fotografia Moacir Pimentel |
Quando olho, em meio à neblina de um final de
tarde, para a coluna e a estátua do Almirante Horácio Nelson, no centro da
praça que usa emprestado o nome da batalha onde ele foi finalmente abatido –
Trafalgar! – eu me recordo de onde e quando ouvi falar pela primeira vez de Napoleão
Bonaparte. Eu tinha sete anos quando encontrei o imperador de bolso dos
franceses nas páginas do romance O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. O
herói da história, o marinheiro Edmond Dantès, é preso sob a falsa acusação de
ter ido à Ilha de Elba para receber uma carta e
instruções de Napoleão, que ali estava exilado. Daí para a Enciclopédia e as batalhas navais entre
franceses e ingleses e, é claro, o Almirante Nelson foi um pulo.
Na Batalha de Trafalgar foram aniquilados os planos
franceses de invadir a Grã-Bretanha e a estratégia marítima de Napoleão, mas o
custo da vitória foi alto: a morte do almirante. A perda, no entanto, criou um
herói nacional para a recém-formada identidade britânica. A batalha que impôs
um limite ao império de Napoleão e traçou o curso de sua queda poderia ter sido
vencida por outros almirantes ingleses, mas penso que apenas Nelson poderia ter
garantido à Inglaterra o comando do mar por mais um século.
Trafalgar foi o produto da genialidade obsessiva de
um homem e do seu compromisso inquebrantável com o seu país. A ironia é que
nenhuma das homenagens feitas a Nelson foi mais significativa do que aquela
realizada, após a sua morte, pelo seu inimigo mortal. Ao ser informado que o
famoso bordão do almirante fora hasteado no HMS Victory, Napoleão ordenou a
sinalização através de bandeiras para todos os seus navios da tradução em
francês do lema do seu arqui inimigo abatido em combate: “A pátria espera que todos cumpram o seu dever”.
Helene Hanff, a autora/protagonista do livro/filme 84, Charing Cross Road sabia muito bem – apesar de não apreciar ficção (rsrs) -
que tudo o que é humano já foi, ou é, ou será imaginado e narrado. Durante uma
hora e meia de filme, ela e suas cartas saudosas de uma Londres de séculos
passados nos seduzem porque o poder da palavra escrita é tão forte que até
parecia que rolava um vazio, um grande espaço em branco, enquanto a próxima
carta - o recurso usado para encantar a imaginação do leitor/espectador - não
chegava. Helene nos prova que as mais atraentes de todas as paisagens são aquelas
que moram nas nossas imaginações.
Muitos artistas, também encantados com a capital inglesa,
reinventaram a atmosfera misteriosa de Londres e pintaram as suas luzes à beira
do rio Tâmisa ou em Piccadilly através do nevoeiro. Como, por exemplo, o
americano James McNeil Whistler em meados do século XIX.
James McNeil Whistler - Nocturne in grey and gold in Piccadilly (1881) |
Essa visão atmosférica do centro de Londres, de
nome Noturno Cinza e Dourado,
certamente evoca mistério. O pano de fundo parece ser um abismo vazio
desprovido de formas que sabemos estarem lá. O modo preciso como as luzes da
rua e das janelas foram pintadas, dá a impressão de que estão se aproximando,
como de fato elas fazem nas noites de nevoeiro. Os cavalos e as pessoas são
silhuetas fantasmagóricas cuja forma parece estar se dissolvendo diante de
nossos olhos. Essas figuras sem forma no topo da carruagem, em primeiro plano,
parecem estar flutuando no ar e sugerem um mundo desaparecendo sob o peso do
nevoeiro cinza-amarelado.
Claude Monet também fez dos efeitos cambiantes da
atmosfera e da luz sobre o Tâmisa, envolto nas névoas de inverno, um de seus
temas prediletos pois pintou as pontes de Charing Cross e Waterloo e as Casas
do Parlamento em cem telas diversas. Isso
mesmo! Cem telas! Nelas o único efeito constante é a névoa e nela as altas
chaminés se tornando campanários e os armazéns virando palácios sugerindo a
transitoriedade de impressões aparentemente fixas, dissolvendo tanto o tempo
quanto o espaço. Nos trabalhos do impressionista o fog disfarçava a pobreza, o
mercantilismo e a miséria de Londres, transformando-a em um mundo mágico que
aniquilava todas as distinções sociais e morais.
Mas o “fog”
é uma cena contemporânea e muito familiar para os londrinos. Quando a neblina –
e/ou a poluição - como um véu, enche a ribeira do Tâmisa de poesia e os
edifícios perdem-se no céu escuro e toda a cidade fica suspensa entre o céu e a
terra, então quem tem juízo apressa-se para voltar para casa deixando as
possibilidades estéticas desse lugar estranho para os artistas (rsrs)
fotografia Moacir Pimentel |
Mesmo que, como no caso acima, o “fog” seja apenas
a fumaça saindo do carrinho de um vendedor de quitutes indianos (rsrs) Mas o
fato é que diante dessas paragens não tem como não lembrar das
palavras de Próspero, o Duque de Milão, para sua filha Miranda na primeira cena
do quarto ato da peça A Tempestade, considerada por muitos como a derradeira escrita por William
Shakespeare:
“As torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos, as igrejas
majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão de sumir-se,
como se deu com essa visão tênue, sem deixarem vestígio. Nós somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos;
nossa vida pequenina é cercada pelo sono”.
fotografia Moacir Pimenel |
Há algo mágico sobre um lugar que a gente conhece dos
livros de história e das telas famosas e que, de repente, ganha vida. Tem alguma
coisa emocionante nesse perambular ao longo de ruas e praças e pontes e rios onde
a história aconteceu, onde escritores e pintores que tanto apreciamos trabalharam,
onde outras gerações sonharam e pensaram e mudaram o mundo. Como escreveu
Helene Hanff:
“Você decide parar de usar a
palavra “anacronismo” quando uma carruagem do século XVII atravessa os portões
do Palácio de Buckingham carregando diplomatas russos ou africanos do século XX
para serem recebidos por uma rainha. “Anacronismo” implica algo morto faz tempo,
e nada está morto aqui. A história, como eles dizem, está viva e floresce em
Londres”.
O que eu estou tentando teclar-para você desde o
primeiro parágrafo desse post é que, de certa forma, eu compreendo a capital
literária do mundo imaginado pela escritora. Sempre
que boto os pés nessa cidade é como se eu tivesse abandonado o espaço cotidiano
da realidade e entrado em outro reino muito parecido com o dos livros, aquele
dos viajantes que aqueciam as mãos
diante das fogueiras ancestrais.
fotografia Moacir Pimentel |
Diante do Tâmisa, por exemplo, apesar da modernidade circundante, costumo
imaginar os soldados romanos navegando por ele há dois mil anos atrás e sempre
me pergunto como é que aqueles caras se sentiram ao chegar na escuridão a
praias desconhecidas, ao pular dos barcos, ao cair na água fria, ao afundar os
pés na areia, ao caminhar na terra nova?
Em 54 aC Júlio César e seus homens cruzaram o
Tâmisa, sinalizando uma nova era mas sempre ameaçados pelas tribos celtas nativas
e, especialmente, desafiados pelos druidas, que eram os
sábios, os homens que aconselhavam e ensinavam e se ocupavam das questões
jurídicas e filosóficas dentro das tribos celtas.
Embora não haja consenso entre os estudiosos sobre a sua origem
etimológica, parece que a palavra druida é oriunda da junção de deru,
que traduz carvalho e de wid uma raiz indo-europeia que significa saber.
Assim, druida seria aquele que detinha “o conhecimento do carvalho” que,
por ser a mais antiga das árvores de uma floresta, representava simbolicamente
todas as demais.
Caio Júlio César, em
sua obra De Bello Gallico - Guerras da Gália – além de descrever as
campanhas que estabeleceram o domínio romano sobre a Europa a oeste do rio Reno
- a região então conhecida por Gália
- narra as duas invasões da Bretanha, em 55 a.C. e 54 a.C e fala sobre a organização dos druidas, dos seus ritos, funções, reuniões,
julgamentos apresentando-os ao mundo “civilizado” como bárbaros cruéis e
supersticiosos dados a sacrifícios humanos.
Porém os especialistas modernos explicam essa difamação levada a cabo
não só por César mas por todos os historiadores romanos, como uma técnica de
guerra devido à necessidade de dominar a frágil e oral cultura celta. Os habitantes originais da Bretanha
eram incrivelmente resilientes e lutaram bravamente para manter sua identidade
cultural mas a invasão romana, ao fim e ao cabo, mudou a paisagem, a linguagem,
a cultura e pensamento dos nativos para sempre.
O certo é que os romanos não “chegaram, viram e venceram”, e pronto. Em vez muito ralaram e nunca tiveram paz em Britânia mas
foram ficando, fazendo alianças e recolhendo tributos dos reis nativos. Eles escolheram
a localização de Londres, é claro, porque foi o primeiro ponto com que se
depararam onde o rio era suficientemente estreito para que uma ponte fosse
erguida usando a tecnologia então disponível.
A sensação que a Helene Hanff descreve, a forte
impressão que ela comunica de que em Londres se está em um portal do tempo, entre
eras diversas, me toma de assalto em muitas esquinas londrinas. Sinto isso, por
exemplo, nas Ponte e Torre de Londres, diante da estátua de Nelson ou da
alegoria policromada da Rainha do Tempo, de pé na proa de pedra de um navio,
defronte dos mostradores gêmeos do relógio da loja Selfridges na Oxford Street
ou no belo arco que é
considerado o primeiro portão do Palácio de Buckingham e depois no Mall e por
aí vai.
Mas ela é avassaladora quando, de um lado do rio se
vê branca e modernosa a London Eye - uma das mais famosas rodas gigantes do
mundo – e do outro, na saída do metrô de Westminster – note a placa do “tube” à
direita da foto abaixo - se contempla a
biga e os cavalos e as duas filhas e a própria rainha celta Boadicéia, aos pés
do Big Ben.
fotografia Moacir Pimentel |
Muito já se escreveu sobre essa personagem que, para
os vitorianos, era o epítome do espírito da antiga Grã-Bretanha, a nobre
guerreira defensora da nação, de braços erguidos segurando sua lança, guiando
seus guerreiros ferozes contra o inimigo romano.
Boadicéia, ou Boudica, ou a Rainha Vitória – seu nome significava “vitória”
em uma das línguas celtas - era a chefe dos icenos, uma das muitas tribos
celtas que viviam no remoto noroeste da Britânia romana. Sucede que após a
morte do rei seu marido - um aliado de Roma - e de ver suas terras invadidas e tomadas,
de testemunhar o estupro de suas filhas e de ser açoitada, ela liderou a maior
revolta contra os romanos da história do Império.
A vida dessa bela e valente
mulher é contada na Ode a Boadiceia, em versos da lavra do poeta William Cowper,
com tradução do Sr. Editor:
Quando
a guerreira e britânica rainha
Sangrando
dos golpes do romano relho
Procurou,
com semblante indignado,
Dos
deuses do seu povo algum conselho,
Encontrou
sob o frondoso carvalho
O
sábio chefe druida grisalho;
Cada
palavra sua era inflamada
De
raiva e de tristeza impregnada.
Princesa,
se meus olhos envelhecidos
Choram
pelos males a ti infligidos
É
porque o ressentimento amordaça
Das
nossas línguas a terrível ameaça.
Roma
perecerá – escreve o que te digo
Afogada
no sangue que tem derramado;
Perecerá,
detestada e conformada
Na sua
culpa e na ruína afundada.
Roma,
com imenso renome imperou,
E
incontáveis países esmagou;
Mas
logo seu orgulho cairá–
Olha!
O gaulês às suas portas já está!
Outros
Romanos se levantarão
Que
não cobiçam a fama de soldados
Sons e
não armas o prêmio ganharão –
Pela
harmonia à fama serão levados.
Então
os filhos que nascerão
Do
seio das florestas de nossa terra
Vestidos
de asas e armados com o trovão
Um
mundo bem maior comandarão.
Regiões
por César nunca contempladas
Ante
os filhos do teu sangue tremerão
Por
suas águias nunca sobrevoadas
Que
invencíveis como os teus nunca serão.
Proféticas
palavras proferia
O
bardo, prenhes do fogo dos céus,
Curvado,
enquanto as cordas tangia
De sua
lira doce mas terrível.
Ela,
com imenso e régio orgulho,
Sentia-as
crescer e chamejar consigo
À
batalha correu, combateu e morreu
E ao
morrer lançou-as ao inimigo:
Bandidos,
impiedosos e orgulhosos,
O céu
trará a vingança a nós devida:
O
império a nós foi concedido
E a
vergonha e a ruína vos esperam.
Sessenta anos após o Cristo, essa jovem mulher furiosa foi capaz de
formar e motivar um exército de cem mil guerreiros bretões, de arrasar
completamente três das mais importantes cidades da ilha, incluindo Londres - a
Londinium de então - da qual não sobrou pedra sobre pedra e de massacrar mais
de setenta mil inimigos.
Todas as informações que temos sobre Boadicéia são da lavra de
historiadores romanos que juram de pés juntos que ela era alta e inteligente, que
tinha um olhar “terrível” e uma cascata de cabelos vermelhos que lhe alcançava
os joelhos e que carregava uma lança comprida. Apesar de nada entender de
táticas de combate e de não ter armas sofisticadas, ela contava com uma
vantagem militar: seus homens usavam com maestria as bigas de guerra, pequenas
carroças guiadas por uma dupla de guerreiros. Os romanos, em vez, só usavam
bigas em eventos esportivos, nunca em combate.
O que se sabe é que Boadicéia só perdeu a batalha final porque, apesar
de estarem em uma tremenda desvantagem numérica, os romanos tinham a seu favor melhores
armamentos, além de disciplina e estratégia militar superiores, e conseguiram
derrotar os celtas na Batalha de Watling Street.
Depois de presenciar o massacre dos seus guerreiros e de suas famílias –
estima-se que duzentos e trinta mil bretões tenham perecido – dizem os
especialistas que Boadicéia e suas filhas, para não serem aprisionadas, se
suicidaram tomando veneno.
Hoje, todos podem ver a grande estátua de Boadicéia em Westminster; poucos,
porém, sabem que há quase dois mil anos, essa moça, montada em uma biga e com
sangue nos olhos, foi a líder de seu povo em um momento crucial do império
romano. Como havia um risco real de que outras regiões seguissem o exemplo de Boadicéia,
quando a rainha incendiou Londres chegou realmente muito perto de fazer o
imperador Nero recolher as tropas, botar o rabo entre as pernas e desistir da
região.
fotografia Moacir Pimentel |
Nessa confluência de eras e impérios, em meio às Londres romana, bretã, elizabetana,
vitoriana e a dos nossos dias, além de se entender a transitoriedade das
coisas, a efemeridade de tudo, principalmente a dos impérios, fica claro que a
cidade não é uma só e sim várias.
Portanto, por mais leituras que fizermos, jamais saberemos exatamente qual era
aquela que morava, alimentada por literatura inglesa, na cabeça brilhante da
escritora Helene Hanff.
Numa das cenas do filme vê-se a moça no chão da sua
sala, rodeada por seus amados livros, dizendo que queria ir para Londres para
conferir se a literatura “estava lá”.
Finalizo o post com as palavras dela:
“Talvez esteja e talvez não
esteja. Mas olhando para o tapete ao meu redor, uma coisa é certa: está aqui.”
Mas essa já será outra conversa...
O artigo é simplesmente lindo, Moacir. Adorei as fotos. A da neblina do ambulante é genial kkk Nunca tinha ouvido falar de Boadicéia mas ela tem tudo a ver com as heroínas empoderadas da série Britânia, que só agora descubro que foi inspirada na vida real e numa mulher guerreira de carne e osso. Você sabe muito e vou terminar conhecendo Londres intimamente sem nunca ter pisado lá. Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirQue bom que você gostou do post ! É claro que uma cidade que foi fundada há dois mil anos têm mistérios, becos e marcos esquecidos, túneis escondidos, recantos há muito tempo enterrados sob os detritos do tempo e do progresso. Para mim, é isso que torna Londres tão fascinante: ninguém, nem mesmo os seus habitantes, conhecem "intimamente" todos os seus segredos. Mas a literatura - talvez muito mais do que as viagens apressadas - nos ajuda a desvendá-la.
Apesar de ter me tornado, nos últimos anos, um viciado em séries - viva a Netflix! - não assisti a que você menciona. Porém lhe asseguro que a rainha dos icenos não é uma personagem de contos de fada (rsrs) Ela existiu, mobilizou seus súditos, galvanizou outras tribos bretãs em uma guerra contra as legiões invasoras romanas e assustou os então donos do mundo. Ponto parágrafo.
Agora...como as nações precisam de heróis, a bela guerreira vem sendo usada como uma argila mítica de imensa maleabilidade, como se fosse um texto aberto infinitamente traduzível. Assim, ao longo dos séculos, a Boudica mencionada nas fontes clássicas foi remodelada em muitas versões para tribos de todos os tipos, para patriotas e nacionalistas, para o folclore medieval e os poemas renascentistas, transformando-se em um dos ícones femininos mais estimados da pátria bretã. Sua história foi usada como parte da iconografia do Império Britânico bem como por aqueles que procuram um carismático símbolo anti imperialista. Nesse monumento vitoriano ela é uma declaração em bronze da missão do Império mas nem por isso deixou de ser a campeã das liberdades, a santa padroeira das sufragistas no início do século XX, a porta bandeira da causa feminista e até chegou a ser transformada pelos cartunistas políticos dos anos 80 na Dama de Ferro, também conhecida como Margaret Thatcher (rsrs)
“Obrigado!” e abração
Moacir,
ResponderExcluirPela primeira vez desde que começou a escrever sobre o filme Nunca te vi, sempre te amei, você descreve uma Inglaterra que é mais sua do que de Helene nos fazendo passear através da neblina por fotos lindas, o livro Conde de Monte Cristo, a estátua do Almirante Nelson, as telas impressionistas de Whistler e Monet, as torres de Westminster servindo de cenário perfeito para a bela citação de Shakespeare: 'Nós somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos'. Parabéns pelo artigo encantador onde a incrível história de Boadicéia é apenas a cereja do bolo. Só lamento não ter visto mais de perto a estátua da rainha.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirEu bem que avisei que as minhas “referências” iriam terminar contaminando a franquia alheia (rsrs) Na verdade o monumento me encanta por morar onde mora, à beira de um rio em cujas margens o bicho homem tem vivido desde os tempos neolíticos, no vórtice da viagem no tempo que essa cidade provoca na minha cabeça, no local onde vislumbro misturadas todas as Londres históricas e a dos nossos dias. Gosto mais dele visto à distância no topo do seu pedestal de granito de três metros de altura onde se lê alguns dos versos do poema de Cowper. Boadicéia é mais bonita contemplada de longe, da água, do cais, da escadaria ou do outro lado da rua, de pé com um ar de desafio na neblina, coberta por um vestido esvoaçante, com uma lança na mão direita e ladeada pelas duas belas filhas com os seios à mostra. Note como ao incitar os seus guerreiros ela ecoa a obra revolucionária de Delacroix, A Liberdade Conduzindo o Povo. Outro detalhe interessante é que o artista optou por copiar não as toscas bigas bretãs mas as romanas, mais sofisticadas e que tinham foices presas às rodas como se recordam muito bem aqueles que viram na telona, prendendo o fôlego, a corrida na qual Messala tenta destruir a biga do
Ben-Hur com lâminas parecidas (rsrs)
Na verdade mais do que a obra de arte em si, aprecio a história da mulher que lhe serve de tema e apropriação vitoriana da sua vida. Foi Albert, o marido da Rainha Vitória, quem primeiro linkou sua mulher à imagem da rainha sua xará. Ele decidiu encomendar um bronze espetacular da rainha guerreira que personificasse a guerra, é claro, mas que também representasse a mãe de seus nove filhos (rsrs) Ou seja, ele queria um combo do passado, da Britânia bravia da Idade do Ferro com o lado feminino e maternal da Grã-Bretanha imperial protegendo o porvir dos britânicos. Para tanto ele escolheu a dedo o escultor Thomas Thornycroft - que já havia esculpido sua esposa - convenceu-o a usar uma moça muito parecida com a Rainha Vitória quando jovem como modelo para a figura de Boadicéia e emprestou cavalos de seu próprio estábulo como modelos para os corcéis da biga.
Só que Albert foi para o andar de cima em 1861, antes da conclusão da estátua, foi seguido dessa melhor pelo escultor e a bela rainha dos icenos e suas filhas continuaram de gesso por décadas. Mas na virada dos séculos XIX e XX surgiram uns rumores de que Boadicéia teria sido sepultada no lado norte da Colina do Parlamento. Nenhum túmulo foi encontrado mas a boataria serviu para convencer a todos de que a ribeira Rio Tâmisa seria o lugar ideal para a localização da estátua. Finalmente em 1902, décadas após ter sido iniciada, ela foi moldada em bronze e instalada em Westminster.
Outro abraço para você
Gosto de ficção histórica, de histórias do passado que não poderiam acontecer em nenhum outro momento ou lugar porque nelas o tempo é fundamental e os eventos históricos reais que ocorreram durante este tempo desempenham um papel crucial nas tramas. Um exemplo deste tipo de leitura que melhora a compreensão do passado é o romance Conde de Monte Cristo por causa da presença de Napoleão na Ilha de Elba. Mas a história de Boadicéia parece com aquela do centurião romano chamado Artorius que permaneceu na Bretanha quando Roma bateu em retirada, ganhou várias batalhas e virou o rei Artur. Se Artur tivesse sido um rei de verdade haveria registros dele em vez de lendas. Como não se pode ter certeza do que realmente aconteceu há 2.000 anos acho que é bem capaz da rainha ser uma prima do rei, outra filha do mito com a poesia, rs.
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirÉ verdade que todos os historiadores que se aventuraram pelas lendas arturianas retornaram dessas "viagens" com as mãos abanando e as reputações em frangalhos (rsrs) Mas a história de Boadicéia é uma coisa e a especulação sobre o bretão Rei Arthur Pedragon, que nunca existiu, ter sido um militar romano da gema, outra coisa muito diferente. Para se ter uma visão geral da Idade do Ferro e da Grã-Bretanha romana e se compreender os fatos históricos que têm a ver com a frágil e oral cultura celta que, no primeiro século após o Cristo, não dominava a palavra escrita, foi necessário pedir ajuda à Dona Arqueologia e linkar as suas descobertas às narrativas clássicas. As escavações das ruínas do Templo de Cláudio e das cidades romanas destruídas e incendiadas pelos rebeldes, por exemplo, dão testemunhos inquestionáveis de uma grande insurreição no ano de 60 dC, durante o governo de Nero. Novas evidências e achados recentes, como moedas de ouro encontradas no oeste da ilha, confirmam a existência de monarquias sofisticadas no início do século I dC e os túmulos de mulheres celtas onde foram encontradas armas e até bigas reafirmam a existência de guerreiras nas tribos nativas.
Só que para se poder montar o quebra cabeça da rainha guerreira foi necessário confiar em dois dos mais famosos historiadores clássicos. Tudo bem que os escribas romanos espalharam fakenews sobre os druidas, usaram uma retórica triunfalista e muitas vezes tendenciosa, nunca visitaram a Bretanha romana, escreveram décadas após o término das batalhas, tinham suas próprias preocupações políticas e atribuíram à rainha Boudica uns discursos doidos de pedra que certamente são pura invenção. Mas pergunto: por quais cargas d’água os caras inventariam uma guerreira bretã que chegou muito perto de botar para correr o todo poderoso Império Romano deles? Não faz sentido. Portanto as informações sobre a moça que Cássio Dio registrou em um dos 80 volumes da sua História de Roma têm que ser consideradas e, na minha modesta opinião, aquilo que Caio Cornélio Tácito nos conta dessa senhora merece crédito. Parte do relato de Tácito - notadamente a obra A Vida de Agrícola - contém informações já confirmadas arqueologicamente. Pudera! O sogro do historiador, o general Júlio Agrícola, participou da invasão da Bretanha e foi seu governador após a derrota dos icenos. Logo se supõe que através do pai de sua senhora Tácito tenha tido acesso a depoimentos de pessoas que participaram e/ou testemunharam o conflito. São da lavra dele, por exemplo, a descrição física da rainha e da motivação da sua revolta: a vingança pelo bárbaro tratamento que recebeu do então governador romano, Suetônio Paulino, após a morte do marido.
Recomendo-lhe a leitura de um livro de nome Boudica: Iron Age Warrior Queen, da lavra de dois arqueologistas ingleses chamados Richard Hingley e Christina Unwin. Trata-se de um trabalho bem pesquisado que aponta uma série de descobertas importantes sem no entanto construir uma narrativa prepotente do que realmente aconteceu. Em vez disso, ao nos confrontar com uma série complexa de possibilidades, probabilidades e deduções, nos leva sem poesia à compreensão histórica e ao encontro de uma verossímil Boadicéia.
Obrigado por participar, duvidar e questionar (rsrs)
Pimentel,
ResponderExcluirParabéns! Ler seus artigos é sempre um aprendizado. Na minha santa ignorância já estive diante da estátua da Rainha Bodicéia e nem me dei conta. Eu também desconhecia a inimizade respeitosa de Nelson e Napoleão mas sou de opinião que se é para ter inimigos melhor que eles sejam de respeito. Estes dois rivais formidáveis escreveram a história do mundo e influenciaram a nossa. Portugal desafiou o baixinho, não fechou seus portos para os navios da Inglaterra e em retaliação foi invadido pelos franceses e a família real portuguesa terminou fugindo para o Brasil.
Sampaio,
ExcluirQuanto ao fato de você não ter notado a moça à beira do rio, relaxe. Todas as vezes que visito essas paragens fico com a impressão que esse bronze equestre da feroz guerreira que mora no topo de um pedestal que praticamente desaparece atrás de uma barraca de souvenirs, passa batido para a grande maioria dos visitantes baratinados dessa que é uma das esquinas mais turísticas de Londres. Quase ninguém nas hordas de bárbaros que chegam caminhando da ribeira e/ou do metrô, da Abadia de Westminster, do Parlamento reparam em Boadicéia antes de atravessar apressados a Ponte de Westminster para andar de Roda Gigante, visitar os Jardins do Jubileu e dar uma olhada no Aquário da cidade. Na melhor das hipóteses a galera a confunde com uma deusa grega e/ou uma ninfa mediterrânea (rsrs)
Quanto à “inimizade respeitosa” entre Nelson e Napoleão, o primeiro registrou preto no branco que o então pequeno general três estrelas francês “quer e vai se esforçar para ser o George Washington da França", enquanto Bonaparte mantinha um busto do almirante inglês em seus aposentos para não esquecer daquele “que poderia causar a mim e à França os maiores problemas”(rsrs) E Trafalgar foi um deles! Graças a uma brilhante estratégia Nelson conseguiu vencer a esquadra franco-espanhola de 33 navios com apenas 27. O vice almirante francês, Pierre de Villeneuve, foi capturado junto com seu navio e o almirante espanhol Federico Gravina escapou com o que sobrou da frota vencida : 13 navios! Sim, foi um gesto de grande cavalheirismo hastear nos escombros o lema do inimigo morto mas foi também um lembrete às tropas de que tinham perdido um batalha perderam mas a guerra continuaria. De fato, menos de dois meses depois Napoleão derrotou os aliados austríacos, napolitanos, russos e suecos dos ingleses na Batalha de Austerlitz e a guerra ainda durou mais dez anos.
Abração
Prezado Autor Sr. MOACIR PIMENTEL,
ResponderExcluirExcelente Artigo continuando a série sobre a Escritora Americana HELENE HANFF, ( 84, Charing Cross Road - 1970), a bela e histórica Cidade de Londres, a riquíssima Literatura Inglesa e nesta porção a história da grande Heroína Inglesa, Raínha BOADICEIA ( 30 DC - 61 DC ) que chefiou forte rebelião contra os Invasores Romanos já estabelecidos, e por pouco não os expulsou completamente das Ilhas Britânicas, no Governo do César NERO.
Hoje seu monumento composto de sua biga de guerra, e armada com sua longa lança, está em local de destaque ao lado do Parlamento Britânico.
O Sr. MOACIR PIMENTAL com sua mágica "pena", e belas fotos ilustrativas, vai nos contando a história de forma sempre agradável como em tudo o que escreve.
Muito Obrigado e um Abração.
Prezado Bortolotto,
ExcluirA "pena mágica" é um teclado cansado de guerra que, de tanto ser castigado, já tem algumas letras desaparecidas e muitas quase esvanecidas (rsrs) Comecei a me interessar pela rainha celta quando, há valentes anos, vi o belo monumento, não entendi nada e como tenho o perguntador sempre ligado indaguei ao ser humano mais próximo quem era a figura (rsrs) Bem que eu gostaria de ter conversado melhor sobre a moça. Na verdade há grandes lacunas na história de Boadicéia. São dos romanos Tácito e Cássio os dois únicos relatos conhecidos da sua derrota na batalha que marcou o fim, no sul da ilha pelo menos, da resistência ao domínio romano que se prolongaria até o ano de 410 dC. Mas a localização do campo de batalha é uma questão controversa: muitos acreditam que o conflito rolou entre Londres e Wroxeter, na estrada romana que nos tempos medievais foi batizada como Watling Street mas outros apostam que o combate se deu mais perto de Londres nas imediações de uma ponte sobre o Rio Fleet. Segundo Tácito, a guerreira cometeu suicídio mas na versão de Cássio ela adoeceu mortalmente e teve direito a um régio funeral. Seja lá como foi a derradeira morada de Boadicéia continua desconhecida. Há quem diga que ela dorme um sono eterno muuuito agitado debaixo da plataforma de número 9 da Estação de King Cross! (rsrs)
Obrigado por suas boas palavras.
Abração
Pode o Pimentel acreditar ou não, mas os artigos que ele posta no Conversas do Mano, na sua maior parte, eu os guardo em arquivo especial.
ResponderExcluirTodos que relatam suas viagens, e com detalhes que não se encontram em livros, eu os considero importantíssimos, pois gosto de me deter nos modos e costumes, tradições e folclore, das regiões ou locais que jamais vou conhecer.
Paris, Londres ... duas cidades que apenas mexem com a minha imaginação, Pimentel deu-lhes forma, ampliando não só o que sempre vi em filmes e revistas, livros e contos, mas ampliando meus parcos conhecimentos com pormenores peculiares de duas cidades importantes da Europa e do mundo, evidentemente.
Dito isso, posso pensar diferente do articulista, do meu amigo, menos com relação ao que nos relata em suas obras.
Assim, se na postagem anterior, meu comentário dizia respeito à Inglaterra e parte de sua história para se tornar o Império onde o sol estava sempre presente, enfatizo que não fui contra as suas impressões de Londres, pois eu apenas mencionei que uma nação do porte da inglesa ou o Reino Unido formado por três países, têm registros notáveis, como os escritos pelo Pimentel, mas possuem publicados também aspectos que caracterizam parte de suas conquistas e riquezas mediante condutas altamente criticáveis e condenáveis.
A única vez que discordei do artigo e de suas opiniões foram com relação ao filme da inglesa que deu em adoção o seu filho, e depois de muitos anos tentou encontrá-lo, mas este havia morrido de Aids nos Estados Unidos.
Pimentel teceu loas ao enredo e interpretação de seus atores, embora eu não tenha analisado os artistas e suas atuações, mas discordei do comentário feito pelo nosso expert em artes.
Uma questão de enfoque, puro e simples.
Logo, se tenho com os ingleses uma certa retração, que não os admiro talvez como deveria, a verdade é que as publicações de Pimentel são primorosas, e que faço questão de enfatizá-las merecidamente, sendo a de hoje mais uma das tantas que guardarei porque valem a pena tê-las anexadas sobre o que tenho desta nação em tela.
Abração, Pimentel.
Prezado Bendl,
ExcluirJá lhe teclei, em outras oportunidades, que pelamordedeus! fique à vontade para desgostar e discordar dos meus textos pois é graças às divergências e críticas bem intencionadas que se progride. Beleza! Nas minhas caixas de comentário errado só está – e sempre estará - quem inicia a conversa certo de já estar completamente certo. É claro que ninguém aqui é boi de presépio, que ao criticar a gastronomia e/ou o imperialismo britânicos os seus comentários enriqueceram meus posts me abrindo espaço para postar e fundamentar as minhas opiniões. E é aqui que o ruído começa. Porque penso que opinião não se discute, ou por outra, que nossas opiniões e simpatias e antipatias e "retrações" por si mesmas, não são argumentos, a não ser que as tenhamos construído sobre evidências e estejamos sempre prontos para revisá-las e aprimorá-las.
Eu acredito sim que você me arquive mas confesso que às vezes du-vi-d-o-dó que me leia porque apesar de reiterada e sinceramente você elogiar a forma dos meus posts, ignora-lhes solenemente os conteúdos e, nos nossos bate-teclas, não passa recibo e nem responde aos meus argumentos (rsrs) Como inexistem verdades absolutas todos os argumentos, meus e seus, deveriam ser submetidos à discussão e essa é, aliás, a única crítica que fiz e faço aos seus arrazoados desde o entrevero sobre o filme Philomena. Dizer que isso ou aquilo é "a minha opinião" para mim não basta, é só uma forma de evitar boas perguntas e de driblar a necessidade de dar explicações. Sim, eu bem sei que todos nós "temos direito às nossas opiniões", mas sucede que se você for esperto JAMAIS arquivará NADA do que eu por desventura vier a escrever aqui sobre Física Quântica (rsrs) Ou seja, os argumentos baseados no conhecimento, na experiência e nos fatos deveriam justificadamente ter mais valia do que os achismos. A justificação é a diferença entre opinião e argumento. As primeiras são dadas os segundos são propostos e portanto em debates é legítimo esperar que nos mostrem sem edição as fontes, que nos convençam da validade das hipóteses levantadas através da persuasão.
O nosso "debate" em um blog chamado Conversas a partir da troca de teclas deveria ser um teclar de trocas, uma procura por verdades parciais e consenso e não um conflito de opiniões. Debater significa escutar, ponderar, olhar para um assunto de vários pontos de vista, enfrentar e responder UM A UM, os argumentos do outro lado, sem jogar confete para a platéia e pedra no carteiro, mantendo os nossos argumentos e defendendo as nossas posições com sinceridade enquanto eles se sustentarem. Nesse mundo polarizado habitado por torcidas desorganizadas que moram em guetos mentais e são movidas pelos crtls c & v e/ou pelo tal do "viés de confirmação", que só escutam e/ou leem as informações que combinam com as suas prévias certezas, o "debate" está moribundo. Debate-se pelos motivos errados: para desabafar, para ficar bem na foto, para se ter razão e muitas vezes para desinformar. Aí não vale a pena, o tempo e a energia. Para quem se expõe ao debate racional de peito aberto, para quem verdadeiramente o aprecia, não importa a mínima ganhar ou perder a discussão porque de um jeito ou de outro se terá aprendido e evoluído. Agradeço-lhe imenso por participar e vamos em frente conversando.
Abração
Olá Moacir,
ResponderExcluirSempre mesmo "rola um vazio" entre um post e outro, entre um comentário e outro.
Plenamente preenchido quando chega a vez, com a história, os fatos e as fotos, aguando a vontade de conhecer Londres. Vontade aguada cresce como planta!
Muita novidade, nunca ouvi falar dessa rainha guerreira de nome muito estranho.
Esse fog londrino captado como prisioneiro (ou o prisioneiro é você?) nas suas belas fotos é simplesmente lindíssimo. Parece sonho nebuloso. De castelos, rainhas e bruxas más. Coloco como pano de fundo para as aventuras da Boadicéia e suas filhas e suas batalhas sangrentas.
Podemos não saber qual a cidade literária que ficava na cabeça da Helene Hanff. Mas já conheço algumas das muitas Londres que moram nessa sua cabeça privilegiada.
Continue dividindo conosco.
Quem sabe, quando acabar a franquia, eu possa dizer como ela, olhando para as páginas do meu Ipad ao alcance, que Londres está aqui.
Nesse branco fica a espera da vez.
Muito obrigada pela aula que certamente continuará nas respostas aos comentários.
Atē sempre mais.
Caríssima Donana,
ExcluirQue maravilha que a senhora gostou das fotos feias ! Existe beleza até no feio, no fog e nos infinitos tons de cinza da paisagem que chamamos de vida. Muitas vezes rola o questionamento quanto à relevância de subirmos no banquinho nesse bar virtual chamado Conversas (rsrs) Mas quando leio quem me lê e me leio nas leituras diversas que fizeram de mim, percebo que não estive falando sozinho e me animo a continuar teclando por um simples motivo: NÓS estamos aqui! Quanto aos comments...Escrever para mim é rito e fluxo. O fluxo é o do post surgindo do teclado depois do ritual de leitura, pesquisa, estudo e pensamento. De certa forma os comentários são o que foi pensado mas teve que ser calado porque, segundo o Office, o arrazoado já tinha dez páginas (rsrs) Ao teclar A Rainha Guerreira não pude deixar de matutar que ao reconstruir a vida das mulheres do passado tanto os historiadores quanto nós lutamos contra preconceitos. Tácito nos descreveu a mentalidade sui generis e masculina de Boudica e/ou, repetindo as palavras dele, o comportamento “quase viril” da moça ao mencionar a imensa destruição causada por ela às cidades de seus inimigos. A narrativa do historiador foi recentemente confirmada pelas escavações arqueológicas realizadas nas três cidades onde Boadicéia “não deixou pedra sobre pedra”. De fato, em Colchester, Londres e St. Albans as casas então construídas com argila endurecida – um material pouco inflamável – foram literal e metodicamente incineradas e depois niveladas, como se tivessem sido tratoradas uma a uma. Daí o espanto do "sabichão" com tamanha falta de, digamos, feminilidade.
Boadicéia é uma ótima oportunidade para registrar por aqui que se lá atrás na Pré- História fomos tribos nômades de escassa mão de obra é mais do que provável que as senhoras tenham empunhado armas, caçado e lutado ao lado de seus homens. No entanto o que os especialistas romanos nos dizem é que Boadicéia só se tornou uma rainha guerreira pelas suas circunstâncias. Conversa fiada! Graças aos avanços da Arqueologia hoje sabemos que nos ancestrais cemitérios da Bretanha mais de um terço das ossadas que foram enterradas com armas - faca, arco, lança e machado - eram de mulheres. A pergunta que essas escavações tumulares suscitam, é clara: quantas mulheres exerceram "papéis masculinos" no passado? Quantas mulheres se comportaram "como homens" ao longo da história?
Foram muuuitas as líderes femininas agressivas e guerreiras por todo o vasto mundo apesar de milênios de patriarcalismo: as irmãs Trung que lutaram para defender o antigo Vietnã dos chineses invasores; Tômiris dos massagetas, um povo nômade da Ásia Central, que dizem massacrou os persas e decapitou Ciro, o Grande, para vingar a morte do filho; Artemisia da Cária que aliou-se ao persa Xerxes e no comando de cinco navios invadiu a Grécia; Zenóbia de Palmira que enfrentou os romanos na Síria; Mavia da Arábia que quase deixou Roma de joelhos no século IV dC, quando invadiu o Egito; Etelfleda a feroz rainha de Mércia que lutou para expulsar os vikings dinamarqueses, galeses e irlandeses invasores de suas terras; a rainha indiana Lakshmi que se revoltou contra os britânicos em 1958 e por aí vamos. O certo é que as guerreiras - e as ”rainhas e bruxas más”- sempre existiram e finalizo dizendo à artista como e onde elas apareceram pela primeira vez nas artes: nas aventuras das primeiras amazonas eternizadas nas pinturas dos vasos de cerâmica da Grécia antiga (rsrs)
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3a/Fragment_of_a_terracotta_volute-krater_MET_DP202056.jpg
"Até sempre mais"
Prezado Pimentel,
ResponderExcluirNa verdade leio, sim, os conteúdos dos teus artigos.
Se deixo de comentá-los, a razão é simples:
Como posso discutir contigo algo que não conheço?!
Jamais fui a Londres ou Paris ou Índia ou Sri Lanka.
Logo, essas postagens que fazes só me resta elogiar a forma como tu as publica, pois eu seria estúpido, para dizer o mínimo, discordar de algo que nunca vi ou visitei pessoalmente!
No caso do filme Philomena, eu o assisti e não gostei, a ponto que debatemos o enredo de tal maneira, que o Mano teve de pedir que terminássemos com a discussão, lembras?
Agora, em se tratando das tuas viagens, teus textos sobre artes, pintores, escultores, dizer o quê?!
De minha parte nada, pois desconheço esses temas porque nunca me senti atraído por esse tipo de dom e talento humanos, apesar de reconhecê-los.
Digo mais:
Foi exatamente o teu modo de escrever, que comecei a arquivar as tuas postagens referentes aos artistas específicos, caso contrário continuariam a ser ilustres desconhecidos para os meus parcos conhecimentos.
Logo, discordamos muito pouco, que significa não haver questão que possa implicar em questionamentos ou alegações contrárias entre mim e teus pensamentos ou colocações ou convicções ou opiniões.
Sabes aquele velho ditado popular?
“Quando um burro fala, o outro murcha as orelhas”?
Então, em se tratando de assuntos que reconhecidamente ignoro, resta-me elogiar os teus textos e estilo como te comunicas conosco nessas tuas mensagens.
Tô pensando em um artigo – se o Mano decidir postá-lo, evidentemente -, onde poderemos discutir o seu conteúdo, a sua essência, o seu âmago.
Não com o intuito de nos digladiarmos nos argumentos contrários, conforme nossos entendimentos, não, mas a título de ampliar nossos horizontes quanto o tema é polêmico ou permite interpretações diferentes.
Por enquanto, até hoje somente não concordamos a respeito do filme Philomena, e abordei o conteúdo das tuas argumentações e elogios sobre o enredo, discordando, respeitosamente, das tuas colocações.
Quanto às dezenas de outras postagens tuas, eu as elogiei merecidamente e não porque sou teu amigo, nada disso, mas em razão de eu ter apreciado os temas que postaste, e com a sabedoria de sempre, indiscutivelmente.
Abração.
Saúde.
Prezado Bendl,
ExcluirUm cara com a sua leitura e neurônios e capacidade de articulação pode discutir qualquer tema com quem quer que seja.É só querer (rsrs) Fico muito feliz de saber que me honra com a sua leitura e conte comigo para discutir à exaustão seu próximo artigo “polêmico”, que – aqui entre nós e baixinho – o Senhor Editor já deve estar doido para receber (rsrs)
Porém não esqueça que nos prometeu teclar outro post de nome Dissidência, um tema que acho bem interessante tanto pelas suas próprias experiências dissidentes quanto pela loooonga lista dos seus colegas que mudaram o mundo e o tornaram um lugar melhor ao discordar dos pontos de vista e opiniões daqueles que detinham autoridade e poder. Entre tantos profetas, santos, filósofos, rebeldes, exploradores, inventores, defensores de grandes causas, estadistas, escritores e artistas, o amigo está em muito boa companhia. Às pretinhas!
Obrigado pela atenção, um bom final de semana e um grande abraço