fotografia Moacir Pimentel |
Moacir
Pimentel
Certa vez, em uma carta para Frank Doel, Helene Hanff escreveu sobre o seu
imenso desejo de visitar a Catedral de São Paulo e o Museu Britânico em
Londres. De fato a belíssima catedral, cujo mais famoso deão foi o poeta John
Donne, é imperdível mas hoje, antes de conversarmos sobre ela, daremos um
rápido passeio pelo Museu Britânico, pensado e fundado em meados do século
XVIII como um museu do povo, da nação, não mais do rei George II ou dos poderes
eclesiásticos. Desde então ele tem estado gratuitamente aberto ao público e sido
constantemente enriquecido, transformado e expandido para tornar-se um símbolo e
um emblema da cultura contemporânea.
Não se pode ir a Londres sem pelo menos contemplar e fotografar, do lado
de fora, o frontispício construído na década de 1850, decorado com esculturas
que ilustram o que os visitantes do século XIX encontrariam lá dentro. Tais
frisos esculpidos, geralmente encontrados nos templos, eram uma característica
da arquitetura grega antiga, tinham a forma de um triângulo e eram povoados por
esculturas e relevos, que refletiam o propósito do edifício.
Sim, o Museu Britânico foi projetado em estilo grego, com direito ao
frontão e às colunas e às estátuas na sua entrada sul cujo tema é o progresso
da civilização. A versão vitoriana do conhecimento humano é narrada da esquerda
para a direita desse friso que inaugura o post, no qual o homem emerge
ignorante de uma rocha, encontra o próximo personagem, um anjo segurando a luz,
aprende habilidades básicas, como cultivar a terra e domesticar os animais e,
em seguidinho, conhece mais oito figuras míticas que representam a arquitetura
e a escultura, a pintura e a ciência, a geometria e o teatro, a música e a
poesia. A figura humana ressurge no final, no centro da cena, como um homem
educado e apto para entender e dominar o mundo ao seu redor.
Mas bem ali do lado de fora quem resiste a entrar nem que seja para dar rapidamente
uma espiada no teto fabuloso de aço e vidro do átrio central desse museu?
fotografia Moacir Pimentel |
A maior parte do acervo do Museu foi adquirida na primeira metade do
século XIX, uma época imperial na qual mais e mais povos e terras terminaram
sob o controle britânico. Aquele também foi um período de incrível curiosidade
e avanços em muitas áreas diferentes, incluindo ciência, tecnologia e história.
A força militar e econômica do país permitiu que os colecionadores privados e o
próprio governo reunissem artefatos de muitas das principais civilizações do
mundo, como peças indianas e egípcias, mármores gregos, estátuas da
Mesopotâmia, tesouros maias, máscaras astecas, ouriversaria persa e outros
itens culturais hoje expostos no Museu.
Todas essas coisas contam histórias que se entrelaçam, nos fornecendo
uma explicação de como o mundo veio a ser esse em que vivemos. Esse é um museu
para todos, o turista, o estudante, os meninos curiosos pois possui artefatos
considerados fundamentais para a compreensão dos usos e costumes das
civilizações antigas.
São particularmente notáveis os escombros do Mausoléu de Halikarnassos,
uma das sete maravilhas do mundo antigo, desenhada por arquitetos e adornada
com relevos e estátuas de famosos escultores gregos, com ênfase para as esculturas
do casal real Mausolo e Artemisia e de um fabuloso cavalo nele sepultados (rsrs)
Note que o termo “mausoléu” que hoje é usado genericamente para qualquer grande
e/ou suntuosa tumba teve origem no nome do rei Mausolo.
Não se pode deixar de conferir a estatueta dos Amantes de Ain Sakhri, a
mais antiga representação conhecida do amor físico humano, o tesouro de
Cartago, o friso de nome Estandarte de
Ur escavado de um cemitério ao sul de Bagdá, o Cilindro de Ciro, o
Grande, de argila e datado do século VI a.C, no qual mora um texto em grafia
cuneiforme acadiana, interpretado como uma pioneira declaração de direitos
humanos e um exemplo de multiculturalismo.
Porém a Pedra de Roseta é, indiscutivelmente, a atração mais visitada do
museu. Trata-se de um fragmento de uma estela do Egito Antigo. A palavra grega “stela”
significava “pedra levantada” e, na arqueologia, designa objetos de pedra nos
quais eram gravados textos e esculturas em relevo. A razão de ser desses monólitos
era comunicar um determinado significado simbólico: funerário,
mágico-religioso, territorial, político. A civilização maia foi revelada
através da decodificação das várias estelas que nos legaram e são fascinantes
aquelas encontradas no Baixo Alentejo e no Algarve, na t’rrinha, com inscrições
ainda por decifrar.
Dois séculos antes do Cristo alguém ou alguéns gravaram numa pedra um
texto de três parágrafos. Não se sabe como ou quando exatamente, a pedra foi
reaproveitada na construção de um forte na cidade de Roseta, no delta do rio
Nilo que, em 1799, foi ocupado pelos soldados de Napoleão.
As inscrições na Pedra de Roseta foram, em seguida, notadas por um
soldado francês e logo despertaram grande interesse dos arqueólogos, linguistas
e acadêmicos europeus pela possibilidade que ofereciam de decodificação dos
hieróglifos egípcios, até então indecifrados. Sucede que, no meio tempo, tropas
britânicas derrotaram os franceses no Egito em 1801 e a Pedra acabou sendo
confiscada e levada para Londres onde mora desde 1802.
Somente vinte anos depois os textos foram decodificados pelo francês
Jean-François Champollion, que percebeu que os dois últimos textos eram
traduções do primeiro e que tratava-se de um decreto do rei Ptolomeu V, cujo
nome aparecia em todas as versões sendo que a de cima fora escrita na forma
hieroglífica do egípcio antigo, a do meio em demótico e a de baixo em grego
castiço. A palavra Ptolomeu, portanto, foi a chave através da qual Champollion
quebrou o código, decifrou os hieróglifos e desvelou a cultura egípcia para o
mundo.
No entanto devo confessar que, na minha humilde opinião, nesse museu os
mármores são imbatíveis.
Mármores de Elgin no Museu Britânico - imagem Wikipédia |
Ainda que sejam espetaculares as coleções de estátuas gregas do Louvre e
do Vaticano, moram no Museu Britânico cerca de trinta por cento das esculturas
e frisos e relevos do Partenon da Acrópole de Atenas, feitos por e/ou sob a
supervisão do arquiteto e escultor grego Fídias. A questão de onde as esculturas
do Partenon devem ser exibidas está nas barras dos tribunais. O Museu Britânico
jura de pés juntos que elas lhe pertencem legalmente, enquanto o governo grego
acredita que elas deveriam ser devolvidos porque os tesouros culturais de
civilizações antigas pertencem aos lugares onde nasceram. Tomara que a Grécia
os recupere um dia.
A coisa mais surpreendente nesse museu inglês não é tanto a incrível
riqueza de seu acervo mas sim a vastidão histórica contada por ele, através de
épocas e continentes, esculturas e artesanatos, idiomas e expressões
idiomáticas, ferramentas cotidianas, pinturas, mármores, tecidos, gravuras e até
templos e tumbas reconstruídos. O Museu Britânico também não é apenas sinônimo
da História, é, com efeito, um manifesto da riqueza oferecida pelo conhecimento
do passado.
Panorama do salão de leitura do Museu Britânico - imagem Wikipédia |
Como atesta a sua famosa Sala de Leitura, que Helene Hanff sonhava
visitar e usar assim como fizeram um grande número de escritores notáveis, da
estirpe de Oscar Wilde, Bram Stoker, Rudyard Kipling, George Orwell, George
Bernard Shaw, Mark Twain, Virginia Woolf, Arthur Rimbaud, H. G. Wells e Sir
Arthur Conan Doyle.
E agora, saindo do Museu, que tal conversarmos um pouco sobre a Catedral
de São Paulo?
fotografia Moacir Pimentel |
Sim, podemos caminhar os poucos quilômetros que separam o Museu da
Catedral, mas o tempo é curto. É mais sensato seguir para a estação de metrô mais
próxima, a de Tottenham, para pegar o “tube”, desfrutando o cheiro sempre
tentador vindo do carrinho de cachorros quentes cobertos de cebolas grelhadas
bem ali em uma das esquinas do Museu.
É relaxante observar tantas coisas que não fazem parte de nossas vidas:
os prédios, as lojas, os ônibus vermelhos, os motoristas nos bancos dos
passageiros, as íngremes escadas rolantes até a plataforma do metrô e sentir a
lufada de ar quente que chega com o trem e exige que a gente abra o casaco.
Após uma rápida viagem subterrânea - na qual são proibidos os contatos
visuais entre estranhos (rsrs) – é revitalizante desembarcar perto da catedral e
respirar o ar gelado. “São Paulo”, como é chamada pelos londrinos, mora em todo
o seu esplendor histórico no alto da colina de nome Ludgate, quase à beira do
Tâmisa. Dona História afirma que o monte, hoje rasgado pela famosa Rua Fleet,
foi um cemitério romano. O endereço tem sido considerado terreno sagrado desde
o sexto século após o Cristo, mas a imagem da obra prima do arquiteto Sir
Christopher Wren silhuetada no horizonte da cidade é relativamente nova.
O Grande Incêndio de Londres, em meados do século XVII, foi uma
oportunidade de ouro para Wren e ele aproveitou a tragédia para projetar uma grande
quantidade de igrejas e monumentos interessantes. É bastante surpreendente que
a Catedral ainda esteja de pé, uma vez que a área ao seu redor foi duramente
bombardeada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Grande parte dos
vitrais foi destruída mas a estrutura sobreviveu à Blitz praticamente intacta.
A construção de “São Paulo” começou e terminou durante o século XVII.
Desde então, o prédio tem um significado especial para londrinos e turistas.
As imagens dessa cúpula são comumente associadas aos orgulho e força
nacionais, embora ela pertença à uma igreja totalmente funcional com serviços
diários. Porém de tudo que Christopher Wren idealizou e construiu nesse templo a
Galeria dos Sussuros logo abaixo da bela cúpula da Catedral de São Paulo é a
mais impactante.
São centenas de degraus que se tem que escalar para poder sussurrar de
um lado e ser escutado claramente do outro. Será que ao estudar a acústica da
Galeria, o arquiteto se lembrou daquela passagem do Antigo Testamento que fala
de como depois de um violento vento, de um tremor de terra, de um incêndio
finalmente a voz do Senhor sussurou na brisa suave?
A Galeria dos Sussurros da Catedral de São Paulo - imagem Wikipédia |
Nunca saberemos. Mas quem leu o livro e/ou assistiu o filme 84, Charing
Cross Road, sabe como era grande o afeto de Helene Hanff, não exatamente pelo
templo, mas por John Donne, o deão poeta, lá sepultado. Nos disse ela:
“Um jornalista amigo meu, que viveu em Londres durante a guerra, certa
vez me disse que os turistas vão para a Inglaterra com noções preconcebidas mas
que sempre acham exatamente o que estão procurando. Eu retruquei que iria
buscar a Inglaterra da literatura inglesa e ele disse: “Está lá”.
É claro que o amigo da moça tinha razão e que John Donne jamais será
esquecido, especialmente depois dessas pretinhas da escritora :
“Ninguém que assiste televisão tem a
menor ideia de quem John Donne foi, mas graças a Hemingway todos sabem que “nenhum
homem é uma ilha”. Então eu o dramatizei em um roteiro e foi assim que John
Donne apareceu no programa Hall da Fama e pagou por todos os livros que você já
me enviou e mais cinco dentes. “ (rsrs)
Não, John Donne não será eterno apenas por causa daqueles sinos que
dobram por nós, mas por todos os belos sermões que o deão poeta escreveu e
articulou para seus fiéis bem ali do púlpito de São Paulo, um dos quais Helene
nos presenteia no filme...
Não sei se, nesses nossos tempos escuros, estamos com essa “abertura”
toda, mas bem que a nossa espécie tem tentado desde as cavernas pré-históricas.
Onde, primeiro articulamos palavras, depois pintamos histórias nas paredes de
pedra e finalmente, misturando os recém inventados códigos sonoro e pictórico,
abstraimos pela terceira vez e inventamos a palavra escrita.
Helene desejava “ficar parada defronte do lugar onde John
Donne pregava...” mas tal desejo não conseguiu realizar porque Londres não é mais aquela onde John Donne pregou. Nada mais
resta do púlpito externo - chamado de “A Cruz de Paulo” - no pátio da Catedral gótica,
porque ela foi totalmente destruída pelo incêndio de 1666.
Representação do "Teto negro" da Cruz de Paulo - CHASS - North Carolina State University |
1)Em julho passado, estive na bela cidade de "O Galo", às margens do Canal da Mancha.Fomos à praia, a água estava morna, era Verão;parte holandesa da Bélgica.
ResponderExcluir2) Disseram-me os parentes que nos acompanhavam que do outro lado, na outra margem ficava a Inglaterra. De fato, como a atmosfera estava limpa, conseguíamos avistar, ao longe o casario.
3)Lembrei então das crônicas do Moacir Pimentel, que ora analisando um livro, ora um filme, ele nos proporciona bons artigos como este agora. sobre a Grã-Bretanha.
4)Nesta aprazível cidade litorânea, digamos, um balneário, em várias esquinas encontramos a estátua de um galo, multicoloridos.
5) Encontrei até uma loja de produtos budistas: velas, incensos, quadros, livros, bandeiras de orações tibetanas etc.
6) Observo que Moacir mergulha no/na personagem, interage com ele/ela. interpreta de forma brilhante os possíveis pensamentos de tais ficções, sempre inspiradas no real.
Antonioji,
ExcluirO "mergulho"começou com uma sugestão, feita pelo Sr. Editor, para que eu teclasse uma resenha sobre o livro/ filme 84, Charing Cross Road. Sucede que terminada a resenha cinematográfica me deu vontade de continuar teclando sobre Londres. Como a escritora-do-livro/protagonista-do-filme terminou mesmo visitando a cidade e descreveu-a em outrolivro, achei que se eu misturasse as visões dela às minhas e, de quebra, usasse algumas fotos que fizera podia dar samba.
Então a sua leitura é correta: para escrever essa "franquia" eu mergulhei mesmo nos livros da Helene Hanff e no filme. Mas desconfio que apesar da "imersão", da longa conversa que tive com a moça, foram as minhas próprias referências e leituras que terminaram por definir o caminho.
Espero que escreva mais sobre sua última viagem, obrigado pelas boas palavras e seja bem vindo de volta às Conversas.
Namastê!
Adoro as informações interessantes que você nos oferece nos seus artigos mas é triste ler sobre este lindo museu sabendo que no Brasil o 'conhecimento do passado' vira cinzas e tudo bem. Tivemos até ministro da Educação perguntando o que museu tem a ver com educação. É como se nosso país por falta de educação de qualidade desprezasse seu passado. Só melhorei de astral no passeio entre o museu e a catedral porque pude imaginar o cheiro do cachorro quente e os ingleses evitando fazer contato visual no metrô kkk Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirMuseus são como aqueles velhos álbuns de retrato onde a gente contempla as avós de noivas, os avós de terno branco, o pai de bota ortopédica, a mãe de normalista e os irmãos fantasiados de piratas e constata que fazemos parte de algo maior que começou antes e vai terminar depois da gente. Sem a mesma percepção de pertencimento com relação ao país, me escapa como se pode formar cidadãos.
Quanto ao passeio do museu à catedral, lembro inclusive do dia em que o fizemos: 18 de dezembro, o aniversário do nosso primogênito. Tínhamos pressa e daí usamos o metrô - que é uma beleza mas infelizmente é subterrâneo (rsrs) – para ir até o bairro de Bloomsbury, onde mora o Museu. Para evitar as filas usamos a entrada norte, a das Galerias Eduardo VII, na Praça Montagne. Vimos os mármores e as gravuras e depois saímos pela entrada principal na Rua Great Russell e seguimos até a estação de metrô, onde tomamos um trem sem escalas para a estação São Paulo. Uma viagem de cinco minutos!Devo confessar que é um perigo fazer esse roteiro a pé: o frio e a grande quantidade de ótimos pubs pode tornar looooonga a caminhada! (rsrs)
“Obrigado!” e abração
Muito bom. Nos museus como o Britânico algumas coisas sobre a humanidade ficam evidentes. Como o antigo hábito de saquear e a mania de colecionar o que é dos outros, rs. Depois de ver estas espetaculares pilhagens assim, coletivamente, sempre tenho a impressão que o mundo ainda não entendeu nada.
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirSim, os poderosos sempre colecionaram compulsivamente a arte alheia. Lembro de como entrei no Museu Nacional de Atenas certo de ia ver maravilhas e do quanto me entristeceu a pobreza do acervo se comparado com as coleções gregas dos museus Britânico, do Louvre e do Vaticano.
Não sei se você reparou na sua visita ao Museu Britânico, no busto colossal de Ramsés II, o mais poderoso de todos os faraós do Egito. Os gregos apelidaram-no de "Ozymandias" e esse é o título de um soneto do poeta Percy Bysshe Shelley que confronta a efemeridade da vida com a tola pretensão de eternidade dos projetos de poder dos impérios:
"Ao vir de antiga terra, disse-me um viajante:
Duas pernas de pedra, enormes e sem corpo,
Acham-se no deserto. E jaz, pouco distante,
Afundando na areia, um rosto já quebrado,
De lábio desdenhoso, olhar frio e arrogante:
Mostra esse aspecto que o escultor bem conhecia
Quantas paixões lá sobrevivem, nos fragmentos,
À mão que as imitava e ao peito que as nutria
No pedestal estas palavras notareis:
“Meu nome é Ozymandias, e sou o Rei dos Reis:
Desesperai, ó Grandes, diante das minhas obras!”
Nada subsiste ali. Em torno à derrocada
Da ruína colossal, a areia ilimitada
Se estende ao longe, rasa, nua, abandonada."
Quem lembra do Ramsés? Quantos imperadores já não afundaram nas areias do tempo? Hoje deles restaram as artes nos museus do mundo que sim, deveriam nos fazer refletir, mas essa é uma lição que aparentemente nunca aprendemos.
Obrigado por participar.
Pimentel,
ResponderExcluirPassei uma tarde no Museu Britânico e foi lá que nasceu a minha admiração pela arte grega. Mas em poucas horas não deu para ver muito mais além dos mármores. Fora aqueles que já descreveu tão bem, na sua opinião que outros itens merecem destaque no Museu?
Sampaio,
ExcluirEssa coisa de “favoritos” é muito pessoal e o museu tem objetos capazes de fascinar a gregos e troianos, mas vamos lá: entre os mármores atenienses grifo a cabeça de cavalo com os olhos esbugalhados e as veias quase explodindo de exaustão; da coleção asteca a serpente de duas cabeças cujas gengivas foram feitas com conchas vermelhas em contraste com a brancura dos dentes;
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/17/Double_headed_turquoise_serpentAztecbritish_museum.jpg/1280px-Double_headed_turquoise_serpentAztecbritish_museum.jpg
Na coleção do Oriente Médio as incríveis e assírias estátuas de leão com cabeça humana e cinco pernas, é claro, porque foram projetadas para serem vistas de frente ou de lado e os relevos da caça aos leões que ilustram o esporte real com requintes de crueldade
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/07/British_Museum_Room_10_lion_hunting.jpg
É notável a coleção de Sutton Hoo, o sítio arqueológico onde foi encontrado um barco funerário anglo-saxão de praí trinta metros de comprimento e um milênio e meio de idade, que pode ter sido o túmulo de um rei. Seus tesouros, joias, espada e especialmente seu elmo, feito de ferro e coberto por lâminas de cobre gravadas com cenas diversas nos provam que as lendas de viagens épicas e de batalhas travadas por guerreiros ferozes na Inglaterra anglo-saxônica nem eram só poesia nem estavam longe da realidade.
https://i.pinimg.com/originals/fa/da/34/fada34da0c237d69dab2170b266af43e.jpg
Mas confesso que já fui ao Museu só para conferir a sua coleção de desenhos e de impressões a partir dos séculos XIV/XV respectivamente. São incontáveis os desenhos, aquarelas e gravuras o acervo. Por lá moram desenhos de Leonardo da Vinci, Rafael, Michelangelo, Dürer, Rubens, Rembrandt e obras de todos os grandes gravadores, inclusos Dürer, Rembrandt, Goya e um conjunto completo da suíte Vollard de Pablo Picasso.
https://www.britishmuseum.org/images/picasso_624x480.jpg
Abração
Indiscutivelmente a cada viagem realizada por Pimentel para o exterior, e dependendo do país visitado a conclusão é uma só:
ResponderExcluirO brasileiro ainda está muito distante da cultura, do conhecimento, de proporcionar a si mesmo essa legítima independência, o estudo.
Se, por um lado, admiro a importância que a Inglaterra concede à cultura, ao conhecimento, à preservação da arte, tanto em prédios suntuosos quanto aos acervos que possuem, pelo outro, vejo-me frustrado e decepcionado sobre o desprezo que o Brasil tem pela preservação da sua origem, da sua história, modos e costumes, tradições e folclore, e museus que guardassem a rica e esplendorosa história indígena brasileira!
Mudar essa mentalidade imediatista que temos, um tanto quanto hedonista, sem darmos importância ao passado que nos catapultaria para o desenvolvimento, no futuro não teremos como comparar se avançamos ou ficamos estagnados, pois nos faltarão parâmetros de comparações, constatações, aferições.
País que não preserva a sua história, que não dá valor ao seu passado, de modo a fortalecê-lo no presente e possibilitar o seu progresso, sempre deixará de oferecer ao seu povo condições de valorizar até mesmo a sua participação como indivíduo no contexto nacional, em decorrência, a própria sociedade jamais será um tecido social, mas pequenos retalhos que jamais poderão ser unidos.
Dessa forma, além de o Pimentel nos dar esta chance de olhar as fotos que compõem invariavelmente seus artigos brilhantes, esclarecedores, informativos e atuais, e lendo seus comentários sobre o que viu e considerou fundamental postar para nossos conhecimentos, percebemos, lamentavelmente, que temos um longo caminho a trilhar.
E, sem ser pessimista, não percebo movimentos para que mudemos nossas ideias de não preservar o nosso passado, a nossa história.
O Brasil gasta tanto dinheiro em questões de somenos importância, em comparação às nações desenvolvidas, que deixa de construir ou armazenar os tesouros que ainda restam desde o nosso descobrimento.
Ora, um país sem história é não ter identidade, não ter as suas impressões marcadas em livros, em prédios, em objetos, que deveriam estar protegidos para que o povo os visse, admirasse, respeitasse nossos antepassados e o nosso passado de Colônia, Império, Independência, Regência, Império novamente, República, Ditadura, República de novo, outra Ditadura, mais uma vez República!
Valeu, Pimentel.
Obrigado por mais este trabalho primoroso.
Abração.
Saúde
Prezado Bendl,
ExcluirObrigado pelo bom comentário.Infelizmente concordo com suas palavras: somos um povo desmemoriado. Simplesmente desconhecemos o passado remoto e esquecemos o passado recente porque o que é publicado hoje, amanhã some das telinhas. Inexiste um nacionalismo saudável, um patriotismo compatível com a jornada cultural que o país já trilhou e isso, é claro, só tem a ver com a péssima educação.
Quem conhece as Cartas do Padre Vieira, quem sabe quem foram os bandeirantes, quem enveredou por Guimarães Rosa, quem conheceu a versão da loucura de Canudos segundo Euclides da Cunha? Quem já leu a história do Brasil que mora nas palavras de Rui Barbosa, nos parágrafos de Jorge Amado, nos capítulos de Quarup de Callado, na saga de Veríssimo? Como pode entender de Brasil quem não foi apresentado ao Macunaíma do Mário de Andrade? Se não fosse a dramaturgia da Globo, que jovem teria ouvido falar de Prestes, Getúlio, JK , Carlos Lacerda? Quem se lembra de Goffredo Telles Júnior lendo das Arcadas do Largo de São Francisco uma Carta aos Brasileiros?
"Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direitos Humanos contra a opressão de todas as ditaduras."
Sem o conhecimento e a compreensão do passado, sem identidade, sem orgulho, somos incapazes de entender o presente e de acreditar no futuro ainda a ser construído. E o resultado dessa tragédia é que continuamos a ser facilmente pautados por “narrativas” doidas de pedra e manipulados pelas vãs promessas de "salvadores da pátria".
Abração
Olá Moacir,
ResponderExcluirTodo museu deveria ser assim, gratuitamente aberto ao público. Sem restrição.
Ou seria como ter uma jóia e não usá-la por medo de ser roubada. Ou pior, fazer um fake. Mas para museus serem abertos é preciso primeiro alimentar e educar o povo. Alimentar para ser sadio e educar para poder ver e entender a arte e a história. E o apreço do Estado para ambos, os museus e as gentes. E não temos nada disso.
Por isso me desvesti de mim para ler seu texto e usufruir até a última pretinha.
Sei que ficaria horas nesses frisos. Teria que voltar depois, talvez depois de novo, para conhecer o "resto" do que foi um dia.
E assim fazer muitas dessas viagens sem contato visual ( menos para mim).
Essa Londres é interminavelmente atraente.E fica cada vez mais interessante depois de cada pedaço da franquia.
E mais, tenho inveja de você. Poderia dizer inveja boa, mas dizem os malvados que ela não existe...
Na esperança do caminhar prometido (vou fazer alongamento e tomar Dorflex),
Até sempre mais.
Moacir,
ResponderExcluirEu era muito novinha quando visitei o Museu Britânico tanto que as múmias me impressionaram mais que a Pedra de Roseta e os mármores quebrados. Concordo que as estátuas deveriam voltar para a Grécia e acho que você se refere ao primeiro Livro dos Reis como provável fonte inspiradora do arquiteto para a Galeria dos Sussurros. Mas se não fosse o romance de Hemingway nem Helene Hanff teria um novo sorriso nem eu teria conhecido John Donne, tão sábio ao escrever que “Deus tem muitos tradutores”.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirDona História garante que do século XV até o meados do século XIX, a Grécia esteve sob o domínio do Império Otomano, cujos exércitos fizeram da Acrópole uma fortaleza e do próprio Partenon uma mesquita, com direito a minarete. No século XVII, durante uma guerra travada entre Veneza e os otomanos, o grande monumento - então usado para armazenar pólvora - foi bombardeado, perdeu o teto e ficou reduzido aos frontões. Vandalizados, quebrados aos pedaços para serem reaproveitados em novas construções, roubados, comercializados com a conivência das autoridades otomanas no atacado ou no varejo para colecionadores que alegadamente queriam "salvá-los" da destruição, os frisos e as esculturas na virada dos séculos XVIII e XIX, corriam realmente o risco de desaparecer completamente e eu tenho certeza absoluta de que assim teria sido se Lord Elgin não os tivesse "tungado" e levado para Londres. Ponto parágrafo.
Isso dito penso que essas maravilhas deveriam voltar para casa por um único motivo: a arte tem tudo a ver com o lugar para o qual é criada. Mentes e mãos gregas, observadas por Sócrates cinco séculos antes de Cristo, ergueram a Acrópole e é a ela que os mármores pertencem.
Quanto aos sermões, sonetos, poemas de amor, epigramas, elegias e sátiras do Donne são uma curiosa mistura de pretinhas espirituais só que profundamente imersas na fisicalidade. A linguagem vibrante, o estilo sensual e realista, o erotismo, as imagens metafísicas complexas e o uso constante de metáforas difíceis de serem analisadas fazem da obra dele, pelo menos para mim, em grande parte intraduzível (rsrs) Donne tem que ser lido no original.
Outro abraço para você
Prezado Autor Sr. MOACIR PIMENTEL,
ResponderExcluirFoi uma sorte que a Escritora Americana HELENE HANFF escreveu " 84, Charing Cross Road" 1970, pois assim esse Mágico Escritor e Viajante Sr. MOACIR PIMENTEL nos encanta fazendo-nos viajar com Ele pelos pontos estratégicos de Londres-UK citados por HELENE HANFF, no caso, o Museu Britânico e a Catedral de São Paulo.
Todos os Colegas elogiaram e comentaram tão bem, que a gente encontra dificuldade para dizer algo melhor.
Parabéns e Muito Obrigado por mais este prazeroso Artigo Sr. MOACIR PIMENTEL.
Abração.
Prezado Bortolotto,
ExcluirTenho em comum com você o respeito pela palavra escrita que já li você definindo como "a mais difícil das artes". Não considero meus arrazoados como "arte", até porque escrevo do mesmo jeito que converso, ou seja, muitas vezes provocando nas pessoas o desejo de poder apertar o botão do off (rsrs) Mas assim como não se conversa sozinho, ninguém persiste na escrita sem leitores. Ser lido com prazer e ser comentado com tanta fidalguia por você é uma honra e um imenso inventivo. Muito obrigado e um grande abraço