Ana Nunes |
Ana Nunes
Chega, em Setembro, o Natal. Porque em Dezembro já se fala em
carnaval.
E começam as correrias, as black
fridays, as ofertas desorfertadas. Em todas as lojas aquela infernal
musiquinha natalina. Repetida e repetida à exaustão. Coitadas das vendedoras!
Árvores gigantescas nos shoppings maravilham nossos olhos e agitam
as crianças. Papais Noéis tiram fotos com elas no colo e não consigo não pensar
em pedofilia. Estou podrinha de alma? Foi a vida que me fez assim.
Não sendo abonada, como dizia meu professor Vlad lá das terras dos
vampiros, faço os meus presentes. Sanfonas de papel com desenhos de Minas que
minha irmã carioca teima que são do Rio de Janeiro. Porque montanhas e
igrejinhas, e varal com roupas coloridas, muros com flores derramadas. Não
adianta argumentar, ela é carioca de coração. Outras têm desenhos de frutas e legumes.
E gato que é meu bicho preferido. São colocadas em capas de CD. Minha nora
perguntou: porque não desenha um embaixo
do outro, em tira? Porque alguém vê só um desenho e quando abre a sanfona,
surpresa! E fala, oh que lindo!
Estou ficando convencida? Viva o pessoal do blog!!!
Também tem presente de mosaico, que vem com recado: se não gostar
passe para a frente. Tem coisa pior que usar ou expor algo de que não se gosta?
E ter medo do presenteador aparecer na casa? Credo!
Não posso negar, também gosto de ganhar presente. Nada grave, um
pão-duro (ou pãoduro?) que o meu liquidificador mordeu. Um livro já lido e
triado, um bolo ou pão de figo com nozes. Muuuito bom! Um perfume, um vinho, um
whisky e aí já está esquentando! Um telefonema carinhoso, um sorriso gostoso,
um abraço de corpo inteiro como o do meu filho grandão, parecido com o pai.
Porque por aqui tivemos gêmeos, mas um é meu e o outro do pai. Engordamos e
enjoamos juntos. Isso que é parceria!
Presente-flor de planta. As violetas em vaso de cimento me amam. E
já começam a explodir em flores cor de rosa. A outra, filhote ainda, mostra
botões roxos espreitando entre as folhas. Joaninhas aparecem de vez em quando,
mas estão ficando raras.
E começo a pensar no jantar e no nosso bingo só de coisas que não
se quer mais. Tem cada coisa horrível! Mas tem a possibilidade da troca onde o
cunhado esconde o que não quer trocar. E as crianças também reclamam. E a
gente, já acompanhada de uma bebidinha amiga, se diverte muito. E pinta e borda
com a aniversariante do dia, a carioca.
Quanta bobagem!
Ana Nunes |
Eu queria mesmo é que as crianças não tivessem doenças graves, nem
dor. Que as crianças de rua tivessem casa, comida e cobertor. E nunca dor de
dente. E soubessem ler.
Que os filhos das nossas ajudantes frequentassem creches e escolas
e soubessem computar.
Queria o fim dessas estúpidas guerras ditas religiosas com o poder
por trás. O que será dessas crianças sem pais, sem comida, escondidas em
escombros? As maiores de nove, dez anos tomando conta de bebês famintos de nove
meses. Outras em países separados pelo ódio, crescendo impregnadas desse
sentimento vindo no berço. Que pensam em bombas e vingança enquanto deveriam brincar
de pique, de lego, de infância. Não poderia ser de outra forma. O que dizer das
treinadas em terrorismo, que se vestem de bombas? Detona o coração e contamina
a esperança!
Que as mulheres africanas de acampamento como moradia soubessem e
pudessem não ter filhos. Ou, utopia, comida, água e remédios para que aquelas
lindas crianças negras não precisassem sobreviver em pele e ossos.
Queria que os pedófilos fossem exterminados, colocados para fazer
trilhos de estrada de ferro nesse Brasil sem fim. Com grilhões como os escravos
e o sol por testemunha.
E que os nossos políticos encarassem o suicídio como solução para
os seus problemas de ganância. Os ingleses fazem isso, não fazem?
Queria também um mundo sem mortes desnecessárias. Que se pudesse
caminhar à noite e andar de bicicleta em ruas arborizadas.
Queria cear no Natal com marido, irmãs, filhos e noras e netos e
cunhado. E com uma saudade infinita e lembranças tranquilas dos meus mortos
queridos. E então, com a bacalhoada saindo do forno, saborear o vinho e prelibar
a sobremesa, sabendo que todo o mundo estava alimentado e dormindo em paz.
Que a estrela de Belém brilhasse de novo e mostrasse novos
caminhos e um mundo novo. Ou que o vagalume do Saramago iluminasse nossa
estrada.
Uma vez o Heraldo escreveu um post lindo e meio triste, Jogo de
Espelhos. E eu com um texto preparado, mais para frívolo, disse a ele que
depois disso não iria publicar. E não publiquei. E ele, com sua inseparável
insuperável Bic azul, disfarçada em teclado, lindamente respondeu assim:
“As cenas
urbanas nos ferem quase de morte, mas a gente vai tratando as feridas e
acreditando, seguindo, teimando. Por isso, tire seu texto do castigo, é reforço
na bandagem, ajuda no curativo.”
Obrigada, Heraldo.
1) Oi Ana, obrigado pela mensagem natalina. Sinto-me presenteado.
ResponderExcluir2) Seu belo texto, a meu ver, iniciou com uma reflexão e depois terminou com um almejo social. A vontade de tempos melhores para os menos favorecidos, desvalidos, excluídos...
3) Feliz Natal para vcs e para todos nós.
Olá Antonio,
ExcluirEu que agradeço pelo comentário gentil.
E todos faremos sim um Natal feliz junto aos nossos queridos.
Até mais.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirUm lindo e sentido post que me lembra que nesse Natal na nossa praia os presentes não vão rolar. Imagine a senhora que, para que o nosso netinho largasse a chupeta, os pais compraram um livro de nome “Julieta Larga a Chupeta” e o leram à exaustão para o pirralho. No final da trama a heroína sacode a chupeta pela janela, coisa que ele alegremente terminou fazendo também. Graçasadeus!
Mas....
Infelizmente o peralta continuou atirando coisas pelos buracos da rede de proteção das janelas inclusive os óculos da babá que não resistiram à queda do 19º andar e um peso de papel que aterrizou no capô de um carro alheio. Face ao exposto ele está de castigo, sem festa e/ou presentes de Natal e com ele todos nós! Não sei ainda como será a Ceia, mas alguma coisa há de ser e estaremos juntos e comeremos bacalhau. (rsrs)
Quanto à real politik a gente tem que olhar beeem mas de longe. Tipo vista cansada, que condena os que padecem dela a ver melhor quanto mais das coisas se afastam. E acreditar que do mal surgirá o bem, pois afinal só podemos desejar o que nos falta.
É preciso, isso sim, por mais que nos doa dizer "let it be" e fazer a parte que nos cabe: olhar mais de perto e tocar as possíveis e minúsculas existências à nossa beira. E prestar atenção às belas coisas pequenas, às impertinências, como dizem os espanhóis, aos mistérios, aos continentes desconhecidos como as luzes de Natal brilhando nos olhos do seu gato Bartoca. Que tal?
Quanto à sua dor, ou melhor “a dor do mundo”, as “cenas urbanas que nos ferem quase de morte”, uma das curas é justamente fazer as nossas artes. Rabisque, pinte, grave, ilustre, verbalize, coloque a mão nas violetas e nas massas, deixando , é claro, os risotos e os pestos por conta do Editor (rsrs)
O sofrimento, os golpes, as feridas, as cicatrizes, o ressentimento , a revolta, a indignação, a raiva , o desespero, todas essas forças mudas quando não administradas vão nos infectando, nos sabotando por dentro, até que a alma funda simplesmente supura e o coração endurece.
Não esqueça que suas pretinhas podem ser os nossos curativos, e portanto liberte-as do silêncio das gavetas, seja feliz e beba umas e outras e queira muito bem.
"There’ll be an answer "
“ Até mais”
Olá Moacir,
ExcluirTadinho do neto! E ficam todos de castigo... Que maldade!
Bebo umas e outras, mesmo sem data fixa. E quero muito bem!
E pinto mas não bordo. Escrevo e não gosto. Passa um tempo e faço de novo. Às vezes dá certo. Ou não.
E assim, como ensinou o Heraldo, voufazendo reforço na bandagem e ajuda no curativo. Espero ter mesmo uma resposta!
Gratíssima.
Até mais.
Ana
ResponderExcluirbom saber que sentimos este sonho de um Natal mais ameno e com o verdadeiro sentido
Escreveu por mim este verdadeiro sentido do Natal
Obrigada
Olá Léa,
ExcluirE vamos juntas por aí afora dividindo nossas escritas!
Um beijo.
Até mais
Prezada Ana,
ResponderExcluirParabéns por mais um artigo de tua autoria, que devemos aplaudir.
Indiscutivelmente a tua presença neste blog extraordinário o enaltece, e todos nós somos contemplados pelos excelentes textos postados, a ponto que recebes os elogios merecidos de todos nós, pois tens esse poder de nos enlevar com as palavras tão bem colocadas que significam, para cada um daqueles que as lê, uma situação de alegria e realização pelo que fizeste, e que não fomos capazes de traduzir em relatos o que fazes tão maravilhosamente bem.
Certamente o Mano de ter como sua esposa, trata-se do maior presente de Natal que ele poderia almejar que, no entanto, é diário, ainda por cima!
Um forte abraço.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Olá Francisco Bendl,
ExcluirMais uma vez obrigada pelos elogios.
Ás vezes a gente não é um presente diário. Pergunte ao Mano como sou brava e teimosa de vez em quando. Ou melhor, não pergunte. Ele pode dizer que é sempre! rsrs!
Saúde e paz para voces também.
Até mais.
Ana,
ResponderExcluirEu já estou vivenciando aqui na t'rrinha um vendaval de emoções e você me transforma em fechamento de um texto desse porte?! A sorte é que não há tradição de cardiopatias na minha família, senão era só encomendar o corpo.
Muito, muito, muito obrigado por tamanha e honrosa distinção. E nem vou perder tempo comentando um texto onde tudo já foi dito. Apenas torcer para que mais e mais meninos do mundo sejam iguais aos nossos, tenham a mesma sorte. Uma loteria que cabe a nós lutar para que seja menos madrasta. Até mais.
Ana,
ResponderExcluirEu já estou vivenciando aqui na t'rrinha um vendaval de emoções e você me transforma em fechamento de um texto desse porte?! A sorte é que não há tradição de cardiopatias na minha família, senão era só encomendar o corpo.
Muito, muito, muito obrigado por tamanha e honrosa distinção. E nem vou perder tempo comentando um texto onde tudo já foi dito. Apenas torcer para que mais e mais meninos do mundo sejam iguais aos nossos, tenham a mesma sorte. Uma loteria que cabe a nós lutar para que seja menos madrasta. Até mais.