Uma das últimas fotografias de Saint-Exupéry (fotografia de John Philips) |
Wilson Baptista Junior
Wind, Sand and Stars (Vento, areia e estrelas) foi o título que os editores americanos
encontraram para batizar o livro Terre
des Hommes (Terra dos Homens) do escritor e aviador francês Antoine de Saint-Exupéry,
na sua publicação em 1939.
Foi esse livro, na bela tradução do francês de Rubem Braga, que li
quando era menino e foi responsável pela minha paixão da vida inteira pela
aviação.
Mas muito mais do que de aviação falavam nas entrelinhas os livros de
Saint-Ex (como o chamavam seus amigos) à medida em que fui lendo, crescendo,
relendo e compreendendo. E até hoje, quando releio qualquer um deles, alguma
coisa de novo se apresenta ao meu espírito.
Saint-Exupéry ficou conhecido no Brasil principalmente como um autor
para crianças, por causa de seu livro O Pequeno Príncipe, um enorme sucesso
mundial de publicação e que, por décadas, era citado por todas as nossas
candidatas a miss quando perguntadas sobre seu livro preferido.
O Pequeno Príncipe, que parte de um acontecimento real, quando ele e seu
mecânico Prévot decolaram à noite de Bengazi no seu avião Caudron Simoun (o vento do deserto) numa etapa
de um voo para tentar bater o recorde de velocidade entre Paris e Saigon, e
caíram depois de quatro horas e pouco de voo, enganados pelas más condições de
tempo, num platô no deserto do Saara, perdendo no acidente a água e a comida, e
de onde foram salvos três dias depois por uma caravana de camelos, a par de ser
uma encantadora história para as crianças é (dizem alguns, e eu acredito) uma bela
carta de amor do autor para sua mulher Consuelo, escrita quando andavam
estremecidos.
O Caudron Simoun caído no deserto (fotografia Bureau d'Archives des Accidents d'Avions) |
Eu acho Saint-Exupéry um autor difícil de traduzir. Isso porque ele
escrevia e reescrevia suas páginas até que cada palavra nelas fosse a única que
poderia estar ali naquele lugar. Com seu peso e seu sentido perfeitos. Como ele
escreveu, no seu Terre de Hommes:
Il semble que la perfection soit atteinte
non quand il n’y a plus rien à ajouter, mais quand il n’y a plus rien à
retrancher.
(Parece que se atinge a perfeição, não quando não há mais nada a
acrescentar, mas quando não há mais nada a cortar)
Não dá para mudar nada numa página dele. E ele nunca escreveu nada,
ficção ou não ficção, que não estivesse solidamente ancorado na sua experiência
de vida. De uma vida em que ele sempre esteve de peito aberto na linha de
frente de tudo aquilo em que participou. Era um intelectual, um estudioso, mas
fundamentalmente um homem de ação.
Embora seus estilos sejam muito diferentes, ele partilhava com
Hemingway, outro de meus autores preferidos, a vida de ação e o fino
burilamento por trás de uma escrita aparentemente fácil.
A história de vida do autor é tão interessante e aventureira quanto seus
livros, e por isso permitam-me uma digressão. Depois de contar hoje um pouco de
sua vida, numa próxima conversa falarei dos seus livros, que me olham das
minhas estantes enquanto escrevo.
Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger de Saint-Exupéry nasceu em 1900 em
Lyon, filho do Conde de Saint-Exupéry, de antiga linhagem de cavalheiros do
Limousin, e de sua mulher Marie de Fonscolombe, de linhagem provençal. Perdeu o
pai muito cedo, aos quatro anos. Depois de uma infância folgada nos castelos de
suas duas avós, estudou num colégio jesuíta até a entrada da França na Primeira
Grande Guerra, em 1914, quando sua mãe se mudou para Paris para chefiar uma
equipe de enfermeiras. Transferido para outro colégio (dessa vez dos padres
maristas) lá ficou até conseguir seu bacharelado (que na França tem um
significado diferente daqui, é uma prova difícil que se faz ao final do ensino
médio para só depois de aprovado poder tentar a universidade). Mas antes disso,
aos doze anos, fez seu primeiro voo (à revelia de sua mãe) como passageiro de
um avião. Imaginem o que deve ter sido a sensação, para um menino de doze anos,
de voar num daqueles aeroplanos que mais pareciam um papagaio-caixa com um
motor, poucos anos depois dos primeiros voos de Santos Dumont e dos irmãos
Wright...
Voltando desse voo o garoto escreveu o que é seu primeiro poema
conhecido:
“Les ailes frémissaient sous le souffle du soir
Le moteur de son chant berçait l'âme endormie
Le soleil nous frôlait de sa couleur pâle.”
Numa tradução livre:
As asas tremiam ao sopro da tarde
O canto do motor ninava a alma adormecida
O sol nos tocava com sua pálida cor.
Não sabemos qual foi a reação de sua mãe quando ele voltou de seu
passeio de bicicleta até o campo de aviação e contou o que tinha feito...
O rapaz Antoine se preparou para ingressar na Escola Naval, onde tirou a
mais alta nota em matemática no exame de admissão mas foi reprovado por uma
nota baixa justamente na prova de... redação :)
Depois disso, entrou na Escola de Belas Artes, para estudar arquitetura.
Mas antes de completar dois anos foi chamado para o serviço militar e designado
para um regimento de aviação, onde ficou como mecânico. Não podia se formar
piloto porque não tinha o brevê de piloto civil (não tente entender os
regulamentos militares franceses da época...)
Então pagou de seu bolso algumas aulas num aeroclube e, com menos de
duas horas de instrução, pegou sem autorização um avião Sopwith e decolou
sozinho, pousando miraculosamente pouco depois, inteiro mas com o assoalho da
cabine em chamas. Seu comandante no regimento lhe disse: “Você nunca vai se matar num avião, porque se isso fosse acontecer teria
sido hoje”...
Depois desse começo pouco auspicioso conseguiu tirar seu brevet e se
tornar aluno-piloto militar. Tornou-se piloto de caça, voando até o final do
serviço militar.
Quis fazer carreira na aviação militar francesa, mas a família de sua
noiva não quis saber disso e ele desistiu. Depois de passar dois anos em
trabalhos de escritório, sem vontade nem sucesso, publicou numa revista sua
primeira história, L’Aviateur (O
Aviador) e pouco depois entrou como piloto na Compagnie Générale d’Entreprises Aeronautiques, que depois se transformou na Aéropostale
e mais tarde seria fundida com outras companhias francesas dando origem à atual
Air France. A companhia estava começando a abrir as linhas de correio aéreo na
França e nas colônias francesas, usando alguns aviões que tinham sobrado da
Primeira Guerra Mundial.
Um Breguet 14, um dos primeiros aviões da Aéropostale. Em baixo das asas se veem os compartimentos onde se colocava o correio (fotografia www.memoire-aeropostale-com) |
Daí em diante sua carreira de piloto (que necessariamente terei que
resumir muito) e a de escritor se entrelaçam. Começou levando o correio de
Toulouse, no sul da França, a Casablanca, no Marrocos. Aí passou a chefe de
escala em Cap Juby, na costa sul do Marrocos, onde tinha o duplo papel de
assegurar as relações da empresa francesa com o governo espanhol, que então
dominava a região, e de fazer o resgate dos pilotos e aviões forçados a pousar
de emergência no deserto e feitos reféns, e às vezes assassinados, pelos chefes
árabes hostis.
Durante esse tempo escreveu o romance Courrier Sud (Correio Sul). Do Marrocos Antoine foi para Buenos
Aires, de onde a Companhia começava a abrir as linhas da América do Sul, de
Natal até a Patagônia, e a ensaiar os primeiros voos noturnos, numa época em
que as comunicações por rádio eram rudimentares e o radar e o GPS estavam muito
longe de serem inventados.
Durante esse trabalho realizado com seus amigos Jean Mermoz e Henri
Guillaumet, dois pilotos que marcaram a história da aviação francesa, Saint-Ex
escreveu seu romance Vol de Nuit (Vôo
Noturno). E foi em Buenos Aires que ele ficou conhecendo Consuelo, a
salvadorenha com que se casaria pouco tempo depois.
Saint-Exupéry (esquerda) e Guillaumet na frente de um avião Laté-28 da Aéropostale (fotografia Collection Musée Air France) |
De volta à África, passou a fazer o voo entre a França e a Algéria em
hidroaviões, e mais tarde desligou-se da Aéropostale e passou um tempo trabalhando
como piloto de provas numa fábrica francesa de aviões em Toulouse.
Em 1934 entrou para a Air France, que tinha incorporado a Aéropostale,
como encarregado de voos de estudo e de conferências para divulgar a companhia.
No ano seguinte tentou bater o recorde de velocidade Paris-Saigon, e caiu no
deserto, o acidente de que falamos atrás. Nos dois anos seguintes, enquanto
continuava a abrir linhas na África, encontrou tempo para voar por duas vezes
ao front da Guerra Civil Espanhola, como correspondente de guerra para jornais
franceses. E um ano depois começou a escrever o que é talvez seu maior livro, Citadelle (Cidadela), a história de um
senhor de uma tribo bérbere contada na forma dos ensinamentos do chefe ao seu
filho.
Em 1938 partiu para tentar um raid Nova Iorque-Terra do Fogo, novamente
em seu Simoun e acompanhado do mecânico Prévot. Numa das etapas, ao decolar da
Venezuela, o avião, pesado demais pelo excesso de combustível, caiu deixando-o
gravemente ferido com o crânio fraturado, fraturas múltiplas no braço e em
estado de coma.
Um mês e meio depois saiu do hospital e foi para Nova Iorque, em
convalescência, onde começou a escrever o Terre
des Hommes, publicado no início de 1939 e que lhe trouxe a fama como
escritor.
No mesmo ano, com a ameaça de guerra, voltou para a França. Pouco
depois, a convite de seu amigo Guillaumet, acompanhou-o num voo de teste no Lieutenant de Vaisseau Paris, um
hidroavião Latécoère 521 de seis motores que foi o primeiro “jumbo”
transatlântico, de Biscarrosse, na França, a Nova Iorque, ida e volta.
No mesmo ano, com a aproximação da guerra, como capitão da reserva, voltou
à ativa, recusou ficar em terra nos serviços de informação e assumiu um posto
num esquadrão de reconhecimento aéreo a longa distância, Seu antigo chefe na
Aéropostale, agora oficial de patente mais alta, querendo poupá-lo, mandou
reconduzi-lo à aviação civil, Saint-Éxupéry recusou e o seu esquadrão partiu
para a guerra. Com a derrota dos franceses o grupo voou para a Algéria para se
reunir aos franceses livres. Antoine foi desmobilizado e no final de 1940 conseguiu
viajar para os Estados Unidos, onde se dedicou a escrever Pilote de Guerre (traduzido para o inglês como Flight to Arras – Voo para Arras e um enorme sucesso nos Estados
Unidos) e a tentar mobilizar a opinião pública americana em favor da França.
Enquanto tentava voltar para a Algéria para lutar escreveu Le Petit Prince (O Pequeno Príncipe).
que ilustrou com suas aquarelas e Lettre
à um Otage (Carta a um Refém). Só em maio de 1943 conseguiu se reunir aos
seus companheiros. O seu esquadrão tinha sido equipado com os aviões Lockheed F-5B,
que eram caças bimotores P-38 Lightning transformados em aviões de
reconhecimento equipando-os com motores mais potentes para funcionar em grandes
altitudes e retirando as armas e a munição para diminuir o peso e permitir mais
velocidade e lugar para as câmaras fotográficas (naquele tempo muito grandes).
Nesses aviões desarmados é que as missões de reconhecimento eram realizadas,
esperando, um tanto otimistamente, que esse aumento de velocidade os ajudasse a
escapar dos caças inimigos que estavam sempre à espreita.
Depois de três meses de voo as autoridades americanas, que achavam que
ele, por sua fama, era valioso demais para correr riscos, aproveitaram-se de
que a idade máxima regulamentar para pilotar os P-38 era de trinta e cinco anos,
proibiram nosso amigo de voar e obrigaram-no a voltar à reserva.
Mas depois de passar vários meses importunando seus superiores ele conseguiu
ser chamado por um coronel seu amigo para voar em um esquadrão de bombardeiros,
onde o limite de idade era mais dilatado, e assim que voltou à ativa perseguiu
o general americano que comandava as operações aéreas no Mediterrâneo até
conseguir permissão para voltar ao seu esquadrão de reconhecimento, só que essa
permissão veio com a condição de não voar mais do que cinco missões.
Como depois de sete missões ele não mostrava sinais de querer parar, o
Alto Comando resolveu contar a ele os planos do desembarque na Normandia,
porque assim não poderia mais voar para não se arriscar a ser capturado sabendo
dos planos altamente secretos. Conseguiu licença para realizar uma derradeira missão
antes que fizessem isso, e em 31 de julho de 1944 decolou com seu avião da sua
base na Córsega para fotografar Grenoble e Annecy, na França ocupada. Seu avião
desapareceu do controle do radar perto da Côte D’Azur, e não se teve mais
notícia dele.
Por cinquenta e seis anos não se soube o que aconteceu
com Saint-Éxupéry. Até que em 1998 um pescador marselhês apanhou em sua rede
uma pulseira de prata gravada com os nomes dele, de sua mulher Consuelo e do
seu editor americano. Depois desse achado as buscas foram retomadas e se
concentraram nessa região, e afinal mergulhadores encontraram os destroços de
um avião, a pouco mais de oitenta metros de profundidade, que em 2004 conseguiram
identificar como sendo o P-38 que ele pilotava.
A pulseira e a parte do avião que se conseguiu trazer à superfície estão
hoje no Musée de l’Air et de l’Espace
de Le Bourget, perto de Paris. Até hoje não se sabe conclusivamente o que
aconteceu com o aviador. Nenhum vestígio do seu corpo foi encontrado. Dois
diferentes pilotos alemães disseram ter abatido um P-38 naquele dia naquela
região, mas os registros da Luftwaffe não confirmam nenhum dos dois. O estado
dos destroços encontrados não permitiu identificar furos de bala, nem dizer que
eles não existiram. Se Saint-Ex não tiver sido abatido, pode ter tido uma falha
de motor, ou ter desmaiado por falta de oxigênio (o voo a grande altitude
consumia muito oxigênio, e ele, aos quarenta e quatro anos, precisava de muito
mais do que um piloto mais jovem). Talvez nunca venhamos a saber.
Quando penso na última missão de Saint-Ex me lembro das suas palavras no
final da sua última carta, recebida por um amigo depois de sua morte:
“A volta é um milagre. Eu conheci a pane,
o desmaio por acidente de oxigênio, a perseguição pelos caças e o incêndio em
voo. Não me creio muito avaro e me sinto um carpinteiro competente. É a minha
única satisfação. E também a de passear, um só avião e sozinho a bordo, por
horas e horas por sobre a França, tirando fotografias. Isto sim é estranho
(...)
Se eu for abatido, não me lamentarei por
ter perdido nada. O formigueiro do futuro me apavora e detesto sua virtude de
robôs. Eu, eu fui feito para ser um jardineiro...”
1) Ótimo artigo Mano, escreva sempre !
ResponderExcluir2) Hoje começa o Verão, logo ... Feliz Verão a todos (as).
3) Gratidão por todo o ano que está findando...
4) Feliz NaTao e Boas Sortes em 2018, ano do cachorro na Astrologia Chinesa, não esquecendo que o cachorro é o melhor amigo do homem.
Obrigado, Antonio, depois do Natal vou escrever mais sim, aí sobre os livros do Saint-Éxupery, se os leitores tiverem paciência :)
ExcluirE um feliz Natal e um ótimo Ano Novo para você e a Heloísa. Um abraço.
Ana tem razão, vc precisa escrever mais
ResponderExcluirLi com prazer e fiquei conhecendo mais sobre Saint Exupery
Nosso Google é vc 😄qualquer assunto e vc é o mestre
Obrigada e um enorme abraço !!
Léa, que bom que você gostou. E não sou o Google, não :) É porque leio o Saint-Ex desde que eu tinha uns doze anos, já li tudo o que ele escreveu. Assim não é vantagem nenhuma :)
ExcluirUm anraço para você e o Gilberto.
Excelente relato, Wilson, sobre a vida do grande escritor francês, Saint-Exupéry.
ResponderExcluirUma pena o seu fim trágico, mas absolutamente de acordo com o seu estilo de vida:
Aventureiro, irrequieto, um homem que adorava aviões e voar.
Na década de sessenta – o livro O Pequeno Príncipe foi lançado em 1.943 -, nos inesquecíveis concursos de Miss Brasil, televisionado para todo o país, não havia candidata à mais bela desta nação que, entrevistada, não dissesse que o seu livro de cabeceira era esse.
E vendeu muitos milhares de exemplares, pois se a história era simplória, havia um condão de magia que atraía jovens e adultos.
Interessante o que nos contaste do francês, que teve um fim estilo Amélia Earhart, que ainda está desaparecida junto com seu avião, e o notável Glenn Miller, que sumiu em um voo sobre o Canal da Mancha em 1.944.
As fotos postadas são extraordinárias, mostrando que se precisava de muita coragem para viajar nos aviões da época.
Parabéns pela escolha do tema, Mano, que, apesar de triste, enaltece um escritor notável, que emocionou o mundo com seus livros.
Um abraço.
Saúde e paz.
Obrigado, Chicão. Como eu disse ao Antonio, pretendo escrever ainda sobre os livros dele, e sobre essa magia que tinham suas palavras.
ExcluirA morte e o desaparecimento dele ajudaram a transformar o piloto e escritor que já era querido por muitos e admirado por muitos mais numa dessas lendas qie povoam os sonhos das crianças que olham para os céus.
A ele e a tantos outros que desbravaram corajosamente os caminhos dos céus, às vezes ao preço de suas vidas, nós devemos hoje o prazer e a comodidade das viagens aéreas que julgamos coisas tão corriqueiras.
Um abraço do Mano
O Editor/Moderador Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR, neste excelente Artigo, nos fala desse grande Escritor e Patriota SAINT-EXUPÉRY, contando-nos um pouco de sua vida e Obra.
ResponderExcluirAlém de excelente Escritor, bom Piloto Comercial e Militar, era arguto observador dos Árabes do Deserto do Saara, grande região Africana pertencente ao vasto Império Colonial Francês, onde trabalhou vários anos na Companhia de Aviação.
Em "Wind, Sand and Stars" ele conta dos costumes dessas Tribos, onde a Hospitalidade era Sagrada. Inimigos que tranquilamente se cortariam mutuamente o pescoço, quando Hóspedes um do outro, se tratavam com a maior cortesia. A Hierarquia dos Chefes era contabilizada em "roubo de Camelos". Sheik Hussain era o maioral porque já roubara 4.000 Camelos, e ele se orgulhava muito disso. Tinham muito respeito e admiração por um Capitão do Exército Colonial Francês, que os havia "logrado" várias vezes em suas guerrilhas e correrias pelo deserto, e ficaram muito tristes quando souberam que ele estava terminando seu tempo de Serviço na África, e promovido voltava a França: Que grande Inimigo, perdemos.
A França convidava os principais Chefes de Tribos a visitarem Paris, e arredores, sua Indústria, mostrar seu Poderio Econômico, para que eles na volta, pensassem muito antes de atacar um Forte Françês ou roubassem cavalos/material dos Franceses. Numa dessas empreitadas, coube a SAINT-EXUPÉRY ciceronear dois Chefes. Mostrou-lhes tudo, a começar pela Torre EIFFEL e quando voltou não resistiu a assistir numa barraca Árabe o "relatório" desses Chefes a outros Chefes.
Disseram eles: Na França andam todos desarmados, o País tem muitas águas, uma cachoeira é uma coisa fantástica, e lá tem grandes árvores e muita grama, daria para sustentar, milhões de camelos. Achou SAINT-EXUPÉRY, que o Governo não atingiu seu objetivo de "impressionar" os Chefes Árabes, com seu Poderio Econômico.
Abrs.
Amigo Bortolotto,
Excluirque bom encontrar o seu comentário e encontrar nele outro leitor do Wind, Sand and Stars!
Sim, o conhecimento e as observações do Saint-Ex sobre os árabes do deserto são extraordinariamente penetrantes. E quem pode esquecer, desse livro, a história de que você fala do Capitão Bonnafous, de cuja ausência os guerreiros reclamariam que tinha levado embora com ele um pouco da mágica do deserto, quando cada duna à frente dos seus rezzous podia esconder a elusiva coluna inimiga e por isso as dunas e os seus corações estavam vivos...
Ou a história do chefe árabe que, enquanto hóspede dos invasores franceses, pelo sagrado dever da hospitalidade ajudou a defender o forte contra o ataque de outra tribo, e mais tarde, aliado a ela e por sua vez atacando o forte, mandou dizer ao comandante francês que, naquele combate em que o tinham ajudado, tinham gasto uns trezentos cartuchos de fuzil, e que seria justo que ele agora lhos devolvesse. E o comandante, em grande senhor, mandou lhes entregar os cartuchos que eles iam atirar contra ele...
Num próximo post conversaremos mais sobre esse e outros livros.
Obrigado, e um abraço.
Wilson,
ResponderExcluirUm belo e irretocável prefácio que nos mostra, através de informações e fotos muitas das quais para mim inéditas ,antes da obra literária, um pouco da biografia do homem e a sua carreira como aviador. Só li da lavra de Saint-Exupéry a Terra dos Homens, a Cidadela e, é claro, O Pequeno Príncipe. Mas foi o bastante para perceber que , como você tão bem disse, ele só escreveu sobre aquilo que efetivamente experimentou na carne, sobre as aventuras que realmente viveu, sobre ventos, areias e estrelas seus conhecidos,com uma espécie compreensão, mesmo nos momentos felizes, da proximidade da dor e a perda. Há muito mais realidade e complexidade em sua escrita, nos livros que são bíblias poéticas sobre a arte de viver e a paixão de escrever e de voar, do que nas meras mensagens motivacionais deles extraídas.
Apesar dos estilos e mentalidades opostas, o filosófico, poético e alegórico Saint-Ex mora, juntamente com mais dois dos meus escritores prediletos - Hemingway e George Orwell! -em um espaço especial da minha mente, dedicado aos valentes intelectuais que se fizeram presentes na Guerra Civil Espanhola, às vozes que se levantaram contra o fascismo no primeiro dos conflitos a ser amplamente coberto pela imprensa, do lado republicano, perfilados ao lado das liberdades e contra a opressão do ditador espanhol Francisco Franco.
Dos três, Orwell foi o único que segurou em armas nas trincheiras espanholas – se bem que escreveu mais do que atirou! - mas o Papa Hem não esteve muito longe da linha de tiro e Saint-Ex chegou à Espanha logo no começo dos combates, em agosto de 1936, defendendo veementemente os republicanos no jornal francês L'Intransigeant e depois, em 1937, no Paris-Soir.
Eu credito à essa vivência da degradação progressiva das guerras, o tom angustiante, o pavor do “ formigueiro do futuro” e da “virtude de robôs” e o flerte com o perigo comum às obras dos três. De quebra Hemingway e Saint-Ex nos falaram lindamente do vasto mundo e foram bastante pessoais nos seus relatos.
Continuo....
O próprio Pequeno Príncipe de aventuras tão exóticas, se não chega a ser um alter ego irrequieto, muito revela sobre a vida e a mente do seu criador. Afinal o livro foi escrito em Nova York, onde Saint- Ex se sentia um alienígena exilado, embora na companhia tumultuada da mulher Consuelo , a famosa "rosa", ou a “Vaidosa”, a quem ele tratou por toda a vida com cavalheiresca lealdade. Quem teria inspirado a personagem da raposa cujo coração começava a dançar quando sabia que ele estava para chegar? Quem o teria motivado a escrever aqueles longos e amorosos parágrafos da Cidadela sobre a mulher “Princesa”, aquela “pronta para dar e receber amor”? Talvez Hélène, mais conhecida como Nelly, a sua amante por quinze longos anos? Quem seria o imenso "Pai", se o pequeno Antoine perdeu o dele aos quatro anos?
ResponderExcluirEu penso que em toda a obra de Saint-Exupery vislumbramos uma mesma paisagem mental e emocional e moral, as mesmas cadência filosofal e impaciência com quaisquer limites, idêntica antipatia para com os burocratas e hipócritas e covardes que encontrou pelos seus caminhos pouco ortodoxos, a terna poesia em prosa, não importa se nos asteróides, no deserto do Saara ou os Andes, se à beira dos vulcões da Patagônia, dos baobas africanos, do Central Park de Nova York ou do poço no castelo familiar.
Finalmente não sei se a "jardinagem" mencionada na derradeira carta dele era um hobby ou apenas uma metáfora. O garoto que cuida de uma planta frágil e isolada em um lugar inóspito, como um capitão do seu navio, talvez seja um lembrete do dever humano de cuidar e cultivar o planeta, um emblema de integridade em um mundo cada vez mais confuso. Mas, com certeza, o heroísmo, o humanismo e o estoicismo de Saint-Exupery não envelhecem e suas pretinhas continuam tocando a música inquietante da sanidade.
Um post que tem sabor de "quero muito mais" para todos aqueles que amam os grandes livros da humanidade.
Obrigado e um abraço
Moacir, você leu os que são, na minha ótica, os dois melhores livros dele, as "bíblias poéticas sobre a arte de viver".
ExcluirTerra dos Homens, que não é um romance mas um apanhado de experiências vividas e lúcidas reflexões sobre elas, e Cidadela, que é talvez o resumo da filosofia de vida do autor.
É claro que vale muito a pena ler os outros, mas muito do mais importante que ele escreveu está aí. E talvez o Pai da Cidadela seja ele mesmo falando para nós, como outro Pai em que ele acreditava nos falou através de parábolas.
Ele não tinha, que eu saiba, o hobby da jardinagem. O jardineiro em que ele pensava na última carta devia ser o velho jardineiro daquelas páginas tão comoventes da Cidadela, que depois de toda uma vida dedicada às rosas responde à carta do seu velho amigo que a vida levou para terras distantes.
Como Pierre Chevrier escreveu em seu livro "Saint Exupéry", na minha edição da Gallimard: "Le jardinier s'échange contre la civilization des jardins, le pilote tombe en flammes pour sauver la primauté de l'esprit (...) et chacun, grâce a la communion en une valeur plus haute, trouve sa raison d'exister".
(O jardineiro troca sua vida pela civilização dos jardins, o piloto tomba em chamas para salvar a primazia do espírito (...) e cada um, graças à comunhão num valor mais alto, encontra sua razão de existir).
Ele, o piloto que tombou em chamas, lutava para salvar ainda a civilização dos jardins...
Ainda vamos conversar mais sobre isso :)
Um abraço do
Mano
Grande artigo! Obrigado, Mano, feliz Natal para todos, que o blog continue nos acompanhando em 2018.
ResponderExcluirAndré, fico muito contente por você ter gostado. E, se Deus quiser, o blog ainda nos acompanhará por muitos anos ainda, a nós que escrevemos e a vocês que nos leem. Um Natal muito feliz para você e os seus, e um a raço do Mano.
ExcluirCaro Mano,
ResponderExcluirEscrevo do trem Praga-Viena, nada mais coincidente, não? Estou aqui vivendo minha pequena aventura. Nada comparável à exuberância aventureira de Saint-Exupéry, até porque ele desbravou o mundo e eu apenas usufruo dos confortos de um mundo desbravado.
Sem contar o fato de eu ter crescido ouvindo a história de uma suposta passagem dele por Natal, hoje acomodada no formato de lenda - uns garantem ser verdade, outros garantem o contrário.
Obrigado por destrinchar de forma tão prazerosa tantas informações a respeito de um personagem que aprendemos a admirar. Abraço.
Caro Heraldo,
ExcluirBoa sorte na sua pequena aventura, se é que alguma aventura nas nossas vidas possa ser chamada de pequena.
A passagem de Saint-Exupéry por Natal é muito provavelmente verdadeira, foi ele quem a Aéropostale mandou à América do Sul para dirigir a abertura das linhas que ligaram nosso continente à Europa.
Ainda falaremos mais por aqui sobre os escritos dele.
Um abraço.
Caro Wilson, encontrei um artigo na Revista Isto É sobre a passagem de Saint-Exupéry ou "Zé Perri" por Natal...
Excluir"François está ansioso para conhecer Natal – especialmente um centenário baobá, situado na rua São José. “Comenta- se que essa árvore teria inspirado o autor a incluir a espécie em O pequeno príncipe, diz Sheila. O sobrinho ilustre esteve pela primeira vez no Brasil no ano passado. Visitou São Paulo, Rio e Florianópolis e conheceu os parentes de alguns pescadores da praia do Campeche. “Meu tio os ajudava a tirar as redes da água”, conta. Na região, Exupéry era conhecido como Zé Perri, por causa da dificuldade dos nativos de falar outra língua."
https://istoe.com.br/11491_NA+TRILHA+DE+SAINT+EXUPERY/
Cara Andréa, muito obrigado pelo link do artigo da Isto É, que não tinha lido e li agora. Sem dúvida já percebeu pelos posts que sou um grande admirador do piloto e escritor, e cada informação nova sobre ele é muito bem vinda. Espero que venha a ler os posts seguintes do blog sobre ele, e que lhe despertem a vontade de ler os outros livros dele. Um abraço do Mano
ExcluirObrigado por compartilhar esses fatos da vida dessa sensacional personagem desse mundo de vento, areia e estrelas, um grande escritor e uma personalidade única. Vida longa e próspera!
ResponderExcluirPrezado Wilson,
ResponderExcluirpesquisando sobre o Capitão Bonaffous /Saint Exupèry, cai
no seu blog. Continuarei a acompanhar as suas postagens.
Na quarentena comecei a ler "Terra dos Homens", traduzido
por Rubem Braga e estou ainda encantada com poesia que se
revela em cada frase.
Quando há o relato do Capitão Bonaffous, da Coluna de Atar,
fiquei intrigada, nunca antes ouvi ou li sobre esse que parece
ter uma trajetória tão bela quanto a de Lawrence D'Arábia.
Todas as pesquisas que fiz de Bonaffous foram infrutíferas.
Você conhece a biografia de Bonaffous?
Prezada Andréa, que bom ver um post de tês anos atrás ainda ser lido!
ExcluirSeu comentário me fez pesquisar a respeito do capitão; a única referência aparentemente fidedigna que consegui encontrar foi uma pesquisa biográfica que o apresenta como um doublé de guerreiro e intelectual, soldado e antropólogo - e que seu verdadeiro nome era BONAFOS, e não Bonnafous, que é o nome de uma família francesa que teve muitos integrantes militares ao longo dos tempos, e talvez por isso tenha nosso amigo SaintEx confundido a grafia.
https://bibnum.ucad.sn/viewer.php?c=articles&d=notice%5fbiographique
Espero que sirva de ponto de partida para uma pesquisa mai aprofundada que você queira fazer.
Obrigado e um abraço do Mano
Prezado Wilson, agradeço muito pelo artigo que encontrou e disponibilizou. Já chequei a bibliografia pesquisada pelo autor (Francis Gandon) e o artigo traz também indicações valiosas de publicações de Banafos na Revista Militar da África Ocidental Francesa .
ExcluirEste trecho sintetiza o que sinto, quando conheço biografias de homens como Francis Richard Burton, T. E. Lawrence, Bonafos: “ O coronel Banafos representa quase tudo o que a nossa era abomina: uma combinação de conhecimento positivo à imaginação, uma concepção orgulhosa da força, articulada a uma espécie de amor ao adversário, uma aptidão intelectual enciclopédica, um desprezo absoluto pela carreira e por conveniências”.
Agradeço mais uma vez e deixo um forte abraço. Andréa.
Cara Andréa, fico feliz que o artigo tenha sido útil. Seu comentário seguinte saiu publicado mais acima, abaixo do do Heraldo, então minha resposta a ele está lá também. Realmente os aventureiros da estirpe desses aí nos inspiram e nos dão saudades de um tempo em que havia mais deles. Um grande abraço do Mano
Excluir