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12/08/2018

Os pais e seus pais

Norman Rockwell



Ana Nunes
Meu pai querido
Belo homem, bravo e ético. Honesto estopim curto.
Pescador acostumado aos Pantanais, desiludido por não ter tido um genro colega de pesca. Um era francês de carteirinha, e o outro, intelectual de papel e traças.
Um netinho que fosse, que pescasse nem que fosse em poço. Tentou bastante nos Pesque e Pague da vida. Um não ligava muito e o outro, sensível demais, soltava os peixes sem o avô ver. Pobre Pai meu!
Bravo desbravador de caminhos enlameados ou areias sedentas de mares verdes. Se aventurava por ambas com seu jipe e depois de Rural verde e branca em que me levou para a Igreja no dia do casamento. Aqui mesmo na cidade, casório de contestação, segunda de manhã só para ver quem era amigo mesmo. Até o padre deu o cano! Belo padre amigo do noivo!
Pai querido com gênio da mãe Frau Frandsen. Mandou, por telefone, seu chefe àquele lugar bom de mandar gente, e desmaiou em seguida de hipoglicemia. Tudo bem que às vezes nos tratava com remédio de bicho, mas crescemos fortes e saudáveis Não nos deixou bens muitos mas um legado de ética, lealdade e honestidade. Responsabilidade e coragem. Fúria! Para mim em especial deixou seu gosto pelo desenho. Seus cavalos de veterinário estudante colocados em papéis e lápis me deixaram para sempre maravilhada.

Tem o Pai do Mano, sogro marcante de personalidade forte. De cultura, de desenho, de livros e escritas. De casórios e divórcios feitos no cartório. Brigava sempre que podia, por causa de um nome esquisito a registrar, ou um casamento tipo testemunha e espingarda. Mas não era só nos seus domínios de cartório, brigava também por causa de algum imbecil no trânsito, por causa de maus tratos ou mau atendimento. Regalava-se com belas moças e estava sempre pronto a estender-lhes seu casaco em poças d'água para elas não sujarem seus pezinhos. Ou defendê-las com capa e espada. Era entendido em esgrimas e touchés. Lia tudo, lia em línguas diferentes, esculpia madeiras e metais e nos meus aniversários me presenteava com um gatinho de madeira. Fotógrafo de não ter igual abrindo exposição aos cem anos. Patriarca de ser servido à mesa sentado à cabeceira. Casado com a mulher mais lady de tratos e gostos que conheci, minha sogra querida. E casado de novo aos noventa com a mulher que lhe trouxe juventude para chegar aos cem. Atingiu seu último desejo, morrer rodeado de todos os seus oito filhos. Deitado em sua cama de longa, longa data, com sua figura de um Dom Quixote de nariz afilado e barba branca.

Tem o pai do Pai, Antônio de nome, o avô fazendeiro paulista, plantador de café e amante das plantas. Conhecia todas pelo nome e cultivo. Já bem velho cuidava delas apoiado na bengala em uma das mãos e a outra cuidando do ancinho afofando a terra vermelha e fértil. E só reclamava do reumatismo e do tremor porque, em visitas aos parentes, tinha que pedir cafezinho em xícara grande para não derramar.
Amigo dos macaquinhos da fazenda que seguiam sua caminhonete vermelha em rastro poeirento pulando pelas árvores no maior rebuliço. Sabiam já que aquele chamado "Chiiiico" ecoando pela mata era anúncio de bananas saborosas e , quem sabe, alguns pedaços de pão.
Grande em suas botas de cano alto que tirava na grade perto da porta antes de entrar. Fico pensando quanto esse hábito tinha de ordens alemãs... Nunca dispensava um vinho português às refeições. E também o azeite que lhe manchava o queixo. Era maçon graduado e pão duro. E assim, por isso, quando em férias, eu o atazanava pedindo sapatos que não precisava. Até conseguir! Filho de pai português, Nicolau e mãe espanhola, Maria Dolores.

E o pai do outro Pai, Osias, homem magro e alto, de cabelos brancos que vejo pelas fotos. Corretissimamente enfiado em terno escuro com gravata e colete onde colocava um punhal de prata. E chapéu. Sempre. Severíssimo, proibiu a mulher de tocar violão. Oficial do registro civil, de infância difícil e juventude aventureira como mascate de diamantes pelas estradas de Minas. Uma vida rica de valores e de estórias. Um patriarca dos velhos tempos. Status herança do único filho, meu sogro.

E agora, meus queridos do blog, deixo o espaço para vocês. Completem minhas mal traçadas linhas com um pouquinho dos seus pais. E ficarei muito feliz.

Feliz Dia dos Pais!


10 comentários:

  1. Lea Mello Silva12/08/2018, 07:04

    Só vc para descrever cada um destes país !
    Vi seu pai de novo e me emocionei com seus comentários
    Ver as qualidades e defeitos !
    A falta que senti de um pai foi compensada pelo pai que escolhi pros meus filhos
    E quero dar os parabéns aos que souberam ser país no verdadeiro sentido da palavra

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    1. Oi Léa,
      E você escolheu muito bem mesmo. Gilberto sempre foi um pai presente. E agora um bisavô querido de uma turminha linda e barulhenta.
      Meu carinho para você

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  2. 1) Parabéns Ana. Parabéns aos pais de vcs dois editores/diretores do Blog, parabéns aos demais pais do blog.

    2)Ele já bem idoso, belo dia eu agradeci meu pai porque veio morar em Brasília e eu gostava tanto da região do Planalto Central, do Cerrado, da vegetação rala, da minha querida cidade satélite do Gama, DF.

    3)Agradeci tb porque qdo nasci a casa já estava cheia de livros, de tudo quanto é tipo, menos é claro os "livros de pornofonia" como ele chamava os palavrões, mas não os dizia.

    4) Cresci lendo de tudo. Fiquei assim, gosto tanto de ler. Os "proibidos", eu lia escondido. Belo dia juntei uns trocados e comprei pelo reembolso postal o "Kama Sutra - a Arte do Amor Hindu", ele viu e me deu uma bronca, aquilo não era boa Literatura.

    2)Adolescente perguntei: "E como é que o sr. me fez?" Ele me olhou espantado pelo atrevimento e respondeu: "Depois que vc ler, passe adiante para um colega seu, tem sua irmã pequena e eu não quero que ela veja isso".

    3) O pai da Heloisa era advogado, franciscano leigo, quando eu fui falar com ele que ía casar com a Helô, ele respondeu:"Ah!isso é um assunto muito sério, depois a gente conversa". Casamos, minha filha nasceu dois anos depois, mais adiante ele faleceu e ainda não conversamos. Ou ele esqueceu ou eu e ele ficamos tímidos diante de um assunto tão sério.

    4) Feliz domingo Dia dos Pais para todos (as) !

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    1. Olá Antonio,
      Muito obrigada pelo seu comentário.
      "E como o senhor me fez?", atrevido como nunca imaginei. Continua?
      Saber um pouco do seu pai e do Heloisa foi conhecer vocês mais um pouquinho.
      E a conversa não tida não foi tida porque talvez já o houvesse sido. De outros modos.
      Gratíssima. Seu comentário enriqueceu o post. E foi muito gostoso de ler.
      Até mais.

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  3. Flávio José Bortolotto km12/08/2018, 20:53

    Como sempre belíssima Crônica do Dia dos Pais dessa Autora excelente que é a Sra. ANA NUNES.
    Com maestria esboçou as Personalidades de seu ilustre Pai, Medico-Veterinario da Empresa Mineira de Fomento e Desenvolvimento da Agro-Pecuaria, responsável pela melhoria dos Rebanhos Mineiros, coisa tão importante.
    Em seguida o Pai de nosso Editor-Moderador Sr. Wilson Baptista Júnior, e seus outros 2 Avós.
    Termina Sra ANA NUNES nos solicitando escrever algo sobre nossos Pais.
    Meu Pai, Sr. Ernesto Amadeo Bortolotto filho de Colono Italiano Veneto que fugindo da fome e más condições Econômicas da Itália da Reunificação (1880) emigrou para as Colônias de Caxias do Sul - RS, e aqui nunca mais passamos fome.
    Papai foi um Pioneiro na Indústria da Madeira (Araucária) no Centro-Oeste Catarinense, formou 6 Filhos (3 Meninas e 3 Guris), e a meu ver sua característica principal era o Trabalho. Seu Livro de cabeceira, A Bíblia. Foi um grande PAI.
    Abrs.

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    1. Olá Flávio Bortolotto,
      Como já disse antes sempre é bom encontrar você aqui com suas palavras gentis.
      Grata pela contribuição ao texto. Foi ótimo poder contar com você e conhecer um pouco da sua história.
      Gratíssima.
      Até mais.

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  4. Francisco Bendl13/08/2018, 08:00

    Prezada Aninha,

    Meu perdão por não ter tecido o meu comentário ontem, mas não foi possível.

    Independente do teu estilo que agrada a todos nós, pois de qualidade, sensível, inteligente, criativo, que mostra a alma feminina quase que por inteiro, mais uma vez me vejo obrigado a enaltecer o teu artigo por um único detalhe:

    O reconhecimento do filho ou do neto pelos seu pai ou avô - porque ontem foi o Dia dos Pais.

    Logo, as palavras apesar de fluírem naturalmente, elas precisam ser montadas, terem sentido e, neste particular, a Ana, minha amiga, tem sido incomparável!

    Poder escrever sobre nossos antepassados e bem, lembrá-los com saudade, recordar os momentos que convivemos por algum tempo, a admiração que obtinham de nós, a figura superior que representavam com suas maneiras de ser e de personalidade, exigem que os artigos sejam não só sinceros, mas verdadeiros, então uma articulista, uma mulher, cuja mente é infinitamente melhor que a dos homens.

    Gostei em demasia das descrições das pessoas que a Ana registrou, quase como se fossem fotos, e os pormenores que as suas lembranças registraram com tanta propriedade.

    Um grande abraço.
    Saúde e paz, extensivo aos teus amados.

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    1. Olá Francisco amigo,
      Não se desculpe, você mora no meu coração.
      Foi texto de um dia. E certamente estava com a casa cheia de filhos e netos.
      Que inveja! Tivemos os nossos só pelo vídeo.
      Obrigada pelo comentário carinhoso.
      Até mais.

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  5. Moacir Pimentel13/08/2018, 09:17

    Caríssima Donana,
    O domingo foi tão "maneiro", como diz a juventude, que nem cheguei perto do computador. Me desculpe, por favor, por passar por aqui, atrasado e apressado, só para lhe dizer o quanto é bonito o seu post. Parabéns! Quando eu crescer, quero escrever que nem a senhora e então - quem sabe? - talvez eu consiga homenagear os meus velhos queridos - bisas, avôs, pai, tios - como eles merecem. Mas acho que, se rolar, os meus gigantes não caberão em um comentário. Desconfio que serão outra "franquia" (rsrs)
    "Até sempre mais"

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  6. Olá Moacir,
    Foi quase um desafio pedir contribuições de vocês do blog. Imaginei que todos estariam envolvidos em amores e carinhos e folias de filhos e netos.
    E enquanto você "cresce" vai escrevendo posts bonitos como sempre faz. E alegrando a gente, todos!
    E se um dia "rolar" estarei pronta para seguir sua "franquia de gigantes".
    Um abraço pelo dia dos pais.
    Até sempre mais.

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