Pablo Picasso - Auto retrato com paleta (1906) - imagem www.pablopicasso.org |
Moacir Pimentel
Para quem
não teve ainda o prazer de conhecer, apresento Pablo Diego José Francisco de
Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad
Ruiz y Picasso, ou simplesmente Pablo Picasso, o pintor, escultor e desenhista
espanhol que foi reconhecidamente um dos mestres da arte do século XX, um dos
artistas mais famosos e versáteis de todo o mundo, tendo criado mais de
cinquenta mil trabalhos, não somente pinturas, mas também colagens, esculturas,
cerâmicas, gravuras, desenhos, cenários de teatro, usando todos os tipos de
materiais.
A pintura
que cumprimentou você à porta do post é o famoso Auto Retrato de Picasso com a
Paleta pintado em 1906. É uma obra posterior à fase azul do artista mas ainda
pré-cubista, de modo que seu cabelo não é azul marinho mas de um negro ibérico
apropriado e os olhos, as orelhas e o nariz do jovem Picasso ainda estão
virados para uma única direção (rsrs) Embora nesse rosto já haja uma qualidade
de “paisagem”, um quê de máscara, Picasso é instantaneamente reconhecido.
Ao misturar
as tintas nesse retrato o pintor fez uma clara homenagem a uma outra tela
anterior, de tema e título idênticos, só que pintada pelo grande Cézanne. Ambas
as obras comunicam uma mesma austeridade, as idênticas concentração e paixão que
ambos os pintores, auto retratados, experimentavam por seus ofícios.
Paul Cézanne - Auto retrato com paleta - 1890 (imagem wikiart-org) |
Além disso,
ao posar com as suas ferramentas de trabalho, Picasso se colocou ombro a ombro
não apenas com Cézanne mas com Goya e Velázquez, os seus mestres espanhóis
idolatrados, dentro de em uma tradição de retrato clássico de muitos séculos.
Esse auto
retrato do toureiro é o trabalho ideal para ilustrar um post que conversa sobre o
retrato, sobre o pintor e sobre alguns retratos de Picasso. Mas o que mais me
intriga nele é o fato de ter um parentesco qualquer com o retrato triunfante
que o artista fez da escritora Gertrude Stein, no mesmo ano.
Ele pintou o retrato de Gertrude quando a era vitoriana mal acabara e sabedor de que, desde o Renascimento, o retrato feminino fora regulado por ideais de beleza e papéis sociais restritos. Ainda assim, ele virou todas as regras do jogo de cabeça para baixo e de pernas para o ar e reinventou o retrato quando, para expressar sua extrema força de caráter, deu a Gertrude não as feições que ela tinha na real, mas a cara de uma deidade ancestral, transformando o rosto da amiga em uma máscara de pedra.
Essa obra
prima, revolucionária e desconfortável, desafiou os moldes do retrato ocidental
e da representação das mulheres na arte e foi o primeiro passo de um
desmantelamento abrangente de tudo que de arte até então se sabia.
A Gertrude
eternizada nessa tela não é nem velha nem jovem, sexual ou submissa. Ela
simplesmente está no comando de sua identidade, desse rosto de pedra que faz
dela algo novo sobre a Terra. Ela é moderna e poderosa como um daqueles ídolos
da Ilha de Páscoa de autoridade enigmática.
Pintado em
cores apagadas e silenciadas, o corpo largo dessa senhora enche a tela de
Picasso. Sua forma volumosa se impõe, mesmo sentada em um sofá desbotado, pelo jeito como ela apoia os braços e as grandes mãos nas dobras da saia, ao se
inclinar rigidamente para frente. Em contraste com a massa arredondada da
figura, o rosto tem uma qualidade plana, um efeito aumentado pelo tratamento
geométrico dos olhos, nariz e boca e pela modelagem escura que distingue seus
contornos angulares do resto da cabeça e do corpo.
A estranha
interpretação do pintor da fisionomia de Gertrude Stein reflete, sim, a influência
da arte africana e ibérica na cabeça dele mas também faz menção à incapacidade
da arte de revelar a verdade sobre um indivíduo. Como muitos artistas europeus
à época, Picasso olhava atentamente para a antiga arte primitiva não ocidental
como fonte de inspiração, devido à noção colonialista de plantão que
considerava as culturas “incivilizadas” mais espiritualmente autênticas do que
as europeias.
O artista
não somente admirava as qualidades formais dessas influências escultóricas
antigas e estrangeiras, como também acreditava que eram mais capazes de
comunicar significados e pensamentos mais profundos do que aqueles transmitidos
através das tradições estabelecidas pela arte ocidental. Ao trabalhar o retrato
de Gertrude Stein nesse estilo primitivo, Picasso reivindicou o direito de
representar a mulher como ela realmente era e não apenas graças à semelhança
das suas tintas com a mera aparência física dela, que ele rejeitou.
Em 1904,
quando Picasso alugou em Montmartre um estúdio em um prédio antigo e em ruínas
no número 13 da Rue Ravignan, entrou em contato com o pintor francês Henri
Matisse, o preferido do bairro, bem como com a expatriada americana Gertrude
Stein, cujo irmão Leo acabara de comprar do seu colega e concorrente fauvista o
famoso quadro a Alegria de Viver, fato que deixara o competitivo espanhol roxo
de inveja.
Como a
sólida criatura da pintura sugere, Gertrude Stein era uma formidável presença
na Paris do início do século XX. Além de uma escritora influente, ela era
também uma importante colecionadora de arte e famosa pelos saraus que promovia,
reunindo em seus salões alguns dos mais brilhantes artistas, escritores e
intelectuais de Paris.
Ela tinha
trinta e um anos e Picasso vinte e quatro quando se encontraram e as
personalidade e a aparência da moça tanto fascinaram o pintor que pouco depois
de conhecê-la, no outono de 1905, ele pediu para retratá-la.
Tudo bem que
o toureiro esperava cultivar uma amizade com a rica americana cujo gosto pelo
estilo inovador e colorido de Matisse o incomodava. Mas acima de tudo e em
contraste com as cores brilhantes e os tons sensuais das telas do outro pintor,
Picasso queria criar um retrato de e para alguém inteligente no qual lhe fosse
possível demonstrar os primórdios das distorções angulares e da experimentação
com as formas que caracterizariam sua obra através da invenção do cubismo.
Diz Dona
História que, durante o resto daquele inverno, todas as tardes Gertrude subia a
colina até o Bateau Lavoir, onde modelava pacientemente, ao lado da fornalha
enferrujada do estúdio do pintor, sentada em um grande sofá quebrado, no qual
essa mulher monolítica sem quaisquer acessórios femininos “baixava” e assumia a
mesma postura autoritária.
O certo é
que durante esses meses de exposição diária da modelo ao pintor e vice versa
nasceu um poderoso elo entre os dois: um respeito mútuo implacável, um profundo
sentimento psíquico que nada tinha de amoroso e que muitas vezes nem mesmo era
amigável, mas que foi muito além da amizade. Um sentimento que floresceu,
apesar de todo tipo de intrigas e brigas até meados da década de 1930. O certo
é que Gertrude Stein foi, inquestionavelmente, uma das mulheres mais
importantes na vida de Picasso.
E assim, sob
o olhar implacável da modelo, o artista lutou com a tela como se Gertrude fosse
uma esfinge – “Decifra-me, ou te devoro!”
- cuja imagem possuía a chave do futuro de sua arte. Convenhamos que Gertrude
não era fácil! Era a antítese das belezas elegantes da Belle Époque com seus
pescoços de cisne envoltos por gargantilhas de pérolas e suas cinturinhas
finas. Ela vivia rodeada de belas amigas, dizia que as masculinidades de
Picasso e Matisse eram daquela dos gênios (?) e projetava uma nova e
controversa imagem feminina.
Se o
conceito de uma “nova mulher” intrigava Picasso, não era porque esse misógino
de carteirinha – um namorado amoroso, um amante infiel e um marido cruel! -
tivesse muita simpatia pela causa da emancipação das mulheres, mas devido à
compulsão que ele tinha de criar novas imagens para tudo. Ele perseguia uma visão
que nas tintas sintetizasse os sexos na mesma linha da sua insistência de
misturar a frente e o verso de uma mulher e o rosto e os órgãos genitais (rsrs)
Nos desenhos que ele cometeu de 1907 a 1908 moram idéias para algo que só posso
descrever como uma mulher fálica.
O certo é
que quanto mais Picasso era ofuscado pelo ego de Gertrude mais dificuldade
tinha para administrar o seu retrato. Ele se colocara não só diante da tarefa
hercúlea de pintar uma criatura muito peculiar mas de um desafio quase insuperável:
além de aceitar a personalidade assustadora da modelo, ainda teria que
conciliar Ingres e Cézanne e derrotar Matisse (rsrs)
Complicado!
Depois de
mais de três meses de luta incessante à medida que a primavera avançava,
incapaz de pintá-la como desejava, Picasso declarou que já não conseguia nem
mais olhar para a amiga e/ou para a tela:
“Eu não consigo ver você!”
Obrigado que
fora a admitir a derrota, apagou o rosto da moça na tela, jogou a toalha e
escafedeu-se para curtir o verão na Espanha.
E lá, longe
da presença opressiva de Gertrude, ele conseguiu vê-la claramente: encontrou a
chave do enigma e finalmente vislumbrou a fisionomia perfeita para a sua criatura,
nas características faciais bem afiadas de um antigo contrabandista que morava
em uma remota montanha dos Pireneus e que ele repetidamente desenhou naquele
verão, para poder pintá-las de memória quando voltasse a Paris, no retrato de Gertrude.
Disse
Gertrude nos seus escritos que, assim que retornou da terra natal, Picasso
sentou-se defronte a tela e, em um passe de mágica e em um instante de total
inspiração - @#$%&@!!- pintou seu
rosto sem nem mesmo tê-la visto de novo.
Não foi bem assim.
Relatos sugerem que o artista ainda labutou com as tintas algumas semanas. Mas
é provável que a fonte da inverdade da autora tenha sido o próprio pintor para
encobrir algo que a modelo nunca deveria suspeitar: o fato de Picasso ter
resolvido de forma angulosa a fisionomia da amiga e colecionadora de suas telas
e concluído o retrato que hoje é visto como um dos marcos do início do cubismo,
simplesmente porque visualizara o real semblante da poderosa e temida Gertrude
Stein, na castigada cara de um camponês espanhol de noventa anos (rsrs)
O certo é
que sobre o seu retrato ela escreveu:
“Para mim, sou eu. E é a única reprodução de mim, que é sempre
eu”.
A arte de
Picasso é criticada porque esperamos que ela seja muito mais fácil e rasa do
que ele foi. O maior artista do século XX foi, na realidade, um pintor dos
mistérios da percepção e do ser. Sua visão, bem compreendida, é a mais
libertadora já criada na arte. Um opressor das mulheres? Será? Olhe novamente,
por favor, e de novo até a próxima conversa sobre mais retratos do toreador.
Ninguém duvida que o retrato de Gertrude é muito bom, que Picasso era o tal e tal. Mas às vezes ele me cansa. Tirando Guernica, cada trabalho dele é mais um capítulo da própria trajetória, outra foto de um momento particular de sua história, tipo Minha Tela, Minha Vida, rs. Acho que ele tinha uma tendência para o drama em overdoses, mas se contentava em brincar na superfície dos estilos antes de pular pra outro. Se fosse mais aplicado teria abstraído.
ResponderExcluirGosto do jeito espirituoso que você escreve, Moacir.Vou lendo a explicação dos retratos e me divertindo. Quero só ver quando os olhos, as orelhas e o nariz não estiverem mais ‘virados para uma única direção’ e Picasso tiver misturado a frente, o verso e o resto kkk Não gosto quando não gosto dos quadros que você gosta porque fico me achando meio ‘loura burra’. Mas não gostei do de Gertrude até ler sobre o rosto do contrabandista de 90 anos. Aí virou coisa de gênio kkk Aposto que o pintor tratava esta mulher de pedra bem melhor do que as dele. Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirQue bom que você apreciou o tom do post e terminou curtindo a tela. Picasso dizia que quando Gertrude “crescesse” ia ficar parecida com o retrato (rsrs) Realmente essa senhora “não dava mole para Kojak”, como se dizia no Posto 4, antes de você nascer louríssima (rsrs)
Sempre achei intrigante que essa mulher monolítica e libertária e esse Barba Azul que pegava as senhoras do seu harém para fazer mingau fossem tão próximos. Se bem que, convenhamos, é difícil de acreditar que o bandido tenha conseguido se casar "em seguidinho" com sete mocinhas (rsrs)
O fato é que a intelectual feminista narrou sua amizade com o toureiro machista no livro de memórias dos seus dias em Paris, de nome A Autobiografia de Alice B Toklas, que ela escreveu na primeira pessoa do singular, mas tomando emprestada a voz da sua companheira de vida : a Alice do título. Nessa leitura ficamos sabendo que, contra todos os conselhos e protestos, inclusive os de Picasso, durante a Primeira Guerra Mundial Gertrude trabalhou voluntariamente como motorista para as tropas francesas, entregando suprimentos nos hospitais do front. Note que ela era judia, americana, homossexual e uma artista radicalmente moderna: o alvo perfeito para a perseguição alemã. Era por essa e outras que Picasso realmente a respeitava embora não a levasse muito a sério quando dizia, por exemplo, que a melhor amiga “não era homem, nem mulher, era americana” (rsrs)
“Obrigado!” e abração
ResponderExcluirMoacir,
Amei o artigo! O retrato contido de Gertrude diz muito. Sou apaixonada pela figura humana e por retratos porque mostram a vida muito melhor do que paisagens e naturezas mortas. Eu tive o prazer de ver em Barcelona alguns autoretratos de quando Picasso era um rapazinho até quando já era idoso além de retratos maravilhosos de todos os tipos de pessoas pintadas de formas diferentes mas sempre com respeito e compaixão. Gostei de saber que vamos continuar lendo sobre o pintor. Não economize nas fotos nem nas descrições.
Um abraço para você
Até pouco tempo atrás, sem eu ter lido qualquer texto que chegasse aos pés dos publicados por Pimentel nesse blog extraordinário, a pintura para mim passava ao largo.
ResponderExcluirA partir do momento que me interessei pelos artigos postados sobre os grandes mestres, os quadros que antes eu os considerava feios ou bonitos simplesmente, também tiveram de mim uma análise - mesmo que superficial - a respeito de seus estilos, das escolas que inauguravam.
Os quadros de Picasso, por exemplo, tema desse artigo, jamais eu os teria na minha casa porque distorcidos, fora de esquadro, pavorosos, mesmo.
No entanto, o espanhol foi um dos fundadores do Cubismo, em dar formas geométricas às suas obras, obrigando-me a levar em conta que se tratava de um dos artistas de exceção, pois, além da pintura, Picasso foi poeta, dramaturgo, cenógrafo ...
O mestre Picasso era um homem voltado plenamente às artes, a ponto que uma de suas frases resume exatamente quem ele foi neste particular, um artista de exceção:
“Em arte, procurar não significa nada. O que importa é encontrar.”
Pois Picasso encontrou o que procurava, ao se salientar sobre outros mestres reconhecidos, ao se notabilizar pela sua arte, que nos é dado a conhecer de maneira mais íntima por mais um trabalho magistral de Pimentel, que tem o poder de seduzir aqueles que eram resistentes em apreciar os pintores e escultores, e transformá-los em admiradores desses célebres mestres tão bem apresentados a nós pelos brilhantes textos e preciosas informações advindas do nosso crítico por excelência, que engrandece este oásis cultural, indiscutivelmente.
Um forte abraço, Pimentel.
Saúde e paz.
Chicão:
ExcluirShakespeare deu início à sua peça Macbeth com três bruxas cantarolando um refrão: "O belo é feio e o feio é o belo". Tais palavras apontam para a inconsistência entre a aparência e a realidade e significam que, embora fatos, coisas e pessoas possam parecer belos ou feios, bons ou maus, justos ou injustos depois de um exame cuidadoso, podem acabar sendo exatamente o oposto. Traduzindo: veja o desenho a carvão da senhora mãe de Dürer: como essa senhora é feia mas como o trabalho é bonito!
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5d/Albrecht_D%C3%BCrer_-_Portrait_of_the_Artist%27s_Mother_-_WGA07073.jpg
Talvez ao colocar essas estranhezas - aquelas mulheres mutantes de bocas deslocadas e olhos ou bundas demais morando onde seus narizes deveriam estar (rsrs) – ao mostrar ao mundo ISSO que chamamos de “feiúra” rotineiramente na sua pintura, tenha sido um dos maiores feitos de Picasso. Agora beleza, mesmo, para valer, é entender os porquês dele ter cometido tanta "feiura" já que esse cara sabia e podia desenhar e pintar maravilhosamente qualquer coisa, mesmo bêbado e de olhos vendados. Então, por favor, continue lendo.
Por fim com Picasso, nas telas e nas conversas, nunca era uma coisa ou outra coisa: ele geralmente se encontrava pelas beiradas e fazendo travessuras. Creio que para esse pintor genial “encontrar” era só meio caminho andado: o truque era saber somar ao que encontrava. Como seus amigos e rivais sabiam muito bem, Picasso era um gênio "encontrador" de imagens e palavras e um mágico nas adições: misturava e picassificava tudo (rsrs)
Saúde e paz, obrigado pelo simpático comentário e outro abraço.
1) Mais uma aula magistral no campo das artes plásticas com um dos gênios mundiais.
ResponderExcluir2)Informação e bom gosto.
3)Obrigado Pimentel, tudo de bom !
Antonioji,
ExcluirPicasso raramente explicitava suas convicções que frequentemente eram obscuras (rsrs) Mas para ele a pintura não era apenas uma questão de beleza ou algo feito para decorar apartamentos. Dizia ao denunciar as guerras , os holocaustos, os ditadores e as misérias humanas com as suas tintas que a arte era “uma arma ofensiva e defensiva contra o inimigo.”
Obrigado lhe digo eu além de...
Namastê!
Olá Moacir,
ResponderExcluirPor esses lados andamos sentindo sua falta.
Mas hoje você caprichou. E fez de novo! Um texto tão bom que eu não estava pronta para acabar de ler quando ele acabou. Ou seja, acabou antes de mim.
Adorei a construção do retrato da Gertrude Stein. Até os grandes mestres têm seus bloqueios! Eu cá tenho os meus mas nunca dá para jogar a toalha e ir para a Espanha... Pena mesmo!
Amo Picasso, ousado, abusado, feroz como seus touros na sua criação, nos feitos e nos fatos. Um cruel nos amores.
Também amo seus escritos. Portanto fico nos aguardos.
Até muito mais.
Caríssima Donana,
ExcluirNão "existe" como lhe agradecer pelas suas generosas e gentis palavras de incentivo. Com relação a Picasso o problema é que sempre coloco o ponto final antes que ELE acabe: daí a verborragia na caixa de comentários (rsrs) Desculpe!
É que é sempre difícil tentar explicar como um artista trabalha e impossível descrever a angústia do seu processo criativo. Agora a senhora imagine falar da produção quase industrial e da disciplina espartana dessa usina de imagens, cujos significados e motivações eram plurais e instáveis, cuja visão doida de pedra fazia de uma palmeira um cavalo e metia um Dom Quixote no meio das "Meninas" alheias e transformava um simples "Almoço na Relva" em cenas pastorais em cinquenta tons de verde e aqueles fuzilamentos do Goya e do Manet em um massacre que parece um combo de figuras fugidas de Hiroshima , das telas de Portinari e dos quadrinhos? Complicado!
Mas não é que o cineasta Henri-Georges Clouzot , em 1955, encontrou uma maneira de nos mostrar como essa gestação ocorria, como Picasso brincava de deus inventando universos e moldando estranhezas, criando florestas e cidades e povoando-as com criaturas híbridas a partir de um único “arranhão” do pincel ? No filme de nome "Le mystère Picasso" vemos o pintor - ou melhor, o seu pincel ! - desenhando em uma tela linhas que parecem crescer por vontade própria, como organismos desenfreados, na direção para a qual a mão as leva.
O mistério é o gênio e o gênio é um poder generativo inexplicável, orgulhosamente autogerido. Mas, pelo menos, assistindo o filminho a gente entende porque Picasso dizia que os pintores eram deuses e que esse status divino lhe exigia uma experiência sem fim: ele trabalhava através de todas as permutações possíveis (rsrs) Ao brincar de deus o touro/toureiro nos soletra ainda porque “todas as crianças são artistas” e mais: são artes.
https://www.youtube.com/watch?v=FSoJUMnLc1o
"Até sempre mais"
Pimentel,
ResponderExcluirEmbora não entenda muito de arte eu gosto do trabalho do toureiro. Sei que vivemos numa era em que o estrelato depende de escândalos. As celebridades se comportam muito mal porque todos se preocupam mais com as loucuras delas do que com a arte que fazem. Talvez Picasso tenha sido o pioneiro desta “cultura”. Mas é preciso muito fôlego e imaginação para produzir 50 mil obras de arte. Por isso tudo ao ler o seu excelente artigo fico pensando se não teriam alguma razão os críticos que afirmam que Picasso não fazia cerimônias em usar o estilo de outros colegas e que mudava de estilo toda vez que trocava de mulher só para aparecer.
Prezado Sampaio,
ExcluirCaramba! Esse seu comentário é um três-em-um. Vou tentar cruzar essa tríplice fronteira, por partes (rsrs)
Para começo de conversa é inegável o fato do carismático Picasso gostar dos holofotes e ter se tornado um perito marqueteiro e um favorito da “mídia”. Daí a se acreditar que a conquista de uma nova mulher ou de um estilo inédito ou de uma nova ideia fossem coisas planejadas , auto invenções programadas com o único objetivo de turbinar-lhe o Ibope, vai uma loooonga distância. Picasso não era preto nem branco mas de todas as cores com todas as suas intermináveis nuances.
Em seguida quanto à vida amorosa do cara, ou melhor, da criatividade dele parecer indistinguível do seu priapismo (rsrs) Ele chegou a verbalizar que os temas exigiam diferentes métodos de pintura e que pintar era só uma questão de seguir a ideia que queria expressar até descobrir a melhor forma de inventá-la. Isso é especialmente evidente na coleção dos retratos das suas amantes, pintadas diferentemente, como se ele tivesse dado a cada uma delas a sua própria linguagem pictórica. Pudera! A moças eram diversas. Fernande era uma modelo boêmia , Olga era uma bailarina clássica russa, a fotógrafa Dora Maar era tão agudamente articulada quanto a mente que tinha entre as duas orelhinhas e a voluptuosa Marie-Thérèse era um poema continuado, suave e redondo, uma odalisca de curvas rimadas. Não é que Picasso inventasse um novo visual mas que a sua produção de imagens estava sintonizada e era influenciada pela personalidade mutável da mulher que estava ao seu lado. Eu não mudo de mulher vai fazer quarenta anos mas tenho um amigo perito nisso. A cada “nova administração” muda tudo: a decoração, o cardápio, a música ambiente, os amigos e até o vocabulário (rsrs)
E last but not least quanto à tese de Picasso ter sido um plagiador seja porque ora fazia cubices radicais, ora colava, ora dava uma de neo-clássico, ora simbolizava ou surrealizava ou porque revisitava os pintores do passado, é o seguinte: não tenho de Picasso a visão, compartilhada pelos devotos fanáticos, de um toreador confrontando os antigos mestres na arena, derrubando El Greco, Rembrandt e Velázquez pelo rabo, matando Delacroix, Ingres e Poussin à unha, espancando Manet, Gauguin, Toulouse-Lautrec e Cézanne até a morte. Olé! Mas qual é o problema com os colossos do presente que se erguem dos largos ombros dos gigantes do passado?
Creio que as fontes desse cara são insignificantes em comparação com a força das imagens que criou e tenho certeza que o seu link com a arte que o antecedeu não foi de forma alguma apropriação, vandalismo nem plágio mas análise e reverência e homenagem. Tudo bem que ele muitas vezes traduziu obras de outros pintores para sua própria língua mas eu jamais vi um único trabalho de Picasso – cubista ou domesticado ! - que copiasse qualquer outro pintor. Não rolou. Seus trabalhos apenas tomaram emprestados o humor de outros artistas, para tensionar, ajustar, expandir, evoluir - chamem como quiserem! - sempre a sua própria e inconfundível pintura. Em vez de plágios tais telas do toureiro são milagres: obras primas caricaturando obra-primas e talvez essa seja uma das definições do modernismo dele.
Valeu, obrigadíssimo e abração!