Fotografia de José Maria Pérez Nunez (Wikimedia commons) |
Francisco Bendl
Apesar de o
Brasil ter dimensões continentais, surpreendentemente falamos a mesma língua,
sem dialetos!
Países
menores do que o nosso, a Itália, por exemplo, tem vários:
Siciliano,
calabrês, napolitano ...
A Espanha
tem além de alguns dialetos até o País Basco, cujo idioma é um dos mais antigos
do mundo (ETA – Euskadi Ta Astakasuna =
Pátria Basca e Liberdade).
China,
Rússia, então nem se fala!!
No entanto,
as nossas regiões brasileiras se caracterizam pelo sotaque, inclusive alguns
Estados o falar é diferente, mesmo sendo vizinhos.
Em Santa
Catarina, o pessoal do litoral usa muito o chiado no fim das palavras, e se
utiliza do apócope.
Por exemplo:
“Doch mach trêch são sech” (dois mais três são seis)!
E entoa as
palavras cantando.
No Paraná, o
uso com veemência do “e” no final das palavras.
Exemplo:
LeitE quentE; diferentE; evidentE.
O carioca
também chia e canta ao falar, mas é lento.
O mineiro é
divertido, pois fala como se estivesse mastigando as palavras, e o final delas
característico:
Bonitim, friozim, trem bão...
E por aí
vai.
No meu RS
não poderia ser diferente.
Também
salientamos o “e” no fim das palavras, mas não tanto como os paranaenses, e
temos nossas expressões típicas, tradicionais, folclóricas.
O tchê é o
mais conhecido, mas também o chê, na fronteira.
Largamente
usado em todo o Estado, essa expressão tenta aproximar as pessoas sem que se
saiba o seu nome, menos para as mulheres. O tratamento de tchê é de homem para
homem.
Depois temos
a expressão de surpresa, de espanto, de admiração, que é o BAH!
E se
queremos dar mais ênfase ao Bah, então ainda acrescentamos, TRI-LEGAL!!!
Traduzindo:
- Leste a Bíblia?
- Bah, tri-legal, tchê!
Os comedidos
nas palavras, dizem somente, “tri”.
- Leste Guerra e Paz?
- Tri.
E mais não
disse porque nada mais lhe foi perguntado.
A música
gauchesca então, caracteriza-se tanto pelas tradições e folclore, que não
entendemos as razões pelas quais até mesmo as letras mais simples não são
entendidas no Brasil??!!
O Canto
Alegretense, um dos hinos do RS, canção maravilhosa, tem um verso fantástico:
“Flor de
tuna, camoatim de mel campeiro
Pedra moura
das quebradas do Inhanduí”.
Quem não vai
entender essas palavras??!!
Então nos
surpreendemos que não fazemos o sucesso do axé!
“Vai ralando
na boquinha da garrafa
E na boca da
garrafa
Vai descendo
na boquinha da garrafa
E na boca da
garrafa”
Ora, essa
letra é que é difícil de se entender!!!
A
aproximação que temos com o Uruguai e Argentina, países de linha espanhola, ocasionaram
que muitas das expressões dos gaúchos tenham a colaboração desse idioma, e são
usadas tanto nas fronteiras quanto nos centros urbanos.
Palavras
como buenas, buenacho, borracho, guapo,
fazem parte do nosso linguajar cotidiano.
Mas, temos
nossas particularidades.
Por exemplo:
Se estou em
um restaurante em BH e peço o prato denominado Vaca Atolada, não sei se o
garçon estaria sabendo do que se trata.
Mas, é um
dos pratos mais conhecidos da culinária gaúcha, composto de carne assada com
aipim ou mandioca.
O Arroz de
Carreteiro é famoso, apesar de feito com guisado (carne moída), na maioria das
vezes.
O correto
nesse prato delicioso é ser usado o charque, pois os viajantes no passado, que
transportavam cargas pesadas em carretas puxadas com dois ou até quatro bois,
levavam a nossa carne seca como componente principal nas refeições, junto com o
arroz, que deve ser feito em panela de ferro, que lhe dá um gosto especial e
único.
Uma das
sobremesas mais deliciosas é sagu com creme.
Não preciso
falar do churrasco, uma iguaria que tomou conta do Brasil.
E nossos
assados têm a fama merecida quanto ao sabor, em face de que criamos o gado
europeu e não o zebu, que não se adapta ao nosso frio.
A parte mais
consumida entre os gaúchos é a costela, inigualável.
- Te aprochega, vivente, pois
estou atucanado com esta xepa, mas não me venhas com as tuas atochadas!
Enquanto isso, te refestelas com umas bergamotas.
Trocando em
miúdos:
- Te aproxima, amigo, pois estou atrapalhado em cozinhar, mas não
me contes as tuas mentiras, e aproveita para comeres umas mixiricas.
Para quem
mora no interior, o linguajar é característico.
Subi no bagual e me larguei ao bolicho comprar uns carpim, mas
voltei borracho, antes de bater as botas! significa:
Peguei o cavalo, fui ao armazém, comprei meias, e voltei bêbado
antes de morrer!
Aos
domingos, este gaudério usa a pilcha, e se for padrinho de batizado ou de
casamento, então veste a fatiota zunindo!
A tradução
seria que, aos domingos este gaúcho usa a bombacha, guaiaca, chapéu de barbicacho, lenço no
pescoço, a sua melhor camisa de mangas
compridas dobradas até os cotovelos. Mas, se convidado para padrinho de
batizado ou casamento, rapidamente usará o terno.
Uma outra
expressão comum, utilizada quando algo trz surpresa, novidade, inédito:
Chê, me caiu os butiá do bolso!
Há uma série
de palavras que o gaúcho usa, que o país não sabe porque cada Estado tem as
suas formas de comunicação:
Querência – local onde se nasceu e reside. Tratamento carinhoso para o RS.
Cacetinho – pão francês de 50g;
Bergamota – mixirica ou tangerina;
Pechada – batida de automóveis!
Invaretado – brabo, raivoso;
Pingo – cavalo;
Vortiada – passear;
Pestiado – doente, geralmente se usa para quem está gripado;
Atorá – cortar;
Inozá – dar nó na corda;
Pozá – dormir fora de casa em qualquer lugar;
Taio – corte;
Pila –significa dinheiro, o nosso real;
Lagartear – se aquecer no sol para espantar o frio;
Réco – zíper;
Não tá morto quem peleia – enquanto se tiver forças, a luta continua;
Não te faz – na sejas mais do que tu és, não sejas orgulhoso;
Azucrinado – atucanado, preocupado;
Lombeira –preguiça.
Existem mais
expressões e palavreado típico da minha terra.
Possivelmente
eu venha a completar essa parte, que dá uma ideia do modo como a gauchada
conversa entre si, principalmente no interior, onde o cavalo e as festas
gaúchas nos CTGs (Centro de Tradições Gaúchas) são frequentes.
E postarei
um pouco da nossa música gaúcha, da famosa trova, dos nossos vanerões, até
mesmo do rock do RS, que sempre foi aplaudido no Brasil, e cito Engenheiros do
Hawai, Nenhum de Nós, Almôndegas, Kleiton e Kledir, Os Serranos...
Um forte
abraço a todos!
Chicão,
ResponderExcluirÉ sempre muito bom lê-lo nas conversas. Parabéns por nos abrir as janelas para o seu/nosso querido Rio Grande e nos traduzir as vida/lida dos irmãos do Sul. Sendo o caldeirão de cores, climas, tribos e culturas que é, o Brasil tem sim nuances e palavras e sotaques no seu falar. Mas ao fim e ao cabo, pisamos a mesma terra e nos entendemos, seja falando piá, garoto, pirralho ou puto porque todos são o futuro ou seja nos queixando dos carapanãs, muriçocas, mosquitos ou pernilongos porque todos picam. Difícil é adivinhar que "cueca" é calcinha (rsrs)
Só faço um acréscimo ao seu bem escrito e divertido post: não são apenas os cariocas que chiam nos Ss mas todas as populações que tiveram longo convívio com colonizadores oriundos de Lisboa e/ou dos Açores. No caso do Rio desde que Corte lisboeta se instalou nas nossas praias a chiadeira é geral. Mas em Belém, por exemplo, a galera não fica atrás por causa dos colonizadores açorianos.Só que Dona História não explica porque o paulista multiplica os Rs, o mineirim encurta as palavras, nem muito menos porque o gaúcho quase nunca usa o “você”, filho da Vossa Mercê.
Por fim, os "Engenheiros" dos pampas fazem sucesso aqui na praia. Nossos filhos são fãs dos "guris".
Obrigado pela boa e divertida leitura de sempre
Outro forte abraço
Pimentel,
ExcluirCheguei a pensar se eu acrescentava as origens da "chiadeira", mas deixei de lado porque Porto Alegre tendo sido colonizada pelos açorianos não tem essa característica no final das palavras, então eu teria de ampliar o artigo e fugir do que eu queria.
Obrigado pelo comentário.
Mas, saliento, que se trata de um texto leve, nada cultural, apenas com a intenção de relaxar os leitores após a densidade do que postaste anteriormente.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
1) Salve Chicão, parabéns, bom texto, nos possibilitou saborear literariamente características próprias do RS.
ResponderExcluir2) Abraços de boa semana !
Rocha, meu amigo e professor,
ExcluirGrato por teres lido o texto e que tenha te agradado.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Prezado Autor Sr.FRANCISCO BENDL,
ResponderExcluirMe inspirando no grande ADELAR BERTUSSI posso escrever:
2a, 3a, 4a, 5a, Sexta-feira,
Todo dia da semana para escrever és Companheiro,
Seu nome é FRANCISCO BENDL,
Bom Escritor, bom Mosqueteiro,
Via Internet, conhecido no Rio Grande,
E também o Brasil inteiro.
Parabéns Sr. BENLD por começares o teu bonito Artigo sobre particularidades da Linguagem Gaúcha, por chamares atenção para a Unidade Linguística Portuguesa do Brasil, entre os atuais 220 Milhões de Brasileiros espalhados pelos nossos quase 9 Milhões de Km2, e muita Plataforma Continental.
Uma das adaptação de palavras gaúchas que acho interessante é a palavra Espanhola LOMA (colina), muito usada em toda a América Espanhola, que os Gaúchos adaptaram para LOMBA. Então aí temos, Lomba do Sabão, Lomba do Pinheiro, ....
E Lomba soa mais sonora do que similar Espanhola Loma. Se os Gaúchos morassem em Paris-FR, teríamos a famosa LOMBA de MONTMARTRE, que soaria muito bonito.
Abração, extensivo a TODO(A)S do Conversas do MANO.
Mestre Bortolotto,
ExcluirMuito obrigado pelo comentário e complemento sobre as expressões gaúchas.
Gostei em demasia do verso, que bem poderia começar uma de nossas trovas!
E teres trazido a palavra LOMBA porque adaptada do espanhol foi providencial, pois tenho muita lomba para subir até atingir o teu nível de inteligência, mestre Bortolotto!
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Parabéns Francisco dos Pampas,
ResponderExcluirSeria da Lomba de Rolante ou aí é tudo plano?
Adorei seu texto e posso garantir que li com sotaque sulino! Aqui também temos vaca atolada, de onde será que essa vaca veio...
Fico aqui na espreita do prometido.
Até lá então!
Aninha,
ExcluirGrato por teres lido o artigo e que tenhas gostado.
Não foi nada bom, de exceção, mas apenas e tão somente a postagem das expressões e palavras que a gauchada mais usa no seu cotidiano, assim como os mineiros têm o seu jeito.
Quanto a Rolante, temos nossos morros que a rodeiam, sim, mas nada que o nome das ruas tenha o seu início como Lomba, da forma como Bortolotto postou.
No caso da Lomba do Sabão, trata-se de parte da estrada que leva Porto Alegre a Viamão, onde uma lomba antes de ser asfaltada escorregava muito em dia de chuva, derrapando e patinando os veículos que por ele trafegavam;
Lomba do Pinheiro, tendo em vista que para se chegar a este bairro se sobe uma ladeira longa, não muito íngreme, mas comprida, então Lomba do Pinheiro.
Um forte abraço.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Estimado Chicão
ResponderExcluirFiquei encantado com seu artigo.
Tenho verdadeira paixão pelo Rio Grande do Sul. Na minha longa vida, estive inúmeras vezes naquela terra abençoada. Com as mulheres mais belas do Brasil. Quase casei com uma, de Pelotas. Um monumento, mistura de italiano com açoreano. Porte de rainha, pele clara, cabelos negros e olhos azuis. Tempos inesquecíveis da mocidade, com lembranças que me emocionam muito.
Fui lá de avião, de carro, de ônibus e, principalmente de navios e helicópteros da nossa Marinha. Contratorpedeiros, transportes de tropa, veleiros, navio-escola e submarinos diversos. De Tenente a Almirante. Naveguei muitas vezes na Lagoa dos Patos para chegar à Pelotas e a Porto Alegre, as cidades mais cobiçadas a serem visitadas pelos marinheiros. O moral das tripulações subia pelos mastros quando era anunciada uma viagem para lá. Além dela, estive em Rio Grande, Santa Maria, Uruguaiana, Caxias do Sul, Gramado, etc...
Desde cedo, conheci os livros de Érico Veríssimo. Devorei a trilogia "O Tempo e o Vento", com os livros "O Continente", "O Retrato" e o "O Arquipélago". Sua forte narrativa e inesquecíveis personagens me causaram uma forte impressão sobre a gloriosa história dos gaúchos. Estão entre eles Ana Terra, Pedro Missioneiro, Capitão Rodrigo, Bibiana Terra, etc
A História nacional tem notáveis episódios que se passaram no extremo Sul do país, envolvendo, direta ou indiretamente, a bravura dos gaúchos. Assim foi com a Guerra da Cisplatina, em 1825/1828, resultando na formação do Uruguai. Seguiu-se outro conflito em 1851/1852, conhecido como Guerra do Prata, com a vitória de forças brasileiras na Argentina, em apoio ao Uruguai. Seguiu-se, entre 1865/1870, o grande conflito conhecido pelos nomes de Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra do Paraguai, abrangendo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Ainda mais , cabe mencionar a Revolução Federalista e a Revolta da Armada, ocorridas entre 1893 e 1895, em reação à República. E , finalmente, em 1930, veio do Rio Grande do Sul o movimento que estabeleceu o governo de Getúlio Vargas, cujos dois períodos somaram quase duas décadas.
Além disso tudo, existe a comida gaucha que, só de pensar, traz água na boca. E o seu belíssimo folclore. São outras fortes expressões culturais, que encantam o forasteiro.
Se entrarmos nelas, será necessário escrever um tratado, e o Mano não vai gostar.
Assim, encerro este texto citando a beleza da lenda afro- cristã do "Negrinho do Pastoreio", que condenava a escravidão.
Eu a ouvia emocionado, menino, quando morava em Tubarão, Santa Catarina. Dali, durante a II Guerra Mundial, meu Pai, engenheiro, implantava ramais da estrada de ferro para o escoamento do carvão das minas catarinenses para navios destinados aos demais estados da nossa costa. A importação de combustíveis tinha sido suspensa. O Brasil não podia parar. E não parou...
Caro Chicão, viva o Rio Grande do Sul!
Um forte abraço.
Domingos
Caríssimo Domingos,
ResponderExcluirLamento não ter respondido a este teu belo e importante comentário sobre o RS ontem, ainda.
Mas eu tive de ir à capital, Porto Alegre, e voltei tarde, a ponto que abri o micro agora.
Muito obrigado pelo que disseste da minha terra, na verdade nossa, pois somos todos do Brasil!
Um grande historiador certa feita cunhou uma frase que ficou célebre pela sua legitimidade:
" A História do Brasil inicia com a do Rio Grande do Sul"!
Se existe um Estado que tenha estado presente nas maiores guerras e revoluções do país e da América do Sul é o RS.
E, além das que mencionaste com muita propriedade, temos aquela que tem sido motivo para feriado a cada ano e desfile do gaúcho no seu cavalo e pilchado (roupa tradicional: bombacha, botas, esporas, cinto de guarnição, chapéu de barbicacho, chiripá, e o indefectível lenço vermelho no pescoço), a nossa Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos, de setembro de 1.835 até março de 1.845.
A mais longa e importante revolução do país, que durou quase 10 anos!
Indiscutivelmente, a mais violenta revolução acontecida na América Latina foi a Federalista, com mais de 10.000 mortos, tornando-se famosa negativamente pela degola!
Qualquer dia desses eu me atreverei e escreverei um artigo sobre a Revolução Farroupilha.
Domingos, mais uma vez o meu agradecimento pelo texto portentoso que escreveste.
Um forte abraço.
Saúde e paz.