Serra do Gandarela - Vista do mirante das nascentes do Córrego Maquiné (fotografia WBJ) |
Paulo André Barros Mendes
com introdução de Wilson Baptista
Júnior
Em junho de 1915 reproduzimos aqui no
Conversas do Mano um artigo (A Nossa Cantareira) do Paulo André Barros Mendes,
geógrafo e jornalista, publicado no Jornal Belvedere, sobre a Serra do
Gandarela.
De lá para cá a situação descrita no
artigo veio à atenção do Brasil e do mundo com o desastre de Mariana, onde a
ruptura de uma represa de contenção de rejeitos da Vale provocou a destruição
da cidade de Bento Rodrigues e acabou definitivamente com o ecossistema da
bacia e das margens do Rio Doce, poluindo severamente o rio em toda a sua
extensão de mais de oitocentos quilômetros e a região marinha em volta de sua
foz. E agora vemos nos jornais as notícias de que a represa, muito maior, da
mina de Casa de Pedra, a montante da cidade de Congonhas, está ameaçada de se romper,
bem como duas outras represas, uma em Itabirito e outra em Rio Acima, o que se
acontecer poluirá a principal fonte de suprimento de água de Belo Horizonte, o
Rio das Velhas.
A Serra do Gandarela tem algumas das
mais importantes áreas de cangas e mata atlântica que ainda subsistem no
Quadrilátero Aquífero/Ferrífero, e a Vale luta contra a população de Belo
Horizonte, Raposos, Rio Acima e cidades vizinhas para obter licença para
implantar mais um gigantesco projeto de mineração em Minas Gerais, que
degradará a Serra e comprometerá todo esse ecossistema. Então, pela atualidade do assunto, peço licença
para reproduzir aqui novamente o excelente artigo do Paulo André.
Na época da primeira publicação eu estive lá no alto da serra, levado por meu irmão Paulo Baptista, e
assino embaixo de tudo o que o Paulo André escreveu e que vocês vão ler a
seguir:
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Era mais um sábado quente de janeiro, e
ainda pela manhã eu fugia para os quase 1.700 metros de altitude da Serra da
Gandarela. Já completara um mês sem que uma mísera gota de chuva caísse do céu
– simplesmente o verão mais seco registrado em Belo Horizonte.
Saímos da capital, eu e meu amigo
Leandro Novais, cruzando a bacia do rio das Velhas em direção a Rio Acima. Na
altura de Bela Fama paramos para observar como andava o rio. Logo desanimamos:
havia pouca água. Pelas medições passavam por ali apenas 8.000 litros por
segundo. Muito menos do que o normal. Pouco mais do que os 6.000 litros por
segundo que a Copasa precisa retirar para o nosso abastecimento. Seguimos
viagem e ganhamos o alto da Gandarela. Então, parado em um dos mirantes, eu
apreciei lá embaixo a bacia do rio das Velhas, as serras que a rodeiam e as
matas que ainda recobrem o seu fundo. É embaixo disso tudo que estão os
aquíferos do alto Velhas: a nossa caixa d’água natural, a nossa represa da
Cantareira.
A represa da Cantareira, em São Paulo, virou
estrela de televisão. Porém a Cantareira de Belo Horizonte é invisível,
subterrânea. Não é simples medir o seu nível, mas ela também está secando aos
poucos – é o que mostra a pequena vazão das suas nascentes.
Então, para nossa surpresa, rapidamente
o tempo mudou. Uma massa de nuvens carregadas trouxe um cenário familiar, mas
que agora é também incomum.
Na mesma hora me lembrei: “Cheguei a Belo Horizonte com as grandes
águas de 1921. Ia começar a chover de janeiro a março, só de raro o céu de
chumbo se fendendo e o sol fazendo uma visita de horas, dias, no máximo semana,
para, depois, o mundo soverter-se nos ciclones. (...) Chove, chove sem passar.”
[Pedro Nava, Chão de Ferro, Ed. Companhia das Letras, 2012]
Então, privilegiados, observamos a
maravilha das chuvas: a recarga dos aquíferos do Velhas, com a absorção da água
pelos afloramentos de canga da Gandarela. A canga é como uma esponja, ela suga
cada gota, e dali elas seguem para o aquífero.
É esse mecanismo que precisamos
preservar a todo custo. É ele que enche a nossa Cantareira. Eu via as águas se
infiltrando e pensava se elas chegariam ao Velhas, lá embaixo, agora mais um
filete do que um rio. Que um dia foi navegável.
É claro que em 1921 elas chegavam. É
quando se ouviam os gemidos dos caudais descendo os declives procurando o
Arrudas, enchendo o rio das Velhas, o São Francisco. Abri alguns jornais que
trazia comigo. Encontrei falas de muitas pessoas, todas preocupadas com essa
situação.
Prefeitos? Pregam o uso racional.
Deputados? Se mostram indignados.
Executivos de mineradoras? Distribuem
elegantes relatórios de sustentabilidade.
Técnicos? Afirmam que suas gigantes
barragens de rejeitos, feitas de terra, são seguras.
Órgãos ambientais? Se dizem vigilantes
e eficientes.
Empresários? Alegam seguir padrões
internacionais.
Lia essas coisas imerso na névoa, me
sentindo em um mundo da fantasia. Então, quando as nuvens subiram um pouco, eu
pude observar de novo todo o alto Velhas. O mundo real.
O que eu via lá embaixo eram projetos
de mineração que gastam mais água do que cidades inteiras, e ainda impedem a
absorção das chuvas pelos aquíferos. Tudo aprovado com aplausos pelos governos,
prefeitos inclusive. Em cenas irreais, eles desviam rios inteiros 24 horas por
dia.
Olhei para a região das nascentes do
Velhas: Mariana e Ouro Preto. Ali, a maior parte da água disponível já é usada
para operações de extração e transporte de minério de ferro. Agora fizeram um
aqueduto particular, que busca água em Santa Bárbara, a 50 km de distância.
Me voltei para Itabirito, observando a
Estação Ecológica de Arêdes. Uma área de recarga de aquíferos, reduzida há
poucos dias por uma decisão dos deputados estaduais.
Ainda em Itabirito: suas lideranças
entregaram um volume de água equivalente ao consumo atual da cidade para uma
fábrica de bebidas. Em um futuro próximo, quando a água faltar, a população
lavará louças e roupas com refrigerantes?
Na mesma região, o relatório oficial
sobre a ampliação de um condomínio declarou que não haverá interferência nas
águas, “uma vez que o abastecimento será realizado por meio da concessionária
local”. A concessionária trará água de avião, penso.
Ali perto planejam uma cidade inteira,
mas dizem que não faltará água. E asseguram que a lagoa dos Ingleses –
recentemente promovida a manancial de emergência de Belo Horizonte – não será
prejudicada. Me recordei da Pampulha, e me senti enganado.
Buscando algum alívio me virei, olhando
para o norte. Avistei a Serra do Curral. Então me lembrei dos planos, em
andamento, para mais uma grande mina de ferro a céu aberto, desta vez na região
do Taquaril. O problema é que eles estão pregando uma coisa e fazendo o seu
oposto. Sempre, agora, todos os dias.
Pensei: as áreas de recarga dos
aquíferos do Velhas não poderiam mais ser destruídas. E a água já armazenada
não deveria ser bombeada de forma tão irresponsável. É o futuro nosso e o dos
nossos filhos que está em jogo. Mexo de novo nos jornais, me distraio com as
formações de canga, olho de novo a paisagem.
O que mais pensar? Nada. São todos uns
farsantes.
O nosso Editor-Moderador Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR e o Geógrafo e Jornalista Sr. PAULO ANDRÉ BARROS MENDES, neste oportuno Artigo, nos alertam para o uso ineficiente da Água, na "Caixa de Água do Brasil" que é o grande Estado de Minas Gerais, aliás sua Terra Natal.
ResponderExcluirA Região da Serra da Gandarela especialmente, " a nossa Cantareira Paulista", é analisada, especialmente próximo as nascentes do Rio das Velhas, tributário do grande e importante Rio São Francisco.
A Região tem grandes Minas de Ferro e outros Minerais, com outras mais Projetadas, e os Autores chamam atenção para se usar a Água o mais eficiente possível, e verificar/reforçar todas as barragens de contenção de rejeitos Minerais, etc, reflorestar ao máximo a Região.
Sou adepto da Doutrina Judaica/Cristã que diz que: A Humanidade deve completar o Serviço do D´US Criador, aperfeiçoando a Natureza, da qual, depois de expulsos do Éden devemos tirar o nosso Sustento.
Mas em tirando nosso Sustento, devemos estragar o mínimo possível a Natureza aproveitando ao máximo os seus Recursos, e no resto ir transformando tudo num grande Jardim-Pomar.
Lembro com respeito dos grande Patriotas-Nacionalista Presids. ARTHUR BERNARDES e GETÚLIO VARGAS, que Politicamente inviabilizaram as grandes Mineradoras Americanas como a Hanna Mining Co, e Outras Estrangeiras, que tinham grandes Concessões no Brasil e que foram anuladas por esses dois Presidentes Estadistas, e assim surgiram a VALE DO RIO DOCE SA e Outras puramente Nacionais.
Estão certíssimos os dois Autores, O Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR e Sr. PAULO ANDRÈ BARROS MENDES, o Brasil deve aproveitar ao máximo todos os seus Recursos Naturais, mas tudo de forma Sustentada de verdade. Tudo com eficiência máxima.
Abração.
1) Dois artigos importantíssimos que nos levam a muitas reflexões. Considerei a apresentação do Mano um segundo artigo sobre o mesmo tema atual.
ResponderExcluir2) Infelizmente é o descaso das autoridades com a coisa pública.
3)De acordo com os textos Espiritualistas, vão pegar um carma negativo brabíssimo, não nesta vida, mas nas próximas.
4) Nisso eu creio.
Wilson,
ResponderExcluirO nome já diz tudo: minas gerais. Pois é. Quem defende o sistema capitalista - e, por favor, me inclua na turma - argumenta que as liberdades, o individualismo, a democracia , os livres mercado e iniciativa, a criatividade , a produtividade, o crescimento econômico e a riqueza podem ser mais facilmente alcançados através dele. Por outro lado , mesmo os seus mais ferrenhos defensores, não negam que num sistema voltado para a competição e o lucro, há SIM alguns problemas éticos, como a desigualdade entre ricos e pobres, os monopólios, a exploração desvairada etc. O problema é que mesmo com os mais suaves tons de cinza , no nosso mundinho preto e branco , qualquer questão que não ecoe os slogans dos pensamentos únicos dos dois lados do faroeste - como seria o caso de uma discussão sobre um capitalismo mais ético ! - em vez de morrer no tiroteio , nasce morta. E é aí que mora o perigo.
Pois se não formos capazes dessa conversa vamos continuar extraindo valor de nossas terras sem agregar mais nada, em vez de construir uma economia sustentável na qual as pessoas e a natureza sejam prioridades. Se o melhor sistema econômico da história deste mundo , construído sobre o lucro e a concorrência, não puder ser melhor utilizado para o bem das pessoas, se continuarmos consumindo cada vez mais produtos do que a nossa consciência moral deveria permitir, a consequência de nossas transações , em um processo de produção interminável que sempre termina em excesso, será , é claro, o esgotamento de recursos. Pegando uma carona no comentário do Flávio, os princípios éticos que enfatizam os nossos direitos e responsabilidades recíprocas há muito tempo caracterizam as sociedades humanas: não deveríamos roubar o futuro, matar o futuro nem fazer às futuras gerações o que não gostaríamos que fizessem conosco.
Continuo...
Então, focando no excelente post em pauta - so sorry pelo off-topic -tem razão o Paulo: "São todos uns farsantes". Eu tinha um amigo, mineiro por opção, que há décadas atrás já falava de uma campanha aí nas Gerais de nome “Olhe bem as montanhas!” porque elas estavam desaparecendo. Ele dizia que mesmo a Serra do Curral – a moldura de Belo Horizonte – que parecia inteira quando vista da cidade, do outro lado, na face invisível das montanhas, tinha seus vales e campos tragados por imensas crateras. Ele era jeepeiro, trilheiro, praticava enduro, ‘sestrem', conhecia Bento e dividia o medo com a gente do vilarejo. Quando da tragédia ele esteve lá e desesperou-se porque aquilo não foi fatalidade mas crime: vidas, histórias, lembranças, vivências, tudo ainda jaz sob um mar de lama. Nem o sino da igrejinha dobrou por eles. Ler que o que aconteceu com o Rio Doce pode se repetir com o Rio das Velhas me dá uma imensa tristeza e a certeza de que estamos paralisados e tramados e de que os nossos netos jamais vivenciarão a paz dos povoados onde se planta pimenta cabinho para fazer geleia e onde se come carne assada nas calçadas.
ResponderExcluirAbraço