"Maillots" antigos de natação (fotografia USA Congress Library) |
Domingos Ferreira
Tive uma tia
avó, Sra Donana, nascida na cidade de Brejo, no Maranhão, (onde as vacas já
estavam e agora continuam) no terço final do século XIX. Ela seguia todas as
normas da etiqueta inglesa ditadas pela Rainha Vitória, nesse período de fausto
do império britânico, onde o sol não se punha.
Também,
pudera, ela se casara com um cidadão inglês, chamado James, que “descobrira” o
rio Parnaíba e se instalara na sua foz, na cidade de mesmo nome. O inglês
invasor era criativo e articulado. Ele não demorou a organizar um grande
negócio, abrangendo a importação e exportação de bens variados entre a região
banhada rio acima e o porto de Plymouth, na Inglaterra.
A acolhedora
foz do Parnaíba passou a ser frequentada por navios da britânica Booth Line,
descarregando regularmente os mais variados frutos da revolução industrial,
anunciados em catálogos caprichados de firmas e lojas da famosa Oxford Street e
cercanias do centro de Londres. Tal procedimento fora consolidado ao longo dos
últimos séculos pelos ingleses em todo o mundo, substituindo, paulatinamente, a
atividade dos corsários, bancados pela coroa, todos com enormes dividendos para
o reinado.
Esse
material variava de ferramentas diversas e máquinas de moer cana a vestidos de
anquinhas, perfumes e lençóis de linho egípcio, queijo “Palmira” enlatado em
bolas vermelhas, etc... Essa tralha subia o Parnaíba em barcaças puxadas por
rebocadores, de uma empresa de alemães, também sediada na mesma cidade, sendo
distribuída em vilas, fazendas e lugarejos de toda ordem.
Os mesmos
rebocadores desciam o rio com suas barcaças abarrotadas de produtos da região,
incluindo castanhas variadas, cera de carnaúba agregada em forma de pratos,
açúcar, rapadura, farinhas diversas, madeiras de lei, couros, cachaças, chifres
e ossos de gado, artesanatos decorativos, redes de dormir, bordados regionais,
cocares indígenas, etc... Tudo isso era embarcado nos navios ingleses com
destino ao porto de origem.
As parentas
de tia Donana, incluindo minha jovem mãe, Maria, vinham das fazendas da
família, com frequência, e ficavam hospedadas no casarão que o industrioso e já
rico tio Jâmes havia construído. Na verdade, era uma mansão de respeito, a
maior de Parnaíba, ou melhor, do Piauí/Maranhão.
E o casarão
tinha uma grande novidade: uma piscina de bom tamanho, com trampolim, onde o
patriarca praticava natação, metodicamente. Este fato tornou-se o assunto da
cidade e vinha gente de fora para admirar a piscina do Seu Jâmes, e achar graça
dos “maillots” importados que os “banhistas” da família usavam. Aliás, era uma
honraria de alto coturno, ser convidado para frequentar a beira da piscina do
inglês, mesmo sem mergulhar nela, por absoluta falta de”maillots” para usar.
Emprestados só para parentes. Comprados, só encomendados na Inglaterra...
Muitos bons
negócios eram fechados com os privilegiados que atingiam esse Olimpo. Em pouco
tempo, foi construído um muro para proteger a intimidade dos “banhistas”, mas,
mesmo assim, era possível ver, da rua, os que subiam no trampolim para pular
n'água.
Essa
história toda é para dizer à Dona Ana que Dona Maria, minha mãe, teve
oportunidade de praticar um esporte quando jovem, mas não aproveitou, apesar de
ter sido uma pessoa muito ativa.. Ela não gostava da piscina do inglês e, vindo
morar no Rio mais tarde, quando nasci na beiramar, em Copacabana, ela caminhava
na calçadinha de então, mas não pisava na areia, que “grudava” nos pés.
Na minha
geração, eu e um primo de mesmo nome fomos moleques de praia em Copa e Ipanema.
Ele se especializou em mergulho, tendo sido um dos introdutores no Brasil das
tecnologias de mergulho livre e pesca submarina com equipamento. Bateu vários
recordes de profundidade e de pesca com arpão. Eu preferi o frescobol, o tênis
e principalmente a vela, minha paixão, tendo sido campeão da classe “Guanabara”.
Velejei, também, nos Estados Unidos, no Mediterrâneo e no Havaí.
Aí apareceu
Dona Marlene, meu esteio. Uma filha e três filhos. Vida que corre. Vários
submarinos. Imensidão da Amazônia. Muitas viagens. Povos diferentes.
Civilizações diversas. O tempo passou muito rápido. Filhos criados e espalhados
pelo mundo. Netas australiana e americanas.
O ritmo do
aposentado diminuiu. A televisão cresceu. O computador é um amigo não muito
confiável. Tenho horror ao Facebook. Se bobear, te engole. Marlene não gosta
dele. Eu não gosto de televisão. Bicho barulhento na sala. Pior que ela, só os
smartphones com os selfies. Marlene, minha filha e minhas netas adoram. Temos
um zilhão de fotos...!!!???
Dona Ana,
seu texto sobre esportes é um primor. Marlene, cada vez mais, dedica tempo para
acompanhar diversas competições na telona. Nosso filho solteirão, que mora conosco,
é o contraregra organizador da programação, inclusive fazendo gravações para
que possamos, mais ou menos, dormir em paz. Quando não, ela vara a noite...
Rimos muito
ao ler seu desabafo apaixonado. Nesse ponto, Marlene é igualzinha a você. Sabe,
de cor, as programações, os nomes dos jogadores/as dos times de volley, de
basquete americano, de tênis, de futebol, etc...
Imagine como
vai ser nossa Copa do Mundo...
Marlene,
eleita sua irmã, lhe manda um beijo e um abraço.
Domingos, não sei se são melhores as suas histórias do mar ou as lembranças da sua família e do seu tempo de menino, porque todas elas nos encantam igualmente.É sempre um prazer ler as coisas que nos manda.
ResponderExcluirE peço-lhe que leve nossos cumprimentos à senhora dona Marlene, a nova irmã e cunhada que temos a honra de acolher em nossa família.
Um abraço do
Mano
Amigo Mano
ExcluirDe fato, sempre me envolvi em contar histórias. É tradição da família, por várias gerações. Os primeiros passos dei no internato do Colégio Militar, quando nasceu um jornalzinho da turma 31, com o nome provocativo de "O Moita". Éramos quatro colegas, na faixa de 13 a 15 anos. Um editor, um diagramador, um desenhista e um "doido", como redator, mais conhecido como "Coveiro".
Aliás, esse apelido derivara do fato de ele ter acertado um passarinho com uma pedra lançada por seu estilingue. O bichinho sofreu muito antes de morrer e ele , de boa índole, tentara salvar a vítima. Daí, ele promoveu um enterro para o passarinho, com caixãozinho, discurso a beira do túmulo, flores etc...Na vida adulta, ele se transformou em um notável advogado, inclusive conseguindo a absolvição do Presidente Collor, no STF....
O mimeógrafo e o papel do jornalzinho eram do escritório de um pai. A figura do Moita se escondia atrás de um muro, só a cabeça aparecendo. Quatro páginas. Textos, figuras, poemas, piadas... Durou quatro edições, até que o Coveiro reclamou da comida... O jornal foi empastelado pelo Capitão Ajudante, que cuidava da disciplina do internato. Ele dava gargalhadas com os textos e caricaturas, mas o Coronel Comandante soube e Capitão quase foi preso...
Espero não ser preso aqui no nosso blog.
Abraços da Da. Marlene e meus.
Domingos
Prezado Autor Sr. Domingos Ferreira,
ResponderExcluirBela crônica contando de vossa ilustre Tia-Avó Sra. Donana de Brejo-MA que casou com o Inglês Sr. James e instalaram uma poderosa Casa Comercial, importadora e exportadora em Parnaiba na foz do rio Parnaíba, que comerciava em toda a extensão do rio. Importava produtos Ingleses e exportava produtos locais. Prosperaram muito.
Construíram um bonito casarao com grande piscina e usavam naturalmente elegantes maillots Vitorianos, pois que era época Vitoriana.
Sua ilustre mãe, Sra. Maria vinha frequentemente das Fazendas Rio Parnaiba acima para visitar e fazer compras nesses Parentes mas não frequentava muito a piscina, e mesmo depois de casada e morando no Rio de Janeiro, Praia de Copacabana não curtia muito o mar. Já o senhor curtiu muito os esportes aquáticos, sendo excelente velejador e nadador, sendo até campeão em muitas Regatas da classe Guanabara, etc.
D. Marlene sua senhora, mãe de quatro excelentes Filhos, uma Filha e três Filhos, se não foi uma Atleta náutica, acompanhava o namorado, noivo, marido nos Clubes Náuticos e na Marinha de Guerra do Brasil, etc.
Hoje acompanha muitos esportes pela TV, enquanto o senhor escreve de forma brilhante sobre História Naval Portuguesa, e especialmente Brasileira, Nos que fomos os pioneiros da moderna Navegação dos oceanos.
Bons tempos aqueles em que qualquer Cidadão podia se estabelecer em qualquer encruzilhada terrestre, ou fluvial como fez o Sr. James e desenvolver um grande Comércio. Mas se os Pioneiros tinham essas vantagens, também sofriam com a falta de infra-estrutura especialmente Médica/Dentária, etc. As doenças tropicais naquela época não eram brincadeira e até hoje não são.
Parabens e Abraços.
Estimado leitor Flavio Bortolotto
ExcluirMuito obrigado por suas gentis opiniões a respeito das minhas narrativas. Nossas vidas sempre têm um caudal de fatos e histórias passíveis de serem narrados para outras pessoas. É o que procuro fazer em atençao aos que convivem conosco, usando essa moderna e incrível forma de comunicação, para o bem e para o mal, que é a internet.
São muito pertinentes suas observações a respeito das limitações dos Pioneiros, no que tangia à infraestrutura de apoio à saúde naquela época, há mais de cem anos, em região pouco desenvolvida do nosso gigantesco país.
Posso afirmar isso por ter vivido tal experiência, décadas depois, quando tive a sorte e o privilégio de comandar uma Corveta na Amazônia. A pobreza e o isolamento dos ribeirinhos, naquela imensidão, era inimaginável. Fazíamos o possível para dar-lhes algum apoio, com os parcos recursos que dispunhamos no navio, não preparado para tal tarefa delicada. Era de cortar o coração...
Felizmente, da minha experiência para a atualidade, houve um gigantesco esforço, que mudou radicalmente aquela situação. Hoje, a Marinha dispõe de cinco Navios-Hospitais, bem aparelhados, inclusive com helicopteros. Além disso, e principalmente, foi instituído o programa dos "Mais Médicos", abençoada providência que ora atende milhões de moradores da região.
Fico muito emocionado, quando trato deste assunto.
Estimado amigo Flavio, obrigado pela oportunidade de fazê-lo.
Um forte abraço
Domingos
Olá Domingos,
ResponderExcluirSeu texto é uma delícia, essas lembranças de família são preciosidades. E se a gente não registrar elas se perdem. Os filhos e netos ficarão cheios de perguntas sem respostas. Já me sinto assim algumas vezes.
Você deveria escrever sua história. Com certeza rica de casos e aventuras, na terra e no mar!
Obrigada mais uma vez. Beijo para a minha nova amiga, irmã eleita.
Até muitos mais.
Estimada Ana
ExcluirNossos textos são deliciosos. Com a diferença de sua capacidade de traçar figuras de extremo bom gosto. No que sou uma nulidade.
Quanto a escrever minha história, ela está, em boa parte, nos textos que produzo. Troco os nomes, invento personagens, misturo os fatos. Mas, em essência, há muito do que vivi, na terra, nos ares e na superfície e profundezas dos mares.
De fato, estou coletando diversos textos para integrá-los em um livro. Não vai demorar.
Sua nova irmã lhe manda um abraço.
Até a próxima.
Domingos
Prezado Domingos,
ResponderExcluirTeclar que você escreve bem é chover no molhado. Creio que seu texto me pegou pelo pé logo de saída, quando descreveu aquele pasodoble – olé! - cometido pela guapa Esmeralda. Mas fiquei seu fã de carteirinha quando o Matucão deu o ar da graça dele. Devo confessar que, no meu passado, morou um certo cumpadre Maurício , primo legítimo do seu fantástico personagem. E é aí que está a beleza da leitura: descobrir que o mais particular é o mais geral! Como por exemplo, esse amor ardoroso que a Donana e a Dona Marlene sentem pelo esporte. É como se nos reconhecêssemos nas conversas alheias, nas belas estórias uns dos outros. Como se através delas revisitássemos o passado e lá trás, à distância, criássemos novos pontos de observação de onde passamos a avaliar melhor de onde viemos, quem somos, o porquê de estarmos aqui e agora e, principalmente, para onde vamos.Obrigado, um abraço e às pretinhas!
Amigo Moacir
ExcluirApesar do atraso, não posso deixar de interagir com você em nossa troca eventual de palavras que, apesar de poucas, dizem muito. Sua menção à Esmeralda e ao Matucão, personagens muito distantes no tempo, porém marcantes na minha vida, destaca uma gratificante semelhança com a abordagem apaixonada que você faz a respeito da tribu (!?...) dos artistas e frequentadores do "Bateau de Lavoir", em Montmartre", que trouxeram ao mundo uma nova abordagem às artes visuais. Nada melhor que um barco para consolidar essa metáfora que envolve a nós ambos na busca do melhor caminho que a vida nos oferece.
Valeu Moacir, amigo de fé.
Abraço fraterno
Domingos
1)A bela crônica do Domingos me fez lembrar de duas coisas:
ResponderExcluira)Por falar em Rio Parnaíba, no Gama, DF, um colega de sala de aula, no antigo Ginásio era do Piauí, e só vivia com suas memórias da terra natal.
b)O queijo bola Palmira. Sou um ardoroso fã e provador dos vários e diferentes queijos, até inventei um cumprimento =
2) Beijos e Queijos !
Estimado Antonio
ExcluirMuito grato por sua opinião a respeito desta crônica.
De fato, o vale do Parnaíba, talvez por seu isolamento histórico, permanece muito arraigado no espírito dos filhos que dele se afastam.
Sou fã do queijo Palmira desde pequeno,(bota tempo nisto!) quando ia,de calça curta, com uma tia solteirona, de bonde, comprá-lo em uma loja de portugueses, na rua da Carioca, no centro do Rio.
Hoje mesmo, comi um bom pedaço dele, que tenho sempre na geladeira.
Beijos e queijos! - é uma boa ideia.
Domingos