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12/09/2019

Do outro lado do rio

fotografia Moacir Pimentel

 Moacir Pimentel

Assim como Londres nunca foi só uma cidade, mas uma série de enclaves distintos, John Donne jamais foi apenas um poeta metafísico; também escreveu tórridos poemas de amor. Pensando nesses contrastes, depois de se visitar a Catedral seguimos em direção ao rio onde, embora a modernidade esteja abrandando a histórica paisagem, a cidade continua sendo uma colcha de retalhos, do velho e do novo, de muitas identidades, cada qual com suas próprias tradições e lealdades.

Hoje, depois de São Paulo, seguiremos em linha reta e atravessaremos o rio parando no meio da Ponte Millennium para contemplar as águas chicoteadas pelo vento invernal e dar um derradeira espiada de adeus à velha Catedral.

Do outro lado do rio mora outro Museu, o Nacional Britânico de Arte Moderna, mais conhecido como Tate Modern, um dos mais visitados do mundo, superando outros modernosos como o MoMa de Nova York e o Museu Reina Sofía de Madri. Em um piscar de olhos se vai de Donne à Londres mais contemporânea, apresentada em uma escala épica.
O acervo permanente da Tate Modern, reunindo obras de arte inventadas desde o ano de 1900 até a atualidade, é um dos mais completos do mundo. Trabalhos da maioria dos artistas mais relevantes do século XX, como Pablo Picasso, Andy Warhol, Salvador Dalí e Mark Rothko, moram no terceiro e no quinto andar do prédio de uma antiga usina, enquanto que as exposições temporárias rolam ou no quarto andar ou no átrio principal, o imenso e cavernoso vão central de nome Turbine Hall que antigamente abrigava as turbinas da central elétrica. Da última vez que estivemos na Tate uma das três exposições de plantão era protagonizada pelos trabalhos da arquiteta Zaha Hadid. 
fotografia Moacir Pimentel

Mesmo para os que não são amantes de arte moderna, a Tate Modern é um programa imperdível, pela privilegiada localização, pela arquitetura, pelas belas vistas que nos oferece gratuitamente do rio, do teatro Globo – veja na foto acima o prédio branco com telhado de palha - da Ponte Millenium e da Catedral.
Foi ali que fui apresentado à gigantesca e pavorosa aranha de aço de nome “Maman” – nossinhora! - da artista franco-americana Louise Bourgeois. A Maman foi feita sob encomenda para a abertura da Tate Modern na virada do milênio e é tão grande que só pode ser instalada ao ar livre ou dentro de um edifício de escala industrial. Suportada por oito pernas esguias e nodosas, o corpo do aracnídeo fica suspenso acima do solo, permitindo que o espectador ande por baixo de um saco de malha de aço contendo dezessete ovos de mármore branco/cinza que brilham contra a escuridão do interior do corpo do bicho e pairam pendurados sobre a pobre cabeça do observador, de quem se espera que desenvolva um sentimento de empatia em relação à maternidade. Complicado! (rsrs)
Louise Bourgeois - Maman - fotografia de Matt Stuart em Londonist.com

A alguns metros de toda essa modernidade, no entanto, mora a réplica do Teatro Globo, do qual Shakespeare foi um dos sócios. Mas antes de chegarmos ao lendário palco elisabetano, peço licença para contar-lhe uma desimportante mentira turística.
Explico: na primeira foto ao alto da montagem abaixo, espremida entre um predinho de tijolos e o Teatro mora uma casinha de nada, estreita e alva como o fog inglês, dessas de porta e janela e entre elas uma placa avisando que ali pernoitou , na sua primeira noite na cidade e rodeada de tavernas e bordéis a futura esposa do rei Henrique VIII e então princesa de Espanha Catarina de Aragão (rsrs)
fotografias 1, 3 e 4 de Moacir Pimentel / fotografia 2  de Sourav Niyogi, Wikipedia

Como se não bastasse tão cabeluda mentira, a placa ainda jura de pés juntos que ali viveu, durante a construção da Catedral de São Paulo, o badalado arquiteto Sir Christopher Wren. É claro que quando a casa foi construída fazia tempo que a igreja já havia sido consagrada!
Apesar da evidente cara de pau da plaquinha, é graças a ela que a estrutura original da velha casinha, uma resistente mistura dos tijolos de estilo rainha Ana com um bocado de gesso vitoriano, ainda está de pé. E de repente a gente sente vontade de fazer um desejo, como a Virginia Woolf tão pungentemente fez, querendo ouvir mais uma vez o autêntico e não editado e/ou traduzido “som do passado”. Quem efetivamente viveu naquela casa?
Pode apostar que, seja lá quem tenha sido, falaria com o carregado sotaque dos pescadores do sul do Tâmisa que, com certeza, invadiram aquelas paragens enriquecidos que foram pela Igreja Católica quando suas santidades decidiram que às sextas-feiras e nas Quaresmas as suas ovelhas só poderiam comer peixe (rsrs)
E depois para onde ir? Pulando o Teatro, porque ele será outra conversa, que tal dar uma passada no Borough Market bem ao lado?
fotografias Moacir Pimentel

Trata-se do mercado com os produtos frescos – legumes, verduras, frutas, carnes, frutos do mar e peixes, queijos e doces – mais disputados da cidade. Vale a pena tomar por lá o café da manhã. Ou quem sabe não seja uma boa ideia calibrar a fome para almoçar no Café do Museu do Design?
Trata-se de um grande edifício, mas maiores ainda são as filas para ver os insignificantes territórios das exposições. Os visitantes transitam espremidos em pequenos espaços, como a loja de souvenirs, ou olham sem entender nada para o átrio desnecessariamente grande, só que vazio, ou se arriscam na missão inglória de subir todas as escadas que levam do nada para mais nada.
Esquerda: fotografia de Harry Wood in Wikipedia – Licença Creative Commons 4.0 / Direita: Moacir Pimentel

Pense em um museu mal concebido! O conjunto da obra não cumpre o seu objetivo principal de inspirar e educar as pessoas sobre o design. Mas a localização do Café e a vista da janela nos faz relevar o seu inegável pecado: trata-se de um museu de design onde o uso do espaço não faz sentido (rsrs)
Da próxima vez, talvez para aliviar um pouco a visão desse estranho museu, vamos conversar com os nobres leões de Londres...


20 comentários:

  1. Mônica Silva13/09/2019, 08:38

    Só mesmo você para nos contar de um pastor que escrevia tórridos poemas de amor, de um Museu do Design que não sabe usar seu próprio espaço e assumir que não sentiu empatia pela aranha 'Maman' kkk Você tem espírito! Adorei conhecer a ponte, a casinha onde a princesa não dormiu e o arquiteto não morou mas fiquei com pena de você não ter falado mais das delícias do mercado. Obrigada!

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    1. Moacir Pimentel18/09/2019, 08:19

      Mônica,
      Não seja por isso. Sou fã assumido de comidas de rua e de mercados públicos porque algumas das coisas que nos oferecem os maiores prazeres gastronômicos são extremamente simples. Quem não gosta, por exemplo, de um queijo quente bem tostado amanteigado e pegajoso e feito em casa? Melhor que o queijo quente da minha taba que, com com sotaque lusitano, é chamado de “tosta”, é o do estande Kappacasein no Borough Market. Naquelas paragens começo a salivar só de olhar os diversos queijos sendo ralados para os recheios e os sanduíches sendo empilhados na vitrine para que a oferta possa dar conta da demanda: sempre tem fila para pagar as cinco libras – mais ou menos vinte e cinco reais - por cada um dos petiscos. E se você achar que o preço é exorbitante permita que lhe diga que não é, diante do tamanho da coisa, da qualidade dos ingredientes e, mais importante, do sabor e da textura de um dos melhores sandubas que já comi!
      Dizem que a raclette que a galera do Kappacasein faz usando um queijo que o proprietário da barraca produz com o leite rico e não pasteurizado de suas próprias vacas é ótima, mas nunca a experimentei porque só tenho olhos para os sanduíches sendo montados na chapa com a ajuda de prensas. Os caras vão pousando sobre o pão fresco, o queijo cheddar ralado, cebola, alho-poró e alho picados tudo polvilhado por ervas, enquanto a gente tenta sacar o que eles fazem para obter aqueles sabor e crocância perfeitos. É claro que tem a ver com o pão que é rústico, fermentado com "massa velha", ou seja, feito com fermento caseiro, mas desconfiamos que o segredo talvez seja o uso da maionese do lado de fora - detalhe que, em tese, daria ao pão uma maior tolerância à queima - e da manteiga com um toque de mostarda por dentro

      https://www.youtube.com/watch?v=6KurrgBBQUg

      Face ao exposto, quando você for a Londres, em vez de pagar vinte libras pelo café da manhã sem graça do hotel, se esbalde nesse paraíso dos amantes de queijo.
      “Obrigado”, abração e bom apetite!

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  2. Olá Moacir,
    Que leitura deliciosa!
    Cheguei cansada da natação (voltei a nadar há três dias só) e sentei no meu cantinho de leitura. Com água gelada (água mesmo, acredite) fui ler você e gostei demais. Essa Londres desafia minha quietude.
    Ao contrário de você gosto muito de Maman. E não sabia que ela tinha ovos! Essa Bourgeois, tão velha e tão criativa quando fez essas obras. E a fase dos seios? muito estranha. Invejo-A!
    Queria fazer o seu trajeto e conhecer o Tate Modern. Ver Londres de ontem e de hoje. Se a mentira manteve a casinha branca tão linda valeu a pena!
    Quaresma, ovelhas e peixes! Só rindo mesmo, seja lá o tudo que isso queira dizer.
    Não sei se o Café e a vista me fariam ir do nada para mais nada. Mas o Tate...Ah! Que vontade que dá!
    Olha, foi tão bom o momento que tive de adiar tudo, e as tarefas de hoje são muitas, só par dizer isso.
    Agora à luta, terei netos por aqui. Estão vindo fazer testes nas escolas pois se mudarão para cá no próximo ano.
    Até muito mais.

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    1. Moacir Pimentel18/09/2019, 08:24

      Caríssima Donana,
      Isso é o que chamo de uma boa notícia. Ter todos netos à nossa beira é uma maravilha que na minha praia só rola em fevereiro! Eu bem que desconfiava que a senhora ia apreciar o post da Maman. Confesso ter por ela mixed feelings que não me impedem, no entanto, de abstrair que sim trata-se de uma poderosa obra de arte criada por uma artista extremamente talentosa, uma das maiores do seu tempo. Mas com certeza essa estranheza, essa imponente presença surreal com essas pernas longas e as sombras que projetam me provocam respostas um tanto aracnofóbicas (rsrs)
      Só que a “tradução” que a escultora fez desse trabalho, que tanto evoca tanto a maravilha quanto o terror, é surpreendentemente simples e sensível. Trata-se de uma homenagem à senhora mãe dela, a sua “melhor amiga”.
      Para entender a cabeça criativa da Louise convém dar um pulo na mitologia grega, onde “Aracne” foi uma talentosa tecelã terráquea que ousou desafiar Atenas, a ciumenta deusa das artes e ofícios, em uma competição de tecelagem. Ao vencer o concurso a moça foi transformada em aranha pela ciumenta rival divina e condenada a tecer teias para sempre. A fábula de Aracne nos foi narrada por Ovídio, ilustrada por Gustave Doré para a Divina Comédia de Dante e pintada pelo espanhol Diego Velázquez na tela de nome Las Hilanderas que mora no Museu do Prado. Note a tapeçaria que serve de pano de fundo para as tecelãs.

      https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a3/Velazquez-las_hilanderas.jpg

      E se a senhora está se perguntando qual é o link de toda essa "cultura inútil" com a mãe da escultora, sucede que a mesma também era uma exímia tecelã e que comandava o ateliê de restauração de tapeçarias da família. Então, entre todas as possibilidades iconográficas a seu dispor a Louise decidiu dar à luz essa aranha de dez metros e dez toneladas porque ela lhe pareceu a opção mais familiar e maternal. Parece que a orfandade deixara na artista, então muito jovem, uma profunda cicatriz emocional. A dor da perda, inclusive, a fez tentar o suicídio. Portanto essa Maman guardando ferozmente seus ovos de mármore, representa uma presença feminina, protetora e reparadora, uma espécie de bálsamo para o medo e o abandono vivenciados pela artista quando da despedida da mãe. Sua escala gigantesca, por sua vez, nos dá testemunho da importância da figura materna, do poder feminino, da sua força combinada com uma certa vulnerabilidade.
      Enfim, a imagem dessa mãe era tão poderosa que a Louise precisou expurgá-la em sete cópias da Maman original, inclusive a que, durante a exposição de nome O Retorno do Desejo Proibido, se mudou para o jardim que fica entre o MAM do Rio e o Monumento dos Pracinhas.
      “Até sempre mais”

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    2. Adorei, Moacir.
      Agora descobri porque, instintivamente, sempre gostei da Louise.
      Também tive idéias quando perdi minha mãe. E olha que eu já era uma senhora coroa!
      Gratíssima sempre.

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  3. Flávia de Barros13/09/2019, 14:56

    Moacir,
    Para mim que pouco conheço Londres estes seus artigos são preciosos. Graças à sua escrita e às suas fotos eu vou descobrindo uma nova capital inglesa onde os pontos turísticos antigos e históricos disputam espaço com a arquitetura mais moderna. Gostei de ver o velho contrastado pelo novo e de saber que a cidade tem conseguido manter sua herança sem voltar as costas ao futuro, misturando com harmonia seus prédios antigos como a Catedral de São Paulo e o Teatro de Shakespeare com arrojadas construções como a Ponte Millennium e o edifício que aparece na foto do mercado.
    Um abraço para você

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    1. Moacir Pimentel18/09/2019, 08:32

      Flávia,
      Em Londres inexiste uma separação clara entre a "cidade velha" e a "cidade nova". Nas próximas conversas você verá que além da Torre e da Ponte de Londres e da Abadia de Westminster ainda existem pelas ruas do centro muitos edifícios anteriores ao Grande Incêndio de Londres, em 1666. Após a destruição causada pelo fogo o arquiteto Wren elaborou um projeto para reconstruir a cidade como um lugar bonito, aberto e ordenado. No entanto, como o povo queria substituir suas casas e fábricas o mais rápido possível, a dispendiosa urbanização sonhada por Wren permaneceu na gaveta e Londres foi reconstruída sem planejamento e/ou ou um estilo arquitetônico único. Durante a Segunda Guerra Mundial a Luftwaffe alemã destruiu mais de um milhão de habitações e prédios e a capital teve que reconstruída mais uma vez. Esses dois períodos históricos explicam porque Londres é uma cidade tão plural em termos de arquitetura e porque prédios modernosos começaram a aparecer entre as casas mais antigas de Londres, como por exemplo o Royal Festival Hall, em Southbank.
      Trata-se de uma cidade peculiar onde estilos arquitetônicos contrastantes sempre foram justapostos uns aos outros, um lugar onde a gente esbarra em prédios tudor ao lado de moradias vitorianas, em edifícios góticos vizinhos de construções georgianas, em espigões vanguardistas ao lado das ruínas da muralha romana. É crescente no horizonte londrino o número de arranha-céus que, embora não sejam do gosto de todos, são afetuosamente conhecidos por apelidos. É o caso do Walkie Talkie ...

      https://i.guim.co.uk/img/media/2a5fe30ab4abad9843d35510a65506f5638f8882/0_16_5236_3143/master/5236.jpg?width=1920&quality=85&auto=format&fit=max&s=7c3d71f57d06917532eb1fecadf00f10

      Hoje em dia, o céu de Londres é riscado por guindastes envolvidos na construção de mais e mais torres de vidro espelhado. Porém existem planejamento e regulamentos que tentam garantir que a personalidade da cidade não seja agredida e que os seus mais importantes edifícios antigos sejam respeitados. Por exemplo, as gigantescas torres não podem impedir as vistas panorâmicas da Catedral de São Paulo que, por ter permanecido intacta sob os bombardeios nazistas tornou-se um símbolo de sobrevivência e superação da milenar capital.
      Outro abraço para você

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  4. 1) As fotos do Moacir são preciosas, imagino que ele as tirou há bastante tempo e... tempos depois ele escreve belos artigos a partir de tais imagens.

    2) Sinal de criatividade, tanto na arte de fotografar quanto na arte de escrever. Parabéns !

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    1. Moacir Pimentel18/09/2019, 08:35

      Antonioji,
      É verdade. Passei das fotos analógicas para as digitais no ano de 2002. De lá para cá venho colecionando quase vinte mil clics de viagens e sim minhas "franquias" sempre começam nas pastas de imagens (rsrs) Na última década estivemos algumas vezes em Londres porque em épocas diversas dois de nossos filhos por lá estudaram. As minhas fotos mais recentes da capital inglesa foram clicadas em dezembro de 2015.
      Obrigado e namastê!

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  5. Alexandre Sampaio13/09/2019, 20:46

    Pimentel,
    Nesta sua agradabilíssima minissérie você já nos resenhou livros e um filme e nos contou como Londres foi a terra natal ou serviu de inspiração para algumas das figuras literárias mais influentes do mundo.Já nos apresentou bairros e ruas, praças e monumentos, museus gratuitos e uma estação ferroviária, a Abadia e a Catedral da cidade. Depois do mercado não sei aonde vamos para ver os leões, mas não tem importância. Estou dentro!

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    1. Moacir Pimentel18/09/2019, 08:37

      Sampaio,
      Essa "minissérie" como todas as demais é apenas uma coleção de histórias, algumas mais interessantes que outras. Agradeço-lhe pela leitura fiel e pela confiança e esclareço que não visitaremos o zoológico de Londres na próxima conversa (rsrs)
      Abração

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  6. Francisco Bendl14/09/2019, 09:39

    Os melhores seriados feitos para a TV são os ingleses, principalmente os policiais.
    Mediante cenários que refazem com quase absoluta precisão a volta no tempo dos cais londrinos, a miséria do povo, as doenças, os ratos, a fome, os roubos, a marginalidade, os cortiços – os excluídos londrinos -, aguardo que Pimentel nos brinde com comentários e fotos desses lugares que tanta história produziram durante séculos!

    Com extrema sinceridade, e não poderia ser diferente neste blog extraordinário, apesar dos relatos detalhados de Pimentel sobre prédios londrinos, museus, teatros, abadias, que enriquecem os nossos conhecimentos - ainda mais o meu, que jamais fui à Inglaterra -, eu gostaria muito de ler onde o povo viveu, onde era segregado, injustiçado, mal tratado, humilhado, tendo uma vida sub-humana.

    A bela capital inglesa tem também o seu lado feio, como qualquer cidade deste planeta, evidente, e conto com a brilhante forma de Pimentel escrever e detalhar com rara habilidade essa parte que mencionei pois, se não é encantadora, sem os cais londrinos a história da cidade fica incompleta, a meu ver.
    Até porque o país sendo insular, a vida inglesa se desenrolava nos cais, onde eram feitos negócios, vendas, compras, tráfico de escravos, contrabando, riquezas trazidas das colônias, o comércio de armas e munições, afora a comercialização de navios os mais diversos e exóticos!

    Evidente que este artigo merece o meu aplauso e admiração.
    A série sobre Londres está sendo espetacular, logo, aguardo ansioso por essa dissertação sobre os cais de Londres, desde o maior e mais famoso, até os mais pobres e violentos.

    Abração, Pimentel.
    Saúde.

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    1. Moacir Pimentel18/09/2019, 08:44

      Prezado Bendl,
      Foi Charles Dickens, o escritor britânico que nasceu e viveu durante a Revolução Industrial, bem no olho do furacão do capitalismo e do seu discurso hegemônico, quem me apresentou à miséria da Londres no século XIX. Ele não foi apenas o primeiro grande romancista urbano da Inglaterra, mas também um comentarista social incansável que usou a ficção para criticar os abusos econômicos, sociais e morais da era vitoriana, chamando a atenção do seu público leitor para as desigualdades no cotidiano da cidade, para as privações das classes mais baixas, os males da sociedade industrial, a injustiça das leis, a perversidade do sistema, a ausência de saneamento, a exploração das mulheres e dos menores, os privilégios da nobreza. Só que como o grande Charles e a sua obra serão os temas dos últimos capítulos dessa "franquia", você vai me desculpar mas por enquanto não vou me aprofundar na narrativa de
      "como o povo viveu" para não cometer spoilers (rsrs)
      É claro que as cidades devem ser avaliadas não apenas pelos espaços onde moram seus ricos mas também pelos pedaços onde sobrevivem os seus pobres, refugiados, migrados, negros e árabes, bem ali onde os protestos começam. Adianto-lhe que, historicamente, Londres colecionou sim excluídos, miseráveis, pobres, desvalidos, marginais e criminosos nativos e de todo o vasto mundo e não apenas nas suas famosas docas que, já no século XVI, se espremiam entre a Ponte de Londres e Cockhold's Point.

      https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/68/Limehouse_Cuckold.jpg

      É que nesse trecho do rio Tâmisa há uma piscina natural profunda que, é claro, era um excelente lugar para se atracar um barco. Dizem que há séculos a tal piscina - ou “Pool of London” - mais parecia uma floresta de mastros. À medida que o império britânico se expandia e a Revolução Industrial tomava conta, ela se tornou o porto mais movimentado do mundo, repleto não apenas de navios transoceânicos que traziam produtos exóticos de terras estrangeiras, mas também de barcos cheios de imigrantes e emigrantes, de barcaças trazendo peixes e frutos do mar do estuário do Tâmisa ou do Mar do Norte e de mineiros transportando carvão. No final do século XVIII a primeira força policial do vasto mundo foi formada para impedir roubos e fraudes e violência no porto e as margens do rio começaram a se encher de armazéns imponentes, vários dos quais sobreviveram, principalmente nos cais de nome Butler's Wharf e Hay's Wharf, na ribeira sul. Além disso uma rede de canais fluviais a partir do rio foi construída para possibilitar o transporte de mercadorias entre Londres e outras localidades.
      ( continuo...)

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    2. Francisco Bendl19/09/2019, 08:18

      Pimentel,

      Muito obrigado pela resposta/artigo, tanto em deferência a este teu amigo, quanto pelas preciosas informações e descrição que deste às docas londrinas.

      Por outro lado, a lembrança de Dickens foi excelente, pois se trata de uma dos maiores nomes da literatura britânica e mundial, que retratou o quadro de miséria que se vivia no Séc. XVIII e XIX em Londres.

      Belíssimo e interessante esta tua postagem sobre este detalhe Londrino, que sempre tem sido marcante na filmografia inglesa,e local atraente para os enredos policiais e sociais desta cidade absolutamente cosmopolita.

      Lembro-me de ter registrado que, Paris e Londres, seriam as duas capitais mais importantes da Europa na Idade Contemporânea, pois a outra seria Roma e a sua história como centro do Império Romano, logo, muitos séculos antes. mas, a meu ver, Londres supera Paris neste quesito de principal metrópole europeia, mesmo sendo insular, enquanto a capital francesa tinha um acesso muito melhor, pois no continente europeu, como é ainda hoje.

      Portanto, mesmo assim, Londres atraía gente do mundo inteiro, haja vista ser o centro dos negócios internacionais, em face do poderio naval inglês, as suas inúmeras colônias e a Explosão Industrial, que teve início justamente nesta grandiosa cidade!

      Imagina, então, Pimentel, que mistura fantástica acontecia com os britânicos naquela época, premidos entre docas, indústrias, transporte naval, aspecto social de miséria, doenças e cortiços que seguiam o Tâmisa no longo trajeto de seus cais ou docas!

      Que cenário!

      Mais uma vez agradeço essa tua gentileza, de postares uma resposta que mereceria ter sido um artigo - nada impede que tu o faças, incluindo fotos.

      Outro abraço.
      Mais saúde.

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  7. Márcio P. Rocha14/09/2019, 10:29

    Lendo seus posts lembro de como é agradável caminhar ao longo do rio por esta metrópole que a globalização criou, parando nos pubs para tomar one for the road, rs. Se alguém me perguntasse não saberia explicar porque gosto tanto de Londres mas prefiro mil vezes Paris que, com o imbróglio do Brexit, talvez apareça na corrida como favorita a ser de novo a número um da Europa. Em qual das duas cidades você aposta?

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    1. Moacir Pimentel18/09/2019, 08:59

      Márcio,
      Se Paris e Londres estivessem em um ringue de boxe teríamos uma disputa entre pesos pesados mas eu torceria pela Europa (rsrs) Comparar as duas cidades é uma missão complicada. Dia desses li uma matéria na Economist que avaliava ser Londres a segunda melhor cidade do mundo para se fazer negócios e colocava Paris na quarta posição. É claro que enquanto o Brexit permanecer sem solução, Paris estará comendo pelas beiradas tentando diminuir tal desvantagem, em muito explicada porque a França tributa as empresas muito mais pesadamente do que o Reino Unido. Quando se trata da indústria da tecnologia, ambas as cidades lutam ferozmente para atrair as melhores e mais brilhantes startups. Só que Paris tem cerca de 1.400, enquanto moram em Londres mais que o dobro desse número. Uma coisa é certa: tais empresas parecem gostar mais do ecossistema britânico. Segundo a revista são londrinos 22 “unicórnios”- o apelido das startups avaliadas em mais de um bilhão de dólares - contra apenas 3 parisienses.
      Quanto à vocação turística e pelo ranking da Forbes, desde 2010 Bangkok, Londres e Paris têm sido as três cidades mais visitadas do planeta. No ano passado Bangkok cravou 22 milhões de visitantes estrangeiros enquanto Londres chegou aos 20 e Paris aos 18 milhões. Note que a capital do Reino Unido é servida por seis aeroportos internacionais - Heathrow, Gatwick, Stanstead, Luton, London City e Southend – enquanto que apenas três atendem a capital francesa - Charles de Gaulle, Orly e Beauvais. Tal fato significa que um maior número de empresas aéreas low cost voam para e/ou de Londres e que as passagens aéreas com destino à capital inglesa são mais baratas. Da mesma forma Londres tem o dobro de linhas de ônibus, um terço a mais de táxis e o maior metrô do mundo, depois dos de Pequim e Xangai.
      Quanto à oferta cultural nas apresentações teatrais os palcos londrinos só perdem para os de Nova York mas no quesito restaurantes, é claro, Paris ganha disparado. Londres coleciona 380 bibliotecas públicas contra as 69 de Paris e possui 240 museus contra os 153 parisienses. Além disso parece que os londrinos são viciados em cultura pois a cidade detém a maior percentagem mundial de residentes que visitam regularmente museus e galerias de arte. Pudera! A maioria deles é grátis.
      A conclusão é que, apesar de preferirmos os bulevares, todos aqueles quarteirões de prédios simétricos erguidos pelos arquitetos de Haussmann no século XIX, as mansardas e telhados, a caótica Gare du Nord à graciosa extensão cheia de luz de São Pancras, a fauna artística de Montmartre, os cafés e a comida e o vinho de Paris, Londres é a cidade mais diversa - um terço dos seus habitantes nasceu fora das fronteiras do Reino Unido - dinâmica e culta da Europa, ou assim é percebida. Como um lugar cuja mensagem se não é, pelo menos pretende ser, a de que não importa a nacionalidade, língua, raça, religião, cor, gênero, orientação sexual, todos são bem-vindos. E viva a diversidade! Tudo isso faz da cidade o que é: próspera, cheia de taxistas somalis, garçons romenos, recepcionista jamaicanos, camareiras indianas, padeiros portugueses e banqueiros franceses. E com a tese do Economist até mesmo os da França concordam! Sim, 400 mil franceses vivem em Londres, enquanto apenas 8 mil britânicos chamam Paris de lar. Resumindo: se fôssemos refugiados não exitaríamos em rumar para a capital inglesa!
      Um "parting glass" para você e "Keep Walking"! (rsrs)

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  8. Lea Mello Silva14/09/2019, 12:17

    Encantada com seus textos sobre Londres ! Aprendendo a conhecer esta cidade e suas histórias
    Há muitos anos atrás eu fui a Londres e amei sua beleza, tudo tão limpo e organizado
    Vc nos da uma aula de história !
    E com os comentários eu fico a cada dia mais por dentro desta metrópole
    Minha neta que está morando lá está adorando a cidade
    E com seus relatos e fotos vou sabendo cada vez mais
    Obrigada e um grande abraço

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  9. Lea Mello Silva14/09/2019, 18:23

    A cada texto vou conhecendo melhor a história de um país e sua capital
    Fui a Londres há muito tempo e gostaria de ter todo este conhecimento naquela época
    Que cidade linda, limpa e organizada
    Você, Moacir, nos presenteia com fatos e fotos
    Os comentários também são ótimos
    Obrigada

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    1. Moacir Pimentel18/09/2019, 09:02

      Prezada Lea,
      É sempre uma alegria merecer um comentário seu! Obrigado pelas boas palavras! Fico feliz de saber que sua neta está adorando a temporada londrina e penso como você: é melhor ler antes sobre os lugares que pretendemos visitar. Por aqui começamos a "viajar" nas estantes e na internet, muitos meses antes da decolagem (rsrs) Além de nos poupar tempo - um artigo extremamente precioso quando se viaja - o conhecimento prévio nos permite descobrir muito mais. E as descobertas são uma das maravilhas da estrada. Quantos às fotos são souvenirs e servem para pontuar os looooongos textos.
      Um grande abraço.

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  10. Flávio José Bortolotto17/09/2019, 10:19

    Prezado Autor Sr. MOACIR PIMENTEL,

    A gente sempre aprende com as prazerosas Leituras desse excelente Escritor e Viajante, Sr. MOACIR PIMENTEL, como aqui em " Do outro lado do rio".
    Fascinante a TATE MODERN, em especial a MAMAN de LOUISE BOURGEOIS e todas as ouras coisas.

    Parabéns e Muito Obrigado.
    Abração.

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