Pablo Picasso - Femme et un vase de fleurs (1909) |
Moacir Pimentel
Enquanto
Braque fazia as cubices dele privilegiando paisagens e natureza mortas, durante
o ano de 1909, Picasso formulou uma série de representações da sua companheira
Fernande. Com seus olhos escuros e amendoados, o lábio superior polpudo, o
queixo pontudo e a farta cabeleira trançada, Fernande foi uma presença crucial
na arte de Picasso.
À moça é
creditada uma profunda indolência e interesses focados em chapéus, perfumes e
vestidos. Pelo menos é isso que Gertrude Stein nos diz no livro Alice B. Toklas, no qual a escritora
assume a personalidade e a voz da sua companheira - a Alice do título - para
contar a própria história. Gertrude descreve Fernande como “sempre bonita, mas
pesada”. Será? Na verdade a garota escrevia bem demais, tinha espírito e é nos
seus escritos que se encontra o registro mais preciso da vida de Picasso
durante esses anos de formação cubista.
As telas que
o espanhol cometeu no ano de 1909 formam um conjunto que se destaca na história
do retrato, abrangendo praticamente todos os meios. Uma devoção tão intensa
assim a uma única modelo foi algo inédito no trabalho de Picasso. Mesmo que, da
coleção, apenas umas seis telas representem claramente a moça e possam ser
chamadas de “retratos”, o conjunto da obra impressiona.
Tenho
certeza que à primeira vista você vai pensar que a Fernande que mora nessas
telas é prima legítima do Alien, aqueeeele oitavo passageiro (rsrs) Isso se
deve, em parte, à necessidade de posse que Picasso tinha de tudo onde seus
olhos batiam. Ele estava experimentando um estilo novo e, em parte, ao fato da mão ter pesado demais nas figuras que veremos a seguir, primitivas e inumanas, ainda o resultado que
a arte tribal africana tivera no artista.
Mas o que
confere às presentes imagens sua força é o que Picasso faz com elas: a
liberdade imprudente com que o pintor as incorpora na sua visão pessoal e as
liberta para que sirvam às suas próprias necessidades estilísticas e psíquicas.
Não se sabe se fazia isso de maneira consciente – afinal o toureiro tem fama de
machista! – mas sem dúvida esse cara tinha necessidade de dominar suas senhoras
e não somente com a força avassaladora de sua potência artística. Outras
mulheres tiveram suas formas esfaqueadas pelos maridos pintores de forma bem
mais suave e morna. Um exemplo de cubismo caridoso? Madame Jean Metzinger.
Jean Metzinger - Portrait de Madame Metzinger (1911) |
Pois é. Só
que o prezado Jean Metzinger não era um Picasso que, de quando em vez, fazia de
suas companheiras viragos ameaçadoras ou criaturas de frente e de perfil a um
só tempo, lua cheias e quartos minguantes. Era como se o espanhol almejasse
retratar não apenas as peles, a aparência invariavelmente bela, mas a
totalidade das suas criaturas, capturando a menina, a mulher, a velha, a mãe, a
fêmea, ontem, hoje e amanhã, por dentro e por fora, de frente, de perfil, de
bruços e “de ladinho”, “inteira e aos pedaços”, como diz a Donana. Além disso
também precisava expressar, nas tintas, o que sentia por elas, tudo junto,
misturado, ambivalente, plurifacetado porque Picasso era Picasso e, de sê-lo, o
cubismo foi a sua linguagem ideal. Simples assim.
Mas ao
observar tecnicamente as primeiras telas verdadeiramente cubistas do espanhol a
gente entende, de saída, que Georges Braque largara na frente na “cubismonização”
geral de paisagens e naturezas mortas. Em seguida se percebe que o cubismo
emergente de Picasso, nesse estágio, estava concentrado de maneira incomum na
fisionomia e no clima emocional da sua amante, talvez um dos maiores amores da
vida dele. E mais: que nascia repleto de superfícies crispadas e de sentimentos
complexos e com uma tristeza como pano de fundo.
No ano
fecundo de 1909, Picasso produziu cerca de sessenta imagens cubistas femininas
em vários formatos - cabeça, busto, meio corpo, corpo inteiro e reclinado - que
possuem claramente atributos de Fernande. Ela sempre esteve lá, uma presença
física no estúdio e então ele a pintou ou desenhou ou aquarelou bordando,
lendo, cozinhando, escrevendo, costurando, dormindo, em devaneio ou reclinada
nua no sofá.
A
fragmentação das imagens torna a identidade da moça difícil de reconhecer. Mas a
postura ereta, a pose, o cabelo preso em um coque e/ou em uma longa trança, os
ossos faciais, a estrutura dos músculos dos ombros, tudo isso identifica essa
figura onipresente como Fernande. Embora as características da amada o
inspirassem, essas imagens não são retratos no sentido tradicional e o nome da
garota raramente é mencionado nos títulos das obras.
O que todas
as pinturas de Fernande têm em comum são as credenciais histórico-artísticas
impecáveis, o fato de serem composições complexas mas altamente resolvidas,
executadas em uma época em que tanto Picasso quanto Braque estavam elaborando
uma nova linguagem formal radical baseada em pontos de vista mutáveis e planos
facetados.
Mesmo que as
imagens que o espanhol fez da companheira representem um momento seminal na
evolução da arte moderna, a importância delas é menos individual do que como
parte de um todo estupendo que foca um único tema e investiga uma única ideia.
Picasso não tratou de nenhum outro assunto com tal escrutínio durante esses
anos pré-guerra, e esses bustos e corpos inteiros nos quais Fernande aparece
como modelo e/ou como tema constituem a primeira das inúmeras futuras “séries”
do artista.
A arte que
Picasso cometeu depois das Senhoritas d'Avignon, a sua grande explosão
fetichista povoada por prostitutas nuas e desfiguradas com faces ameaçadoras e
mascaradas, sugere que o toureiro saltara para a tal da quarta dimensão antes
de olhar para os lados e que estava tentando encontrar seus caminhos em um
universo desconhecido.
Esses
trabalhos estranhos também nos fazem pensar nos de Gerorges Braque, no quanto o
francês era tão bom quanto o catalão porque, a essa altura da busca de Picasso,
enquanto nas suas telas a ilusão do espaço tridimensional estava começando a
ceder espaço à franqueza bidimensional, Braque já quebrara as paisagens e as
naturezas mortas em facetas afiadas e retangulares, marrons e bronzeadas, já as
reorganizara sobrepostas em um plano raso ao invés de recuar para longe e, de
quebra, Dona Abstração já piscava o olho, de longe, para o francês.
As cubices
desses dois só podem ser compreendidas se confrontadas, mas eles foram
coerentes ao longo do tempo, com as tentativas e erros e com os insights de
cada um a partir de duas fontes que, a princípio, formam um par improvável. A
primeira foi a arte de Paul Cézanne, com suas perspectivas fraturadas e o
estilo analítico de observação.
Georges Braque - Grands arbres à L'Estaque (1908) |
A segunda,
um pouco mais estranha, foi a figuração estilizada da arte africana que
ofereceu primeiro a Picasso e depois a Braque os meios para sair dos confins da
representação e sacudir as fundações da pintura ocidental.
Olhando para
as artes deles, lado a lado, nos fica claro como o sol do meio dia que Braque
ganhava todas quando o jogo era brincar de Tio Cézanne, aplicando as lições do
Mestre sobre perspectiva e nivelamento. Por outro lado, o estudo de Picasso
sobre a arte africana fora mais profundo e seria vital para que eles
inventassem uma nova linguagem pictórica.
Na arte de
Braque os retratos aconteciam de quando em vez enquanto a arte do retrato
ocupava um lugar especial, talvez central, no trabalho de Picasso. É por isso
que o espanhol começou sua aventura cubista com essas pinturas de Fernande em
um dos capítulos mais angustiantes na história da arte.
Os retratos
dessa mulher destacam-se não como um passo à frente mas como um sprint em
ziguezague, um surto que mostra Picasso quebrando e extraindo o código das
Senhoritas e lutando para elaborar um vocabulário formal, flexível e ampliável,
que o libertaria definitivamente para retratar a realidade de novas maneiras.
Para o
pintor, naquele momento, os objetos eram uma multiplicidade de formas planas
coloridas com as quais ele queria fazer uma arte pura, cerebral e conceptual
através da reconstrução das formas naturais segundo a lógica e a geometria,
rejeitando a simples cópia ou representação da aparência visual e sensorial dos
objetos e, bem assim, os registros sequenciais de que falava o “professor”
Poincaré. Traduzindo: Picasso, como sempre, queria tudo e ao mesmo tempo (rsrs)
Ele
precisava por alguma ordem nas diferentes perspectivas de um mesmo objeto,
sistematizar a simultaneidade nas tintas, enfim, normatizar a representação
quadridimensional que inventara. O sucesso teve um custo que foi além da arte,
e explica em parte a qualidade lenta e apática da modelo e o temperamento
melancólico dos trabalhos.
De qualquer
forma, esses estudos de cabeça e figura de Fernande dão à pintura de retratos uma
estranha dimensão paisagística, muitas vezes reforçada por fundos montanhosos e
uma paleta de verdes, cinzas e marrons que nos remetem ao ar livre, aos
planaltos remotos ao sul de Barcelona onde nasceram.
Pablo Picasso - Figure dans un fauteuil (1909) |
Enquanto
casado com essa jovem mulher, na grande maioria de suas composições Picasso
simplesmente absorveu o corpo e a face da companheira tão completamente no seu
vocabulário visual que todas as mulheres que pintava se tornavam, por assim
dizer, Fernandes genéricas. Mas as imagens cubistas de Fernande, na realidade,
nos dão testemunho não dela, da mulher, mas da luta de Picasso às voltas com
uma ambição formal difícil: traduzir sua visão instável em uma sólida peça de
escultura que, como se não bastasse, deveria ainda ser expressiva.
Essas obras
são uma revelação do processo de desconstrução/ reconstrução de Picasso, uma
narrativa de como foi inventada a linguagem cubista. No Museu Picasso de Paris,
alguns estudos e esboços preliminares que o artista fez antes de pintar essas
telas nos mostram novas equivalências, como a forma de um obelisco sendo
trabalhada para servir de nariz e a de um livro aberto sendo planejada para
virar uma boca. Por favor dê uma olhada no rosto abaixo:
Pablo Picasso - Femme assise (1909) |
O lábio
superior dessa moça é um livro aberto! Tais formas quase abstratas pelas suas
colocação, torção e inclinação foram usadas na figura como feições e de forma a
produzir um poderoso efeito. A direção do olhar, a inclinação da
cabeça/montanha versus a inclinação do nariz/obelisco versus a inclinação do
lábio/livro produzem curiosamente uma pensativa e melancólica mulher. A tela
foi batizada de Mulher Sentada e pertence a um subgrupo de mais cinco composições,
nas quais as feições carnudas de Fernande foram transformadas em formas duras e
angulares interligadas com um enorme pescoço bifurcado.
Não há
dúvida de que os esboços desses detalhes faciais isolados revelam os esforços
de Picasso para encontrar formas fluidas mas sólidas o suficiente para inspirar
retratos esculturais. O fato é que o toureiro fez de Fernande a sua imagem
culminante e levou essa imagem a novos extremos, enquanto lutava para reter
elementos de semelhança ao pintar a moça de forma cada vez mais cubista.
Mas, com
certeza, dessas tintas vanguardistas brota um olhar torturado que sugere as
ansiedade, tristeza e melancolia de Fernande, como cabalmente demonstrado
também pelo quadro Mulher em uma Poltrona, abaixo, no qual ao enfatizar a
posição descendente da cabeça da amante, Picasso dotou a figura com uma aura de
melancolia, uma qualidade expressiva raramente encontrada em obras cubistas.
Pablo Picasso - Femme nue dans un fauteuil (1909) |
A Mulher em
uma Poltrona, em particular, é um clássico exemplo da melancolia na arte do
retrato, diretamente proporcional ao ângulo mais ou menos reduzido da cabeça
das modelos. Picasso criou aí uma torção e um peso que emprestam ao pescoço da
moça uma monumentalidade quase arquitetônica, ressaltando além da impressão
de tristeza uma visível tensão.
Porém a
pergunta é: essa melancolia de Fernande sugerida de novo e de novo nessas telas
seria uma experimentação pictórica ou seria real e, se positivo, qual teria sido
a sua causa? Com a palavra Fernande:
“A vida é miserável. Pablo é rabugento e nele não posso encontrar
qualquer apoio moral ou físico”, escreveu a garota para Gertrude Stein
durante o verão de 1909.
Tudo bem que
durante nessas férias que passou na Espanha, Fernande teve uma infecção renal e
passou muito tempo sentindo dores fortes, incapaz muitas vezes de sair da cama.
Mas nas suas cartas ela confessa estar deprimida e sentindo-se negligenciada
pelo amante. No entanto esses retratos são tão obsessivos e a obra de Picasso
tão autobiográfica que eu confesso cogitar se por acaso essa tristeza era só
dela.
Fernande foi
a única mulher com quem Picasso esteve profundamente envolvido na pobreza, que
o conheceu e amou antes do cara se tornar “O Senhor Picasso” da História,
quando ele ainda era capaz de um tipo de intimidade que sua ambição e talento
logo tornariam impossíveis. O casal pode ter percebido nas sombras e silêncios
cada vez mais profundos entre eles, nas suas antigas afinidades cada vez mais
desvanecidas, que a mudança estava a caminho, que o fim viria em breve devido
ao poder da linguagem dos retratos que estavam sendo cometidos. Pobre Fernande!
Como se não
bastasse a distração do companheiro, o processo artístico recém inaugurado por
seu amado transformara a imagem de tinta em algo que não mais resultava da
observação do objeto que, no caso, era o seu lindo corpo! - e grande arma! -
mas da imaginação borbulhante do sujeito. Na verdade Picasso já não mais
precisava trabalhar com modelos, ao vivo e a cores. Em vez disso, a figura
feminina tornara-se para ele um meio de experimentar com a forma. Ele também
silenciou as cores: as sombras usadas para a figura e aquelas que descreviam o
seu entorno e/ou a paisagem circundante saiam da mesma paleta e o resultado é
uma cromaticidade harmoniosa nessa carnificina cubista do corpo de Fernande.
Mas então,
no meio do baile, Picasso mudou de rumo de novo. E as suas figuras,
posicionadas centralmente, passaram a nos serem mostradas olhando fixamente
tanto para a frente, quanto para a direita ou para a esquerda. Simultaneamente.
Ou seja, nós as enxergamos múltiplas. Veja como apesar de percebermos, à
primeira vista, essa mulher abaixo de frente, é a sua versão de perfil que está
em primeiro plano, à direita da tela, muito mais nítida e finalizada.
Pablo Picasso - Femme aux poires (1909) |
É como se o
pintor tivesse se movido em torno e acima da companheira e analisado todos os
seus ângulos e capturado dela não apenas uma visão, mas muitas, sucessivas, de
uma pluralidade de pontos de perspectiva, de todos os lados e ângulos, cada
aspecto, cada reentrância e protuberância, cada elemento em momentos diversos
no tempo e a reconstruído, fundindo todos o vislumbres que tivera da moça de
uma só vez em uma única imagem que, facetada, representa a essência completa do
tema, se não todas as características da Fernande.
Estamos
falando novamente de Senhoritas Espaço-Tempo, de uma quarta dimensão, de
plurivisão, de múltiplos pontos de vista, de aspectos fragmentados e
equilibrados pela geometria, de sensações táteis e motoras, da inteligência
subjugando os sentidos, de todas as nossas faculdades, das personalidades
interferindo no espaço pictórico e transformando a imagem, de uma passagem
entre dois espaços subjetivos - o do criador e o do observador - para se
inventar uma imagem total, uma nova verdade, nascida tanto da percepção quanto da imaginação.
Até hoje,
mais de cem anos depois, esses retratos chocam os nossos pobres olhos. Os
planos prismáticos e agitados, a reformatação do rosto para se tornar uma
grande quantidade de superfícies assimétricas, a angularidade usada para
mostrar várias perspectivas simultaneamente, a figura que nos examina através
dos olhos vazios, são características um pouco desconcertantes. Mas ele atingiu
seu objetivo, essas imagens são esculturas.
Pablo Picasso - Tête de femme (1909) |
Claramente,
Picasso dividiu-se em três dimensões, em parte para obter uma ideia mais
precisa da integração da figura e do espaço. Mas essa Fernande aí de cima não é
tridimensional. Consigo percebê-la de frente, e duas vezes de perfil: o direito
e o esquerdo se unindo como em um beijo. O que vemos nessa tela é a
profundidade obtida por diversas perspectivas simultâneas, é o movimento em
profundidade, ou o tempo, ou o espaço-tempo, a quadridimensionalidade
conquistada pela apresentação simultânea de múltiplos aspectos de um objeto na
página bidimensional.
Parece até
que o cara apalpou a moça, que a examinou e/ou explorou através do toque, que
sentiu seus exatos tamanho ou forma ou firmeza ou volume real. Essa pintura é
um produto da experiência, da memória e da imaginação do toureiro, mesclando
uma série complexa de elementos do passado e do presente, da memória e da
visão, da real e do virtual, do que é tátil e do que é criado. Picasso começou
aqui a reduzir tudo a facetas. Em alguns trabalhos ele trata os planos como
manchas de cores suaves e sem bordas que lembram aqueles músculos expostos nos
estudos anatômicos de Rembrandt. Em outros, ele envolve as facetas em linhas
duras e nítidas, como se tivessem sido esculpidas em pedra.
Essa Cabeça
de Mulher de tinta é caracteristicamente composta de formas geométricas
desconexas, o que cria, paradoxalmente, a ilusão de se estar vendo Fernande como
uma escultura tridimensional. Não é de surpreender portanto que, depois de
fazer um estudo tão completo de como renderizar em uma superfície bidimensional
uma mulher quadridimensional, Picasso tenha tentado ampliar a experiência,
aplicando a metodologia à escultura tridimensional (rsrs)
Ao retornar
a Paris em setembro de 1909, ele esculpiu uma cabeça em gesso e a fez moldar em
bronze e pronto: nascia a agora famosa Cabeça
de Mulher (Fernande) considerada a primeira escultura cubista.
Traduzindo
drasticamente as facetas ordenadas do cubismo em três dimensões, essa escultura
transforma seu tema em um redemoinho de pequenos picos e vales que nunca
permitem que o olho encontre um local de descanso ou paz, nem qualquer
perspectiva única e unificadora. Os planos e torções dão ao rosto um ar
atormentado, quase cego, como se tristeza fosse o seu sobrenome.
Pablo Picasso - Tête de femme - Fernande (1909) |
As pinturas
que acabamos de ver são os primeiros retratos cubistas puros de Picasso. Embora
a escritora Gertrude Stein teimasse que também as paisagens que o artista
pintou nesse mesmo verão foram as primeiras cubistas, não é verdade. O fato de
Gertrude amar por demais o toureiro, não a desculpa por essa injustiça para com
as paisagens cubistas que Braque pintara um ano antes. Mas veremos as telas do
encanto da escritora e, bem assim, o local onde o espanhol encontrou o caminho
do cubismo na nossa próxima conversa.
Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro! Primeiro aposto que o pintor Jean Metzinger continuou casado kkk Depois acho que você é muito caridoso quando chama estas monstruosidades de 'primas legítimas do Alien'. Eu li até o fim e entendi as 'estilísticas' mas conclui que as 'necessidades psíquicas' de Picasso só podiam ser doentias kkk Não, obrigada, nada neste mundo me faria levar a pobre Fernanda pra casa.
ResponderExcluirMônica,
ExcluirDevo confessar que estava curioso para ler suas impressões a respeito das "passageiras" de Picasso e folgo em saber que leu até o fim (rsrs) Certa vez, perguntado porque desfigurava sua mulheres, ele respondeu que as pintava como as via enquanto as beijava (rsrs) Porém o cara não acordava de mau humor e, pronto!, tirava o resto do dia para enfeiar as namoradas. Sim, a mão pesou na carnificina formal feminina em pauta, mas os trabalhos são uma etapa importante e corajosa da experimentação cubista do artista que, ao pintar a "fealdade" foi original e moderno, arriscando-se, de caso pensado, a não ser levado nem a sério nem para casa (rsrs) “Obrigado!” e abração
Olã Moacir,
ResponderExcluirGostei demais, demais desse texto.
E aqui vou eu inteira aos pedaços como não poderia deixar de ser.
Uma vez disse que você tem alma feminina e talvez tenha ficado incomodado pois nem brincou!!! Mas vejo nessas explicações, inferências diria, um pouco desse ser sensível e vivido dentro de um amor compartilhado. Só assim você interpretaria a tristeza de Fernande "...que eu confesso cogitar se por acaso essa tristeza era só dela..." Não se consegue estar feliz se o outro está triste. Principalmente se essa tristeza vem de vida comum.
E mais "O casal pode ter percebido nas sombras e silêncio...que a mudança estava a caminho..." Pelo meu experimentado parece coisa já vivida, fases que passamos e superamos. E continuamos felizes vida afora.
E mais, no meu feminismo entendo que só um homem de "alma feminina" poderia descrever assim. Um homem comum sentiria mas não entenderia.
Não sei se lhe ( parece estranho usar o lhe mas estou aprendendo a escrever melhor com vocês do blog) ponho em saia justa, se estou sendo invasiva mas foi você mesmo quem me fez pensar assim, exposto. Nao é o que a gente faz quando escreve ou desenha? Se mostrar do avesso?
Se quiser não comente.
Mas que o texto é bom demais é inegável.
Até sempre mais.
Caríssima Donana,
ExcluirDe fato, não fico muito à vontade quando viro o tema das conversas (rsrs) Mas que bom que a senhora gostou do texto e não, não considero "invasivas" as suas pretinhas "feministas" até porque, seja lá qual for o adjetivo no crachá, a minha "alma" continuará a mesma (rsrs) Porém eu discordo sim, da ênfase que dá ao “experimentado”, ou seja, da leve sugestão implícita de que só a dor pode ensinar a gemer. Penso, em vez, que somos capazes de sair de nós mesmos e de compreender a vida além das nossas práticas individuais. Também acredito que a sensibilidade e a racionalidade são capacidades da alma e da mente humanas - independentemente de gênero- e que elas não são compartimentos estanques.Já defendi nessas paragens que as emoções são neurais, que todos nós possuímos os tais dos "neurônios espelhos" que nos possibilitam entender os outros e nos colocar em seus sapatos em quaisquer circunstâncias e vivências, por mais diversas que sejam das nossas. É por causa DISSO, da empatia cognitiva, que lemos livros, assistimos filmes, curtimos música, vamos ao teatro e gostamos de pinturas e de posts. Dona Arte, além de afastar o tédio destrutivo das nossas rotinas, talvez nos ajude a encontrar um equilíbrio interno entre as energias poderosas da razão e da emoção e da real e da imaginação.
Quanto às minhas explicações das pinturas na roda é claro que refletem a minha estrada “compartilhada” – graçasadeus! - na qual, às vezes, não é mesmo possível entender as senhoras, nem discutir a relação, principalmente durante os noticiários e/ou os jogos de futebol (rsrs) Mas creio que o texto seja mais linear do que poético, até porque no processo de teclar sobre as tintas alheias tento usar como norte a leitura de boa estirpe além do meu olhar e dos achismos (rsrs) Note que sabemos que a Fernande estava triste porque, preto no branco, ela escreveu que sim. Sabemos ainda que, mesmo às voltas com as primeiras batalhas cubistas, Picasso foi capaz de sentir a melancolia da companheira porque suas tintas dizem que sim. Foi a partir da constatação desses dois fatos da vida e de saber o quanto a sua obra foi autobiográfica, que me atrevi a cogitar - baseado na lógica - se, por acaso, o casamento, então, já não estaria naufragando entre as marés e ressacas agitadas dessas duas almas. Afinal, como nos lembra sempre o Sr. Editor: "Logic is the beginning of wisdom, not the end"(rsrs)
“Até sempre mais”
Moacir,
ResponderExcluirFiquei surpresa ao verificar que Georges Braque já pintava telas cubistas um ano antes de Picasso ter feito estas primeiras obras perturbadoras. Gostei de descobrir os perfis das figuras e de ver como ele usava a forma do obelisco como nariz e a de um livro aberto para pintar a boca. Mas como adoro retratos, fiquei impressionada mesmo foi com a tela A Mulher em uma Poltrona. É incrível como Picasso conseguiu mostrar a tristeza de Fernande somente através da posição da cabeça e dos olhos ocos. O retrato é realmente muito expressivo.
Um abraço para você
Definitivamente Pimentel agora se aprofundou tanto nesta matéria, que eu apenas vou copiá-la e arquivá-la, como as anteriores.
ExcluirO assunto está muito sofisticado, e por mais que eu tenha aprendido com estas postagens espetaculares, na verdade por falta de uma base neste particular me faltam condições para apreciar com a devida importância o significado do Cubismo, e entendê-lo efetivamente.
Em razão de o artista encontrar vários meios de se declarar à sua amada, eu, destituído totalmente de talento e vocação quando disse à Marli que eu a amava fui pelo atalho!
Ela estava de viagem para Bagé, RS, em 1.970, para ir à faculdade e, antes que subisse no ônibus porque fui levá-la à rodoviária às 23 h, peguei-a pelos ombros e tasquei-lhe um beijo na boca!!!
Trinta dias depois estávamos casados!!!
Pois esta paixão irresistível dura 48 anos.
Um romantismo à lá gaudério, tipo “te aprefuma e vem”.
A alma do artista não é a nossa, dos mortais, dos comuns, dos que não enxergam nada adiante de seus narizes.
Consequentemente, resta-nos admirar essas obras, e agradecer quem está disposto a nos ensinar ao registrar seus conhecimentos a respeito, e gratuitamente!
Pois diante deste valor que concedo à obra magnífica até aqui apresentada pelo nosso expert Pimentel, que a coleciono, inclusive, relato como homenagem ao Conversas do Mano, a minha obra de arte, e como eu a fiz, ao realizar a vontade de encontrar a minha musa inspiradora, a mulher da minha vida, e tive coragem de prendê-la a mim.
Não usei a imaginação, mas a atitude;
Não utilizei qualquer inspiração, mas unicamente o desejo de apertá-la e beijá-la;
Muito menos criei alguma escola neste sentido, mas a paixão avassaladora, poderosa, definitiva!
Mesmo sem saber como se segura um pincel para pintar as telas maravilhosas que estão neste belíssimo artigo, a minha vida depois que casei passou a ser colorida, e contendo vários estilos mas, principalmente, o romantismo, que foi tão bem aperfeiçoado que dele nasceu três frutos desse amor incontido!
As obras-primas minhas e da Marli, nossos filhos.
Que nos presentearam depois com mais cinco telas inigualáveis, incalculáveis, os netos.
Não percebo outra maneira de entender um pouco, muito pouco, o artista e suas obras, pois como se fossem suas paixões, suas mulheres, seus filhos, seus netos.
Cada tela pintada tem a sua história, o seu momento, a sua ocasião.
Na vida de quem não é artista, dos insensíveis, dos sem talento e vocação, somos obrigados a ter uma trajetória que sirva como paralelo à criação do autor, no meu caso, a minha vida familiar.
Então sou um Picasso, Modigliani, Rembrandt, Van Gogh, Renoir, Claude Monet, Vermeer, até mesmo um Dali!
Um abração, Pimentel,
Saúde e paz.
Acho que quando Picasso pintou Les Demoiselles, teve apenas um insight. Ele não sabia exatamente para onde iria a seguir. Ele e Braque foram transformando as ideias que tinham em pinturas e criaram um estilo. Sem desmerecer de forma alguma o talento de Braque, avalio que trabalhar com as formas humanas foi bem mais complexo do que fazer geometria com paisagens e objetos. Espero que você fale mais das experiências dos cubistas com a antipática 'Dona Abstração', rs
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirVou falar sim de algumas obras que Braque e Picasso cometeram quando estavam próximos do salto para o tudo ou nada que jamais deram (rsrs) Porém o farei com muita lateralidade, pois a essa altura do baile cubista, não desejei prolongar a sofrida a leitura com um longo desvio semi-abstracionista. Sim, porque tudo bem que os cubistas rasgaram Dona Realidade em pedaços, esfolaram-na e subverteram-lhe os restos mortais, mas nunca foram realmente capazes de enterrá-la (rsrs) O melhor teórico do Cubismo - o poeta Guillaume Apollinaire – dizia que o estilo tomara emprestados elementos “não da realidade da visão, mas da realidade do discernimento." Ou seja, Dona Abstração foi uma filha legítima do Cubismo. Então...não é que ela me seja antipática, nada disso, é só que não temos intimidade (rsrs) Obrigado por participar.
Pimentel,
ResponderExcluirObrigado por mais uma etapa interessante do passeio cubista com informações importantes sobre os primeiros retratos e esculturas de Picasso. Pessoalmente não gosto dos trabalhos, mas gosto não se discute. Reconheço que são inteligentes e que neste tipo de arte a beleza pode não ser o aspecto mais essencial.
Sampaio,
ExcluirNão, o compromisso cubista não era com a beleza. Na realidade ninguém até hoje conseguiu definir, sem sérias controvérsias, nem o que é beleza nem o que é arte. Porém ela não é só decoração (rsrs) Quanto ao gosto, ao tal do “juízo estético”, ele é livre, imediato, intuitivo e involuntário mas, acima de tudo, filho do seu tempo.
Quando o cubismo foi exposto pela primeira vez em Nova York, em 1913, durante a Exposição Internacional de Arte Moderna, os críticos e jornalistas escreveram, horrorizados, que as crianças não deveriam contemplar as obras de van Gogh, Degas, Brancusi, Cézanne , Dufy, Braque, Picasso, Duchamp e Matisse porque tal arte iria corrompê-las! Também os nazistas proibiram a exposição pública das artes modernistas “degeneradas” na década de trinta. Hoje a conversa é outra! Porque a arte funciona a longo prazo e o artista, assim como o escritor e o filósofo, não tem prazo de validade. O certo é que a ampla e variada produção artística do alvorecer do século XX, impôs a reavaliação dos padrões e preceitos, das medidas de aferição para a avaliação crítica da pintura. Ainda bem!
Obrigado e abração
Prezado Autor Sr. MOACIR PIMENTEL,
ResponderExcluirMuito obrigado por esse excelente trabalho sobre Cubismo, nesse caso mais focado em Picasso e sua Modelo preferida Fernande, (Moça muito bela embora um pouco pesada, segundo Gertrude Stein).
Segundo esse Pesquisador da História da Arte, Viajante do Mundo desde a juventude com mochila e habilíssimo Escritor Sr. MOACIR PIMENTEL, só no ano 1909 Picasso a Cubolizou em mais de 60 quadros.
Mas tenho para mim que boa parte da tristeza e mau humor da bela Modelo Fernande nesse intenso relacionamento de mais de 60 quadros só em 1909, se deve ao fato de que o Cubismo não faz a mínima justiça da beleza das Modelos.
Depois de 60 quadros em que Picasso Cubolizou a bela Fernande, por aí não temos a menor ideia de como era Fernande na vida real. E isso é imperdoável para uma bela Modelo.
A Arte Abstrata, especialmente o Cubismo é letal para a Beleza Feminina.
Abração.
Prezado Flávio Bortolotto,
ExcluirPara começo de conversa muito obrigado pelo comentário e pelo neologismo: pode apostar que vou “cubolizar” bastante (rsrs) Em seguida, concordo com você que o Cubismo foi letal não só para a beleza das moças mas parece que também para as relações amorosas dos artistas (rsrs) Mas o movimento fez esse picadinho da beleza grega e das definições convencionais sobre o belo com um propósito claro. Ao pintar essas telas - elas foram só uma transição para outros tipos de cubices e não a regra do jogo - Picasso tinha um só objetivo: representar a quarta dimensão, como se estivesse se movendo através do espaço/tempo e vendo vários lados diferentes da Fernande, ao mesmo tempo. Todas essas distorções, os planos enlouquecidos, os corpos angulosos, as faces múltiplas pretendiam apenas dar a impressão de movimento, o que por sua vez implicaria a passagem do tempo.
Com certeza essa forma de arte matemática e geométrica na qual os pintores quebravam as características do seu tema para em seguida voltar a encaixá-las de um de novo jeito abstrato, exige que o espectador identifique as muitas perspectivas combinadas na imagem, como pistas, antes de perceber o significado do crime (rsrs) Para mim ISSO, essa brincadeira, por si só, pode ser considerada uma beleza.
Abração
Bendl,
ResponderExcluirÉ isso aí: a mais bela das artes é viver e já dizia Fernando Pessoa que a mulher amada é “ tela irreal em que erro em cor a minha arte”. Casar com a garota dos sonhos, trinta dias depois de tascar-lhe o primeiro beijo roubado, realmente não é para qualquer um. Você se superou (rsrs) Mas talvez esse seja o modo gaudério de ser que, infelizmente, a gente só conhece através das páginas do Tempo e o Vento, das mini-séries da Globo e dos quadrinhos do Analista de Bagé, aquele “freudiano barbaridade”(rsrs) Lembro de um no qual o Analista chega em uma casa para um atendimento domiciliar, amarra o cavalo em uma árvore e bate à porta. Uma senhora aflita o atende:"Graçasadeus, doutor, vá entrando, o doente é meu filho. Ele está há dias sem sair da cama, com uma depressão terrível!"
O Analista avança casa adentro, arrastando as esporas, entra em um quarto, vai com passos decididos em direção à cama, arranca as cobertas e agarra o "vivente" e dá-lhe um safanão que o lança para fora do quarto:
"TE ARRANCA DESSA CAMA, ANIMALLLLLLLLLL !!!!!!!"
É hilário imaginar essa frase sendo dita com o sotaque gaúcho da tripla fronteira, bem carregado, com o L final pronunciado como no espanhol. Escreva mais, tchê. Bem mais divertidas que as minhas “sofisticadas” cubices são as suas bem narradas histórias. Conte-nos mais dos seus pampas revolucionários temperados com esse enorme afeto que você lhes dedica.
Abraço
1)Uma nova semana está começando e estou aqui postando algo que o artigo de Pimentel me provocou na semana passada.
ResponderExcluir2)Lembrei do pintor (1856-1925)EUA, quando declarou: "Toda vez que eu pinto um quadro perco um amigo".
3)Espero que o Moacir não fique chateado pois tenho demorado nos comentários sobre os textos dele. É que fico lendo pausadamente, tentando me observar no comunicado.
4)E dessa vez o que me impactou foi aquela história dos maridos esfaquearem as esposas cubicamente. Então verifiquei que cada face desse cubismo são as nossas faces internas e externas, tentando interagir interfaces.
5)Boa semana para todos nós com as nossas múltiplas faces/lados.
Antonioji,
ExcluirCom certeza que não fico chateado por você ler da forma certa (rsrs) No domingo, em um dos jornalões, chamou minha atenção o jeito de um articulista descrever a sua última leitura : “Foi uma jornada e tenho a sensação de que o livro me leu”. É por aí! Quanto à citação, até concordo com ela, mas creio que os pintores correm mais riscos de perder amores e amigos quando os retratam (rsrs)
Também penso que o Cubismo pode e deve ser entendido como interface, o resultado da interação de vários departamentos: da realidade e da imaginação , da experiência e da memória, da visão e do tato, do pintor e do tema, da quarta dimensão e do plano bidimensional. Pela primeira vez na história da arte a inteligência ganhou a guerra contra os sentidos, a imagem tornou-se apenas uma passagem entre o criador e o observador e então....as tintas filosofaram.
“Gratidão”