Veados em Nara (fotografia de Immanuel Giel - Wikimedia Commons) |
Antonio Rocha
No início dos anos 1980,
a Faculdade de Letras da UFRJ = Universidade Federal do
Rio de Janeiro, criou o curso “Português-Japonês”. Tempos depois, um grupo de
professores foi ao Japão através de um intercâmbio acadêmico-docente.
Certa amiga e professora do curso de Português-Literaturas conseguiu
uma vaga e foi. Não falava japonês, apenas inglês, não entendia nada dos
ideogramas, a escrita daquele povo amigo.
Passearam por várias cidades, mas em Nara ela resolveu ir sozinha em um
parque público. Notou que muitos ambulantes vendiam pacotes de biscoitos. Ela
comprou e guardou na bolsa. Ao final da tarde, já de volta no trem que a
levaria ao Hotel onde estava hospedado o grupo, ela sentiu fome. Naturalmente
abriu a bolsa, pegou o pacote, abriu-o e começou a saborear os referidos.
Nesse momento, os japoneses que estavam sentados à frente dela no
vagão, começaram a rir. Em inglês, ela perguntou:
- Vocês estão rindo de mim? Eu estou fazendo
alguma coisa errada?
Em inglês um passageiro explicou:
- É que esse biscoito, nós compramos para dar
aos veados. Eles adoram, e a senhora está comendo com tanto gosto!
- É que eu estou com fome...
Ela argumentou que o pacote não tinha nada em inglês, era tudo em
japonês. A brasileira parou de comer, guardou o pacote novamente na bolsa e
todos riram amigavelmente.
O fato acima me fez lembrar do médico brasileiro e escritor Cláudio de
Souza (1876-1954), membro da Academia Brasileira de Letras, quem em 1940
publicou o livro “Impressões do Japão”, Editora Civilização Brasileira.
O autor visitou o País do Sol Nascente, andou de norte a sul, era um
apaixonado pela cultura nipônica e contou: o veado é um animal que por ser
pacífico é muito cultuado no Budismo. Em muitos quadros, em muitas passagens artísticas
ele está presente, pastando, perto de Buddha.
E na página 157, da citada obra, Cláudio escreve:
“Não vos apresseis. Vamos permanecer por mais
alguns momentos na solenidade do bosque. Aproxima-se um vendedor de cartuchos
com biscoitos leves para os animais sagrados. Metei a mão no bolso, trazei para
fora o porta-moedas. Por alguns cents o vendedor sorridente nos vende um
cartucho. Os veados de Nara – estamos em Nara – viram nosso movimento e vem
acudindo. Estendei-lhe a mão com o biscoito. Sentireis suas línguas húmidas
(grafia da época) e tépidas molhar-vos os dedos.
Naquele cenário e naquele ato bucólico
perguntareis de novo:
- Estamos no ano da graça de 1940, ou ainda
naquelas priscas eras em que homens e animais formavam uma só família nos bosques
mitológicos?”.
Em Nara, há uma famosíssima imagem de Buddha abençoando a todos: seres
humanos, animais e a natureza como um todo.
O salão do Grande Buda no Templo Todai-ji em Nara (Fotografia de Mstyslav Chernov, Wikimedia Commons) |
Prezado Prof. Dr. ANTONIO ROCHA,
ResponderExcluirO que aconteceu com sua Colega da Faculdade de Letras da UFRJ, em viagem ao Japão (1980), pode acontecer a qualquer um de nós, em semelhante circunstância.
Pior foi a gaffe do Serviço de Cerimonial da Casa Branca - EUA, que na semana passada num jantar de gala à Delegação Japonesa ofereceu a sobremesa dentro de sapatos de porcelana, mas sapatos, sempre considerados na Cultura Japonesa como "coisa suja", que nem se traz para dentro de casa.
Pior ainda foi a gaffe do Presidente Francês Sr. EMMANUEL MACRON, na Austrália há duas semanas, onde em discurso em Inglês na despedida do País, elogiou a Primeira-Dama Australiana como "delicious", quando queria dizer "delightfull". Coisas da Vida. Se ele tivesse discursado em Francês, o Tradutor teria corrigido tranquilamente.
Abração.
1) Salve Mestre Bortolotto, obrigado pelo comentário.
Excluir2) No segundo parágrafo penso que o Cerimonial escorregou indelicadamente.
3)No terceiro parágrafo pode ter acontecido o que Freud chamaria de "ato falho", ficou o dito pelo não dito...
Estimado Antonio
ResponderExcluirMarlene e eu visitamos o Japão em 1983, por oito dias, incorporados a um grupo de americanos,suficiente para ocupar um ônibus.Iniciamos em Tóquio e encerramos em Quioto, para onde fomos em um impecável trem-bala, que nos ofereceu uma visão mítica do Monte Fuji. Foram inúmeras as experiências vividas no contato com os japoneses que nos deram várias lições de civilidade e capricho em tudo que faziam. Nesse aspecto, são até redundantes e excessivos. Mas são seres humanos.
Dois casais do nosso grupo, com quem fizemos amizade, insistiram em irmos a uma "casa de gueixas", fora do programa. Eles haviam criado a expectativa de que seria um espetáculo "quente", sem esclarecer bem o que significava aquilo. De qualquer forma, lá rodamos nós mais de meia hora, até um subúrbio, onde paramos no portão de uma casa com um discreto letreiro neon, obviamente, em japonês.
Um homem, calado e em mangas de camisa, nos conduziu a um
auditório de uns trinta lugares e um pequeno palco. O som tocava músicas japonesas.
O mesmo homem voltou com duas bandejas de chá e biscoitos. Em seguida entraram em cena três gueixas, vestidas dos pés a cabeça, em uma complicada coreografia oriental. Em seguida apareceu uma apresentadora, bem mais velha, usando um quimono grande para ela, que falou várias frases em um inglês ininteligível. E ela tinha uma característica bem marcante: faltava-lhe um dente central superior, de cuja falha era impossível tirar os olhos.
Seguiram-se mais duas apresentações das gueixas com roupas e bailados similares. E com a apresentadora se esforçando nos intervalos.
Decorrida mais de uma hora e meia de apresentação ela foi encerrada pela apresentadora, exibindo seu simpático sorriso.
As mulheres desapareceram, a música foi desligada e o homem
calado veio cobrar a conta, escrita em um papel.
Voltamos para o hotel em silêncio e não se falou mais no assunto. Bem feito...
Um abraço
Domingos
1)Prezadíssimo Domingos,
ResponderExcluir2)Escrevi outro dia aqui, lá pelas tantas, pesquisando as origens da família do meu sogro... são primos dos Castelo Brancos...
3) Bom testemunho o seu, aliás, você deve ter histórias ótimas e hilárias para contar em suas viagens mundo à fora...
4)Abraços lá do norte do antigo "Condado Portu Calense", a preciosa cidade querida de Castelo Branco.
Olá Antonio,
ResponderExcluirAdorei seu post. E tive vontade de desfrutar da tranquilidade de gente e bichos e biscoitos desse parque japonês. Que fique , a vontade, nas palavras e imagens. Imag inação!
Dizemos na minha casa, que o meu irmão, de tanto amor, experimentava a ração dos seus cachorros. Pena que nunca vamos saber se era verdade. Tarde demais.
Obrigada pela leitura gostosa.
Até mais
1) Obrigado Ana pelo seu comentário.
ResponderExcluir2) Buda certa feita afirmou que todos os seres vivos, belo dia, não importa quando e onde, também serão Budas, Iluminados...
3)Animais e plantas também serão Budas, via sucessivas reencarnações evolutivas, em qualquer planeta.
Aprecio sempre as crônicas do Rocha sobre o Budismo, pois agradáveis e que podem ser também úteis para certos momentos.
ResponderExcluirOs animais em questão são símbolos de delicadeza, graciosidade e beleza.
A lamentar que esta raça esteja praticamente desaparecida no Brasil, claro, com algumas variações, mas acredito que ainda exista somente em Regiões onde o homem não tenha levado a sua vontade de aniquilar com os animais.
Questão de educação de um povo, que sabe preservar as suas tradições e respeitar as formas de vida que a Natureza oferece, apesar de os nipônicos terem contra si a caça inapelável às baleias, promovendo em passado recente grandes carnificinas com seus navios baleeiros.
Um forte abraço, Rocha.
Saúde e paz.
Chicão, pedindo desculpas por me intrometer na conversa, o que mais causou a diminuição dos animais selvagens no nosso Brasil não foram os homens querendo aniquilar com eles, foi a destruição dos seus habitats pela extinção das florestas, dos cerrados e consequentemente dos rios para a extração indiscriminada de madeira, para a pecuária extensiva e para as monoculturas agrícolas para exportação. Na Alemanha até hoje se caçam veados e javalis na Floresta Negra, como em muitos lugares da Europa e dos Estados Unidos, pelo cuidado com a preservação do ambiente.
Excluir1)Salve Chicão, vc tem toda razão.
ResponderExcluir2)Mas no item das baleias tem um aspecto que nem todos sabem no Brasil: quando eu era criança, não lembro o ano, faltou carne bovina no Rio de Janeiro e o governo federal (pois aqui era o DF)importou carne de baleia do Japão e era vendida nos açougues.
3) Não sei quanto tempo durou isso, mas o meu pai, sempre chegava em casa com carne de baleia e todos comíamos normalmente...
4) Ou seja, podemos dizer também que é uma carnificina o que nós brasileiros fazemos nos abatedouros de aves, matadouros de carnes bovina e suína...
5)Tem um filme dos vegetarianos que se chama "A Carne é Fraca" e trata justamente das matanças brasileiras, pode ser visto no youtube...
5) Esse negócio de alimentação é assunto delicado.
6) Abraços e gratidão Bendl !
Antonio, a carne de baleia foi importada para muitos estados do Brasil, aqui em Belo Horizonte vendia-se normalmente nos açougues, não era muito diferente da carne de boi. Chegou-se até a falar numa pesca brasileira de baleias. Mas naquele tempo não se imaginava que as baleias viessem a correr risco de extinção, nem que muitas variedades de peixe viessem a correr o mesmo risco pelo aumento da pesca, olhando para o tamanho dos oceanos achávamos que os recursos marinhos eram inesgotáveis frente à demanda humana e que também não fazia mal jogar lixo no mar, porque ele se perderia sem problemas na sua imensidão.
ExcluirHoje, muito tarde, talvez até tarde demais, vemos como estávamos enganados...
1)Tem razão Mano.É uma pena, esse lado destruidor do ser humano.
ResponderExcluir2)Abraços de muito obrigado sempre, por me aceitar aqui neste espaço ótimo !
Antonioji,
ResponderExcluirA sensação dentro de um metrô japonês tentando decifrar os nomes em garranchos das estações é a de ser "analfa". Complicado! Infelizmente não estive em Nara porque preferimos conhecer bem Tóquio e, em seguida , de trem bala, visitar Osaka Quioto. Sei desde os seus primórdios o budismo está ligado aos cervos pelo menos na Índia onde eles são considerados sagrados e andam em liberdade pelos parques, assim como os macacos e as vacas pelas cidades. Um dos locais de peregrinação budista mais famosos nesse país - onde tive o prazer de passar um dia na mais perfeita paz entre belos jardins, as relíquias dos mosteiros e stupas e veados por todos os lados - é o Parque Sarnath, que dista praí uns dez quilômetros da cidade santa hindu de Varanasi, à beira do rio Ganges. Agora....Essa aventura descrita no seu post de “línguas húmidas e tépidas molhando-nos os dedos” eu senti foi dando de comer às lhamas do zoológico de Buenos Aires (rsrs)
Namastê e bom final de semana!
1) Pimentel, obrigado pelo comentário.
ResponderExcluir2) Vc é o ótimo cronista de experiências várias na Ásia e na Europa.
3) Sucesso e bom fim de semana.