Capa de livro (kinga-thebooksnob.blogspot.com) |
Moacir Pimentel
Se você que está lendo esse post se perguntar por
quais cargas d'água eu decidi rascunhar uma “minissérie” pré-histórica,
permita-me explicar que trata-se de um interesse muito antigo. Acontece que há
quarenta anos viajar sozinho com uma mochila nas costas por esse mundão a fora
às vezes era uma aventura bastante solitária.
Graçasadeus nas hospedarias das grandes cidades da
Ásia, que serviam de portão tanto de chegada quanto de saída para os viajantes,
havia sempre um armário cheio de livros que turistas generosos deixavam para
trás quando voltavam para casa. A lei não escrita da estrada era clara no
sentido de que, para se pegar um deles, era necessário se colocar outro no
lugar.
Para alguém que lê com a minha voracidade, aqueles
livros foram uma benção. E a leitura de um deles, um paperback de quinhentas
páginas sobre a Pré-História na Era Glacial, da lavra
da escritora norte-americana Jean M. Auel e de nome The Clan of The Cave Bear – O Clã do Urso da Caverna - me absorveu
de tal maneira por estradas indianas e nepalesas que, de volta à civilização,
só sosseguei depois de ter visitado a caverna de Altamira, na Espanha, e a
réplica da de Lascaux, na França. É que no comecinho dos anos oitenta sobre a
Caverna de Chauvet – a última ponta do triângulo das cavernas - de nada ainda
se sabia.
O fato é que aquele romance pré-histórico
ambientado na Europa do Paleolítico Superior e cujo foco é a evolução da espécie humana moderna no
período de sua coexistência com os humanos arcaicos, ou seja, os neandertais,
bombou! Tudo bem que o livro depois virou um péssimo filme e, em seguida, uma “franquia” chamada Earth's Children - Filhos da Terra – bem cansativa devido às
constantes e longas repetições explicativas de fatos que haviam rolado nos
volumes anteriores. É verdade que, gradualmente, a saga foi perdendo o charme e
a força do livro original mas, mesmo assim, vendeu muitas dezenas de milhões de
cópias e me tornou um ávido leitor e aprendiz do tema Pré-História.
Nessa loooonga
estória a protagonista é a Ayla, uma garotinha sapiens separada de seus pais
aos cinco anos devido a um terremoto que, por acaso, também destrói a caverna
que servia de morada para uma tribo neandertal, o tal do Clã do Urso da
Caverna. Depois da tragédia e de enterrar os seus mortos o clã viaja à procura
de um novo lar e então se depara com a pequena órfã quase morta em seu caminho.
Ela é então adotada
por dois poderosos membros do Clã, a curandeira Isa e o xamã Creb, irmãos do
líder Brun, e passa a se esforçar para se encaixar na sua nova família para
quem tudo nela era sem precedentes e que se refere à menina como uma “dos
outros”.
Sim, porque a criança
era física e intelectualmente mais evoluída do que as pessoas do clã
neandertal. Ela era alta, magra, curiosa e tagarela. Eles eram baixos,
musculosos e silenciosos pois se comunicavam através de um tipo de linguagem de
sinais. Porém a maior diferença entre Ayla e sua nova tribo, pelo menos nos
escritos da autora americana, era a mente: a dela uma esponja que absorvia
novas informações e saberes, a deles um lento banco de dados que chamavam de “memórias”.
Ou seja, na ficção os
do clã lembravam bem mais do que aprendiam pois possuíam cérebros
superdimensionados para armazenar todo o conhecimento acumulado por inumeráveis
gerações. Como se não bastasse tinham um rígido conjunto de papéis de gênero,
incluindo regras duras quanto às mulheres do clã serem proibidas de caçar e de
falar com os machos–alfa da tribo sem serem autorizadas (rsrs)
Ayla, por óbvio,
diferentemente dos demais pirralhos do clã que só necessitavam aprender como “lembrar”,
não possuía nenhuma dessas “memórias” inatas nem podia recordar as soluções à
medida que precisa se virar ao lidar com problemas e desafios. Ela teve que
aprender e aprendeu mas não se conformou com as rígidas expectativas impostas
às mulheres da sua nova tribo, brutalmente patriarcal, até porque os papéis dos
seus homens e mulheres eram totalmente determinados biologicamente já que eles
nasciam com diferentes conjuntos de conhecimento de acordo com o gênero. Ou
seja, para o clã os papéis e as normas de gênero eram imutáveis. Complicado!
Sucede que Ayla não
parou de crescer até ficar muito mais alta do que o mais alto dos machos e
mesmo sabendo que a pena para o crime de usar uma arma seria a expulsão da
tribo – ou seja, a morte! - treinou escondido até que dominou o uso de uma
funda e passou a caçar predadores e animais de pequeno porte e se tornou
provedora.
É que a garotinha não tinha as limitações biológicas das mulheres neandertais
e, portanto, quando lhe era dito que não podia fazer isso ou aquilo,
simplesmente dava de ombros, ia em frente de qualquer maneira e fazia o que bem
entendia melhor do que os homens. Em última análise a autora da ficção insinua
que a capacidade da Ayla de aprender a fazer o trabalho de mulheres e homens
foi fundamental para sua própria sobrevivência e segurança e a chave tanto para
a evolução da humanidade quanto para a extinção dos neandertais.
O resumo da ópera é
que a garota percebe que o clã, opressivo e incapaz de mudar, está condenado e
apesar de seu compromisso com as pessoas que a criaram começa a se perguntar se
existe uma maneira alternativa de viver. Ao ser finalmente expulsa da tribo pelo
novo líder, o impetuoso e agressivo Broud, ela decide empreender uma jornada
para encontrar “os outros”, os da sua própria espécie e deixar de ser o que
havia sido desde menina: diferente. E então mesmo que o romance inaugural da
série termine com a moça rejeitada e sozinha, entendemos que ela ficará bem. E
entendemos que a humanidade também o fará porque somos tão engenhosos e
imaginativos quanto a Ayla.
Mas afinal, como era
esse tal de clã, como era esse tal de Homo sapiens neanderthalensis e no que ele diferia
de nós?
Bem, eu diria que, no geral, os neandertais
não eram tão feios quanto a cultura pop os pinta. Com a barba feita, um banho
de loja e um bom corte de cabelo, não pareceriam tão estranhos nas nossas
praias (rsrs)
Modelo de cabeça de homem adulto neandertal - Smithsonian Museum of Natural History (fotografia Wikipédia) |
Para começo de conversa o nome deles é a tradução
literal do local onde a primeira ossada do homem arcaico pré-histórico foi
encontrada, em uma caverna no Vale de Neander, perto de Düsseldorf, na
Alemanha. Em alemão “tal” significa
vale.
Sabemos que seu tempo médio de vida era de trinta
anos, que seus cérebros eram maiores do que os nossos, que possuiam maxilares
protuberantes, testas recuadas e quase nenhum queixo, que tinham narizes largos e
salientes, olhos enormes e sobrancelhas salientes e que, assim como Jean Auel
os descreveu, muitos deles tinham cabelos loiros ou ruivos e muitos pelos. Sua altura média era de um metro e sessenta e oito
centímetros, eles tinham pernas
e antebraços curtos - o resultado de sua adaptação ao frio - seus ossos eram espessos e pesados e as ossadas
encontradas mostram sinais de poderosas ligações musculares e de vidas
brutalmente difíceis. Digamos que era uma galera extraordinariamente forte!
Os neandertais foram caçadores formidáveis,
desenvolveram instrumentos de caça elaborados lascando as pedras para se
tornarem pontiagudas. Os caras matavam mamutes com
apenas lanças de mão! Eles inventaram o primeiro processo industrial
conhecido: a produção de uma cola de casca de bétula com a qual prendiam pontas
de pedra em lanças. Também foram as
primeiras criaturas viventes a usar peles para se proteger do frio e a enterrar
seus mortos, sendo de um deles uma das mais antigas sepulturas de que se tem notícia,
com mais de cem mil anos.
A taxonomia completa do ser humano contemporâneo
jura de pés juntos que pertencemos ao reino animal, que somos mamíferos e
vertebrados, da ordem dos primatas, da família Hominídea, da espécie Homo
sapiens e da subespécie Homo sapiens
sapiens.
Acontece que o termo binominal Homo sapiens foi cunhado em 1758 pelo sueco Carl Linnaeus, o pai da
Taxonomia. O uso dos binômios –
o primeiro referente ao gênero e o segundo à espécie do ser vivo descrito
– é prático e simples e o sistema de classificação, chamado de “divisão e denominação” segue uma
hierarquia facilmente abstraída.
Só que não havia motivo, no século XVIII, para o
cientista pensar que o adjetivo “sapiens”
também acabaria qualificando outros membros adicionais da mesma espécie. O
primeiro fóssil de um neandertal só foi descoberto no século XIX muito depois
do nosso batismo!
A verdade é que quando as evidências fósseis de outras subespécies extintas começaram a emergir da
terra em fluxo constante, os limites e definições do gênero Homo ficaram mal definidos e até
confusos e é por isso que lemos Homo
sapiens neanderthalensis e Homo
sapiens sapiens.
Note que, historicamente, o pensamento simbólico e
as obras de arte têm sido apresentados como prova da superioridade cognitiva
dos humanos modernos, como exemplos das habilidades excepcionais que definem
nossa espécie. O povo neandertal, em comparação, sofreu, digamos, um ataque de fake news desde que os seus primeiros
esqueletos foram desenterrados (rsrs) O certo é que Dona Ciência se não os
batizou como stupidus, já os
descreveu como incapazes de concepções morais ou teístas.
O mundo já percebeu, no entanto, que os nossos
primos arcaicos não eram menos inteligentes do que os humanos modernos. Também
não há evidências de que a nossa superioridade cognitiva os tenha levado à
extinção há quarenta mil anos atrás de Portugal, no oeste, até as montanhas da
Ásia Central, no leste, enquanto nós sobrevivíamos.
Apesar da visão dos neandertais como brucutus ser
um dos estereótipos mais duradouros da cultura pop, todas as evidências
arqueológicas atestam que essa imagem não tem qualquer base e que a lenda
urbana de que eram pouco dotados intelectualmente foi uma maneira simplista de
explicar porque eles desapareceram.
Simplesmente os “sabichões” deduziram que os
humanos modernos tinham uma melhor cognição e que ela teria se manifestado, é
claro, em uma caça mais cooperativa, em melhores armamentos, em uma dieta mais
ampla, em uma reprodução mais eficiente, em mais inovação adaptativa e outras
vantagens importantes. As explicações podem até dar ótimas estórias, mas o
único problema é que não há arqueologia para apoiá-las.
Na realidade todos comparam os neandertais arcaicos
com seus sucessores, os humanos modernos que viveram no Paleolítico Superior, e
não com os humanos que viveram ao mesmo tempo que eles, há duzentos mil anos
atrás. Isso é como dizer que os habitantes no século XIX eram menos
inteligentes do que nós porque não tinham laptops(rsrs)
O Clã do Urso da
Caverna me pegou pelo pé principalmente pela quantidade e qualidade da pesquisa
realizada pela sua autora. A
narrativa fazia uma descrição detalhada da botânica, herbologia, fitoterapia,
arqueologia e antropologia. Ao falar, por exemplo,
das cavernas pintadas e das esculturas talhadas em osso nelas encontradas, a
escritora elenca os pigmentos, os materiais e as técnicas usadas e motiva
qualquer um a visitá-las.
No entanto foram os personagens do romance pré-histórico que, pelo menos
para mim, transformaram o livro em uma janela através da qual eu pude
vislumbrar através do tempo e de uma imensa distância os nossos ancestrais e
desejar conhecê-los, experimentar o mundo através de seus sentidos, saber como
viveram, entender como e o quê pensavam quando olhavam para um céu estrelado.
Se eu pudesse entrar na cabeça deles, me depararia com um animal sem compreensão ou encontraria sinais
de consciência e, nesse espelho, me reconheceria? Será que eles imaginavam que
as ferramentas que fabricavam e seus ossos durariam incontáveis gerações e, ao
fim e ao cabo, conversariam com seus descendentes? Que se perguntavam sobre o
futuro de seu povo, se haveria herdeiros para o seu mundo e os seus modos?
A escritora foi capaz de me conectar com os prezados neandertais, de me
soletrar que, de certa forma, eles eram exatamente como nós mas que de muitas
outras maneiras, ainda eram muito parecidos com os animais que vieram antes
deles. Jean Auel me fez aceitar “de boa”, como diz a juventude, que venho do
mundo animal. Naquelas páginas, pela primeira vez na vida, me percebi parte de
uma corrente evolutiva de ancestrais e descendentes e experimentei uma espécie
de parentesco com o resto da criação.
Ao descrever a
personagem Isa, a curandeira neandertal que criou Ayla, ela revela detalhes
preciosos da flora, da fitoterapia ancestral. O romance nos soletra como fazer
e usar ferramentas de sílex, como caçar e escarnar animais, como pescar trutas
com arpão e esturjões com redes - e comer suas ovas com as mãos! - como preparar
e pintar o couro, como cozinhar em circunstâncias pré-históricas, cardápios
tanto neandertais quanto sapiens (rsrs)
É claro que a autora
fundamentou o seu mundo fictício nas teorias arqueológicas aceitas e apoiadas
pela academia enquanto escrevia o romance. À época os doutos teorizavam, por
exemplo, que os neandertais não teriam sido capazes de articular porque ossos
hioides – que dão sustentação à língua e são a única
parte do esqueleto que não
se liga diretamente a nenhum outro osso – não tinham sido
encontrados nas
suas ossadas já escavadas.
Por isso ela dotou o
seu clã com uma baixa capacidade de articulação verbal compensada por uma rica
linguagem gestual. E não é que o tal ossinho sem o qual um sistema fonador
neandertal teria sido muito prejudicado foi finalmente descoberto pela primeira
vez em um túmulo, em 1989, dez anos depois da publicação do romance?
Na primeira página do livro havia a ilustração de
um mapa da Europa, com todos os sítios arqueológicos do roteiro fictício a ser
percorrido por Ayla, onde haviam sido descobertos - na real! - restos
culturais, utensílios e pinturas e esculturas dos cro-magnons da Idade do Gelo.
Sim, trata-se em parte de literatura de
viagem, a da Ayla, mulher feita, desde a atual região da Ucrânia até a
fronteira entre o sul da França e o norte da Espanha – o paraíso das cavernas
pintadas! - ao longo de uma rota indireta pelo vale do rio Danúbio para
encontrar o povo de Jondalar, o companheiro de viagem e vida que a moça encontra
enquanto exilada no segundo volume da série.
Outro aspecto riquíssimo do romance mora no próprio título – Clã do Urso
da Caverna! - ou seja no link estabelecido pela escritora entre o povo
neandertal e os ursos gigantescos que então povoavam as cavernas da Europa.
Essa proximidade não foi apenas um produto da imaginação da autora, mas
fruto do seu minucioso dever de casa. Sucede que no início do século XX, um
arqueólogo amador estava explorando uma caverna nos Alpes Suíços quando
descobriu muitos crânios e ossos de urso que pareciam ter sido arrumados em
padrões específicos: sete crânios encaravam a entrada da gruta, enquanto outros
seis se encontravam dispostos em entalhes nas paredes laterais da caverna. Além
disso um osso da coxa de um deles fora inserido na cavidade ocular do crânio do
maior dos animais.
A caverna já era conhecida pelos habitantes da região e por eles fora
batizada de Drachenloch - Covil dos
Dragões - apesar dela abrigar milhares de ossos de urso. É provável que, no
entender do povo local, somente predadores poderosos como os dragões teriam
sido capazes de matar tal quantidade de ursos enormes (rsrs)
Foi daí que surgiu a tese de que os ocupantes neandertais daquela
caverna, teriam possuído algum tipo de espiritualidade
e considerado os ursos como guardiões e talvez até mesmo praticado algum tipo
de culto. O fato é que a conexão mística entre ursos e neandertais não é algo
isolado e restrito à ficção ou apenas à tal Caverna dos Dragões.
A existência ou não desse culto entre os neandertais na Eurásia Ocidental
no Paleolítico Médio tem sido uma discussão estimulada por descobertas
arqueológicas de novos ossos de Ursus spelaeus “em seguidinho” em outras
cavernas na Suíça, na Eslovênia e nos Alpes austríacos e na Borgonha francesa,
que intrigam os arqueólogos por causa de seus arranjos naturalmente
impossíveis, de suas caveiras colocadas em cima de pedras/pedestais em posições
estranhas ou em composições peculiares e cerimoniais.
No seu romance Jean Auel descreve como Creb, o xamã da tribo de
neandertais, faz uso de ervas alucinógenas para ver o passado e o futuro, em
cerimônias secretas de culto a Ursus. Em 2012, trinta e dois anos depois, uma
análise de DNA nos dentes de um neandertal de cinquenta mil anos de idade,
encontrado em El Sidrón, no norte da Espanha ao lado de mais uma caveira do
bicho, sugeriu que o seu dono consumia plantas não por gosto, mas por valores alucinógenos. Tais
evidências, é claro, turbinaram a hipótese de “culto” e fizeram muita gente boa
especular que os neandertais exploravam cavernas
profundas, presumivelmente com o propósito de induzir êxtases ou estados
alterados de consciência há cinquenta mil anos atrás, se não muitos milhares de
anos antes.
Muitas das cada vez mais frequentes descobertas arqueológicas e
informações genéticas recentes batem com aquelas que li, tanto tempo faz, nas
estórias do clã do meu encanto (rsrs) Pelo menos os neandertais meus velhos
conhecidos, lá nas páginas do romance histórico, eram sim espiritualizados e
adeptos do totemismo. Ou seja, acreditavam que cada um dos membros da tribo tinha um
parentesco, uma relação com um ser espiritual e que essa entidade ou totem,
geralmente um animal, além de servir como seu emblema ou símbolo, também
interagia com o indivíduo, como um companheiro, um protetor, com poderes e
habilidades sobre-humanas.
Essa narrativa totêmica
cometida pela escritora Jean Auel converge com aquelas feitas pela academia
sobre o totemismo, descrito pelos especialistas como um complexo de idéias e comportamentos
com base em uma visão de mundo extraída da natureza, ou seja, um conjunto de
práticas místicas na organização social de populações cujas economias
tradicionais dependiam da caça e da coleta.
No mundo das cavernas
inventado pela autora americana cabia ao mogur Creb, o xamã do clã, descobrir
qual era o totem de cada criança da tribo. No caso da estrangeira Ayla a
escolha foi fácil porque a menina escapara do ataque de um leão que no entanto,
deixara-lhe na coxa as cicatrizes causadas pelas suas garras (rsrs) Além dos
totens individuais, o Clã, como um todo, acreditava ter a proteção de “Ursus”, o gigantesco morador das cavernas.
Lendo as vívidas descrições que a escritora faz da vida da tribo, a gente
percebe que os membros do clã se identificavam com o animal porque ele vivia e
sobrevivia no mesmo contexto que a tribo, também colhia, pescava, era doido por
mel, se abrigava do inverno nas grutas e, embora se defendesse de modo violento
e fatal, se o deixassem em paz vivia e deixava viver. Note que esse
comportamento “humano” do bicho devia ser mais evidente antigamente quando os
próprios humanos andavam cobertos de peles (rsrs)
Mas não se pode ler a ficção sem questionar os por quês dessa veneração
dos nossos primos ancestrais pelo urso em vez de pelo leão da caverna, tão mais
feroz e poderoso, ou pelo mamute, o maior dos mamíferos. A única hipótese que
me vem à mente capaz de explicar um suposto culto ritualístico de grande
antiguidade centrado no animal é simples: por causa do hábito de hibernação dos
prezados ursos.
Escapava ao neandertal que, depois de comer loucamente durante os verões, os ursos simplesmente tirassem o time de campo, dormindo por meses a fio sem
beber e comer durante os invernos. Como poderiam os primos entender que nesse
período o metabolismo dos bichos operava bem mais devagar e que a queima da
gordura estocada nos seus corpos liberava a água e as poucas calorias de que
eles necessitavam para sobreviver? O homem
neandertal sabia que se permanecesse em uma caverna, como um urso, sem se
alimentar durante todo um inverno, com certeza, seria um sujeito bem morto na
próxima primavera. Logo se o urso não morria então só podia ser um “deus”.
Na minha modesta opinião, o “culto do urso” se é que existiu, foi baseado
no mito ancestral da ressurreição, na crença de que o urso “morria” enquanto
hibernava a cada inverno e então era “ressuscitado” a cada primavera. O urso da
caverna era um símbolo de morte e ressurreição e de sê-lo o bicho virou o tema
adequado para os rituais fúnebres neandertais: como Ursus conhecia o caminho
foi transformado em guia ideal para o Além.
Nada de novo! Não deveria ser surpreendente que qualquer religião,
ancestral, antiga ou nova, tente resolver o problema da morte. Tenha sido
neandertal ou não nos seus primórdios, os cultos do urso são concepções
tipicamente humanas do mundo e foram praticados na Gália Céltica e depois na
Bretanha e em muitas religiões étnicas da Eurásia do Norte muitos milênios
depois e até recentemente por quase todos os
povos primitivos do Ártico, em rituais mágicos de caça relacionados com o urso
polar.
Com certeza a religiosidade com a qual a escritora Jean Auel dotou suas
criaturas neandertais é proveniente da sua poderosa imaginação pois não são
conclusivas as evidências arqueológicas desse culto, ou por outra, ainda não há
provas irrefutáveis de que nossos primos adoravam o urso das cavernas. Mas, de
fato, os antropólogos não excluem a possibilidade de que muitas de nossas
crenças, mitologias e rituais sejam um legado pré-histórico. A opinião de que o
homem paleolítico já tinha uma religião complexa, com rituais sagrados, pode
ser encontrada em muitos trabalhos de referência e bem assim a tese de que os
neandertais foram muito provavelmente os precursores das experiências
religiosas xamânicas.
Note que, em última análise, como espécie, os ursos das cavernas foram
extintos. Parecem ter sucumbido aos efeitos da perda de seu habitat, as
cavernas, para os humanos primitivos que também as usavam como abrigo.
Inevitavelmente uma espécie teria que ceder. Os ursos da caverna perderam a
guerra.
Uma das estranhezas do romance - que depois Dona
Ciência provou ser fato! - é o filho de “mistos
espíritos” que a heroína teve ainda adolescente de um membro do clã dos
neandertais, o malvado Broud. Note que a sequenciação
do genoma do Homo neanderthalensis só foi concluída em 2010,
trinta anos após a publicação do livro, provando o que fósseis com
características intermediárias entre humanos e neandertais já haviam sugerido: que
os neandertais “conheceram”, no sentido bíblico, algumas garotas mais modernas,
que houve sim cruzamento e acasalamento entre os sapiens sapiens e os sapiens neanderthalensis.
Hoje estudos de DNA detalham que a história de amor entre os primos faz parte do que a espécie humana é hoje: os
europeus atuais têm entre um e quatro por cento de DNA neandertal e, nos
asiáticos esse percentual chega a ser mais elevado sugerindo que a extinção dos neandertais tenha ocorrido
mais tarde do que se pensa e na Ásia.
Os estudos genéticos que decodificaram o genoma do
neandertal também revelaram algumas pistas sobre o que exterminou nossos primos
igualmente inteligentes. Eles mostram que uma das
diferenças mais fundamentais entre o Homo sapiens e os neandertais foi o desenvolvimento
neurológico. Os cérebros neandertais se concentravam no processamento visual
sem a capacidade de gerenciar grandes grupos e relacionamentos complexos.
Pensa-se que a população global neandertal nunca foi superior a quinze mil
indivíduos.
Eles não viajavam
para longe de casa, não se afastavam dos seus pequenos clãs geograficamente
dispersos. Além disso Dona Lenda jura de pés juntos que quando as migrações
humanas saíram da África, para cada quatro dos nossos havia um deles.
O fato é que Dona Genética demonstrou cabalmente que nos pequenos e fragmentados clãs
neandertais as “fogueiras” tornaram-se para lá de consanguíneas,
o que resultou em endogamia e em descendentes masculinos inférteis e/ou
explicaria, até certo ponto, os cruzamentos com seres humanos modernos. Que, por outro lado, viviam em grandes grupos sociais
dinâmicos, se especializavam e desenvolviam o que os neandertais não podiam,
devido às dificuldades e vidas curtas: a cultura.
Como a história das
interações entre as culturas humanas é repleta de agressão e guerra até recentemente a crença científica estabelecida era de
que os humanos foram responsáveis pela extinção dos neandertais logo após a
chegada dos Cro-Magnons. A triste e jamais provada conclusão foi que,
competindo com os neandertais por recursos escassos no mundo desafiador da Era
do Gelo, nós fomos melhores e portanto os vencemos e destruímos.
Já não se pode afirmar,
cientificamente, que a humanidade fez com os
neandertais o que milhares de anos depois as culturas dominantes fizeram com
tantos povos primitivos. Com certeza a natureza humana tem um lado sombrio mas
as atuais evidências arqueológicas e genéticas em vez de uma conversa bélica sugerem
que os primos devem sim ter perdido espaço na caça e na coleta para os
humanos modernos por quem, no entanto, em vez de dizimados podem simplesmente
ter sido muito lentamente assimilados.
Note que há um outro lado em nossa natureza, não menos voraz, mas talvez
menos sinistro. Lembra da franquia Guerra nas Estrelas? Do mundo
dos primatas nós somos como aqueles personagens Borgs, cujo lema era “Resistir
é inútil” (rsrs) - Simplesmente assimilamos, não
apenas o conhecimento, mas sociedades inteiras.
Portanto em vez de comprar a versão de que exterminamos cruelmente os neandertais,
prefiro acreditar que quando se depararam com os primos tão fortes mas tão pouco numerosos amontoados em
cavernas, nossos intrépidos ancestrais em
vez de encarar se mudaram para perto deles, passaram a “azarar” as mulheres dos
vizinhos, fizeram um monte de bebês e os tornaram parte da família (rsrs) Ou
seja, com o tempo nós os consumimos, em um sentido muito real, os diluímos e os
incorporamos, até que eles não mais se distinguiam de nós.
Não sou tão ingênuo a ponto de imaginar que essa assimilação foi
completamente pacífica ou voluntária e não se sabe como rolou exatamente a
mistura mas que ela aconteceu não restam quaisquer dúvidas. Porém apesar de ainda não terem encontrado nenhum
fóssil de guerreiros neandertais empalados por lanças em um campo de batalha,
apesar de não existir registro ósseo de mulheres e crianças com crânios
arrebentados e os peitos perfurados, não se pode descartar totalmente a
hipótese de uma guerra fratricida que teria durado vinte mil anos. Sim porque o
verniz da nossa civilização ainda hoje é fino e os nossos lobos predadores
moram à flor da pele e não restam dúvidas quanto aos sangrentos genes
primordiais das nossas feras.
Digamos que o livro O
Clã do Urso da Caverna despertou a minha curiosidade arqueológica amadora
(rsrs) e me iluminou no sentido de que os bichos homens são uma espécie
híbrida, seres de retalhos, estórias contadas em volta de fogueiras. Não apenas
preservamos a identidade genética de nossos antepassados, mas também as lendas sobre
eles. É o que fez Jean Auel, é o que fazemos nós, é o que estou fazendo agora.
É da natureza humana (rsrs)
E embora a escritora tenha feito sua protagonista
viver páginas inteiras de tórrido romance com seu galã Cro- Magnon e empregado
muita licença poética ao atribuir à moça muitas invenções da humanidade, o romance
é uma interessante leitura.
Admito que é um evidente exagero que a Ayla tenha
sido capaz de promover a domesticação pioneira dos animais – uma égua, um lobo
e (quase) um leão - montar a cavalo, inventar a agulha, o propulsor da lança, o “travois”
– apoio de galhos para arrastar cargas -, o sutiã, um chá anticoncepcional e os
pontos cirúrgicos (rsrs) Não, ela não inventou o sabão – foi alguém que o casal
de amantes conheceu pela estrada - mas provavelmente passou a fazê-lo melhor e
perfumado e hidratante (rsrs)
Suponho que a autora
tenha exagerado nos feitos da sua heroína para condensar em um só personagem os
avanços devidos à espécie os quais ela precisou abordar, para que a narrativa
fizesse sentido.
É certamente
divertido conferir como a escritora conduz Ayla da sociedade repressora
neandertal por outras culturas e tribos humanas mais igualitárias nas quais as
mulheres caçam, muitas são líderes, xamãs e artesãs respeitadas. Porém enquanto teclo essas pretinhas sou forçado a
reconhecer que a escritora ousou sugerir lá atrás hipóteses fantasiosas – para
não dizer doidas de pedra! - que hoje e graças às novas informações
arqueológicas disponibilizadas em ritmo contínuo a cada semana e aos avanços
nos estudos da genética, da paleoclimatologia, da paleobotânica e da
antropologia, sabemos serem verdades.
As novas teorias da evolução e da expansão humana,
bem como das interações homem moderno / neandertal convergem para situações que a autora abordou
de forma pungente em suas novelas. Foi interessante entender, anos depois, que
as histórias contadas ao mundo pelos ossos de neandertais inspiraram vários
personagens de Jean M. Auel, como é o caso do visionário xamã Creb, que leva
seus leitores a desenvolver uma simpatia quase amizade pelos arcaicos
neandertais (rsrs)
Muita gente boa da minha geração, os “velhinhos em
formação” de hoje, devem aos escritos de Jean M. Auel a compreensão que têm da
Pré-História. Temos inclusive um casal de amigos que batizou a sua primogênita
de Ayla, em homenagem à bela mulher que caçava e curava e lutava contra o patriarcado do Clã neandertal para, em seguida, defender
as qualidades do povo que a criara diante dos preconceitos do seu próprio povo, empurrando para frente os limites de todas as
tribos com as quais conviveu, contribuindo para a
evolução da raça humana.
O que a leitura dessa ficção me tornou claro é que, do ponto de vista
antropológico, o Paleolítico Médio europeu foi caracterizado pelo Homo
neanderthalensis que viveu em tempos nos quais a paisagem, o clima e as condições
de vida mudaram drasticamente. Essas mudanças ambientais podem ter contribuído
para as características anatômicas especiais dos primos. Certamente, a
necessidade de se adaptar a um habitat em constante mudança forçou-o a
desenvolver habilidades socioculturais que estavam intimamente relacionadas à
evolução progressiva da inteligência.
As habilidades intelectuais e técnicas do homem de Neandertal mais tardio
e do Homo sapiens inicial obviamente não diferiam muito. Não há evidência
paleontológica da diferença fundamental entre as mentes neanderthalensis e
sapiens como as descreveu a escritora. Teoricamente, pelo menos, o falecido
Homo neanderthalensis era sim capaz de desenvolver um sistema de símbolos ou de
pensar em termos abstratos, ou de falar fluentemente.
Alguns estudiosos vêm argumentando há décadas que a busca desenfreada por
traços únicos humanos na evolução diminui o esforço mais útil de identificar
transições menores e reconhecer diferenças de grau e não de tipo. Eles também
advertem que a prática de definir características exclusivamente humanas é
influenciada por juízos de valor sobre o que é importante para nós no presente.
Compreender a história evolutiva dos seres humanos é uma tarefa hercúlea na
qual se usarmos o zoom em nossa árvore genealógica perderemos a riqueza do modo
panorâmico.
Dessa perspectiva estreita, é muito fácil ver a evolução do Homo sapiens
como distinta da evolução de outras criaturas. Deixando de lado a crença na
singularidade de nosso comportamento, quem sabe não sejamos capazes de abstrair
como nossa tendência de nos ver como algo especial nos afasta do resto de nossa
família primata e, de fato, de toda a evolução. Talvez seja preciso entender
que somos e seremos muito menos importantes do que
julgamos ser, repensar essa relação
fraturada com o resto da natureza, superar nosso antropocentrismo e reconhecer
a imprecisão das distinções.
Mas como evoluímos... Isso
já é outra conversa
A pré-história pra mim é grego, Moacir. Mas se você tivesse sido meu professor de História eu teria aprendido muito mais porque o seu jeito de escrever deixa qualquer assunto delicioso. Vou aproveitar a franquia pra ficar menos neandertal kkk Obrigada!
ResponderExcluir...
Mônica,
ExcluirO seu comentário - além de me deixar sem jeito (rsrs) – confirma um fato da vida: os cérebros humanos gostam mais de estórias do que de aulas. E me faz lembrar de um excelente professor de História que tive no ginásio. O cara, muito criativo, estava sempre inventando modas e brincadeiras. Belo dia ele decidiu montar um tribunal improvisado onde os alunos deveriam primeiro atuar como promotores de acusação e, em seguida, como advogados de defesa das figuras históricas que bem quisessem. Eu escolhi Robespierre porque acabara de estudar a Revolução Francesa e estava com a matéria na ponta da língua. Muito bem orientado pelo senhor meu pai consegui que dois júris aborrecentes condenassem e absolvessem o mesmo personagem. Moral da história? Tudo tem dois lados e eu muito aprecio o seu simpaticíssimo lado “neandertal” (rsrs)
“Obrigado!” e abração
Olá Moacir,
ResponderExcluirHip Hip Hurra!
Adorei e curiosei. Quero todo o resto, ando muito querente! Quero chegar nas artes das cavernas, onde nunca vislumbrei um urso. Por que? Ou se vi, já esqueci sou sapiens memória curta.
Quero também dizer que achei uma gracinha seu rsrs quando da "regra dura" das mulheres não falarem com os machos alfa. Muito lindo você! Sem nossa fala, sabedoria e intuição, estariam ainda tropeçando e caindo e nos puxando pelos cabelos. Quem sabe se de tanto puxarem os cabelos nos esticaram as línguas? (rsrs teclo eu)
Já não se deve falar de extermínio dos primitivos pelas culturas dominantes. " Talvez em vez de dizimados podem simplesmente ter sido lentamente assimilados...até que ele não se distinguam mais de nós". E não é que, ainda hoje " os nossos índios estão virando gente"???!!!!! Pobre Brasilzão do meu coração!
"Somos e seremos muito menos importantes do que julgamos ser. Somos seres de retalhos". Que maravilha, poesia pura!
Parabéns, parabéns!
Até sempre mais.
Caríssima Donana,
ExcluirFolgo em saber que a senhora “curiosou” (rsrs) Sabe? Nesses tempos escuros todos nós andamos pelo pobre Brasilzão do nosso coração “muito querentes” de boas leituras. Ainda abro os jornais todo dia de manhã, mas vou rolando as homepages, checando as manchetes, sem me animar a abrir os links porque quero acreditar que o vírus da imbecilidade humana e o hábito da sacanagem “passarão” sem conseguir nos fazer menos “passarinhos”. É por isso que quando me sinto cansado de guerra e de não reconhecer a paisagem mental do meu exílio, venho até o Conversas para recarregar as baterias, para encontrar boa prosa e a sua “poesia”, o revestimento com o qual resisto às mazelas do mundo. Não sei fazer de outra forma, pois é na forma que me resguardo, que encontro uma espécie de profilaxia contra o risco da deformação que as lidas trazem. E vamos que vamos, sempre em frente, inseridos em uma profunda história cosmológica e biológica e artística e que o “nosso olhar viajante veja sempre a luz do amanhã iluminar as imagens do passado.”
“Até sempre mais”
Moacir,
ResponderExcluirParabéns! Amei conhecer a linda estória da garotinha Ayla e ler tantas informações interessantes sobre nossos ‘avós’ neandertais. Fiquei tão curiosa depois desta sua maravilhosa resenha que vou procurar pelo livro O Clã do Urso das Cavernas. Também foi muito bom descobrir que a espiritualidade humana é muito mais antiga do que eu pensava.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirRecomendo-lhe, sim, a leitura da saga em seis volumes dos Filhos da Terra, dos quais os melhores são os três primeiros: O Clã do Urso da Caverna. O Vale dos Cavalos e Os Caçadores de Mamutes.
Quanto à espiritualidade da humanidade, ela é muuuuito antiga. A evidência arqueológica mais remota da crença na vida após a morte tem trezentos mil anos. No entanto as concepções religiosas nem sempre estão ligadas a artefatos e portanto é equivocado inferir que os bichos homens mais ancestrais não tinham crenças ainda mais primitivas que o animalismo e o xamanismo registrados nas rochas das cavernas paleolíticas.
Note que a Religião sempre esteve intimamente relacionada a outros domínios da vida, como as atividades econômicas e as estruturas sociais. Ou seja, os derradeiros neandertais e os primeiros sapiens dependiam muito mais da proteína animal para sobreviver do que os povos agricultores. Então é inconcebível que as ideias religiosas de simples caçadores incluísse uma hierarquia elaboradamente organizada da galera santíssima, inclusive com divisão detalhada do trabalho divino (rsrs) Da mesma forma, é um erro atribuir aos caçadores e coletores as concepções sobrenaturais ligadas à agricultura e à fertilidade dos campos típicas das culturas agrárias. Os deuses masculinos surgiram em sistemas patriarcais e os moralizantes e julgadores nasceram nas primeiras cidades densamente habitadas.
Só que quando eu penso nos modernos rituais das diversas fés percebo que há uma looonga história evolutiva por trás deles. Pense em como os caçadores deviam sentir orgulho de suas bem sucedidas caçadas, de poder compartilhar a carne, as peles, a gordura, os chifres de suas presas com sua tribo. Imagine como na segurança da caverna e no calor das fogueiras, à medida que as barrigas iam ficando cheias todos iam se sentindo bem e as interações sociais positivas rolavam. Não é de admirar que tanto conteúdo mitológico tenha sido construído em torno das refeições. A chave da evolução humana talvez não se encontre apenas nas mudanças importantes da nossa estrutura cerebral, no boom da nossa inteligência, mas nas nossas emoções. Penso que no contexto pré-histórico, as crenças contribuíram para diminuir as emoções negativas primárias, como o medo e a agressão e para turbinar as emoções positivas como a felicidade, a esperança, a compaixão e a solidariedade.
Outro abraço para você
Moacir
ResponderExcluirLi com muito interesse e entendi o seu deslumbramento com o livro
Nossa história é mesmo incrível
E o homem chegar onde está depois de tudo isto é fantástico
Agradeço por vc compartilhar conosco
Olá Léa,
ExcluirFico muito feliz por você ter lido e compreendido essa fascinação que desde muito jovem experimento pelas nossas origens e a admiração que sinto pela nossa espécie. O fato é que ficamos de pé, saímos das cavernas, inventamos a linguagem e a arte – e as reunimos na palavra escrita – domesticamos os animais , inventamos a roda, a agricultura , a filosofia, a lógica, a matemática, a poesia, a sociedade, a economia, as Religiões e a Ciência , dominamos o planeta e estamos a caminho de outros novos destinos. Como não nos orgulhar de nossas fantásticas mentes?
Obrigado pela leitura e comentário e um grande abraço
Prezado Autor Sr. MOACIR PIMENTEL,
ResponderExcluirTudo o que o Escritor e Viajante do Mundo Sr. MOACIR PIMENTEL escreve é fascinante e prazeroso de se ler, como esse Artigo sobre o Livro: The Clan of de Cave Bear - de JEAN M. AUEL (1980).
Muitos Autores foram longe com a imaginação, como o Inglês RUDYARD KIPLING criando o Menino MOWGLI criado por uma alcateia de Lobos, e o Americano da Califórnia EDGAR RICE BURROUGHS criador do TARZAN OF THE APES, relatando o naufrágio de um nobre casal de Ingleses, sua morte, e a adoção do pequeno TARZAN, um quase bebê (gorila pelado) pela boa Mãe Gorila KALA.
Mas nenhum Autor foi tão longe como a Americana JEAN M. AUEL com a história de AYLA, a pequena órfã Homo Sapiens, adotada por uma Tribo Neandertal, e sua saga.
É fascinante a história de nossa evolução como Raça Humana até nossos dias.
Parabéns e um Abração.
Prezado Bortolotto,
ExcluirQue bom comentário! Eu gostaria de ter linkado no post o Mowgli criado entre lobos, o Tarzan tão mais feliz na companhia de macacos e a Ayla adotada pelo Clã porque todos eles são criaturas buscando o seu lugar e propósito no vasto mundo e expressões de nossas fantasias sobre quem somos embaixo de nossa fachada “civilizada”. Ainda bem que você fez o registro.
Dizem que o Burroughs se apropriou do enredo do Kipling, que por sua vez é acusado de se apropriar do mito romano de Rômulo e Remo. É claro que na escrita de Kipling é superlativa porém a garota órfã se transformando em uma mulher libertária na ficção da autora americana é mais inspiradora. Como duvidar, depois de conhecer a Ayla, que humanidade não chegou ao ápice de sua capacidade de gerar ideias e que se nossas invenções deixam de nos servir a contento, podemos aprimorá-las? Esta é a realidade da existência humana e, na minha opinião, a maravilha dela.
De resto, faz tempo, lendo um comentário seu sobre a descoberta da nossa modesta participação no ato da reprodução humana (rsrs) e sobre as consequências que tal compreensão teve na organização social, na divisão do trabalho, nos papeis de gênero e na economia que findaram por estabelecer o patriarcado, percebi que talvez para você temas como a origem das espécies, a evolução e a pré-história pudessem ser interessantes. Tomara que sim!
Obrigado e abração
Muito bom. Com destaque para a amizade dos neandertais com os ursos ressuscitados,rs Grande sacada! Estou curioso para saber em detalhes como evoluímos porque ainda estamos bem precisados de uma dose cavalar de evolução.
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirJá bem poetava o Augusto dos Anjos: “Morte, ponto final da última cena/ Minha filosofia te repele / Meu raciocínio te condena!” Sempre almejamos a imortalidade e pelo andar da carruagem científica um dia chegaremos lá. Tudo bem que ainda temos um longo caminho evolutivo pela frente mas quando olhamos para trás e avaliamos a imensa distância percorrida, ficamos bem desconfiados de que a nossa espécie jamais perderá a capacidade de inovar e criar soluções. Obrigado por participar.
Pimentel,
ResponderExcluirNota dez! Meus parabéns pela escolha de mais um excelente tema para a nova minissérie. Tenho certeza que vou aprender muito nesta viagem pré-histórica.
Sampaio,
ExcluirO meu objetivo ao teclar essa “minissérie” foi conversar sobre como o aprendizado compartilhado, a troca de conhecimento, a criação de cultura, foram determinantes na evolução da nossa mente emergente. Hoje os bichos homens parecem não mais desejar aprender mas demonstrar que já estão absolutamente certos sobre tudo no mundo embora dando errado (rsrs) Um negócio involutivo e uma grande pena.
Enquanto, por aqui, pudermos continuar a conversar e a aprender um poucachinho juntos as loooooongas Conversas do Mano valerão o trabalho que damos ao Sr. Editor.
Obrigado e abração
Moacir, uma nova franquia que promete, abrindo o leque para além das artes e das viagens com que seus leitores estão acostumados e que você nos entrega tão bem. Bem vinda, principalmente na época em que se tenta ressuscitar o criacionismo e o projeto inteligente, contra todas as evidências da ciência (Oops, escapou-me um pequeno spoiler :)
ResponderExcluirEu também li o livro (e a série) faz muuuito tempo. E concordo com você que o primeiro foi o melhor deles. Mas as aventuras da Ayla, do Creb e do Jondalar ao longo da franquia serviram à autora para condensar, em uma ou duas gerações, milhares de anos de invenção e aprendizado humano e revela-los a milhões de leitores.
Seu primeiro post nos lembra, e bem, de que agora é que realmente estamos conseguindo formar uma imagem mais nítida dos nossos primos neandertais, desfazendo a figura bronca e muda que se fazia deles. Sabemos hoje que nós todos emos um pouco deles no nosso genoma, uns mais, outros menos, do alto de nossa empáfia de homens e mulheres modernos e evoluídos somos todos um pouquinho neandertais...
Bem, vou calar a boca antes que me escape algum outro spoiler. Vamos em frente, ainda vem muito mais por aí!
Um abraço do Mano
Wilson,
ExcluirEu não sabia que você leu o livro e a série (rsrs) Beleza! Espero poder fazer no decorrer da franquia pelo menos algumas boas perguntas e acho que conhecer o passado só nos ajuda a caminhar o presente e a acreditar no futuro.
E pelamordedeus cometa quantos spoilers não puder evitar mas jamais silencie o seu teclado. Seria um pecado cabeludo. Sabe? Dia desses lendo o Estadão RI ALTO ao me deparar com a chamada para um artigo do Karnal que dizia:
“Ler é para quem não tem medo. É preciso ler muito para encontrar esperança.”
É verdade! Concordo inteiramente com o autor só que teria teclado muuuuuuuito (rsrs) Então pense no besteirol circundante, em todos os leitores compulsivos que hoje buscam, em vão, boas leituras, sente-se defronte da telinha, respire fundo e ....às pretinhas!
Obrigado e abração
1) Sempre fui um simpatizante das Prés-Histórias, viajando através das letras, quadrinhos e outros livros mais. Parabéns Pimentel pelo resgate cultural.
ResponderExcluir2) Sempre fui simpatizante também dos Neandertais, até mudava a grafia para NeanderTao, colocando um pouco de misticismo.
3) E para variar, li alhures que o Xintoísmo, a religião/filosofia autóctone do Japão, nasceu na Idade da Pedra lascada...
Antonioji,
ExcluirOs primeiros habitantes pré-históricos do Japão também devem ter sido animistas e só mais tarde xintoístas, ou seja, adoradores dos espíritos da natureza de nome “kami” que servem de base para o mundo espiritual e cultural que construíram. O pouco que sei sobre os kamis, devo a Mariko, uma personagem de um outro romance de nome Xógum (rsrs) Se bem me lembro das palavras da “explicadora” para o piloto inglês Anjinsan, os kamis são elementos sagrados que moram em quase tudo e em toda parte: nas plantas e pedras, nos mares e montanhas, nas tempestades e terremotos e por aí vai. Segundo o Google a palavra significa “aquilo que está oculto”, uma parte sobrenatural com imenso poder do mundo natural. Tanto que ao longo dos séculos eles continuaram convivendo “de boa” com o bushido, o Budismo e Jesus (rsrs)
Eu também desconfio que a Religião nasceu na Idade da Pedra. Mas note que há um milhão de anos atrás, ela “religou” bichos bípedes oriundos do mundo animal, pouco mais que macacos eretos cujas mentes emergentes eram do tamanho de laranjas! Creio que nos nossos primórdios a crença era mais uma maneira de sentir, de nos sentirmos juntos, “religados” na caça coletiva, em volta de uma fogueira cooperada, na vida em grupo que exigia que o indivíduo fosse sensível às necessidades dos outros membros da tribo.
Para entender como e porquê as religiões surgiram entre as gentes sou de opinião que precisamos começar examinando-as sem os acréscimos culturais, nos concentrando menos nos deuses e mais nos recém adquiridos mecanismos psicológicos e capacidades mentais que evoluíram nos nossos ancestrais para que pudessem sobreviver em uma paisagem hostil pois lhes permitiram a reverência compartilhada da natureza e do sobrenatural com símbolos e rituais que enfatizavam a importância das experiências de sociabilização.
Namastê!
Pimentel é um sujeito muito inteligente, culto e ... esperto!
ResponderExcluirAfora o seu já conhecido e reconhecido brilhantismo a respeito dos temas postados de sua autoria, o nosso expert em artes não deixa muito espaço para comentários, pois tem o hábito de esgotar o assunto que nos apresenta.
Uma espécie de aviso, onde tem sido claro que seus registros só merecem elogios de nossa parte, e que devem ser pródigos e efusivos, no que concordo plenamente.
Pois afora pinturas, esculturas, viagens pelos quatro cantos do mundo, eis que o nosso incomparável articulista nos presenteia com outro trabalho que nos prende a atenção e, descoberta recentemente, o Homo Sapiens Neanderthalensis (Pimentel descobriu a minha origem e quem sou finalmente. Não preciso mais me preocupar em ocultar a minha espécie)!
Vejamos os porquês de eu ter sido denominado dessa forma:
O topônimo Neandertal, na denominação da espécie ou subespécie, é alusivo a Joachim Neander (1650-1680), teólogo pietista (não confundir com petista!) que tinha por hábito fazer pregações entre as cidades de Erkrath e Mettmann, nas proximidades de Düsseldorf e Wuppertal, na Alemanha.
A expressão “Homem de Neandertal” foi cunhada (não é a esposa do irmão) em 1863 pelo anatomista irlandês William King (também não é o Rei Guilherme), incorretamente sugerindo que eu seria o elo perdido entre os primatas e humanos (macaco era o Guilherme)!
Apesar de eu não ser ancestral direto dos “humanos modernos” (então, tá), o DNA dos neandertais está presente na população atual de Homo sapiens, com evidências genéticas de que integrantes das duas espécies acasalaram e tiveram filhos quando seus caminhos se cruzaram na Europa há pelo menos 37 mil anos (os caras não sabem de nada).
Este cruzamento também trouxe benefícios para os humanos modernos, pois cientistas encontraram genes de neandertais em partes de nosso DNA que nos ajudam a combater vírus como o Epstein-Barr, associado ao desenvolvimento de diversos tipos de câncer (não fossem meus ancestrais ser alvo de paixões das “mulheres humanas modernas”, eu queria ver se a humanidade chegaria até os tempos de hoje)!
Mais informações para vocês, seus “modernos”:
Até 2010, no entanto, praticamente ninguém acreditava que seria possível obter o genoma de um neandertal a partir de seus fósseis, cenário que mudou quando o paleogeneticista Svante Pääbo sequenciou o DNA de três esqueletos de neandertais encontrados na Croácia.
Outra baita mentira que publicam sobre a minha espécie:
A imagem popular dos neandertais como homens primitivos e de pouca capacidade cognitiva está longe de verdadeira. Nós éramos artesões capazes e desenvolvemos diversas habilidades práticas. Entre nossas grandes ideias, por exemplo, está a fabricação das primeiras lanças a partir da colocação de pedras afiadas na ponta de cabos de madeira, que usávamos para caçar bisões, mamutes, rinocerontes, e os fracos “homens modernos”!
Outro aspecto que desconhecem a nosso respeito, seus desinformados:
Quando um Neandertal, um irmão, ficava ferido em uma caçada ele não era abandonado pelo grupo, mas tratado para que se recuperasse, pois também fomos autores de duas grandes invenções da minha espécie, a empatia e a compaixão, que, vocês, humanos modernos (só pode ser piada) não sabem mais o que são essas qualidades!
Agora, essa informação que vou registrar, vocês vão nos invejar:
Também há evidências que nós, os Neandertais, praticávamos a medicina, já que restos de camomila e milefólio, duas plantas com propriedades anti-inflamatórias, foram encontrados nos dentes de Neandertais, meus antepassados diretos.
Há 40.000 anos antes que vocês, “modernos”, desenvolvessem a penicilina, nós já usávamos o antibiótico, seus atrasados!
(continua)
Bom, dizem “pela aí”, que o meu desaparecimento – hehehehehehehe! – tem várias teorias (só pode, afinal das contas eis eu aqui):
ResponderExcluirBaseadas no pressuposto da competição com o Homo sapiens, mais eficaz na sobrevivência da espécie, mostrando-se irrelevante a extinção por motivos climáticos, alguns autores consideram que o fato de a cultura material do homem de Neandertal não ter evoluído durante cerca de 200 000 anos, se deve a uma inteligência prática de baixo teor, apesar de ter um cérebro maior do que o do homem moderno, embora pouco se saiba quanto à organização fisiológica e neurológica dos Neandertais (mal sabem os “cientistas” que fomos também os inventores do “dolce far niente”, que bobinhos).
Outros estudiosos assinalam a baixa mobilidade das nossas populações, a reduzida área geográfica onde nos estabelecemos, bem como a nossa constituição óssea, de secção circular, adaptada ao esforço mas pouco adequada a uma locomoção ágil, vantagem esta do "Homo sapiens"(na verdade o tal sapiens fugia da briga) que tem ossos de secção oval. A inércia das populações neandertais seria causada pela falta de estímulos de quem vive num nicho ecológico que apenas garantia as necessidades básicas de sobrevivência, num meio ambiente sem grandes alterações climáticas (nós éramos ambientalistas! Por que explorar outras regiões? Se a que vivíamos nos dava o alimento, mudar para quê?).
Outros autores (mas como é curioso o homem moderno, credo) apontam a fraca variedade genética decorrente da consanguinidade, devida a um crescente isolamento social e comunitário, possivelmente motivado por contactos hostis com o homem moderno ( somos os autores da frase, “cada macaco no seu galho”)!
Uns e outros humanos modernos, que não têm o que fazer, ainda aventam a hipótese de o tempo de gestação ser maior no caso dos neandertais (talvez 12 meses em vez de 9, como no caso do Homo sapiens), o que explicaria uma maior dificuldade de nos reproduzirmos - tô me irritando com as teorias modernas! O humano atual não sabe o que é fidelidade conjugal? Monogamia? Que energúmeno!
Por outo lado, segundo Colin Tudge, o homem moderno teria um comportamento prospectivo mais vantajoso na gestão dos recursos naturais, como a proto-agricultura. A manutenção das populações cinegéticas e o consumo de vegetais como complemento alimentar tornava-os menos dependentes da carne. O homem de Neandertal seria um caçador puro que teria depredado os seus recursos, o que teria contribuído para a sua extinção (sabem de nada, sabem de nada ... Por sermos carnívoros por excelência, éramos muito mais fortes que o sapiens – apelidávamos de “sapos”, heheheheheheheh).
Finalmente uma luz para clarear algo a nosso respeito, e a péssima invenção dos humanos modernos!
Em 2019, num artigo publicado na revista especializada The Anatomical Records defende que Neandertais podem ter sido aniquilados por infecções do ouvido. Para nós,os Neandertais, esta condição significava muitas complicações, incluindo infecções respiratórias, perda de audição e pneumonia.
Os antropólogos norte-americanos perceberam que os nossos ouvidos, dos Neandertais, se assemelhavam aos ouvidos das crianças humanas, mas não alteravam conforme a sua idade (outra teoria dos hominídeos modernos. A verdade é que nossos ouvidos eram delicados, sim, pois adorávamos ouvir os pássaros, tínhamos de ouvir as feras se aproximando para nos defender, ouvir apaixonadamente os murmúrios de nossas esposas ... Mas, o tal humano moderno, sempre inventando moda, criou o roque pauleira, música insuportável, e as malucas festas new waves, com aquelas batidas ensurdecedoras, que rompiam nossos tímpanos sensíveis)!!!
Enfim, se faltava alguma prova que nós, os Neandertais, ainda existirmos, acabei de escrever ao Pimentel algumas observações e explicações a nosso respeito!
Abração, Pimentel.
Nas próximas vezes que quiseres falar da minha espécie, me avisa, por favor.
Sabes que não gosto de surpresas!
Saúde, muita saúde.
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ResponderExcluirPrezado Bendl,
ExcluirAgradeço-lhe pelos elogios de praxe e pela imensa atenção dispensada ao meu post que, com certeza, não merece três comentários da sua lavra “em seguidinho” num sábado. Aliás, lendo a sua prosa caudalosa, afiada e bem humorada, lamento que há já três meses você não compareça com um artigo nas Conversas. Sou-lhe grato, ainda, pelos detalhes interessantes da biografia dos nossos primos que colocou na roda - como por exemplo, a hipótese da otite crônica e letal - e pela oportunidade que me oferece de frisar que a história das espécies humanas, nesse momento, está sendo reescrita por Donas Genética e Genômica. Os cientistas acabam de descobrir, por exemplo, DNA neandertal bem mais recente em populações africanas atuais, DNA de povos fantasmas que desapareceram no tempo sem deixar quaisquer vestígios materiais e de comprovar cruzamentos entre sapiens, neandertais e denisovanos em épocas diversas daquelas das migrações até então conhecidas.
Tenho teclado essa franquia cui-da-do-as-men-te nos últimos dois anos e tive que alterá-la várias vezes devido às novas descobertas arqueológicas de campo e/ou às pesquisas laboratoriais que são reveladas a cada semana pelas publicações científicas e jornalões. Ou seja, uma informação publicada hoje pode ser desmentida por outra revelada amanhã o que faz com que tenhamos que realmente estudar, desacreditar da Wikipédia, checar fontes, e manter a leitura atualizada antes de teclar sobre o tema Pré-História para não pagar mico e/ou, o que é pior, desinformar.
Vou me permitir discordar de você no que se refere à baixa mobilidade das populações neandertais: o registro fóssil e as leituras de DNA atestam que apesar das pernas curtas elas caminharam da África até a Ásia. Além disso as ossadas demonstram que nem sempre os tais “nichos ecológicos” garantiram as necessidades básicas de sobrevivência dos primos. Nos trezentos e sessenta mil anos comprovados de sua existência rolaram profundas alterações climáticas e com frequência seus ossos nos contam histórias de desnutrição. Neles foram até mesmo encontrados vestígios de canibalismo amigo, o que sugere que os neandertais tenham passado fome.
Não me pergunte como, mas Dona Ciência hoje é capaz de elencar através da análise do esmalte de dentes ancestrais tudo aquilo que nossos avós mastigaram. Há inúmeras evidências de que os homens arcaicos conheciam profundamente as plantas e que as usavam tanto pelas propriedades nutritivas quanto pelas farmacêuticas, o que bate de frente com a tese de que nossos os primos eram “carnívoros puros”. Last but not least e embarcando na sua verve humorística, desconfio que todas as galeras arcaicas – à exceção do Fred e da Wilma Flintstone e do Barney e da Betty Rubble - não tivessem noção do que fosse “monogamia” e/ou “fidelidade conjugal”(rsrs)
Mas essa será outra conversa
Abração