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23/08/2018

Os retratos dos cubistas

Juan Gris - Portrait de Pablo Picasso (1912)

Moacir Pimentel
No retrato que abre o post o pintor Juan Gris pintou seu compatriota e vizinho, Pablo Picasso, bem vestido, de paleta pronta para a guerra. O toureiro parece maior do que a vida, de frente e de perfil, ocupando a maior parte do espaço com os tons de azul, cinza e marrom dos prismas e planos e formas que, ao mesmo tempo, fraturam a sua imagem e a colocam em movimento, só que inteiramente de acordo com a missão cubista, na divergência com a representação e no esforço para capturar o dinamismo da vida moderna.
Uma das coisas que na Montmartre da primeira década do século XX turbinou o desenvolvimento dessa nova e estranha linguagem cubista foi a seguinte questão: Por que fazer pinturas? Para que continuar pintando retratos quando a fotografia estava se desenvolvendo furiosamente e, portanto, já ficara claro que seu domínio seria a captura da realidade? Os artistas passaram a se questionar como é que Dona Arte continuaria viva e relevante em um mundo onde as imagens visuais estavam se tornando mais acessíveis e mais fáceis de replicar?
A resposta foi simples: as ferramentas da arte das tintas - o plano, a linha, a cor e a luz - não tinham necessariamente que ser colocados a serviço da natureza. O mundo exterior passou a dar origem à expressão da identidade do criador de arte. Essa rejeição da imitação da vida e do mundo objetivos abriu oportunidades incríveis para os artistas. É claro que essa virada foi um processo lento que ocorreu de várias maneiras e em várias etapas.
Mais lá atrás os impressionistas já haviam dedicado um capítulo à luz e à fixação de impressões fugazes. O pontilhismo de Seurat, por sua objetividade construtiva, também de algum modo preparou o terreno para a mudança futura. A libertação das cores foi iniciada por van Gogh e regida por Matisse enquanto que Cézanne e os fauvistas abriram caminho para uma arte mais construída e menos sujeita à imitação do mundo exterior.
Mas nada disso tocou no cerne da questão que deflagrou a reviravolta estética promovida através desse tão falado cubismo que revolucionou a forma graças a Pablo Picasso, Georges Braque e Juan Gris e tantos outros pintores. O movimento cubista surgiu da necessidade de definir e representar uma nova realidade moderna, complexa e ambígua, moldada pela especulação filosófica, movida pela Relatividade, influenciada pelas diversidades e interações culturais que ocorriam entre o o primitivo e o industrializado, o Oriente e o Ocidente e mexida pelas novas tecnologias e invenções e descobertas científicas.
Cada uma dessas novidades trouxe consigo uma maneira nova de ver as coisas e o intercâmbio que ocorreu entre tantas visões obscureceu a percepção da verdade, virou a experiência da realidade de ponta a cabeça, tornou as perspectivas mutantes, mudou radicalmente o ritmo da vida e a forma como a sociedade percebia a natureza das coisas. O que todas essas novidades sugeriam era que vivemos em um mundo onde a aparência dos objetos está em fluxo constante, dependendo do ponto de vista a partir do qual os enxergamos.
Foi ali, na comunidade artística de Montmartre, que o escultor lituano judeu Chaim Jacob Lipschitz, mais conhecido como Jacques Lipschitz assim definiu o cubismo:
“É como estar em um certo ponto de uma montanha e olhar ao redor. Se depois você subir lá no alto, as coisas parecerão diferentes e se você descer, novamente elas ficarão diferentes. É um ponto de vista”
Tudo tornara-se relativo, o tempo e o espaço tinham se casado e entendeu-se que dois observadores nem sempre vêem exatamente o mesmo e por aí se ia. No passado a vida e a pintura tinham sido estáticas, mas a ciência e a tecnologia passaram a obrigar o homem a experimentar tempo, movimento e espaço de forma mais dinâmica. Para os pintores, o dilema era específico: como representar o fluxo de tempo, o movimento e o espaço mutante em um meio que se presta à mera captura do momento fugaz, como a pintura?
O cubismo nasceu como uma resposta a esta situação e não é por acaso que o movimento foi um fenômeno parisiense, considerando o legado artístico da cidade e sua capacidade magnética de atrair os artistas e escritores mais talentosos de todo o mundo. Paris ofereceu-lhes ótimos museus de arte, uma tradição de liberdade moral e artística, e a boêmia artística de Montmartre na qual podiam viver e beber de forma barata à margem da sociedade burguesa. E deu no que deu: o cubismo explodiu!
Pablo Picasso - Jeune Fille à la Mandoline (Fanny Tellier) - (1910)

Essa Garota com um Bandolim, além de ser uma das mais belas, líricas e traduzíveis de todas as pinturas cubistas, dá um testemunho importante da sua época e das intenções estéticas de Picasso que embora com tintas cada vez mais abstratas ainda estava, em 1910, profundamente condicionado pela materialidade circundante e pela aparência física de seus temas.
A tela ilustra, de forma didática, um Picasso lutando com o desejo de dar às formas um tratamento volumétrico e a necessidade de tornar as coisas planas. Compare, por exemplo e por favor, o cuidado quase escultural que os seios e os braços dessa moça receberam do artista versus a forma plana como foi pintada a dupla cabeça. Pois é. O espanhol pintava dividido. Acontece que o cubismo não é fácil. Então por que deveria ter sido para os pintores cubistas?
Uma coisa é gostar ou não da arte moderna, “ver algo” ou “não ver nada” nela e tudo bem. E outra coisa é esse cubismo prepotente nos dizendo que o mundo é profundamente diferente da forma como nós achamos que ele é. Há uma diferença fundamental entre o cubismo e outros estilos modernistas posteriores: ele nunca foi um estilo mas sim um interrogatório (rsrs) Pense em uma prova de matemática difícil na entrada da arte moderna!
Nos maiores museus de arte do vasto mundo, muita gente boa passa direto pelas primeiras cubices analíticas legítimas, pelas tintas calmas dessas telas entre as quais surgem espaços de lona branca que ficaram cor de café com leite com o tempo, sem lhes dar a menor bola, porque há vários outros estilos modernos muito mais chamativos. E a dificuldade de “tradução” do cubismo não é do tipo que recua com o tempo e/ou a familiaridade.
Acontece que nas paredes dos museus as primeiras pinturas cubistas parecem pálidas, inflexíveis e herméticas em meio a modernices bem mais simpáticas! Nós podemos desfrutar ou, pelo menos, ser provocados por outras artes modernas, com muito mais facilidade. Podemos decidir se gostamos ou não dessa ou daquela arte – das cores do abstracionismo, do simbolismo, do surrealimo, do expressionismo - sem precisar de outro GPS além da intuição.
Hoje a arte é construída a partir de flashes e pedaços da vida. O cubismo, no entanto, os deletou. A maioria das artes confirma a nossa noção de quem somos e de como vivemos. O idioma da arte contemporânea é democrático e o seu vocabulário é o da nossa experiência cotidiana. Os do cubismo também são assim, só que de uma maneira muito mais ameaçadora.
O Cubismo Analítico, ao promover a decomposição, a fragmentação e a geometrização das formas, sugeriu que nossa existência real escapava às imagens e narrativas que vemos constantemente, que não somos como nos vemos no espelho, como é o caso do retrato de um colecionador de arte, de nome Wilhelm Uhde, pintado por Picasso e dessa mulher estranha, de autoria de Braque.
Pablo Picasso - Portrait de Wilhelm Uhde (1910) / Georges Braque - Portrait d'une femme (1910)

A ideia principal do movimento foi fragmentar a realidade, mostrando, assim, que há outras maneiras de perceber e interpretar a real. É por isso que o cubismo permanece não domesticado, enquanto todas as outras vanguardas puderam ser transformadas em decoração ou romance.
Paradoxalmente o cubismo é difícil, não porque seja abstrato, mas porque é descritivo. Os cubistas não eram pintores abstratos nem o cubismo jamais pretendeu ser bonito. Queria ser verdadeiro, levar a sério o objetivo declarado de todo pintor desde o Renascimento, qual seja o de descrever o mundo como ele é. No entanto, ao tentar honestamente desenhar as experiências mais humildes e cotidianas, como olhar para uma garrafa, um cachimbo e um jornal sobre uma mesa, ou para um amigo querido ou para a mulher amada sentada nua em uma poltrona, os cubistas descobriram e mostraram muitas complexidades.
E o resto dos mortais simplesmente espera que a arte seja amena e fácil e não um desafio cansativo que obriga seus pobres cérebros, movidos pela lei do menor esforço, a trabalhar duro ou, pelo menos, a brincar de Hercule Poirot e/ou de Miss Marple (rsrs) Só que, apesar da calmaria cromática, Pablo Picasso, mais uma vez, conseguiu roubar o show.
Por incrível que possa parecer, o cara revolucionou a arte do retrato quando pintou, em 1910, duas telas que não podem estar ausentes de nenhuma conversa cubista de respeito e/ou da lista dos melhores retratos feitos por mão humana. Mesmo enquanto o cubismo foi – e para muita gente boa continua sendo!(rsrs) - um ato de terrorismo contra os hábitos não só de pintar, mas de ver, uma guerrilha contra a beleza, o toureiro não se afastou dos temas tradicionais da sua arte, como as naturezas mortas e o retrato.
Só que, apesar de manter os fundamentos que um retrato sempre teve, a pintura do espanhol foi capaz de subvertê-los. Ainda que o mistério dos seus retratos cubistas seja eterno e mesmo que as suas representações do “eu” continuem intangíveis e indescritíveis, Picasso nos faz reviver, na arte moderna e do ponto de vista de uma imaginada quarta dimensão, as profundeza e seriedade dos retratos de Rembrandt.
A primeira das duas obras primas é o retrato de Daniel-Henry Kahnweiler, o seu marchand de 1908 até 1915, uma pessoa notória, um escritor e editor de arte de origem alemã. Dizem que quando o toureiro voltou a Paris, depois daquele verão espanhol passado em Horta do Erbro trazendo a tiracolo quase uma centena de telas nas quais retalhara a aldeia e a companheira, Kahnweiler comprou todas elas.
O marchand posou entre vinte e trinta vezes para esse retrato, no qual, no entanto, a imagem foi impiedosamente fraturada e o personagem foi altamente abstraído. Mas Picasso adicionou ao conjunto atributos para direcionar o olho e focar a mente: mechas de cabelo, um bigode, feições afiladas, um impecável nó de gravata, uma corrente de relógio de algibeira.
O fato é que, não mais preocupado em criar a ilusão de aparências verdadeiras, Picasso quebrou e recombinou as formas que viu, descrevendo Kahnweiler através de uma rede de superfícies semi-transparentes - marrons, cinzas, pretas e brancas - que se fundem com a atmosfera ao seu redor. E dessas paragens cintilantes emerge um retrato bastante tradicional de um homem distinto, sentado de frente e de perfil, com as mãos cruzadas.
Pablo Picasso - Portrait de Daniel Henry Kahnweiler (1910)

O retrato de Kahnweiler é considerado um dos melhores exemplos desta etapa do Cubismo Analítico e sintetiza o desejo de penetrar na natureza interior do objeto tridimensional representado – no caso, o dono da galeria de arte – de compreender a essência do espaço que ele ocupa, os limites nos quais se situa. Essa cena de aparência quase impenetrável foi cristalizada, foi lapidada e cada faceta foi definida para permitir-nos avaliar os volumes que se encontram na sua superfície e abaixo dela, enxergando em profundidade.
Esse Kahnweiler é um exemplo mais que perfeito da fragmentação cubista cuidadosamente planejada para nos assombrar como se fosse um fantasma impresso no espaço, uma sombra de si mesmo. À distância, pode-se distinguir a sua forma, as mãos cruzadas e o bigode afiado entre os planos cinzas que dançam soltos no tempo e no espaço. Tem mais: não sei explicar como mas à primeira vista sabemos que o modelo é bem apessoado e elegante e vaidoso.
Porém quando a gente se aproxima o cara desaparece na superfície fragmentada da tinta, deixando para trás apenas o bigode (rsrs) De repente a figura humana - o cabelo basto, as feições, o queixo, o nó da gravata, a corrente do relógio, as mãos cruzadas - que antes e de longe víamos sem dificuldades na pintura, quando olhamos novamente de perto, não está mais lá.
As formas que pareciam ser dois olhos tornam-se apenas intertextos triangulares na multiplicidade de planos inacabados que formam a composição. Essa não é uma imagem de alguém, mas uma caricatura de tudo o que foi suprimido da imagem de um homem. No lugar das cores do cabelo, roupas, sorriso, hábitos e expressões do amigo, Picasso pintou os escombros das suas percepções dele que são vislumbrados por nós e mantidos apenas por um segundo. A palavra imagem aqui talvez seja muito inapropriada. O retrato de Daniel-Henry Kahnweiler é antes uma miragem, um espectro, um enigma frio e lógico a ser resolvido.
Mas apesar dessa visão não corresponder aos fatos, não se parecer com o marchand, no entanto ele está completamente lá, sentado sozinho em uma parede de um museu de arte em Chicago, sua identidade vislumbrada com uma estranha e calorosa intimidade. Note que, a essa altura do baile, o termo “cubismo” já não é mais capaz de descrever essa pintura, pois ela não possui um diagrama geométrico, mas um desenho denso de muitas texturas.
Picasso era um homem muito físico e emocional e, portanto, o seu cubismo não foi uma tentativa de, cientificamente, explicar o mundo mas de experimentá-lo mais plenamente, de trazer os objetos ao alcance do observador em uma pintura. O Kahnweiler de Picasso é algo complicado cujos contornos nos escapam, mas cujo conteúdo intuímos. E ele é tão real e desconcertante e relativo quanto o universo que habitamos.
O segundo melhor dos retratos cubistas de Picasso, na minha modesta opinião, é o de Ambroise Vollard, um dos maiores comerciantes de arte do século XX que teve a coragem de expor as obras dos ainda desconhecidos van Gogh, Cézanne, Gauguin e Rousseau e que apoiou Picasso durante as suas fases azul e rosa, mas que balançou a cabeça, coçou a careca e se segurou diante do cubismo, demorando a divulgá-lo.
Pablo Picasso - Portrait d'Ambroise Vollard (1910)

Essa obra de arte tem características distintas da anterior: os olhos baixos, aparentemente fechados, a explosão maciça de uma cabeça calva, o nariz bulboso, a boca mal humorada, o rosto gordo e o triangulo escuro da barba são os primeiros detalhes que se encaixam nas nossas miradas por serem reconhecíveis. É assim, através de detalhes, que a mente humana, através do hábito, processa a informação visual.
Mas acima dos olhos de Vollard mora uma arquitetura doida de pedra, quebrada em pedaços cor de tijolo, uma estranheza que se multiplica em fragmentos de tinta, em planos que foram iniciados e deixados inacabados. A explicação física é grosseira e, ao fazê-la, Picasso transfigura a cabeça de Vollard em um domo de catedral, uma cúpula maciça, que impressiona. Muitos interpretam tal deformidade como uma alusão à poderosa mente do homem.
Essa visão se parece com o rosto real do marchand, mas quanto mais procuramos pela sua imagem, mais Picasso demonstra que a vida não é feita de imagens, nem de aparências, mas de relações instáveis entre o artista e o modelo, o observador e a pintura, nós e o mundo. E, no entanto, esse é um retrato de um indivíduo, cuja presença domina a pintura. Vollard tem volume e é mais real do que o seu entorno, que se desintegra à sua volta como uma mortalha brilhante preta e cinza.
Diz Dona Lenda que Picasso afirmou para sua vítima que o retrato era lisonjeiro, pois insinuava que Vollard era um membro da minúscula elite que entendia o cubismo. O enorme cérebro dele deve ter ajudado (rsrs)
Outras surpresas cubistas nos aguardam na próxima conversa...

17 comentários:

  1. Mônica Silva24/08/2018, 08:52

    Eu preciso ‘ver algo’ na obra de arte para poder gostar dela mesmo correndo o risco de ser reprovada no Vestibular de Arte Moderna kkk Hoje achei bonito o quadro da garota tocando bandolim, Moacir. Tá vendo como até mesmo Picasso tinha dificuldade de deformar as mulheres? E consegui ver o rosto de Kahnweiler de frente e de perfil. Ele não era gato como no retrato? Obrigada!


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  2. Olá Moacir,
    Belo post!
    Se a conversa na primeira década do século XX questionava o que seria da arte a partir de então, a pergunta não quer calar, nem em cantos nem em descampados.
    Perigosamente! Conversei exatamente isso semana passada com uma amiga ceramista, com quem tento aprender coisas de barro e modelagem. E a tentação que tivemos foi a de largar tudo. Porque tudo jå foi criado, no cinema, na pintura, na müsica, no teatro, até no circo. As notas musicais já estão gastas de tão usadas. A pintura já foi construída, desconstruída e construída novamente. As cores jå foram feitas todas. A identidade do criador? Até essa já foi revirada.
    Até as guerras estão velhas.
    À época descrita no texto a efervescência era toda de ciência tecnologia e arte. Um rebuliço generalizado.
    Hoje todos os ovos podres já foram usados pelo meu professor Bethônico, as peças de carne ensacadas do Artur Barrio abandonadas pelas ruas, nus caminharam pelo parque, luz, neon, as redes vermelhas do Cildo Meirelles soltaram-se do teto, e simulacros de órgãos humanos Adriana Varejão colocou em quebradas de muro.
    "O idioma arte contemporânea é democrático e o seu vocabulário é o cotidiano". Será que tanta gente no mundo fez gasto o cotidiano?
    Bem, o assunto agora é outro. Chega de prevaricação!
    O retrato da jeune fille é lindo mesmo, delicado em cores e seio redondo entre linhas duras. E o retrato de Kahnweiler interessantíssimo nas suas explicações. E antes de chegar nelas vi a elegância do cavalheiro. Mas devo confessar que a corrente e o relógio não estavam mais lá quando cheguei (rsrs). Nem de perto nem de longe!
    "Picasso pintou os escombros..." Adorei isso. Só você para dizer assim.
    O retrato de Vollatd, "na minha modesta opinião" porém atrevida por conversar com sabichão cubista, é como se Picasso pedisse uma trégua ao seu cubismo mais lógico, frio e enigmático para fazer o rosto ( uma concessão ao amigo ) e depois soltasse as frangas no resto do quadro.
    Pela manhã li na sofreguidão entre a piscina e o fogão. Mas de tarde, certamente "bem acompanhada", colocarei os pés para cima. E lerei de novo. Vou ler, subir a montanha e ver de novo, e quando descer de lá vou ver tudo diferente. Ou quase tudo. Outros pensamento virão. Mas chega de bancar a esperta e vou guardá-los para mim. Até porque já conversei demais.
    Até sempre mais sabichão!

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    1. Moacir Pimentel27/08/2018, 17:14

      Caríssima Donana,
      O fato é que esse Kahnweiler distinto – e quem sabe pontual por causa do relógio? – e esse Vollard tão mentalmente favorecido - e cujo mantra era "compre o mais barato e venda o mais caro que puder" (rsrs) - provam claramente que, pelo menos para Picasso, era possível usar a linguagem analítica do Cubismo para criar figuras específicas e retratos psicologicamente legíveis (rsrs)
      O seu comentário “terminou antes” e “gratidão” pela pergunta -
      “ Será que tanta gente no mundo fez gasto o cotidiano?” - porque sem conversa a arte perde metade da graça. Confesso que quem se perde sou eu diante das mirabolantes contemporâneas instalações, experiências, performances e demais exemplos de “situacionismo” desenfreado que, à primeira vista, me fazem concordar com a senhora “que tudo jå foi criado". Até parece que usar um pincel ou pelo menos um lápis está fora de moda. Mas...o fato é que os tais objetos do cotidiano povoam galerias e museus.Sim, péssimos artistas recorrem às coisas prontas para ocultar a falta de talento mas bons artistas também cometem com elas trabalhos interessantes e – pasme! - que sou capaz de traduzir sozinho.
      É o caso de um dos “readymades” mais controversos já criados, de nome Minha Cama e da lavra da artista plástica Tracey Emin. Trata-se de uma montanha de lençóis imundos, cobertores pouco católicos, calcinhas e meias, chinelos e bichinho de pelúcia e muuuito lixo cotidiano: garrafas de vodca vazias, pontas de cigarro, camisinhas, um tubo de K-Gel, roupas amassadas, restos de comida, revistas, jornais etc. Só que tudo isso junto, ali, adquire significado, deixa de ser apenas uma cama para se tornar um espelho das depressão e solidão da sua dona, uma jovem mulher com uma cabeça bastante bagunçada , é claro.
      https://www.youtube.com/watch?v=WZBkxqNJC9g
      ( continuo...)

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    2. Moacir Pimentel27/08/2018, 17:23

      Para mim ISSO é “arte” primeiro porque me alcançou e por outra simples razão: tem o poder de manipular nossas percepções para focalizá-las mais intensamente, de nos retirar, temporariamente, da confusão panorâmica da vida para nos mostrar, em zoom, uma fatia mais seletiva dela e em seguida nos devolver à real com nossos sentidos mais despertos, nossos sentimentos mais organizados e conscientes de que depressão pode ser letal.
      Será que a gente responde de maneira diferente e distante e contemplativa às imagens ou objetos cotidianos quando informados de antemão que eles são “arte”? Pode ser.
      Na verdade foram os cubistas os primeiros a incorporar o lixo do mundo às suas obras e os faxineiros de muitos museus já jogaram fora por engano muitos "desafios conceituais", inclusive – dizem! - que o mictório original de Marcel Duchamp (rsrs)
      Enquanto alguém achar que arte é lixo, ela ainda estará sendo duas coisas: cotidiana e provocativa. E a sua a história - desafiadora e subversiva e radical – continuará, mesmo que o capítulo no qual nos encontramos ainda não esteja pronto para a leitura e tradução. Cabe-nos a aventura de olhar para tudo isso sem rótulos à mão e aproveitar a viagem.
      “Até sempre mais”

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  3. Alexandre Sampaio24/08/2018, 13:16

    Pimentel,

    Eu achava que o Cubismo era cúbico e chamava o resto da obra de Picasso de surreal mas estava enganado. Ainda tenho muito que entender mas já li e vi o bastante para saber que estes retratos são muito inteligentes e bem humorados. Parabéns!

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    1. Moacir Pimentel27/08/2018, 17:27

      Sampaio,
      Na verdade eu fico muito feliz que vocês tenham chegado até aqui nessa loooonga conversa cubista (rsrs)Tenho me perguntado se ver/ler tantas tintas não tem sido cansativo, pois afinal e segundo Matisse: “Ver já é um processo criativo, que requer muito esforço”(rsrs) Tinha razão o mago das cores. Perdemos muito tempo com essa nossa tão humana compulsão para categorizar, organizar e definir, impor ordem a um amontoado de memórias e impressões sensoriais, achar regularidades, estabelecer padrões repetitivos, fazer links, sempre à procura de correlações, ansiosos para determinar causa e efeito, de modo que possamos dar sentido ao que parece aleatório. Melhor continuar olhando - e ouvindo e vivendo com os espíritos abertos e, às vezes, com um sorriso irônico! - sempre celebrando a diversidade da imaginação humana. Muito obrigado pela leitura atenta e as boas palavras.
      Abração

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  4. Márcio P. Rocha24/08/2018, 14:46

    Um post excelente que resume o impacto da modernidade obrigando os pintores a desistir de imitar o mundo. Mas a hegemonia do discurso cubista nunca foi absoluta nem o genial movimento marchou sozinho rumo à liberdade artística.

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  5. Flávia de Barros24/08/2018, 14:53

    Moacir,


    Um artigo maravilhoso! Você explica muito bem que os pintores cubistas partiam as imagens e faziam um olho de lado e o outro de frente para demonstrar o movimento e a passagem do tempo em vez de pintar apenas o que estavam vendo. Não me recordo de ter visto nenhuma destas obras de arte no Museu de Picasso em Barcelona. É possível que tenha passado por elas sem prestar muita atenção. Amei a Garota com o Bandolim e aprovei os dois fantásticos retratos dos marchands mas também gostei de você ter mencionado Rembrandt, um dos meus pintores preferidos, não pela beleza de seus retratos mas pela compreensão profunda da alma humana que colocou neles.

    Um abraço para você

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    1. Moacir Pimentel27/08/2018, 17:37

      Flávia,
      Perfeito! Todas essas formas e linhas paralelas oscilando nas composições cubistas dão a impressão de ritmo e movimento, que por sua vez implicam a passagem do tempo e pontos de vista quadrimenionais. Que bom que apreciou o retratos! Não, eles não moram em Barcelona e/ou Paris, se bem que costumam dar o ar da graça deles nas grandes exposições sobre o toureiro. Vollard se encontra no Museu Pushkin em Moscou, Kahnweiler e o Picasso de Juan Gris no Instituto de Arte de Chicago, Uhde no Museu de Arte de Harvard e a Garota no Moma de Nova York.
      Quanto ao toureiro e a Rembrandt, penso eles têm mais em comum do que se pensa: donos de um talento sem limites, ambos começaram a pintar muito jovens, foram brilhantes retratistas e fãs da representação erótica. Mas Picasso tinha um ego maior - embora o outro tenha cometido mais de sessenta auto retratos! - e teve uma vantagem sobre o Mestre: trabalhou com seus iguais, rodeado por talentos competitivos. Afinal, Frans Hals não era Matisse ou Cézanne ou Braque e sem eles Picasso não teria sido Picasso.
      Outro abraço para você

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  6. 1) Pensamento do fim de semana:"A arte é longa, a vida é breve" (provérbio latino, citado por Hipócrates (460-378)antes de Cristo, nos "Aforismos".

    2) De fato, Picasso e outros faleceram, suas produções artísticas permanecem embelezando a humanidade.

    3) E o Pimentel revelando os detalhes. Valeu !

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    1. Moacir Pimentel27/08/2018, 17:43

      Antonioji.
      Muito aprecio o fato de Dona Arte não ter prazo de validade (rsrs) Devo confessar, porém, que não sei muito sobre Hipócrates, que uniu a prática médica à filosofia para escrever sobre temas como a juventude e a velhice, a vitalidade e a doença, a dor e a esperança, a vida e a morte. Mas se disse, que o exercício físico é o melhor dos remédios, estou com ele e não abro.
      Boa semana!

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  7. Flávio José Bortolotto24/08/2018, 20:14

    Prezado Autor Sr. MOACIR PIMENTEL,

    Como sempre elogiável Aula sobre o Cubismo, compreensível e muito agradável de se ler.
    E como o senhor domina a mais difícil das Artes, que é Escrever Bem!
    Abrs e Saudações.

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    1. Moacir Pimentel27/08/2018, 17:55

      Prezado Bortolotto,
      Gratíssimo pela leitura e as palavras sempre mais do que generosas. Sabia que o Cubismo com seus vários ângulos de percepção e técnicas que mostram o indivíduo como um conjunto de imagens quebradas teve um grande impacto na arte da escrita? O fato é que na literatura também se pretendeu eliminar as leituras únicas e estimular a compreensão de todos os pontos de vista possíveis ao mesmo tempo: "cubolizaram" as palavras e fragmentaram a estrutura da sentença. A tentativa cubista radical de explorar novas formas de expressão enfatizando a experiência mental subjetiva, saiu das telas e avançou pelas páginas dos livros para mostrar como as narrativas mudam através das perspectivas de diferentes personagens. Na prática, muitos escritores passaram a descrever eventos e pessoas como eles eram percebidos pelos olhos de vários personagens, a fazer uso de diferentes narradores para diferentes capítulos ou até mesmo parágrafos do enredo, ou contrastaram auto percepções com visões de terceiros, de modo a mostrar como cada personagem avaliava “o elenco”. Enquanto os romances anteriores, do período vitoriano, se baseavam na lógica e na clareza para transmitir informações, os escritores modernistas tentavam retratar o pensamento como ocorrido, sem cronologia, aleatoriamente . O movimento influenciou, por exemplo , James Joyce e o poeta T.S. Elliot mas penso que os mestres nessa abordagem - que se não for bem desenvolvida torna-se ilegível - foram William Faulkner no romance Enquanto Agonizo e Virginia Woolf no seu excelente Senhora Dalloway. Todos eles usaram elementos cubistas para ampliar as fronteiras do retrato literário - a psique, o subconsciente, o intelecto consciente - mais preocupados com as paisagens mental e espiritual do indivíduo do que com a paisagem física do mundo lá fora.
      Abração

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  8. Francisco Bendl26/08/2018, 12:11

    Indiscutivelmente a arte representada pela pintura exige pessoas de extrema sensibilidade para apreciar as escolas, os estilos, que foram criadas pelos homens que usavam pincéis e tintas como ninguém!

    Picasso e Salvador Dali são exceções, na minha modesta e ridícula opinião.

    Eu jamais compraria um quadro desses dois mestres, pois eu os acho feios, sem encanto, sem que me demonstrem a genialidade que um talento possa produzir em uma tela.

    Penso diferente com relação a Rembrandt, Velásquez, os pintores que mostram a natureza, objetos e pessoas como são, e não conforme as suas mentes mesmo que brilhantes, mas que as deformam.

    É o que penso.

    No entanto, de modo que conheçamos esta arte de forma mais intensa e as razões pelas quais existem as escolas diferentes, épocas e técnicas da mesma forma, Pimentel nos apresenta as suas aulas de grande valor, de preciosas informações, de detalhes importantíssimos.

    Logo, mesmo eu não gostando do tal do cubismo, vejo-me obrigado a vê-lo de outra maneira, justamente porque estou sendo abastecido de conhecimentos sobre este estilo diferente dos demais, então a minha admiração pelas telas em formato geométrico.

    Repito, eu não compraria as telas de Picasso no que tangem à beleza – e não estou levando em conta os milhões de dólares que custam -, mas enalteço o que a arte traz de novidade, de criatividade, de diferente.

    Portanto, mais uma vez, os meus agradecimentos ao mestre Pimentel, que posta mais um texto que dele tiro cópia e o arquivo em uma pasta especial, pois merece a atenção até mesmo de um leigo, em face dos esforços e da boa vontade do professor em aumentar nossos conhecimentos sobre a arte, e quando o ser humano se aproxima de patamares onde os simples mortais jamais vão conseguir!

    Um forte abraço, meu caro.
    Saúde e paz.

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    1. Moacir Pimentel27/08/2018, 18:02

      Prezado Bendl,
      Muito obrigado por seu sincero e pertinente comentário. Você tem razão: o cubismo jamais pretendeu ser “bonito”. Aliás, você acaba de tocar em uma das mais controversas questões humanas: o que é a beleza na arte? Ninguém sabe! (rsrs) Mas todos os filósofos, historiadores, arqueólogos e “sabichões” concordam que “a arte é a assinatura das civilizações”, desde os primeiros rabiscos simbólicos da humanidade, cometidos nas cavernas de Lascaux, Chauvet e Altamira. Aqueles bisões, mamutes e búfalos são “bonitos”? Para mim aqueles bichos em movimento são fabulosos e para muita gente boa, são toscos. Mas com certeza são um sistema capaz de representar coisas familiares, experiências vividas, emoções sentidas - a adrenalina da caça, o respeito pela natureza, a crença em uma vida após a morte - e de infectar outras criaturas com elas, dezenas de milhares de anos depois do seu tempo. A beleza da coisa é ver o cérebro humano trabalhando a todo vapor na pré-história inóspita construindo a civilização. Diante daquelas imagens não se pensa se o mamute é bonito ou se o rinoceronte é feio mas se experimenta um respeito imenso pelos bichos homens que cometeram as primeiras expressões concretas da consciência, os saltos pioneiros do nosso passado animal para o que somos hoje: uma espécie que simboliza o tempo todo, desde as placas de sinalização pela estrada afora, as nossas alianças de casamento ou os ícones nos nossos celulares.
      Na minha cabeça as abstrações humanas são uma conversa simples: primeiro falamos representando o mundo com os sons. Depois pintamos representando a vida com as tintas e, por fim, somando os fonemas aos rabiscos nós criamos a escrita e depois os símbolos de contar e nunca mais paramos de inventar. Só que a experiência humana jamais coube só nas palavras e números e então continuamos a fazer artes. No alvorecer do século XX, marcado por revoluções nas ciência e tecnologias, mapeado por Freud e relativizado por Einstein, Picasso e Braque criaram um inédito sistema pictórico que em vez de representar o momento estático e fugaz, tentava mostrar a quarta dimensão que afirmava que existe uma verdade sob a superfície das coisas que não percebemos com os sentidos. Simples assim. Nesse contexto cubista de arte, para mim a “beleza” é a medida da comunicação bem sucedida do conceito - seja ele bonito e brilhante ou feio e escuro - entre o artista e o observador e, portanto, é eternamente subjetiva. Mas...
      Como homens de um tempo em que tantas manobras e mensagens estão embutidas no visual, disputando nossa atenção para uma agenda fixa, embusteira e perversa, a arte precisa ser um estratagema, um antídoto, um caminho que nos leve para além das fronteiras da norma e nos permita ver o mundo de um jeito novo na multiplicidade de seus esforços criativos.
      Outro forte abraço para você

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  9. Wilson Baptista Junior27/08/2018, 08:39

    Moacir, devo confessar que, apesar de ter sido sempre, desde menino, voltado para as artes visuais, de Lascaux e Altamira até os nossos contemporâneos, no desenho, na pintura e na fotografia, e depois casado com alguém que as faz, e bem, sempre passei de largo nas paredes dos museus quando encontrava os quadros cubistas, dos quais não conseguia fazer pé nem cabeça. Mas depois de editar essa sua excelente série de artigos (onde você sutilmente adoçou a boca dos leitores começando, lá atrás, com o cenário convidativo daquela colina fascinante) começo, depois de velho, a ver os mesmos quadros com outros olhos e a conseguir ver surgir neles um pouco da intenção dos seus autores.
    Muito obrigado por isso. Você sabe bem que eu comento pouco durante as "franquias" porque, como para editar as leio antes dos outros, tenho medo de dar "spoilers" por querer comentar o conjunto; por isso digo apenas aos nossos leitores que ainda vem mais coisa boa pela frente nessa daqui.
    Um abraço do Mano

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    Respostas
    1. Moacir Pimentel27/08/2018, 18:14

      Wilson,
      É sempre muito bom ler o Sr. Editor e fique tranquilo que eu entendo perfeitamente a sua política de comentários ao longo das minhas franquias (rsrs) Mas discordo de você sobre quando e onde comecei “sutilmente a adoçar a boca dos leitores” quanto às cubices. Na verdade foi beeem mais lá atrás, em Toledo, quando teclei sobre El Greco definindo-o como “um velhinho cubista em formação” (rsrs)
      Sou de opinião que Dona Arte tem que se virar e convencer o povo sozinha lá das paredes dos Museus. Picasso dizia que se quisesse explicar suas telas, “em vez de pintá-las as teria descrito” e que até os títulos prejudicavam a brincadeira de esconde-esconde dos artistas, tentando escapar das pessoas que pensavam que os entendiam (rsrs) Porém quanto mais fácil é dizer sobre o que é uma tela, menos interessante ela se torna. Quando a mensagem é clara, o que nos resta fazer? E se realmente algo é redutível a uma mensagem simplista e explícita, é de fato arte? Você sabe muito bem que os melhores livros a gente leva uma vida inteira para traduzir.Assim é também com as pinturas: as menores se entende em um minuto.
      Mas no caso específico do Cubismo a fruição rola mais facilmente se e quando o objerivos são entendidos e o código é quebrado (rsrs) Porque o estilo expressa o que Albert Einstein definiu em 1905, nos primórdios da sua Teoria da Relatividade: um novo sentido de tempo, espaço e energia, no qual figuras em movimento se tornam uma extensão do ambiente do qual são indistinguíveis.
      Folgo em saber que a overdose de cubices não o entediou. A mim a franquia ensinou que o conteúdo não é mais importante que o meio e o estilo e que as tintas não são pensadas antecipadamente. Uma tela muda enquanto está sendo feita e, quando é terminada, continua mudando, de acordo com a cabeça e/ou o estado de espírito de quem a está olhando, que é mutante enquanto estiver vivo. Graçasadeus! (rsrs) Obrigado pela edição, o espaço e o belo comentário.
      Abração

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