago que divide os dois pedaços do deserto.
Será que
algum dia essas linhas mundo a fora deixarão de separar à força as cabeças e os
corações que vivem de cada lado delas? Será que algum dia poderemos fazer a
mesma pergunta do menininho?
Eu gostaria
tanto de pensar que sim...
Mano
ResponderExcluirSerá uma utopia pensar que um dia não teremos estas linhas ?
Seria uma imensa união dos países e povos
Gosto de seus textos e não pode passar muito tempo sem escrever neste blog
Uma reflexão motivada por uma pergunta tão simples de uma criança
Um grande e carinhoso abraço
Léa, provavelmente nunca passará de uma utopia, mas com certeza podemos tentar andar um pouco na direção dela. E fico contente de você ter gostado. Um grande abraço do seu "primo torto" Mano
ExcluirSem linhas e sem muros? Aqui onde eu moro não precisamos de muros e nem portões. Poucos tem isso aqui.
ResponderExcluirTita, você é feliz de ainda morar num lugar assim, Mas eu queria que houvesse muitos mais lugares como o seu...
ExcluirUm abraço do Mano
1) Belíssimo e importante texto. Parabéns Wilson, escreva mais e nos brinde com estas maravilhosas lições de Humanismo.
ResponderExcluir2) Lembrei que no "Planeta Júpiter a vida é assim: sem linhas, lá o índice de criminalidade é zero e, de fato, é um planeta onde reina o amor ao próximo".
3) E antes que alguém pense que eu estou louco, informo que a fonte acima está na Revista Espírita, editada por Allan Kardec, março de 1858.
4) Eu acredito, mas ninguém é obrigado (a) a aceitar. Belo dia, não importa em que milênio nossa Terra será como propõe o texto do Mano, um Paraíso.
Obrigado, Mestre Antonio. É bom pensar que alguém mais tem essa esperança. Mesmo que pareça uma esperança louca.
ExcluirUm abraço do Mano
Texto bonito e inteligente, meu caro Wilson.
ResponderExcluirSe as linhas que separam os países não existem na prática, assim como paralelos e meridianos, a criança nos ensina que nossas mentes possuem limites, que nos impomos barreiras imaginárias, que balizamos a nossa existência.
Por um lado é importante que tenhamos referências, e que devem ser seguidas; pelo outro, nos faz pensar que sempre seremos regidos por alguém ou por algo em nossas vidas.
O mais curioso:
Assim como as nações são diferentes uma das outras em tamanho e os limites territoriais comprovam, afora modos e costumes, tradições e idioma, também é o ser humano que difere do seu semelhante não só em tamanho, mas como se houvesse dentro de cada um de nós um universo à parte.
E, dependendo dessas linhas mentais, poderemos nos tornar desertos ou vales, cuja beleza, terra fértil, clima, favorecerão o surgimento de pessoas que dela dependeremos, e que continuarão a demonstrar igualmente em nossos pensamentos que, até entre seres humanos, as linhas divisórias existem que se apresentam na prática, na realização pessoal, na grandeza individual, na honestidade, caráter, bondade, no cidadão útil para si e à sociedade.
Aqueles que obedecem as linhas, jamais terão limites em suas vidas para realizar, construir, sentir, oferecer, solidarizar, amar;
Os que as desobedecem, suas existência serão cada vez mais restritas, mais limitadas, mais difíceis, e jamais conhecerão a vida sem limites.
Aplaudo o texto postado, Mano.
Inteligente, e que nos obriga a refletir sobre a necessidade de termos linhas na vida, porém não para que tenhamos limites, mas que sejam estendidas, que devemos sempre sobrepujar nossos próprios limites.
Abração.
Saúde, muita saúde, junto aos teus amados.
Chicão, seu belo comentário abriu uma outra vertente e uma outra conversa para a questão das linhas. E é exatamente as linhas que você diz que devemos ter nas vidas que nos dão as esperanças de que algum dia (por mais longe que seja, como diz o Antonio) as de que fala meu post possam um dia, se não desaparecer, ao menos se tornarem mais humanas.
ExcluirUm abraço do Mano
Wilson,
ResponderExcluirTiro o chapéu para um grande post! Infelizmente essas “linhas” divisórias são profundamente humanas, não é mesmo? O problema é que não somos anjos caídos mas bichos bípedes. Embora hoje o cérebro pensante saiba que todos os seres vivos compartilham pelo menos uma ínfima partícula de DNA comum, ele é algo recente nos bilhões de anos que levamos para ser poeira cósmica e bactérias e vertebrados e peixes e primatas e todos os homos que fomos até chegarmos aqui, nesse mundo que está longe de ser de razão pura (rsrs) O verniz da nossa civilização é fino e por baixo dele, ainda moram à flor da pele, os sangrentos genes primordiais das nossas feras.
Sucede que enquanto evoluía do reino animal, em vez de se concentrar nas semelhanças, nas humanices, o bicho homem foi forçado a identificar as diferenças, a focar na diversidade. Na luta pela sobrevivência diária ele foi treinado para temer e tratar como suspeita qualquer coisa que se desviasse da "norma". Perigo! Sem o medo do desconhecido gerado na parte mais primitiva da mente emergente e capaz de deixá-la alerta e pronta para encarar ou fugir, nossa espécie não tería chegado até aqui.Já nas cavernas nossos avós fundaram uma esquerda evolutiva, um ancestral grito de guerra "nós versus eles" então vital para a proteção da prole, do território e da caça contra os intrusos com aparência, ideias, costumes e projetos diversos dos da tribo. A xenofobia e os preconceitos, as linhas e os muros são pois muuuuuuito antigos. Desconfio que jamais seremos capazes de domesticar, nos nossos genes, essa tendência para levantar bandeiras e empunhar armas. É instinto.
Tudo bem que pela estrada a fora também adquirimos a capacidade de trocar conhecimento, de contar estórias e de acreditar em ficções compartilhadas. É verdade que inventamos os deuses julgadores, as leis, a arte, a hospitalidade e que tudo isso, por mais provável ou improvável, nos transformou em criaturas também capazes de consciência moral, valores éticos e amor altruísta. É fato que tentamos redirecionar a nossa ancestral agressividade para esportes, jogos, conquistas amorosas, sucesso profissional, brigas de galo e “debates”(rsrs) Mas o cenário a nossa volta parece demonstrar que não temos sido bem sucedidos na tentativa de erradicar esse legado separatista e belicoso. Continuamos apegados ao pronome "eu", significando com ele uma narrativa individual de experiência, percepção e pensamento que defendemos com unhas e dentes e seguimos em frente viciados em adrelanina precisando de tribos e de inimigos, de linhas para invadir e de fronts de guerra.
A pergunta é: “Quo vadis Homo sapiens?”, aliás o título de um livro (rsrs) Para o ensino da empatia e da tolerância nas escolas a exemplo da Dinamarca? Para o alto, para um alargamento da consciência, uma evolução espiritual, uma revolução almada? Para a criação intencional através da engenharia genética de um novo Homo, de uma outra espécie “editada” mais equilibrada e menos destrutiva, capaz de conviver com seus iguais e desiguais e o seu meio ambiente pacificamente? Ou será que a evolução futura da humanidade em vez de morar em nossos genes, residirá em nossa tecnologia? Findaremos sendo apenas os construtores da próxima inteligência dominante na Terra - as máquinas?
Abração
Moacir, vinda de quem vem, como não gostar dessa barretada? E sim, você demonstra muito bem que, como eu disse, "aquelas linhas estão na cabeça e no coração dos homens, foram postas lá através do tempo e dos desentendimentos e dos medos e das ambições que conduziram a história desse mundo que nasceu sem elas." Porque o "nós versus eles" vem do medo, infelizmente tantas vezes justificado na luta pela vida, dos "intrusos com aparência, ideias, costumes e projetos diversos dos da tribo", cujos projetos diversos dos nossos e conflitantes na luta pela vida e pelo território nos fazem recusar a sua aparência, ideias e costumes em prol de defender os nossos. E a esperança de harmonia num mundo que tem lugar para todos fica cada vez menor à medidda em que os todos viram tantos e consomem cada vez mais os limitados recursos dessa nossa espaçonave azul e solitária (ainda) que navega em meio às estrelas e não descobriu ainda como crescer junto com a nossa ambição.
ExcluirTambém não sei para onde vamos. Resta, no fundo do coração, a esperança de que descubramos o bom caminho antes que ele nos seja ditado pelas máquinas que, bem ou mal, herdarão as mentes dos seus criadores.
Um abraço do Mano