Eshun (imagem @bodhidarma_zen, 101 Zen Koans) |
Antonio Rocha
Durante a
primavera e o verão alguns monges budistas são andarilhos, peregrinos,
missionários. Andavam, na antiguidade, pelos caminhos, estradas, pregando e
divulgando a Doutrina. E no inverno, descansavam em algum mosteiro, próximo de
onde estava na caminhada.
Existem
mosteiros masculinos e femininos, mas, eventualmente, monges e monjas se
hospedam, por temporadas, em templos diversos.
Havia naquela
região um mosteiro masculino com vinte almas em treinamento búdico, belo dia,
no começo de um inverno apareceu uma monja solicitando vaga para ficar a
estação do frio, depois seguiria viagem.
Como é praxe,
foi aceita e logo se integrou na rotina de trabalho, orações, meditações,
cânticos etc.
A
característica desta monja visitante era a sua beleza. Mesmo tendo a cabeça
raspada impressionava o belo corpo sob o hábito monacal: os monges ficaram
atraídos pela simpatia e encanto da jovem serva do Senhor Buddha.
Os dias de
frio sucediam-se no rigoroso inverno. E os monges “viajavam” em olhares,
desejos, sonhos e fantasias. Aqui e acolá, os homens comentavam algo entre si:
- O abade é louco, deixar uma jovem no meio de vinte
marmanjos...
- Mas ela, tem lá no fundo o quartinho, e ninguém se atreve
a chegar perto...
- Acho que o mestre fez de propósito, ele deve estar rindo
da nossa cara...
Então, belo
dia, um monge criou coragem, escreveu uma carta e, à noite, passou o papel por
baixo da porta, enquanto todo o mosteiro dormia.
O dia começava
cedo, ainda escuro, pois no inverno, clareia mais tarde.
À noite,
sempre após jantar, tinha uma meditação coletiva, o abade fazia uma preleção e
depois franqueava a palavra para quem quisesse fazer perguntas ou um pequeno
comentário, recados etc.
Nessa noite,
após terminar a preleção o mestre perguntou:
- Alguém quer falar algo?
Todos ficaram
em silêncio.
A jovem monja
levantou-se, pediu a palavra e disse:
- Ontem a noite eu recebi uma carta, uma declaração de amor,
a pessoa deixou por baixo da porta...
O espanto foi
geral, se bem que todos já imaginavam que, mais cedo ou mais tarde isso iria
acontecer e a religiosa continuou, virando-se para o monge que escrevera:
- Fulano, obrigado por suas palavras delicadas e até
poéticas..., mas, agora, sou eu quem te pergunto, se você me ama mesmo, tanto
quanto escreveu, venha aqui, levante-se e me abrace...
Comentário:
O texto não
conta a reação dos demais, nem do mestre, nem do autor da missiva, visto que
monges e monjas Zen Budistas podem casar, constituir família etc...
A narrativa também
não esclarece se o pretendente assumiu o sentimento, fica a critério dos
leitores, desse texto antigo.
Moral da
História:
Se você ama,
mesmo, de fato, ame abertamente, às claras, para todos saberem, ame com
transparência.
O nome da
monja era Eshun, ficou conhecida pela sua sinceridade, coragem e honestidade.
Grande praticante do Caminho, mas não sabemos se ela casou com o referido.
Fonte: Páginas
22 e 23, Histórias Zen, editora
Teosófica, 1999. (Zen Flesh, Zen Bones – A
Collection of Zen and Pre-Zen Writings).
Prezado Autor Prof. Dr. ANTONIO ROCHA,
ResponderExcluirNossa análise do texto, Transparência Zen:
O Monge, ao escrever a carta de amor para a bela Monja ESHUN, e colocá-la por baixo da porta à noite, solicitou namorá-la em segredo.
Foi por isso que na noite seguinte, após o jantar, quando o Sr. Abade lhe deu a palavra, ela nomeou-o: Fulano, obrigada por suas palavras delicadas e até poéticas...mas agora sou eu que te pergunto? se você me ama mesmo, tanto quanto escreveu, venha aqui levante-se e me abrace...
Ela sabia que quem faz as coisas as escondidas não teria coragem para levantar-se, vir ali, e abraçá-la... Como de fato deve ter acontecido.
A bela Monja ESHUN, ensinou uma grande lição a todos nós.
Abração.
1)É verdade Mestre Bortolotto, foi uma bela lição de vida !
ResponderExcluir2) Ela falou sobre a beleza do Amor, um sentimento tão bonito que merece ser vivenciado às claras.
3)Abraços e obrigado pelo seu comentário. Bom fim de semana.
Olá Antonio budista,
ResponderExcluirGostei muito do seu texto. Mas gostaria de saber o final da história. Pertenceram-se ou cada um seguiu o seu caminho? Infelizmente, e não sei porque, aposto na segunda opção.
Também não sei se todo amor tem que ser às claras. Existem os impossíveis, os inconfessáveis e nessa categoria os platônicos não revelados muito menos partilhados e muitas vezes arrependidos no final do tempo. De um ou de outro, confessado ou não sempre virá a dor. Ja disso falam os sambas, os bregas até modinhas e rocks. "Pra que rimar amor com dor". Acho que cada um escolhe ou aceita sua forma de amar e seus ônus e bônus. Até os mais felizes têm que se separar um dia. Triste. Muito triste.
E sem tristeza alguma nesse sábado ensolarado desejo tranquilidade, " saúde e paz".
Bom fim de semana, Antonio feliz.
Até mais.
1)Obrigado Ana pelo "Antonio feliz", o Buda ensina que, até na dor, no sofrimento, precisamos ser felizes. É difícil, mas é um treinamento...
ResponderExcluir2)Eu sinceramente não sei o final da história até gostaria de um "happy end" entre os dois, mas não sei se rolou...
3)Eu penso que o amor deve sempre ser as clara; platônicos e outros que fiquem apenas na área do pensamento... impossíveis e escondidos denunciam apegos/neuroses...(é que eu sou membro dos Neuróticos Anônimos)
4)Sou influenciado por um adágio da Filosofia Chinesa e a monja Eshun também... "se é para ficar em segredo, se é para ninguém saber, não faça".
5)Abraços de bom fim de semana !
Meu caro amigo e professor, Antônio,
ResponderExcluirA mim me deu a impressão que a coragem está aliado ao amor que se sente por alguém.
Sem a devida valentia para que ele se declare, um grande amor pode estar perdido para sempre!
Ou, então, é porque a coragem e o amor devem estar juntos, ou seja, se o amor é interno, a coragem externa este sentimento, coloca para fora o amor pela mulher amada, sem receio algum, sem vergonha, sem medo até do ridículo!
Faltou ao monge a coragem, exatamente o que havia na bela monja.
Conclusão, o mundo não pode ser conquistado e, muito menos a mulher amada, sem que se tenha coragem de se enfrentar a si mesmo, em princípio, e depois o que está ao nosso redor.
O jovem monge perdeu a felicidade da mulher que não confessou o seu amor, e deixou de ser exemplo para seus colegas de valentia, de não ter medo de enfrentar as reações que ocasionaria com a sua declaração.
Ele não a merecia.
Um abraço, Antônio.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
1) Obrigado Bendl, é verdade, se o monge vacilou... dançou... como se dizia na gíria carioca...
ResponderExcluir2)Realmente a história nos mostra a monja Eshun com uma força impressionante, a força da verdade.
3) Abração Chicão, feliz fim de semana junto aos seus.
Mestre Antonio,
ResponderExcluirEm vez de comentar seu belo post vou comentar um dos seus comentários: posso comoreender o adágio e suas razões (se é para ficar em segredo, se é para ninguém saber, não faça), mas não existem ocasiões em que fazemos ações ou sacrifícios em benefício de outros que às vezes para o bem deles mesmos pode ser melhor que eles não fiquem sabendo? Ou a verdade será sempre a mesma coisa que a franqueza?
1) Bem perguntado Wilson, penso que mais cedo ou mais tarde a verdade sempre aparece, pode até demorar um pouco, mas aparece...por exemplo, o governo dos EUA, vez por outra libera documentos seríssimos para um Estado Nação...
ResponderExcluir2)Vejo verdade e franqueza como sinônimas.
3)Abraços de boa semana !
Antonioji,
ResponderExcluirTenho pelos seus textos imenso respeito e, portanto, eu não os leio passivamente mas converso com eles. Ou por outra, tento empatizar com os personagens. Apesar de captar sem ruído a mensagem sobre o valor da sinceridade - "se é para ninguém saber, não faça! "- e de realmente acreditar que não se pode amar a não ser por inteiro, "respeitosamente" se eu fosse esse pobre rapaz não ia mais querer namorar com essa santa monja. Pode ser trauma de infância: pirralho fui pego em flagrante lendo as cartas de amor dos meus pais e levantado pelas orelhas a meio metro do chão. Ali entendi o significado da palavra pri-va-ci-da-de. Mas pergunto: afinal de contas , ao escrever uma carta de amor, o que foi que o cara fez de errado? Era para subir no banquinho durante o café da manhã e fazer uma polideclaração de amor e pedir a moça em casamento, defronte da galera do mosteiro, sem nem pegar antes na mão dela e/ou levar um dedo de prosa em particular? O que é que a congregação tinha a ver com uma emoção individual que mal nascera? Essas coisas de amor são privadas, assunto nosso. Na minha cabeça do século passado nós somos bichos complicados: não gostamos que outros caras saibam da nossa vida privada, não queremos outros sujeitos metidos nos nossos relacionamentos, não apreciamos nossos manos comentando nossas namoradas/noivas/mulheres, não desejamos que geral saiba dos nossos sentimentos, muito principalmente se a coisa é séria, quando acreditamos ter encontrado a mulher certa. Sei que hoje mais importante do que namorar é postar a foto no Face, mas sou dos da velha guarda que foram ensinados a não comentar as senhoras. É como na canção do Djavan: "meu bem querer é segredo, é sagrado, está sacramentado em meu coração."
Namastê!
1)Salve Pimentel, muito boa a sua colocação. O monge não fez nada, só uma cartinha...
ResponderExcluir2)É possível que, nas entrelinhas (eu não li a carta)ela tenha ficado desconfiada das reais intenções do sujeito e aí resolveu colocar os pingos nos is...
3)Eu penso que ela não queria só uma aventura às escondidas...
4)No mais, as possíveis interpretações ficam em aberto...
5)Abraços de boa semana !