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09/06/2012

West with the Night


Wilson Baptista Junior
Faz muito tempo (uns vinte anos), passeando pelas prateleiras de um sebo, eu encontrei um livro e o trouxe para casa.
O livro (que, pelo que eu saiba, não foi traduzido para o português) é a história de uma menina inglesa que com quatro anos de idade, em 1906, foi levada pelo seu pai para morar numa fazenda na África Oriental Inglesa, no país que hoje se chama Quênia.
A pequena Beryl cresceu vendo o pai transformar a selva numa fazenda de produção de trigo e de criação de cavalos de corrida. Cresceu brincando com os meninos da tribo dos Nandi Murani dos Masai, e tratada por eles como uma igual aprendeu a caçar como os Masai caçam, correndo descalça e usando uma lança.
Quando ela tinha dezessete anos uma longa seca destruiu as plantações de trigo da região, e seu pai teve que vender a fazenda e todos os seus bens para honrar os contratos de fornecimento de trigo que tinha assinado e que se recusou a quebrar. Foi então para o Peru tentar recomeçar a vida, mas Beryl não quis ir com ele, preferiu ficar na África e foi ganhar a vida trabalhando como treinadora de cavalos de corrida.
No seu livro ela conta como mais tarde aprendeu a voar e se tornou a primeira mulher piloto profissional da África, os seus vôos transportando passageiros e correspondência e ajudando os caçadores brancos que organizavam safaris (quem tiver lido o livro de Karen Blixen “A Fazenda Africana”, ou assistido o filme baseado nele, “Entre Dois Amores”, com Meryl Streep e Robert Redford - no filme Beryl, que foi amiga de Karen na vida real, aparece como uma garota chamada Felicity - vai se lembrar dos dois personagens masculinos principais, o barão Bror van Blixen, marido de Karen, e o inglês Dennis Finch-Hatton, namorado dela. Os dois são os caçadores profissionais que aparecem no livro de Beryl, que teve a delicadeza de não escrever, talvez porque não considerasse importante para o assunto, que ela também foi namorada deles. Aliás, em nenhum lugar do seu livro ela fala de sua vida sentimental, apesar de ter sido casada três vezes e de ter tido vários outros namorados).
Beryl foi a primeira piloto a fazer sozinha a travessia do Atlântico do oeste para o leste, voando da Inglaterra para a América do Norte, em 1936, contra os ventos dominantes, no sentido contrário do vôo de Lindbergh. Depois voltou para a África, construiu uma carreira de sucesso como treinadora de cavalos de corrida, e lá morreu aos oitenta e quatro anos, em 1986.
O livro dela é apaixonante; não vou falar aqui de sua qualidade literária, prefiro dar a palavra a Ernest Hemingway, alguém que certamente conhecia bem a África e melhor ainda o ofício de escritor. Hemingway escreveu numa carta a seu editor Maxwell Perkins, recomendando que ele lesse o livro:
“Ela escreveu tão bem, e tão maravilhosamente bem, que estou completamente envergonhado de mim mesmo como escritor. Senti-me como se eu fosse simplesmente um carpinteiro das palavras, que pega simplesmente o que lhe dão pra trabalhar e vai pregando os pedaços e às vezes consegue fazer um chiqueiro razoável. Mas ela é capaz de escrever dando voltas em torno de todos nós que nos consideramos escritores”.

“West with the Night” foi publicado em 1942; depois, talvez pela época pouco favorável, não foi reimpresso e caiu no esquecimento até 1983, quando foi  afinal republicado e se transformou num sucesso.

A capa do livro
                                                                       
 
Mas se eu comecei a contar esta história toda para vocês não foi por causa do livro, foi por causa de uma coisa interessante que descobri quando o abri chegando em casa - a pessoa que deu  esse exemplar para seu primeiro dono ou dona escreveu uma dedicatória, numa letra feminina e delicada, sem dizer de quem nem para quem - apenas os primeiros e os últimos versos do Quarto Motivo da Rosa, de Cecília Meireles:
“Não te aflijas com a pétala que voa
também é ser, deixar de ser assim
                           ...
e por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim”.

Sempre que me lembro dessa dedicatória fico imaginando porque quem deu o livro escolheu esses versos, porque não colocou o seu nome nem o do presenteado, e porque o presente, com uma dedicatória que talvez tenha querido dizer tanto, foi parar no sebo onde o encontrei em 1992, nem tantos anos assim depois de ter sido dado (porque a sua edição já é a décima terceira depois de sua primeira reimpressão em 1983).
E como só quem deu o livro e  quem o recebeu é que sabem, e provavelmente não vão nunca ler esta história aqui no blog, nós, eu e vocês leitores, não vamos nunca ficar sabendo.




2 comentários:

  1. André Baptista12/06/2012, 21:47

    Ótima história. Tanto a do livro, como a sua. : )

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  2. Com um mundo tão pequeno como o nosso, nunca se sabe. Muito interessante o post.

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