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Heraldo Palmeira
Sabemos que
os idiomas não são universais. Basta pensar no nosso português, que se
diferencia muito do que é falado e escrito em Portugal, a nossa outra pátria-mãe.
Por isso, fica difícil entender esse simples “Adeus, Rússia!” em russo – de
acordo com um desses tradutores digitais. E será sempre incompreensível para
nós, para eles e para todos, caso cada um resolva falar uma língua própria.
O jogo da
bola praticado em qualquer lugar do planeta, seja com sotaque de terreno
baldio, de meio de rua, de roça, de beira de praia, de várzea tornou-se
linguagem internacional. Claro, dá para ser falada com aquele jeitão
improvisado dos turistas em terras estrangeiras, se virando em gestos como se
fosse um drible que às vezes resolve. Mas não dá para entrar em campo à vera.
Para chegar
ao extremo superior, um estádio fabuloso onde ocorre uma final de Copa do Mundo,
não dá para falar os dialetos das peladas de amigos, é preciso ser especialista
na linguagem universal pois o mundo estará na plateia querendo compreender tudo
que será dito e feito.
A Seleção
Brasileira parecia falar corretamente antes da Copa e todos nós estávamos
compreendendo perfeitamente. A ponto de muitos terem certeza de que não
teríamos adversários na terra dos czares. Bastou soar o apito do primeiro jogo,
como uma campainha que abre as portas das salas de aulas, e nos engasgamos na
hora de falar grosso diante da língua misturada dos suíços.
Saímos de
campo esbaforidos, recitando as velhas reclamações de alunos relapsos, com o
eco da imprensa credenciada. “É o nervosismo da estreia, amigo!”. Não causou
surpresa quando chegamos a temer a Costa Rica, que não passa de simpática curiosidade
no mapa-múndi da bola! E repetimos nosso repertório resumido diante de Sérvia e
México, nossos colegas de repetência na grade curricular dos dialetos.
Conseguimos
passar raspando por média e fomos aprovados no nível básico. Aí vieram os
belgas e nossos estrangeirismos não foram compreendidos. Ficamos falando
sozinhos no primeiro exame do nível secundário, de novo apelando para as
surradas reclamações dos alunos relapsos. Tivemos medo de jogar, até porque aquela
Bélgica de futebol alegre não era nenhuma máquina de bola. Apenas um time
aplicado, o mesmo que penou para ganhar do Japão, mas colocou alma no campo e
virou o placar, não deixou o jogo ficar dramático, mesmo perdendo pelos mesmos
2x0 e antes dos dez minutos de jogo.
Os belgas jogaram
conosco cuidando da própria vida, sem tomar conhecimento dos problemas de
linguagem do Brasil, muito menos do nosso arrotado favoritismo – idiotice que
saiu de moda desde 1970, quando erguemos a taça Jules Rimet. Ali ficou claro
que estávamos compreendendo muito bem a linguagem antes da Copa porque tudo vinha
sendo falado em português no reino encantado da camisa amarela. Na Rússia,
nossa língua virou um reles dialeto que travou a comunicação universal, como
acontece cedo ou tarde.
Fomos
cansativos na repetição dos mesmos erros. Fomos arrogantes na nossa pretensa autossuficiência,
na fantasia infantil de “país do futebol”. Parece cada vez mais claro que chegou
a hora de encararmos nossas deficiências, inclusive na administração dos nossos
recursos humanos que são empacotados na tal delegação – jogadores e demais
profissionais que viajam para fazer nossa bola rolar pelo mundo. Ou isso ou
seguiremos caminhando cada vez mais para o espaço mediano reservado a turistas
que “se defendem” diante da linguagem universal. Aqueles que nunca vão muito
longe.
A comissão
técnica terminou vítima de própria inexperiência internacional. Isso não é
demérito, todos têm de começar um dia. Mas é preciso ter maturidade – e aí não
é exigido experiência internacional – para responder às insinuações de atletas
e familiares de que algo estranho ocorreu nos treinos para machucar até
seriamente jogadores que sequer entraram em campo. A ponto de culparem o
colchão de um hotel de luxo!
Para
explicar por que determinados jogadores ocupam uma categoria “de confiança” e
não precisam estar no máximo apuro técnico para serem convocados, tomando o
lugar de outros que poderiam ser mais úteis. Explicar por que os técnicos
colocam em campo ou não substituem jogadores que não estão rendendo nada. E
isso não é privilégio de Tite, basta olhar para trás e lembrar o que sofremos
com dungas, felipões, zagalos, luxemburgos, parreiras, evaristos, coutinhos,
lazaronis...
Aquele
Marcelo do Real Madrid esteve na Copa? – já tinha mandado uma holografia em
2010. Como pode Douglas Costa ter ficado na reserva? Como pode um centroavante
jogar cinco partidas, não fazer um único gol e continuar entrando em campo para
encher nossa paciência com aquele papo esfarrapado de papel tático? Como pode
aquela enxurrada de passes errados? Como pode um elenco de “estrelas” que não
sabem chutar a gol, único remédio para furar retrancas ou abrir defesas
fechadas? Saudades de Pelé, Tostão, Jairzinho, Rivelino, Zico (que dava 700
chutes a gol depois de cada treino), Éder, Nelinho...
Por que essa
insistência jeca de tentar transformar uma reunião de pessoas que mal se conhecem
ou pouco convivem, em “família qualquer coisa”? Por que incluímos nos nossos
sofrimentos das derrotas a desculpa esfarrapada de apagão emocional, esse
fricote que acomete jovens que ganham fortunas para jogar bola e se tornam
reféns de uma vidinha cheia de luxos e ostentação, e vazia?
Até quando
vamos ocupar a comissão técnica para acobertar, administrar e defender lundus
de garotos mimados, sem qualquer noção de nacionalidade e sempre antipáticos
com os torcedores – como se viu na saída do time do hotel, indo para o estádio
onde a Bélgica nos mostrou o caminho da roça? Por que essa dificuldade para
chamar o grupo ou seja lá quem for a estrelinha de plantão à responsabilidade,
mostrar que ninguém é maior do que a camisa nacional e a representatividade do
país? E, mais, que eles estão ganhando da CBF os mesmos dinheiros fabulosos
para entrar em campo e trazer resultados?
Quando é que
a Seleção voltará a ter postura de um time que defende as cores nacionais e
deixará de parecer um amontoado de amigos ricos que se encontram para curtir a
vida e bater uma bolinha sem qualquer preocupação com o mundo ao redor?
É hora de
olhar os sinais, perceber que todos os times que dependem de uma “estrela”
voltaram para casa mais cedo. É hora de se pensar em futebol coletivo, tático,
jogado com arte, e usar nossos tantos craques para entrar nessa roda. Aí
seremos novamente um dos donos do jogo.
É hora de
perceber que esse negócio de franquear acesso a determinados jornalistas que
promovem um pachequismo constrangedor já gerou consequências negativas
suficientes, não devemos insistir com essa prática. Está na hora de retirar de
dentro da concentração o glamour televisivo com seus tambores de baticum
repetitivo e aqueles bonecos gigantes com cara de patetas. Chega de ufanismos
maquiando a realidade.
Há algum
tempo, o Brasil entra em campo sem transmitir um mínimo de confiança, os caras
chegam cabisbaixos, alheios. Dentro do jogo, o time deixa sempre a impressão de
que anda mais devagar do que os demais, de que compete num ritmo (a tal
linguagem) menor do que está posto no futebol internacional de alta performance.
A
dificuldade de tirar alguém do time – como fez a Suécia com seu astro arrogante
e desagregador Zlatan Ibrahimovic –, de usar o banco de reservas no momento certo,
de administrar penteados, de proibir o cai-cai que nos ofende e envergonha deve
ser defenestrada. Nos transformaram em piada mundial, inconveniente e com
inédita sobrevida, e isso definitivamente não foi legal. Ganhamos uma marca
desonrosa que deveria ter ficado apenas com quem não se aguentava em pé.
Bastava uma sentadinha no banco para mostrar o tamanho exato de cada um. Seria
um modo didático de mostrar que talento e postura jogam juntos.
Certamente a
Suécia não ganharia a Copa com Ibrahimovic em campo, mas deixou o aviso para as
futuras estrelinhas que se achem maior do que o time, que passam a carreira
entrando e saindo de clubes sem deixar nenhuma saudade. Estrelismos vulgares
não têm mais dado muito pé nesse negócio global.
A Copa da
Rússia sem nenhum sul-americano das semifinais em diante é um sinal de que o futebol
pegado, desleal, cheio de catimba, papagaiadas tratadas como estilo, demonstração
de raça e brio está superado. E essa decadência tem tudo a ver com a bagunça
instalada nas confederações nacionais, que exalam aquele aspecto de antro sempre
driblando suspeitas e denúncias – AFA e CBF estão aí mesmo!
Na Rússia, o
Brasil foi eliminado pela quarta vez por seleções europeias. Isso deve embutir
algum recado. Pelo visto, os europeus “cinturas duras” falaram dialetos até
1970, impotentes diante de nós, encantados com a linguagem que usamos durante aqueles
doze anos em que Bellini, Mauro e Carlos Alberto levantaram nosso idioma da
bola sobre suas cabeças junto com a Jules Rimet e fizemos história.
Depois, eles
nos deixaram para trás festejando o passado e foram aprender suas lições,
levando embora, cada vez mais, nossos meninos craques que nascem falando
dialetos com sotaque de terreno baldio, de meio de rua, de roça, de beira de
praia, de várzea e vão ensinar os segredos que não sabemos guardar em nossos
próprios clubes, diante da falência generalizada que temos aqui. De repente,
nos demos conta de que “o melhor futebol do mundo” virou esmoler, diminuiu a
ponto de acreditar que Maradona era melhor do que Pelé!
Ah, ia
esquecendo: precisamos transformar
هل سنذهب إلى قطر عام 2022؟
em “Será que vamos ao Qatar em 2022?”. Se a
escrita em árabe estiver errada, não me culpem. Se queixem ao Google em linguagem universal. Ou não serão
compreendidos.
1) Beleza de crônica esportiva, bem esclarecedora para os leigos como eu, gosto de futebol, mas não entendo muito as regras.
ResponderExcluir2)Mesmo leigo, concordo plenamente com o Heraldo, nosso futebol precisa melhorar...
3) Parabéns Palmeira. Assina, um torcedor do Palmeiras, de SP e RN e também da poesia "Minha Terra tem Palmeiras onde canta o sabiá"...
Antonio,
ExcluirO futebol precisa urgentemente voltar a ser um palco para espetáculos. É a saída. Abraço.
Mestre Heraldo,
ResponderExcluirEu gosto e acompanho a redonda nas nossas praias e nos gramados europeus: não perco os melhores jogos da Champions League. Então não me surpreendi muito com o que vi na Rússia. Nas eliminatórias o Brasil jogou um futebol pragmático, com algum sabor latino, mas apesar da coleção de craques nunca me passou pela cabeça que o time chegasse aos pés do Brasil de 1970 e /ou de 1982 , quando Sócrates, Careca, Falcão e Zico impressionaram o mundo. A nossa galera simplesmente não clicou como um time.
Diferentemente da seleção da França que aprendeu com seus erros. Na final da Eurocopa de 2016, por exemplo, os atuais campeões foram derrotados por Portugal em Paris, porque quando venceram a Alemanha, na semifinal, acharam que já eram campeões. Penso que nos faltou um Didier Deschamp, uma figura paterna e motivadora capaz de formar um time e de levá-lo metodicamente rumo ao título. Um time que não será lembrado como o mais criativo mas pelo que foi: um grupo eficiente no qual cada jogador conhecia seu papel e o executava sem falhas. Só que tudo o que o técnico conseguiu foi através de um planejamento diligente, trabalho duro, disciplina implacável e algum brilho do Mbappé. A França foi notável porque seu talentos – e egos! – deixaram de lado seus jogos individuais e os holofotes e mergulharam no coletivo.
Penso que o futebol que vimos na Rússia retratou ainda um fato da vida: tem que investir, educar, preparar, treinar, ralar: não há atalhos para excelência. Os cara pálidas investem nos seus talentos enquanto compram os nossos, para quem a única saída é aeroporto mais próximo. Talvez queiramos que as seleções canarinhas ganhem no campo as partidas que perdemos na vida, todos os dias, sem lembrar que competem com cidadãos que suam as camisas por patriotismo, pelo orgulho que sentem de ter nascido nas suas respectivas geografias.Complicado!
Abração
Caríssimo,
ExcluirVocê foi preciso e em dois pontos definiu o rumo da prosa e do jogo: os caras precisam entender que futebol é um negócio coletivo e tornou-se urgente que abandonem os atalhos. E aí arremata com tiro certeiro a questão do patriotismo deles - basta lembrar que não há filme americano em que não apareça a bandeira nacional. Abração.
Na razão direta que o futebol faz parte da vida do brasileiro, os artigos de Heraldo abordando este esporte são sempre salutares.
ResponderExcluirSe a convocação de jogadores que estão na Europa, que ganham milhões de reais por mês porque craques, especialistas com a bola nos pés, se faz necessária para que tenhamos um time de suposta qualidade, a verdade é que por estarem fora do Brasil, o jogo de uma Copa do Mundo é mais uma partida, e não o jeito de uma competição entre nações como deseja o brasileiro.
A exigência de se ter "raça" em campo, disposição, de se chegar junto com o adversário na bola, nas divididas, em demonstrar que tem mais gana de vencer, depende fundamentalmente de como o jogador entenderá que não é apenas um especialista no futebol, mas um guerreiro!
Ora, para quem está com a vida feita, e com a imprensa nacional sempre endeusando um ou outro jogador brasileiro, muito dificilmente ele vai disputar com o adversário um lance onde possa se lesionar, pois sabe que a Copa é a vitrine do bom jogador.
No entanto, faz-se mister que analisemos o seguinte:
França e Bélgica, dois países conhecidos como xenófobos, tinam mais da metade de suas seleções oriundos de imigrantes!
Praticamente os franceses e belgas montaram as suas seleções com jogadores que nasceram em outros continentes e países, então foram fortes, e venceram.
O mundo esportivo estaria diante de uma mudança no futebol e profunda?
Bom, vimos que o futebol melhorou, com mais craques nos alegrando e surpreendendo com suas habilidades, e um esporte que de fato pode ser chamado de mundial, logo, a Copa do Mundo de Futebol é o maior torneio deste planeta, onde jogado no maior país do mundo, os terráqueos se encantaram com o domínio da bola, não menos diferente o formato do planeta que somos apenas seus passageiros.
Parabéns, Palmeira, pelo artigo que nos brindaste.
E quanto à Copa de 22, tomara que tenhamos de volta a hegemonia do futebol.
Abração.
Saúde e paz.
Bendl,
ExcluirAcho que enxergamos o mesmo ponto, é preciso dar uma sacudida geral no nosso modelo de futebol se quisermos nos manter no grupo hegemônico desse negócio.
Concordo com sua visão (perguntada) de que estamos diante de mudanças produndas em tudo que nos importa. Não seria diferente com o futebol. E os grandes times e seleções já estão absolutamente integrados à realidade global de juntar nacionalidades. Abração,
Olá Heraldo,
ResponderExcluirUm texto tão bem escrito e tão desolador!
Tristeza, concordo com tudo.
Até outros mais.
Ana,
ExcluirQuem sabe, não temos de passar por essas desolações para erguer novamente a taça do mundo? Desanime não, já foi dito que "é melhor ser alegre do que triste". Quem somos nós para desmentir? Bora gritar gol e o resto é bola na rede. Até muitos mais.
Prezado Autor, Sr. Heraldo Palmeira,
ResponderExcluirAparentemente a Seleção Brasileira de Futebol falava a Língua Universal desse Esporte quando predominantemente ele ainda era um Esporte.
De algum tempo o Futebol passou a ser uma grande Indústria, naturalmente influenciado por grandes Corporações, e nessa conjuntura a Seleção Brasileira hoje fala um dialeto gaguejante, já que a maioria das Corporações predominantes são estrangeiras.
Menos mal que o Futebol é apenas um Esporte.
Abração.
Flavio,
ExcluirObrigado. O futebol precisa voltar a ser majoritariamente um esporte. E a língua universal continuará sendo falada em campo, seja dentro de campo com as nacionalidades de jogadores e técnicos, seja nos negócios com grndes corporações. Abraço.