-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

25/09/2019

Os leões de Londres

fotografia Moacir Pimentel


Moacir Pimentel
Quem já assistiu o filme Nunca te Vi, Sempre te Amei e/ou visitou a praça de nome Trafalgar Square, aquela que tem o nome da batalha que vitimou o Almirante Horatio Nelson, reconhecerá tanto o cara lá no topo da coluna rodeada pelos seus quatro leões quanto alguns flashes da abertura do filme.
A essa altura da narrativa, você já terá percebido o quanto me é simpática a paisagem com a qual a protagonista Helene se deparou, maravilhada, da janela de um táxi quando desembarcou na cidade dos seus sonhos pela primeira vez para tratar de “assuntos inacabados” e se deliciou com algumas das dez mil estátuas de leões que moram naquelas paragens. Isso mesmo: dizem que, sem contar com os do zoológico, Londres possui uma impressionante coleção de milhares de estátuas de leões (rsrs)
Os mais famosos leões londrinos e, possivelmente, do mundo, são justamente os quatro da Trafalgar Square que, cercando a Coluna de Nelson, são objeto de milhares de fotos turísticas todos os dias. Eles também são conhecidos como os Leões Landseer em homenagem ao escultor, Sir Edwin Landseer.
fotografia Moacir Pimentel

Mas o maior de todos os felinos de Londres, com mais de dez toneladas, é o leão branco da Ponte de Westminster que, coitado, tem uma cara de profundo tédio. Pudera! Não deve ser nada fácil para um leão de respeito que começou a sua vida profissional vendendo cerveja no topo da Cervejaria Lion, viver ali parado em uma das esquinas da ponte, com a bunda virada para a Roda Gigante.
Na realidade a Cervejaria Leão fechou em 1924 mas o prédio só foi demolido em 1949, para abrir espaço para a construção do Royal Festival Hall. Dizem que o bicho foi salvo do mesmo triste destino e preservado para a posteridade por ordem do rei George VI. O certo é que, quando foi removido, descobriu-se que era um leão de nobre estirpe pois debaixo de uma de suas patas estavam escondidas a data do seu nascimento - 24 de maio de 1837 – e as iniciais WFW, que traduzidas significam um dos melhores escultores ingleses do século XIX: William Frederick Woodington.
De nada adiantou o pedigree. Infelizmente e em seguida o leão foi pintado de vermelho para servir de leão propaganda dos serviços ferroviários britânicos e deixado perto da Estação de Waterloo. Até que um dia a estátua foi restaurada, recuperou a brancura da pedra original e foi instalada no atual pedestal de granito em Westminster.
The Red Lion - fotografia Donjay (Wikimedia Commons)

Trata-se de um felino literário mas é provável que Helene Hannf o tivesse esnobado porque foi descrito em um conto do escritor francês Émile Zola que, em 1893, hospedado no Hotel Savoy do outro lado do rio, ficou impressionado e descreveu a bela fera nos seguintes termos :
“O meu leão britânico está lá imóvel, esperando para me desejar um bom dia”.
Outro leão de estimação dos londrinos cochila em cima da porta de entrada da casa de leilões Sotheby's na Bond Street. Dizem que a escultura do bicho na verdade retrata Sekhmet, uma deusa egípcia, e que seria a estátua ao ar livre mais antiga de Londres pois remonta a cerca de 1320 aC. Como é que um leão de três mil anos de idade foi terminar na Bond Street?
Diz Dona Lenda que, em 1880, a escultura foi vendida por uma bagatela em um dos leilões da Sotheby's, só que o comprador nunca a levou para casa e o leão comeu poeira no porão por algumas décadas antes de ser instalado em morada de tanto prestígio.
Mas se Zola tinha, porque não haveria eu de ter meus leões preferidos? Por acaso, eles também moram no rio Tâmisa. Sempre que estamos em Londres perambulamos por ambas as margens do rio, para cima e para baixo. Nenhum passeio é melhor do flanar ao longo daquelas amuradas ou andar de barco, pelas águas do Tâmisa, embora no inverno possa fazer algum frio por causa do vento.
E foi na região que os nativos chamam de Embankment ou de South Bank - ou seja na ribeira sul do rio - que, há muito tempo, numa manhã de inverno fria e nublada, nos deparamos com a primeira de muitas belas cabeças de leão segurando aros nas bocarras de bronze, cada uma delas alinhada com um lampião para chamar de seu.
fotografia Moacir Pimentel

Quando cheguei ao hotel perguntei ao concierge se aquele bando de leões enfileirados, encarando o rio com anéis pendendo das bocas, tinha algum significado. É claro que tinha! Disse-me ele que os aros serviam para os pescadores amarrarem seus barcos mas que as cabeças e aros dos leões serviam também para monitorar o nível d’água do rio, tanto que a superstição na cultura popular inglesa diz que: “Quando os leões beberem água, Londres afundará”.
Os leões foram esculpidos por Timothy Butler, entre 1868 e 1870, para as obras de terraplenagem e esgoto do engenheiro vitoriano Sir Joseph Bazalgette que realmente calculara que Londres correria risco de inundação se a água do Tâmisa , algum dia, alcançasse os anéis nas bocas dos prezados leões. Sei que os meus são leões menores, feiosos, detalhes desimportantes da cidade. Mas é deles que gosto e fazer o quê?
Também tenho consciência de que uma viagem pelo inverno europeu para a maioria das pessoas é uma péssima ideia. Definitivamente o mês de dezembro, de céus geralmente de um cinza espesso de nuvens e de um frio enregelante que, em vez de só arrepiar, faz até os nativos conversarem batendo os dentes, não é o momento ideal para se agendar sonhos. Sucede que às vezes não temos escolha pois costumamos passar alguns Natais na t’rrinha com a família de minha mulher. E acontece que gostamos de Londres no inverno, serena, bela e fria e fora da lista dos destinos turísticos favoritos.
fotografias Moacir Pimentel

É quando a cidade pode ser vista como realmente é, sem a maquiagem do verão, sem produção, sem qualquer coisa além do ritmo silencioso dos londrinos vivendo as suas rotinas diárias.
Em Londres não se precisa comprar ingresso para por os olhos nas melhores paisagens. Na verdade, só se precisa é de pernas. Essa cidade fantástica, com certeza, não é o lugar mais barato do mundo, mas naquelas paragens há muitas coisas que se pode fazer de graça, como caminhar à beira do rio, subir as colinas, visitar os parques reais ou os museus sem dar adeus a nenhum centavo.
Da estação de Charing Cross, por exemplo, até a ponte de Waterloo e depois na direção do Royal Festival Hall e da ribeira sul se faz um passeio agradável. Essa ponte inaugurada em 1817 cruza o rio em uma curva, e nos presenteia com as mais magníficas vistas: de um lado a cúpula da Catedral de São Paulo, ladeada por modernos arranha-céus, e do outro a visão de conto de fadas do Big Ben, das Casas do Parlamento.
Essa parte da ribeira foi aterrada, tanto é que é conhecida pelo nome de Victoria Embankment ou o Aterro de Vitória. Esse calçadão situado à beira do rio Tâmisa, decorado por alguns  jardins e belos bancos antigos é o ponto de partida para as melhores atrações da cidade, todas muito próximas. Fizemos muitas descobertas enquanto explorávamos suas imediações, como por exemplo as casas onde moraram Benjamin Franklin e um dos meus escritores prediletos: Herman Melville.
Descendo ou subindo o aterro a partir do Big Ben, se pode alcançar em quinze minutos de caminhada tanto a Ponte da Torre quanto o Palácio de Buckingham. É divertido caminhar ao longo do rio, parar para olhar para os barcos e o conjunto de edifícios e fotografar do outro lado das águas, os cento e trinta e cinco metros de diâmetro da London Eye, ou Olho de Londres.
fotografias Moacir Pimentel

Adicionada ao horizonte londrino mais recentemente a Roda Gigante, conhecida também como a Roda do Milênio, tornou-se obrigatória por causa  das excelentes vistas que oferece da área central da cidade. Uma volta completa na geringonça leva cerca de trinta minutos, tempo suficiente para fotografar tudo e mais alguma coisa.
Mas vamos deixar para ver os novos flashes de “mais alguma coisa” na próxima conversa.


18 comentários:

  1. Flávia de Barros25/09/2019, 13:53

    Moacir,
    Desde o seu primeiro delicioso artigo sobre Londres notei que suas fotos tiradas no inverno eram parecidas com a paisagem que a escritora Helene Hanff viu pela janela do táxi no filme. Mas não me lembrava dos leões da Praça Trafalgar e infelizmente nunca caminhei ao longo do rio que só agora entendo porque é a sua parte predileta da cidade.
    Um abraço para você

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel27/09/2019, 14:25

      Flávia,
      É verdade. Tudo o que eu aprecio em Londres, inclusive a Charing Cross Road, mora perto do rio Tâmisa, sem o qual Londres não teria existido. Os romanos ergueram Londinium, no local onde, devido à menor largura do rio, já tinham tecnologia para construir uma ponte. E foi assim em muitas outras cidades pelo vasto mundo. Confesso que tenho um fraco por pontes! Pense na beleza das Pontes Neuf e Alexandre III sobre o rio Sena, na deslumbrante ponte Vasco da Gama sobre o Tejo, na Ponte Vecchio cruzando o rio Arno em Florença, na Ponte das Correntes cortando o Danúbio à beira Parlamento húngaro em Budapeste, na Ponte Carlos sobre o rio Vltava em Praga, na ponte Dom Luiz sobre o rio Douro no Porto.
      Pode até ser que os rios sejam mais bonitos quando atravessam os campos, mas rola algo de especial quando eles fluem pelas cidades e aldeias conversando com a gente sobre Dona História e convidando-nos a navegá-los sob suas pontes, a passear pelas suas margens e a admirar suas vistas e reflexos urbanos.
      Outro abraço para você


      Excluir
  2. Mônica Silva25/09/2019, 13:58

    Depois destes passeios maravilhosos já decidi que vou pra Londres, comer aquele queijo quente ( hummm ) e conhecer todos os seus leões favoritos inclusive o vermelho que já foi ‘leão propaganda dos serviços ferroviários britânicos’ kkk. Mas amei mesmo foi a Roda Gigante. Um dia chego lá! Obrigada!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel27/09/2019, 14:32

      Mônica,
      Com certeza você deverá ir ao Borough Market provar aquele sanduba! Pular esse programa seria como visitar o Rio, por exemplo, sem experimentar uma feijoada ou comer pelas nossas praias os biscoitos de polvilho Globo regados por um copaço do mate servido gelado do tambor de alumínio. Também eu sou fã das Rodas Gigantes mas em Londres há outras maneiras de se ter longas vistas. Aguarde!
      "Obrigado!" e abração

      Excluir
  3. Olá Moacir,
    "Mas se Zola tinha, porque não haveria eu de ter os meus leões preferidos?"
    Sim senhor, mimado e metido!!! Sabichão com certeza.
    Mas no conjunto da obra com lampiões para chamar de seus, curvas do rio e musgo subindo pelos muros, os seus preferidos, que não devem tomar água, são bem favoritos. Você acha que beberão um dia?
    No mais, a cada passeio gosto mais de Londres. Mesmo, ou principalmente não sei, com céus escuros e frio forte. Porque ir em busca de sol e calor quarentão se temos isso tudo aqui , de sobra.
    Além disso , sou também um pouco sombria. E me sentiria em casa.
    Há tempos fiquei sabendo de um "Bardo" ou é impressão minha? Tenho expectativas de que você possa mudar um pouco os meus sentimentos sobre ele.
    Aqui, esperando "mais alguma coisa". Essa franquia me encanta!
    Até sempre mais.
    Ah, em tempo, suas fotos estão lindas e a chuva chegou para alegrar minha alma e minhas judiadas violetas floridas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel27/09/2019, 14:40

      Caríssima Donana,
      Fui criado com quatro irmãos(ãs) e mais uma prima emprestada, tenho onze primos legítimos do lado paterno e treze do materno. Nossos pais e avôs e tios simplesmente não tiveram tempo e energia para mimar toda essa pirralhada terrorista (rsrs) Fico muito feliz de saber que suas “judiadas violetas” foram abençoadas pela chuva e sim, penso que os leões londrinos beberão muita água se, como estão afirmando os especialistas, os oceanos realmente subirem na média um metro nos próximos 80 anos.
      Mas a senhora descreveu perfeitamente porque os meus leões são tão especiais: por causa “das curvas do rio, dos lampiões e do musgo subindo pelos muros”. É ISSO que aprecio, esse passado presente nas ribeiras, essas sombras de dias antigos que só posso imaginar.
      Quanto à franquia do “Bardo”, já está teclada. Falta fazer o mais difícil, pelo menos para mim: tornar mais leve e palatável a narrativa, cortar parágrafos, deletar posts inteiros. Só que, apesar da profunda admiração que experimento pelas pretinhas do velho William, depois dessa pororoca britânica vou deixá-lo quieto na gaveta mais algum tempo. Há que se evitar a tal "fadiga de material" (rsrs)
      Enquanto isso "mais alguma coisa" a senhora não deixará de ler.
      “Até sempre mais”



      Excluir
  4. Flávio José Bortolotto26/09/2019, 14:46

    Prezado Autor Sr. MOACIR PIMENTEL,

    É sempre um prazer ler os relatos de viagens, em especial essa série sobre a histórica e bela Londres, do Escritor e Viajante Sr. MOACIR PIMENTEL.

    Os Reis Ingleses escolheram como símbolo de suas Bandeiras de Guerra, o Leão. Provavelmente como bons Cristãos Protestantes leitores da Bíblia, baseando-se no invencível Leão da Tribo do Judah.
    O Império Romano, havia adotado a Águia, seguido que foi pelos Americanos que adotaram como seu símbolo a Águia Marinha (Bald Eagle), e nós Brasileiros adotamos a cobra Cascavel, usada que foi pela Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial.
    Há um interessante relato do grande BENJAMIN FRANKLIN sobre um debate entre os Pais Fundadores para a escolha do símbolo Nacional. A maioria votou pela Bald Eagle mas BENJAMIN FRANKLIN, voto vencido, argumentava que enquanto a Bald Eagle que é marinha, ataca de surpresa vindo do ar para o mar, a nobre Cascavel antes de se defender atacando, dá sinal, permitindo que quem se aproximou muito dela sem más intensões, se retire ileso.

    Belíssimos Leões Africanos escolhidos como modelos para os excelentes Escultores Ingleses.
    Acho que a Cultura Popular Inglesa exagera: "Quando os Leões beberem água, Londres afundará", na verdade significaria que Londres teria uma grande enchente, como todas as Cidades Beira-Rio já tiveram, antes que as Obras de Engenharia de proteção fossem feitas.

    Muito Obrigado e um Abração.


    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel27/09/2019, 14:48

      Prezado Bortolotto,
      Também me pergunto se o leão inglês não ecoa o da “Tribo do Judah” mas acredito que a figura só se associou à família real britânica após o casamento de Leanor da Aquitânia com Henrique II, pois era o brasão de armas da poderosa família da moça. Note como nós o linkamos com o poder britânico por causa de Ricardo I , o destemido filho de Eleanor que entrou nas nossas vidas como o “Coração de Leão”, graças ao seriado de televisão Robin Hood (rsrs)
      De resto creio que os britânicos foram apresentados aos leões ao dominarem suas colônias. No romance Tai Pan, da lavra de James Clavell, que narra os primórdios de Hong Kong, nos mastros da maioria dos navios dos mercadores ingleses de chá e ópio, tremulavam bandeiras nas quais, muitas vezes, moravam diferentes leões inclusive aquele que, de pé sobre as patas traseiras e abraçado ao dragão verde que representava a China, pertencia ao protagonista da estória: o simpático "bucaneiro" Dick Stuart.
      Mas não foram apenas os britânicos que adotaram o rei da selva como emblema simbolizando bravura, nobreza, realeza, força e imponência. Muitas outras nações, como Índia, Dinamarca, Espanha, Noruega e Bélgica também se apropriaram dele, de um jeito ou de outro.
      Obrigado pelo ótimo comentário e um abração

      Excluir
  5. Márcio P. Rocha26/09/2019, 17:22

    Ao descrever tão bem tantos marcos históricos nas margens do Tâmisa você me fez pensar que a maioria das cidades tem um rio atravessando sua paisagem urbana e que estes rios pagaram um alto preço, uma vez que todos foram e continuam sendo fortemente degradados para permitir o desenvolvimento. É bom saber que os londrinos cuidam do deles.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel27/09/2019, 14:54

      Márcio,
      É lamentável a poluição dos nossos velhos amigos rios pois desde o tempo dos nossos ancestrais coletores e caçadores temos usado e abusado deles e já deveríamos ter mais noção. Além de água e peixes frescos, sempre transitamos à beira dos cursos d'água primeiro porque ali as manadas batiam ponto e caçar era fácil e depois porque suas margens eram férteis e ideais para a agricultura e a irrigação. Desde a aurora da humanidade a foz, o delta ou o estuário de um rio fluindo para o mar tem sido o melhor local possível para se morar pois forneciam às tribos antigas um porto para navios de mar, cais e molhes para embarcações ribeirinhas, ativos táticos e estratégicos para fins defensivos, facilidades de transporte e deslocamento, acesso ao comércio, não apenas de produtos, mas também de idéias: a linguagem, a escrita e as tecnologia. Os cursos d’água permitiram que as comunidades às suas margens se especializassem e se desenvolvessem.
      Assim os rios não determinaram apenas o surgimento de cidades mas foram a força vital de todas as civilizações conhecidas. Note que a Mesopotâmia era uma região entre dois rios, o Tigre e o Eufrates, que sem o rio Nilo o império do Egito não teria existido e que o Rio Amarelo, na China, é considerado o berço da civilização mais antiga do mundo. Para as civilizações indianas foi fundamental o rio sagrado Sindhu que alimentado pela neve do Himalaia, flui do Tibete e deságua no mar da Arábia e foi ao longo do rio Tibre que corre das montanhas dos Apeninos até o mar Tirreno, perto de Ostia, que se ergueu o Império Romano. Navegar sempre foi preciso!

      Excluir
  6. Alexandre Sampaio26/09/2019, 23:15

    Pimentel,
    São os detalhes da história da cidade como as estátuas dos leões, as obras de esgoto do engenheiro vitoriano Bazalgette, as superstições populares, as casas onde moraram Benjamin Franklin e Herman Melville, que tornam seus artigos diferenciados e tão agradáveis de ler. Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel27/09/2019, 14:58

      Prezado Sampaio,
      Sabe? Quando o mundo era analógico eu fotografava coisas grandiosas: monumentos, palácios e edifícios históricos. Só com a chegada das fotos digitais, pude me dar ao luxo de clicar aquilo que chamo de “coisas pequenas”, os detalhes, as esquinas ignotas, as janelas e portais desconhecidos , as expressões dos passantes apressados. Hoje quando considero as tremendas consequências que podem advir de detalhes, fico tentado a acreditar que não há coisas pequenas.
      Obrigado e um abração

      Excluir
  7. Francisco Bendl27/09/2019, 17:34

    Pimentel,

    Por uma dessas coincidências da vida, o gosto que sempre tive pelo estudo da História me levou até mesmo a pesquisar sobre as imagens nos escudos e bandeiras utilizados por países e seus exércitos, assim como em movimentos sociais e políticos, até mesmo em religiões.

    Foi assim que me vi certa feita lendo sobre Heráldica, com relação a símbolos nobres e significados reais, olha só.

    O leão é simplesmente o animal mais nobre nos escudos, pois símbolo de força, grandeza, coragem, nobreza de condição, domínio e proteção.
    Obviamente que a expansão do Império Britânico e a sua armada (força naval) poderosa, o Rei das Selvas foi o símbolo mais difundido de todos.

    A flor de Lis, por exemplo, é também um dos símbolos mais comuns nos brasões de armas, pois simboliza características ligadas à família, poder e soberania, pureza de corpo e alma, candura e felicidade, e símbolo da corte francesa.

    Talvez o início do uso da imagem leonina esteja no Novo Testamento mas, foi mil anos após, que um rei britânico imortalizou o seu nome, acoplando-o ao órgão principal do felino:
    Ricardo Coração de Leão.

    A história de Ricardo Coração de Leão é intricada, porém fascinante.
    Em resumo:
    Em 1190, a convocação para libertar a Terra Santa de mãos muçulmanas na Terceira Cruzada juntou novamente Ricardo I, da Inglaterra, e o agora rei Filipe II, da França. A coragem do rei Ricardo como general nessa cruzada lhe valeu o título de Coração de Leão – mas ele ganhou também a fama de matador de árabes.
    No caminho de retorno da cruzada, Ricardo acabou capturado pelo duque Leopoldo V da Áustria, ficando prisioneiro do rei germânico Henrique VI. Ricardo só se libertou com o pagamento de 150 mil marcos, o equivalente a dois anos dos dividendos da coroa inglesa. Filipe e João se uniram para oferecer a mesma quantia para que Ricardo continuasse preso!!!
    Não conseguiram deixá-lo encarcerado. De volta à Inglaterra, em 1194, Ricardo precisou apenas de algumas semanas para recuperar os castelos tomados por João. Dos dez anos de reinado, Ricardo não passou mais do que seis meses nas ilhas britânicas – estava sempre em combate. Em 1199, quando foi pessoalmente recuperar uma botija de ouro em uma rixa, levou uma flechada no ombro esquerdo de um jovem arqueiro de nome Peter Basil. Estava sem armadura e usava apenas capacete e escudo. A falta de cuidados médicos condenou o rei guerreiro à morte aos 41 anos.
    (continuo)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel01/10/2019, 07:57

      Prezado Bendl,
      Como sabemos nós que apreciamos Dona História, estudar é uma forma de arqueologia: quanto mais se escava mais camadas se descobre. É o caso de Ricardo I, o Coração de Leão, que hoje mora do lado de fora das Casas do Parlamento londrino, sentado em seu cavalo de bronze.
      https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/69/Statue_of_Richard_I%2C_Westminster_-_front_view.jpg
      Ao longo dos séculos, a narrativa cometida por historiadores sobre esse rei tem sofrido algumas mudanças notáveis. Uma vez considerado um dos maiores e mais valentes governantes da Inglaterra em virtude de seu cavalheirismo e da sua coragem nas batalhas que venceu contra as forças sarracenas do grande Saladino, nos últimos anos Ricardo tem sido criticado por sua ausência na administração do reino e por seu incessante envolvimento em guerras. Essa mudança é mais um reflexo das sensibilidades e mentalidades modernas do que de qualquer nova evidência descoberta sobre o cara.
      Ele viveu pouco tempo na Inglaterra, é verdade, porque foi Príncipe da Normandia e senhor da Aquitânia materna antes de se tornar rei. Como possuía terras e interesses políticos em outras partes da Europa suas ações refletiam essa diversidade embora a Inglaterra tenha florescido durante o seu reinado. O novo rei realmente mergulhou fundo nos cofres ingleses para bancar seu exército, partiu para a Terra Santa logo após a coroação e com certeza preferia sentar em uma barraca de campanha no campo de batalha, do que em um trono cuidando dos negócios e salamaleques de Estado.
      Mas os seus súditos cristãos o admiravam porque então esperava-se que os monarcas medievais fossem capazes de lutar, comandar, carregar a bandeira da fé. Além disso não há como negar os feitos militares do sujeito que, como estrategista, foi genial. A condução da Batalha de Arçufe, travada entre a Fortaleza de Acre, já dominada, e o porto de Java, o alvo a ser conquistado, foi irretocável e possibilitou a retomada cristã de uma vasta área costeira da Palestina. De fato Ricardo fez muitos inimigos, insultou e brigou com seus aliados mas sabia ser diplomata quando queria tanto que negociou uma trégua com o inimigo que permitiu aos cruzados manter as terras que já haviam conquistado e uma faixa da costa que dava aos peregrinos cristãos acesso seguro aos locais sagrados.
      Aparentemente o Coração de Leão tinha muito carisma pessoal e podia inspirar intensa lealdade embora seu cavalheirismo não tenha alcançado o povo. Ele era um homem de seu tempo : arrogante, egocêntrico, impaciente mas há muitas histórias sobre sua generosidade e discernimento. Em última análise, a reputação de Ricardo como um extraordinário general permanece intacta ainda que ele não chegue nem perto do herói que nos descreveram na escola. Só que quando vemos o mito como uma pessoa real, contextualizada, com pontos fracos e fortes, erros e acertos, ele passa sim a ser menos admirável mas ao mesmo tempo se torna mais complexo, humano, interessante e credível.
      (continuo...)

      Excluir
  8. Francisco Bendl27/09/2019, 17:34

    Pois bem, meu caro Pimentel, possivelmente o uso de leões como símbolos e monumentos nessa Londres que dissecas para nós, que nos mostras seus encantos e paisagens espetaculares, tenha se originado para os ingleses com esse monarca famoso, e por ser defensor do Cristianismo, que já usava o leão como símbolo.
    Na história cristã, o leão é um dos símbolos de Jesus, em parte por representarem a realeza. O livro do Apocalipse fala de Jesus como leão: “Não chores. O leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, triunfou” (Apocalipse 5,5).

    Na literatura, “As Crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis, provavelmente compõem a mais famosa representação contemporânea de Jesus como um leão.

    O leão também simboliza o evangelista São Marcos – aliás, é por isso que existe uma bela e destacada estátua de leão na mundialmente reconhecida Praça São Marcos, de Veneza.
    Cada um dos quatro evangelistas foi associado à figura de um animal dentro da cultura medieval dos simbolismos, com base em passagens dos textos evangélicos que escreveram. No caso de São Marcos, ele descreve São João Batista como uma voz que clama no deserto, imagem tradicionalmente identificada com o rugido do leão (cf. Marcos 1,3).
    Além disso, há uma antiga lenda, preservada na cultura copta, segundo a qual São Marcos teria encontrado certa vez um leão. Diz a lenda:
    “Certa vez, apareceram um leão e uma leoa para Marcos e seu pai Arostalis enquanto viajavam pelos arredores do Jordão. O pai ficou muito assustado e ordenou que o filho escapasse, enquanto ele ficava e encarava o destino que lhe coubesse. Marcos, porém, assegurou ao pai que Jesus os salvaria e começou a orar. Os dois animais em seguida caíram mortos e, por decorrência do milagre, o pai acreditou em Cristo”.

    Depois dessa minha intromissão indevida no teu artigo, pelo qual peço perdão, evidente que mais uma vez aplaudo o já convencional brilhantismo das tuas postagens.
    Esta foi mais uma das raras vezes que ensejou observações, mais no sentido de trazer à baila a origem dos leões britânicos ou londrinos, que foram o mote desse teu artigo, que complementar a tua dissertação memorável, detalhada e irrepreensível sobre esse felino portentoso, inigualável, majestático!

    Um forte abraço.
    Saúde, muita saúde.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel01/10/2019, 08:05

      Prezado Bendl,
      Confesso-lhe a minha incompetência para traduzir os leões da Bíblia. Decerto que o Cristo nela é mencionado como o “Leão de Judá” e que faz parte da iconografia de vários santos porém note que nos Salmos, mais precisamente no 21:13, o bicho aparece como o inimigo a ser vencido: “Pisarás o leão e a áspide; calcarás aos pés o filho do leão e a serpente.” Complicado!
      Também não creio que tenham sido só as armada e heráldica inglesas os responsáveis pela difusão, digamos, desse nosso “culto” do leão. Nas minhas andanças pelo vasto mundo esbarrei com o simbolismo do leão e suas representações culturais, algumas milenares, em países europeus, americanos, africanos e asiáticos, e encontrei-os na arte europeia, persa, egípcia, assíria, grega, romana, árabe, tibetana, chinesa, japonesa e budista da Índia e do Sudeste Asiático, em terras onde, estranhamente, inexistiam leões nativos como é o caso da Tailândia, Malásia, Vietnam, Indonésia e Sri Lanka.
      O fato é que desde a origem da civilização os artistas foram fascinados e desafiados pelo rei dos animais, o reconheceram como um símbolo de poder, com funções mágicas e significados esotéricos e o têm retratado para comunicar uma mesma sensação de majestade notadamente nas entradas de cidades, em portões, em tumbas, nos edifícios públicos e nos locais sagrados, como templos. Já vi essas feras esculpidas de mil maneiras inclusive como criaturas híbridas chamadas de “grifos” – uma mistura de leão e águia - como é o caso da antiga estátua de bronze de um leão alado que é o símbolo de Veneza ou das bestas esculpidas devorando gente na entrada da Igreja de Santo Antônio, em Pádua. Para compensar tal brutalidade são absolutamente pacíficos os leões que ladeiam a Dama do Unicórnio nas seis estupendas tapeçarias medievais que enfeitam as paredes do Museu de Cluny, em Paris.
      https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/be/The_Lady_and_the_unicorn_Desire.jpg/800px-The_Lady_and_the_unicorn_Desire.jpg
      A pergunta é : o que todos esses leões presentes na representação visual desde o início da expressão artística significam? Não se sabe ao certo. Mas a evidência arqueológica disso é uma escultura de marfim, de meros 31 cm de altura, representando uma criatura para lá de metafísica com corpo humano e cabeça de leão, esculpida na presa de um mamute há 40 mil anos. Seus fragmentos foram descobertos em uma caverna da Alemanha, cuidadosamente reconstruídos e a obra foi batizada de "O Homem Leão".
      https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f3/Loewenmensch2.jpg
      O escultor ancestral provavelmente se baseou na observação dos leões das cavernas europeus que, embora agora extintos, eram abundantes e os mais ferozes predadores durante a Idade do Gelo. Mas qual a mensagem dessa figura? Talvez a galera das cavernas acreditasse que o leão era um deus, um avatar, parte de uma história da criação. Para mim essa imagem poderosa mostra a mente humana emergente trabalhando: pensando, filosofando, contando histórias, tentando dar sentido à vida, encontrar seu lugar no mundo, transcender e talvez mudar a natureza.
      Desculpas peço-lhe eu pela verborragia e agradeço-lhe pelos belos comentários.
      Abração

      Excluir
  9. 1) Por falar em Londres:

    2) "Oh, Londres é uma bela cidade, / Cidade mui famosa, / Onde ouro cobre as ruas / e todas as moças são lindas" = Georges Colman Filho (1762-1836)dramaturgo inglês e escritor.

    3) O ouro nas ruas deve ser simbólico, mas a beleza das moças é verdadeira. Vi isso quando estive lá em janeiro de 1980.

    4) Pimentelji, sua pena (seu teclado) é profícua. Abraços !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel01/10/2019, 08:08

      Antonioji,
      Se eu tivesse recebido um centavo por cada palavra que já teclei nessa vida, estaria miliardário (rsrs) Mas o que aprendo viajando, lendo e rascunhando para pensar melhor é, como dizia o grande Machado de Assis ..."indizível".
      Quanto às senhoras penso que são belas em todas as latitudes, formas, idades, tamanhos e cores.
      Namastê!


      Excluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.