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08/09/2019

Aridez de terra seca




Ana Nunes

Já são meses sem chuva. Entressafra de tempo molhado, de água mágica que brota em nuvens escuras no céu antes azul. Não chove nada.

Persigo a previsão do tempo na televisão, no INPE do IPad e a previsão dos conhecidos... à procura da chuva! Chove torrencialmente em São Paulo, meu filho me conta, chove no Sul, meu amigo me disse, e me lembrou das galochas do passado. Chove no Rio, minha irmã sabe disso. As frentes frias sobem e vão se gastando antes de chegar aqui.
Sinto saudade!
Da chuva mansa de lavar delicadamente ares e flores. Essa chuva delicada no cinza que a cerca,  arrepia minha alma e apazigua meu coração.
Da chuva tempestade. Que borra a paisagem, mistura de cinza escuro o céu, as montanhas e as casas. Chuva duradoura que encharca os morros que deslizam sobre os homens. De granizo e trovão e raios afiados. Essas são perigosas. Trazem sempre más notícias. Elas também enchem os rios que bravos saem de seus caminhos apertados, sobem pelas margens e pelas pontes cegos de fúria com o tempo molhado. São injustos na perseguição às gentes ribeirinhas.
Mas continuo na mesma a gostar delas também, aconchegada no meu abrigo seguro. E com o coração cheio de culpa me dizendo que não posso gostar delas. E fico confusa. E quase choro nas imagens da tv.

Gosto da chuva que faz barulho no toldo e escorre pelos vidros da janela. Imito Bilac e acordo para ouvi-la. E volto a dormir, sorrindo mesmo, embalada pela música.
Se dia meio claro meio escuro, olho pela janela a cascatinha quase espuma junto ao meio fio. Esse riacho arrasta meu pensamento e quase entendo tudo.
Respiro o cheiro bom de terra molhada. Mesmo que seja só nuns quadradinhos pequenos onde, com tão pouco, crescem árvores generosas. E com desdém pelo pequeno espaço dão sombras verdes e colorem a rua barulhenta. Às vezes até perfumam como o jasmim debaixo da janela.
O passarinho gordinho e marrom balança e balança no galho verde que balança com a chuva. Brincadeira de zanga-burrinho da minha infância. Depois de muito brincar sacode as penas para secar e ficar quentinho.

As ruas se colorem de guarda-chuvas listados, de flores ou de bolinhas. O meu é grande e xadrez verde e vermelho (comprei em Portugal...) e saio por aí trombando com os outros e sorrindo feliz. Já falei que sou um pouco planta e fico viçosa nesse caminhar molhado.

Aqui perto de mim, um jardim grande corre junto às janelas e as garagens até chegar ao muro. Nesse verde inesperado vive uma palmeira, comigo desde o começo dos tempos desse lugar chamado casa. Somos contemporâneas. Ela cresceu muito, muito, acima dos três andares e balança perigosa no vento forte que precede a chuva. Vai cair um dia desses. Ah vai, se não for cortada. Que pena!
Tem palmeira pequena e Coroa de Cristo.
Tem manacá arbusto e baixinho que se cobre de flores miúdas e coloridas para agradecer a chuva. Tem uma grama grande verde que cresce afoita e selvagem depois da  água abençoada e perfuma de tons verdes o ar no corte barulhento da máquina. Estamos todas esperando ansiosas pela chuva que tarda e tarda. Nem adianta acordar e primeiro de tudo olhar o céu para saber notícia. Vejo até nuvens, doce esperança! Chuva mesmo, nenhuma uma gotinha!

Nesse impacto natural da natureza mesma percebo, de repente, que um verde meio amarelado e seco se agita agradecido, e já prepara as cores da primavera verão.
E me assusto porque é quase Natal!



13 comentários:

  1. Flávio José Bortolotto09/09/2019, 09:33

    Prezada Autora Sra. ANA NUNES,

    Não cansamos de admirar a forma com que a senhora maneja " a mais difícil das Artes, a Escrita", segundo o Povo Hebreu especialista em praticá-la há vários milênios, como nesse seu elegante " Aridez da terra seca", e também na Pintura, com a linda Tela "ANA NUNES 99", ambas com foco no tema CHUVA.
    E chuva em Minas Gerais, que os Antigos chamavam de: "A Caixa de Água do Brasil".
    Devem ser efeitos dos fenômenos climáticos originados na temperatura média da água do grande Oceano Pacífico, o maior de todos, El NIÑO e LA NIÑA, coisas que a Ciência Metereológica busca entender.

    Tendo passado nossa infância no interior, os dias de chuva eram quase feriados pois as atividades externas ficam impossibilitadas, dias de pescarias, Mamãe fazia bolinhos, doces, guloseimas além do normal, etc, então esses dias eram de quebra da rotina, tanto que eu acabei associando dias de chuva a dias agradáveis, ainda mais quando fazíamos uma boa pescaria, a até hoje tenho essa percepção.
    É bem como diz o Filósofo ORTEGA & GASSET, Nós somos Nós, e nossas circunstâncias.

    Também, "Gosto da chuva que faz barulho no toldo e escorre pelos vidros da janela".

    Parabéns pela prazerosa Leitura e bela Pintura.

    Saudações.






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    1. Olá Flávio Bortolotto,
      Gentil como sempre!
      Por que será que a chuva nos leva pelos caminhos da infância? Será o cheiro da terra, a rua molhada, a saudade da mãe, o quentinho da casa?
      Com meus filhos bem pequenos, assim pelos dois anos, comprei capinhas vermelhas macias com capuz e guarda-chuvas pretinhos, iguais ao do pai. E assim que começava a chover descia com eles para o jardim. E eles adoravam. Nunca tiveram medo de raio e trovão, de barro ou sapato molhado.
      Tomara que as lembranças deles sejam tão boas como as nossas!
      Grata pelo comentário, pelos elogios, por dividir comigo suas lembranças de menino.
      Até mais.

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  2. Francisco Bendl09/09/2019, 11:48

    Alexander Soljenítsin, ganhou em 1.970 o Nobel de Literatura pelo seu livro, Agosto 1914, que li e o tenho na minha “biblioteca”.

    Lá pelas tantas, páginas 80 em diante, um dos personagens da história relatada pelo escritor russo, chega do trabalho para se alimentar, e a descrição da sopa de beterrabas incluindo outros ingredientes para encorpá-la, o vencedor do Nobel precisou de duas páginas!

    Simplesmente a perfeição de estilo, de detalhes, de pormenores, e que enalteceram a essência do livro e me deixaram como admirador desse notável escritor, a ponto que tenho outros livros de sua autoria:
    Pavilhão de Cancerosos e Arquipélago Gulag, adquiridos ainda pela extinta Cia. do Livro!

    Dito isso, a Aninha tem esse dom, de qualquer texto que compõe - poesia, crônica, relato, comentário ... - de detalhar, de escrever as minúcias do que quer transmitir.

    Tal estilo me agrada sobremaneira.
    Tanto pelos esforços em recordar e transcrever essas lembranças, quanto mencionar as características e efeitos de uma chuva, por exemplo.

    Aninha foi, então, mais uma vez pródiga e brilhante em mais um texto, brindando-nos com seus conhecimentos, sua sensibilidade, a sua inteligência feminina, seu sexto-sentido, e talento para detalhes, pormenores, peculiaridades.

    Imagino quando ela está debruçada escrevendo qualquer artigo, e o turbilhão de ideias que lhe assalta a mente, que a deixa irrequieta, que tenta escrever ligeiro para não perdeu o fio da meada, e a descrição das imagens para ilustrar as sua postagens, invariavelmente excelentes e inovadoras.

    A respeito das comparações entre a seca e a enchente, que escreveu com raro talento, Aninha transborda em ideias, ilustrações, ao mesmo tempo que nos faz pensar na secura que deve ser a mente sem essa criatividade de se exprimir, sem esse dom de escrever, sem essa qualidade de encantar quem tem o privilégio de ler a suas obras.

    Parabéns, Aninha, por mais este brinde que nos dás, esse presente maravilhoso, de modo que nós, os homens, continuemos a reverenciar a mulher, o seu talento, a sua arte, a sua paixão, que se mostra exatamente como fizeste no artigo de hoje, em detalhes, em pormenores, em filigranas, que tanto admiro e rendo as minhas homenagens ardorosamente!

    Um forte e fraterno abraço.
    Saúde, muita saúde, junto aos teus amados.


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    1. Chicão, Chicão FBendl,
      Desta vez você foi longe demais!
      Lembrar do Soljenitsin com meu texto!? Pobre de mim!
      Numa coisa eu concordo com você que me interpretou bem: quando começo a escrever sinto preguiça tamanho turbilhão acontece na minha cabeça. As palavras, as idéias me atropelam e acho que não vou dar conta. Anoto em outras folhas, escrevo atravessado nas margens, abrevio, troco letras...Sim, uso lapiseira e papel primeiro. Você sabe, uns usam lápis, outros mais graduados usam Bic, e os sabichões vão direto para o virtual. (Dizem que escrever no papel faz bem para o cérebro. Conto com isso!) E depois? Colocar tudo isso em ordem! Dá vontade de fazer como já ouvi falar do Guimarães Rosa, não sei se é verdade: cortat o texto em tirinhas e depois colar. Me lembra o livro da Lili que me alfabetizou. " Eu me chamo Lili, Eu comi muito doce, Vocês gostam de doce?, Que pena, minhas meias tão bonitas estão furadas!
      Priscas eras!
      Seja mais sensato nos elogios, está criando um monstro!
      Até muitos comentários outros. Mais comedidos!




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  3. Moacir Pimentel09/09/2019, 21:06

    Caríssima Donana,
    Quantas canções, livros, filmes e poemas já tiveram a chuva como tema? Essa sua bela chuva conversa com as nossas melancolia, nostalgia, tristeza e perdas mas também traz à tona um vislumbre das nossas crianças interiores e a alegria de pretéritos e inesquecíveis pingos de chuva. Saudade do meu menino de lata na mão na verde mata caçando tanajuras de bundas gordinhas para fazer farofa! (rsrs) Há tanta música nessa chuva que bate e escorre pelos vidros dos nossos "refúgios seguros" para em seguida lavar o mundo, "afagar a terra e fecundar o chão", gerar esperança e nos "apaziguar o coração."
    Pessoalmente, sempre fui fã dos dias chuvosos feitos para desacelerar e apreciar as pequenas coisas que fazem a vida valer a pena.Como "we're never gonna stop the rain by complaining", ela é a trilha sonora certa, a desculpa perfeita para não se fazer absolutamente nada além de maravilhas como aconchegar-se na cama até beeeem mais tarde, almoçar e tomar um bom tinto às três da tarde e assistir a um belo filme na Netflix vestido com um moleton puído e aquelas meias com um furo no dedão sem sentir ponta de culpa. A melhor parte desses dias preguiçosos é que não é preciso nem arrumar a cama porque se vai voltar para ela rapidinho para uma soneca ou para terminar aquela leitura fascinante depois de uma sopa ou um chocolate quentes, é claro.
    Quanto à essa impressão que a senhora tem de que a vida de repente começou a acelerar, de que o tempo hoje passa correndo e de que o Natal mal acabou já quase chegou de novo é coisa nossa, de “velhinhos em formação”. Na juventude, tínhamos uma experiência absolutamente nova, subjetiva ou objetiva, a cada hora do dia. A curiosidade era vívida, a adrenalina constante, vivíamos em ebulição e daí as nossas lembranças daquela época serem tão emocionantes, tão reais, enquanto que hoje os dias nos passam como paisagens cinzentas contempladas pela janela de um carro em movimento numa viagem rápida por demais. Desconfio que diante do familiar o tempo se contrai e de que, em vez, diante do novo ele se expande. Se a senhora perguntar a opinião dos seus netos eles lhe dirão que a vida anda devagar quase parando e se queixarão que as férias de fim de ano não chegam nunca! (rsrs)
    "Até sempre mais"

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    1. Olá Moacir,
      É verdade! O tempo passa mais depressa para nós, os velhinhos em formação e os já bem formados. As crianças são pequenas diante do tempo comprido. Não sabem dele e as férias de fim de ano custam a chegar.
      Uma vez no atelier de desenho um professor famoso, esotérico e poderoso, com mulher artista francesa que fazia ninhos grandes de matéria natural para atrair jacarés em sua casa de campo (e conseguiu!), falou que alguma coisa estava acontecendo com o tempo que começava a passar mais depressa ( será que queria apenas justificar seus atrasos?). Achei uma idiotice. Hoje tenho minhas dúvidas porque gente jovem também anda reclamando.
      Se sim ou se não, fato é que devemos viver o intensamente que der. Fazer coisas que nos agradam, conversar com os amigos que gostamos, ver os filmes que nos atiçam a curiosidade, tomar café em xícaras aladas ou em copos de cristal, ouvir música que arrepia. E, na medida do possível, até mesmo forçar a barra, não fazer o que nos desgosta. Eu, entre outra coisas, não quero mais ir em festa de criancas, tenho muita idade! Ficam as mães e avós correndo atrás dos pimpolhos, dando papinhas e negando o bolo e os doces, ou contando suas façanhas. Um embolado de alegria! E eu, olhando de longe o que já fui um dia e sobrando igual "jiló na janta".
      "We're never gonna stop the rain by complaining". Então já que é proibido pisar na grama o jeito é deitar e rolar! Ouvir música deitado no tapete, ficar na caminha curtindo lençóis macios cheirando a sabão água e sol, e letras atraentes pelas mãos
      Ou ver um filme confortável em roupas velhas (nada melhor!) com uma bebidinha forte em goles bem pequenos.
      Gratíssima.
      Até sempre mais.

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  4. Lea Mello Silva10/09/2019, 11:43

    Ana

    a aquarela já me encantou !
    Um luxo esta prima cheia de dons
    Eu também espero ansiosa pelas primeiras chuvas, bom dormir ouvindo as gotas batendo na janela
    Lembrei do Gene Kelly cantando e pulando nas poças de chuva no chão !!
    Em outubro os raios e trovões assustam
    Que venham logo refrescar a nossa terra
    Um abraço com afeto 😘

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    1. Léa,
      Com afeto respondo eu ao seu comentário tão gostoso.
      É muito bom ter uma prima assim, que gosta tanto de mim que gosta de tudo que eu faço!
      Um beijo.

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  5. "Chove chuva, chove sem parar"... Mas, ao contrário da música do Jorge BenJor, a gente está torcendo para a chuva vir depois desse inverno tão seco que tira até a respiração. Ao menos por um pouco, antes que venham aquelas chuvas enormes que sempre causam uma bagunça em nossas cidades. Uma chuva macia, gostosa, reconfortadora, boa para tirar a poeira da rua e da alma. Para embalar de mansinho os sonhos da madrugada.
    Que venha a sua chuva, bonita como você.

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  6. Heraldo Palmeira12/09/2019, 00:08

    Ana,
    Lembrei, com seu aguaceiro retido na espera da chuva, dos meus tempos de meninice sem medos ou preocupações correndo pelas minhas ruas e calçadas do interior tomando aquele banho de chuva coletivo.

    Pouco depois, já havia aprendido a sentir a saudade daqueles tempos irrecuperáveis, ainda eternos, na lavra do poeta das Alagoas:

    "Tudo que se passa aqui
    Não passa de um naufrágio
    Eu me criei no mar
    E foi lá que aprendi a nadar
    Pra Nada
    Eu aprendi pra nada
    A maré subiu demasiada
    E tudo aqui está que é água
    Que é água
    Água pra encher
    Água pra manchar
    Água pra vazar a vida
    Água pra reter
    Água pra arrasar
    Água na minha comida
    Água, aguaceiro
    Aguadouro
    Água que limpa o couro
    Couro até mata

    Oxalá chegue logo essa chuva para nos lavar a alma! Até muitos pingos mais.

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  7. Olá Heraldo,
    Que assim seja!
    Lavando a alma, trazendo calma e recordações.
    Até mais.

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  8. 1) Oi Ana, a sua percepção e acuidade como trata e observa a Natureza múltipla é bonita e revela o sentimento poético que habita em seu interior/exterior.

    2)"O passarinho marrom e gordinho" imagino, deve ser uma rolinha. Aliás, terças e sextas, durante as aulas de Tai Chi que estou fazendo por recomendação médica, presencio várias rolinhas, pardais,maritacas e até tucanos brincando pelas árvores no belo bairro de Santa Teresa, RJ.

    3) Isso mesmo, o Tempo voa, já é quase Natal.

    4) Uma das coisas que eu gosto do Budismo é um dos símbolos, a "Roda da Vida" sempre girando, nunca estaciona. Ad eternum, ad infinitum.

    5)E lá nesse Infinitum, não importa quando, estaremos escrevendo e comentando no "Conversas Astrais do Mano", até lá !

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