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25/09/2018

O cubismo se transforma

Juan Gris - L'homme au café (1912)


Moacir Pimentel
Como não sou chegado à nomenclatura enigmática da História da Arte, que às vezes mais confunde do que explica, vou deixar para depois os entretantos e partir para os finalmentes nessa conversa sobre a segunda etapa da revolução cubista. Fica adiada então a teoria e, pedindo emprestadas duas obras de Juan Gris, vou antecipar, na prática, os mistérios do Cubismo Sintético.
Muito bem. Imagine uma tela cubista que represente um indivíduo dentro de um Café de Montmartre. Imaginou? Pois é. Juan Gris também imaginou, só que duplamente, em duas telas diversas mas com um mesmo nome e tema:  Homem em Um Café.
Veja, por favor, a primeira das duas telas, pintada em 1912, como uma clássica representante, embora light, do Cubismo Analítico. Nela vemos um indivíduo sentado solitário e pensativo em um belo Café diante de um copo de bebida. Embora ele nos olhe de frente, seu rosto entre a orelha direita e a mão esquerda, é formado por dois perfis. O homem está no centro do palco, no foco da imagem, todo facetado em inúmeros planos geométricos. Tudo nele foi esfaqueado e retalhado geometricamente a partir de diferentes perspectivas: as roupas, o chapéu, suas feições.
Esse primeiro dos dois Homens no Café sorve tranquilamente uma bebida metida à besta, talvez um dry Martini, ou talvez não, já que me parece que o coquetel foi enfeitado por uma fatia de fruta. A bebida mora em uma taça triangular, de design geométrico mais simples para não sobrecarregar a tela e é um aperitivo elegante, que impressiona os observadores tanto quanto o impecável fraque e a cartola do retratado. Note que o drinque também é um símbolo de status social e significa que esse sujeito está sentado aí não apenas para beber, mas para ver e, muito principalmente, para ser visto.
Porém apesar de explodir a partir da vestimenta aristocrática, desintegrando-se e transformando-se diante de nossos olhos, esse Homem no Café é totalmente reconhecível, muito mais do que o são as pessoas nos retratos feitos no auge do Cubismo Analítico por Picasso e /ou Braque, certo?
No entanto, apenas dois anos depois, em 1914, Juan Gris pintou o seu segundo Homem no Café em uma composição que é considerada uma das obras primas do tal cubismo seguinte, apelidado de Sintético.
Juan Gris - L'homme au café (1914)

Aposto que você está se perguntando: “Oi? Mas cadê o cara?
Vamos com calma! Dizem que uma imagem fala mais alto do que mil pretinhas e portanto olhe de novo, por favor, e permita que a imagem lhe fale e mostre o protagonista, o mesmo sujeito elegante do trabalho anterior, vestido nos trinques e usando a mesma cartola cuja sombra se projeta na parede à direita. Viu?
Voilà! Aí está ele silhuetado e sentado bem no centro do cenário pictórico, lendo o jornal Le Matin faz muitas horas se levarmos em consideração que a publicação diária começa azul nos sugerindo a luz natural do dia e termina da cor daquele amarelo típico da iluminação elétrica que só é ligada à tardinha.
Com a mão direita – azul! - ele mantém aberto o jornal, à esquerda. Talvez ele esteja usando um casaco azul petróleo a julgar por esse braço esquerdo que termina em outra mão vestida por uma luva negra, com a qual ele segura uma cerveja. Isso mesmo! Note a cerveja dourada de bigode branco, dentro de uma caneca de alça. Pronto, à sua frente já está por inteiro o segundo Homem do Café, lendo as notícias, tomando a sua loura gelada, curtindo a sensação dura e fria dos azulejos e do copo de vidro, provando a leveza amarga da bebida e sentindo os cheiros dos quitutes da cozinha.
Sim, já que se trata de um estabelecimento de respeito, um daqueles famosos e belos Cafés parisienses sempre presentes nos filmes e onde todo francês que se preza passa todos os dias para sentar e ler ou jogar conversa fora, tomar um café ou um aperitivo e beliscar alguma coisa gostosa.
Note que o Café em pauta não é um botequim acanhado, nada disso, pois o pintor deu destaque à textura macia e às nervuras do couro das poltronas. Onde e como?! Ora bolas, nesse retalho de couro que parece uma mancha marrom escura solta no tempo e no espaço, mas que era de couro de qualidade e brilhante o suficiente para refletir as feições e o chapéu do cliente (rsrs)
Gris também grifou a nobreza dos painéis de madeira que revestem as paredes e, bem assim, os belos veios da madeira de lei da mesa na qual o freguês está bebericando. Só que o artista, ao descrever esse bebedor de cerveja, também está nos narrando o que é um Café parisiense, o que é bebericar uma cerveja por lá e, muito provocativamente, como diabos se sente um sujeito solitário em um Café. Ou seja, não se trata só de pintura. ISSO é quase uma filosofia (rsrs)
Curiosamente, apesar das inúmeras semelhanças entre as duas cenas, entre a análise da forma na primeira e o resumo da ópera na segunda, existe uma diferença fundamental: a bebida, é claro! O segundo homem saboreia uma caneca de cerveja. A cerveja no lugar do dry martini, sinaliza uma viagem do mundo externo para o mundo interno, da ostentação para a introspecção, da análise para a síntese, da fina arte para a cultura popular : o homem não mais quer ser visto, é ele quem contempla o mundo através da leitura do jornal e dos seus pensamentos.
Estamos diante de uma múltipla passagem, ocorrida no curto espaço de tempo entre 1912 e 1914: do cubismo analítico para o sintético, de fora para dentro, do supérfluo para o essencial, da análise para a síntese e – é claro! – do martini para a cerveja (rsrs)
A pintura de Juan Gris e/ou o cubismo é um desafio intelectual, um quebra-cabeça, que de saída pode chocar e confundir mas que é perfeitamente traduzível. Juan Gris, melhor que ninguém, explicou o Cubismo Sintético com maestria :
“A verdade está além de qualquer realismo e a aparência das coisas não deveria ser confundida com sua essência.”
Ele na verdade pintou a essência da experiência que é sentar-se em um Café, ler um jornal e, ao mesmo tempo, beber uma cerveja. Pintou o jornal, a luz brincando de cores sobre suas folhas, o conforto da poltrona de couro, a beleza das madeiras, as texturas do ambiente. Juan Gris não nos queria como observadores do seu Homem no Café, mas nos convidar para entrar no quadro como se fôssemos o seu modelo, pensando na vida e abrindo o expediente numa tarde vadia.
A comparação entre as duas imagens evidencia a diferença estética entre as tais fases cubistas: a analítica - representada pelo Café de 1912 - e a sintética - exemplificada pelo de 1914. O objetivo do cubismo analítico, como o próprio nome nos esclarece, era fazer análises geométricas, promover a fragmentação das imagens em planos enquanto que o cubismo sintético buscou capturar a essência de uma situação, sintetizar uma experiência com extrema economia de elementos visuais. Nesse Homem no Café, de 1914, Gris reorganizou todos os cacos da imagem para nos dar uma poderosa impressão e nessa brincadeira a imagem já não era mais importante do que a sensação. Mas atenção!
As nossas impressões sensoriais são dados complicados e caóticos com os quais os nossos cérebros têm que fazer sentido. Ver imagens parece ser mais do que necessário em nossas vidas. Por isso tantos rejeitam o cubismo, essa forma de pintar onde em vez de receber as imagens de bandeja, temos que montar seus quebra-cabeças visuais, que procurar por peças, pistas e fragmentos usando os neurônios pois as relações físicas e lógicas dos objetos são muitas vezes difíceis de construir. As brincadeiras em qualquer estágio da criatividade cubista - sejam elas analíticas e/ou sintéticas - para uns são cansativas e para outros muito divertidas.Milito no segundo time.
Embora, como vimos, a primeira fase fosse bastante inovadora em si mesma, a última foi sem dúvida o período mais imaginativo da arte de vanguarda e levou o movimento cubista ao extremo. Geralmente se considera que o Cubismo Sintético tenha rolado entre os anos de 1912 e 1914, mas há exceções à regra (rsrs)
Juan Gris - Violon et Guitare (1921)

A Influência do Cubismo Sintético na arte diminuiu, é claro, depois da explosão da Primeira Guerra Mundial, quando muitos pintores em vez de usar seus pincéis estavam lutando e perdendo suas vidas nas trincheiras da Europa, embora muitos artistas, como é o caso de Juan Gris e Picasso, tenham continuado a evoluir, mesmo durante os anos negros. Por isso é justo dizer que esse ato final e sintético do cubismo teria ido muito além se tivesse ocorrido em tempos mais pacíficos.
O fato é que o novo modus operandi introduziu muitas novas alternativas conceituais à estética cubista já estabelecida. Aquela abordagem analítica precursora baseada essencialmente em entrelaçamentos de planos e linhas, na decomposição de um objeto em uma imagem fragmentada e em temas completamente fraturados, tudo com pouca variação tonal em uma gama limitada de cores escuras, anêmicas e silenciadas, simplesmente sumiu.
Durante a fase sintética os cubistas explodiram em cores e achataram as imagens e varreram todos os vestígios de ilusão e/ou alusão a um espaço tridimensional. Isso mesmo! No Cubismo Sintético todo o sentido de tridimensionalidade simplesmente desapareceu.
Jean Gris - Jalousie (1914)

Esse trabalho que pintor o batizou de La Jalousie – A Inveja - é conhecido também como A Veneziana e como Le Socialiste, o nome do jornal que, na imagem, aparece contorcido em harmonia com a forma do vidro de uma janela invisível. Gris pintou essa tela na cidade de Collioure, nos Pirineus, onde ele esteve hospedado do final de junho a outubro de 1914. O jornal era o da cidade e o seu nome completo era Le Socialiste des Pyrénées-Orientales.
A pintura nos mostra uma veneziana parcialmente fechada, através da qual a luz ilumina uma alta taça de vinho e lança sua sombra sobre a superfície de uma mesa de madeira. Veja como os planos de preto e cinza indicam áreas de lusco fusco, como as sombra e luz que atravessam a superfície do vidro que Gris representou usando giz azul claro e branco para fazer um pontilhado cuidadoso e obter um efeito translúcido azulado em volta da forma da mesa, nas bordas da veneziana e da taça que foi vagamente esboçada em giz branco para nos dar uma sensação de forma.
As lâminas afiadas e cuidadosamente projetadas da veneziana são precisamente ecoadas pelas bordas da mesa o que torna essa composição muito equilibrada. A densidade e angularidade dos espaços negativos - essas áreas negras rotineiramente utilizadas por Gris - emolduram e dão uma presença sólida e formal aos objetos que, escolhidos a dedo, são geométricos e agudamente delineados e mostrados de várias perspectivas: de cima e de lado. A composição é racional e rítmica e, juntamente com sua paleta suave, consegue dotar esse ambiente interior, com uma atmosfera calma e silenciosa.
Juan Gris, ao pintar essa legítima representante do Cubismo Sintético inventado por Picasso e Braque, estava consolidando sua excepcional pintura após sua primeira exposição individual, em 1912, e a assinatura de um contrato de exclusividade com o famoso marchand Daniel-Henry Kahnweiler.
Mas, como sempre, a última palavra foi do toureiro. No outono de 1913, Picasso inventou uma tela que combina as fraturas do cubismo analítico e a estrutura esquemática do cubismo sintético: uma mulher nua sentada em uma poltrona, anônima e neutra, que só não se perde no fundo da pintura graças à linha de contorno pesado que define e limita a figura. As junções entre os diferentes planos são tão profundamente projetadas para parecerem dobras e, de fato, nessa obra não há desejo, por parte de Picasso, de ocultar a técnica do cubismo sintético.
Mas as formas geométricas rígidas e lineares são combinadas com linhas curvas que emulam rendas, transparências, franjas e veludos em tons quentes. A poltrona confortável e macia que circunda o corpo da mulher dá à composição uma aparência familiar, distante da frieza da abstração. Vemos uma forma feminina com um colo largo e uma bela camisola na qual, à primeira vista, seios pendulares e maternos foram pendurados, como um daqueles colares tribais africanos. A segunda vista a gente se pergunta se os pregos não seriam mamilos extras e se Picasso não estaria retornando às paisagens sexuais (rsrs)
 
Pablo Picasso - Femme en chemise assise dans un fauteuil (1913)
O volume maciço e escultural dessa mulher primitiva sentada – dizem que ela era a “Eva” dele! – cuja cabeça é uma Esfinge com os traços faciais diminutos, os cabelos ondulados, as costelas salientes, o umbigo à mostra, a camisola sedosa, a poltrona confortável, o jornal diário, tudo isso, deixa essa composição carregada de símbolos que remetem à vida cotidiana, ao quarto, à mulher e à casa da gente. Creio que esse trabalho pode, para todos os efeitos, ser considerado como o momento em que o Cubismo Analítico se rendeu diante do Sintético. A pintura acima - que aliás chama-se Mulher de Camisola - é um dos trabalhos sintéticos mais icônicos de Picasso.
Quando o Cubismo Analítico chegou ao fim, ele já quebrara todas as regras seculares da pintura, fornecendo uma alternativa à perspectiva linear de ponto único. No entanto, quando o Cubismo Sintético começou a estabelecer seu próprio conjunto de regras, a cena artística da Europa foi tomada de assalto e realmente balançou. Porque, diferentemente do Cubismo Analítico que desmontara ou desconstruíra as figuras humanas e objetos, o Cubismo Sintético promovia a construção ou síntese, preenchendo a lacuna entre realidade e arte, interpolando literalmente partes do mundo real na suas telas.
Autênticos jornais, pedaços de papel, bilhetes de cinema, carteiras de cigarro substituíram as representações planas pintadas e partituras reais roubaram o espaço das notas musicais desenhadas, e esse processo de incorporação da real nas composições marcou um afastamento do intelectualismo, direcionando o movimento para um curso mais relaxado, popular e lúdico de estética.
Usando os símbolos da realidade, o cubismo de novo se reinventou em algo inteiramente inédito, texturado, que incorporava uma ampla variedade de materiais bastante familiares aos pobres mortais. Ao expandir o movimento para seu segundo e último ato, Georges Braque, Pablo Picasso e Juan Gris e outros companheiros de paleta, se deram a total liberdade criativa de retratar o mundo ao seu redor como queriam e descobriram uma abordagem incrivelmente inventiva para a criação de imagens. Não havia mais restrições de qualquer tipo, já que os únicos limites eram estabelecidos pela quantidade de criatividade que cada artista possuía, como veremos na próxima conversa sobre as famosas “colagens”.


14 comentários:

  1. Mônica Silva25/09/2018, 08:11

    Adoro o seu jeito leve de escrever, Moacir. Quando explica as obras de arte não é nem um pouco nerd e consegue me fazer entender um pouco da lógica do cubismo. Obrigada! Gostei do bebedor de cerveja mas a mulher sem camisola tem uma má formação congênita kkk Acho que o cubismo sintético surgiu porque a maioria das pessoas ‘normais’ não conseguia captar a mensagem que os artistas queriam passar nos quadros de 200 tons de cinza analíticos. Eles resolveram usar cores mais alegres para vender mais. Simples assim.

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    1. Moacir Pimentel27/09/2018, 08:27

      Mônica,
      Juro que sou "normie" (rsrs) Mas joguei a palavra “nerd” no Google e me apareceu um moleque de óculos de fundo de garrafa lendo um livro que me lembrou do "Wally". Não sei se você já era nascida quando lançaram uns livros de nome “Onde Está Wally?”
      http://www.equilibrioemvida.com/wp-content/uploads/2016/01/waldo2.jpg
      Ele é um moleque de óculos, gorro e camisa de listras vermelhas e brancas que se esconde entre multidões tão coloridas quanto ele, dificultando, assim, a tarefa de encontrá-lo nos mais diversos cenários: praia, feira, parque, circo e/ou guerra. Sucede que eu localizo o Wally em cinco segundos!
      Tenho repetido que encaro o Cubismo como uma brincadeira, cada tela como uma charada que não precisa agradar aos meus olhos para desafiar minha mente. Uma cubice é como um desafio, um “Onde Está Wally”, uma maneira divertida de treinar as minhas percepção e memória visual.
      Mas concordo com você que as telas coloridas da fase sintética foram o resultado da fragmentação excessiva e da monotonia das cores nas análises anteriores. Os pintores cansaram da cinzentice e resolveram seguir a filosofia de vida do grande Charles Chaplin:
      "Na vida só é preciso coragem, imaginação ... e um pouco de grana" (rsrs)
      "Obrigado!" e abração

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  2. Flávia de Barros25/09/2018, 11:13

    Moacir,

    Um artigo didático. Foi ótima a escolha dos dois Homens no Café para explicar as duas fases do Cubismo. Também amei a luz na tela A Veneziana. Vejo que nos novos trabalhos os tons suaves foram substituídos por cores mais fortes e que as formas dos objetos e dos modelos humanos em vez de serem quebradas em pedacinhos ficaram mais arredondadas que angulosas. Mas eu não consigo ver na tela da Mulher de Camisola de Picasso nada da fase anterior. Será que pedindo com carinho você podia desenhar pra mim?

    Um abraço para você

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    1. Moacir Pimentel27/09/2018, 08:32

      Flávia,
      Realmente, à primeira vista , essa mulher nada tem a ver com aquelas figuras diluídas em telas que mais pareciam fotografias tiradas de espelhos fragmentados em estilhaços e reflexos. Mas se você olhar mais atentamente, verá que essa tela sintetiza todas as cubices anteriores de Picasso. Os planos ainda são abstratos, mesmo em cores quentes, a figura ainda aparece retalhada, embora mais delicadamente e todos os detalhes realistas não eliminam com as suas curvas as formas geométricas rígidas e lineares, os círculos e cones, os triângulos e os retângulos que eram as palavras de Picasso na linguagem analítica. Essa criatura ainda retém as formas euclidianas mas, simultaneamente, também faz referências à arte africana arcaica nesse rosto de Esfinge, nos seios pendentes, no umbigo e nas costela salientes e nas proporções atarracadas devedoras das esculturas ancestrais. Para pintar essa estilização de uma Mulher Sentada - um dos temas mais antigos da arte tradicional - o toureiro inspirou-se diretamente nas sacerdotisas de templos arcaicos, nas banhistas do século XIX, nas prostitutas dos bordeis de Lautrec, na Ma Jolie da vida dele - que então já padecia de um mal físico mortal - e nas diversas namoradas que cultivou durante a enfermidade da companheira, inclusive uma lendária beldade da Martinica. Tem mais. Essa imagem provocativa anuncia o retorno de Picasso à representação explícita da sexualidade feminina após vários anos de abstinência (rsrs) Enfim, essa criatura é uma simbiose dificílima de ser concebida, uma síntese que harmoniza os avanços da vida moderna e o seu desenvolvimento artístico com as formas mais primitivas de arte, a geometria com os demônios do artista, que o faziam projetar nas suas tintas, com vitalidade e mesmo brutalidade, formas femininas desconhecidas, sentadas e reclinadas, inteiras e esquartejadas, cada vez mais bizarras e ousadas até o final de sua longa carreira.
      http://www.stremmelgallery.com/site/wp-content/uploads/2015/03/picasso.jpg
      Outro abraço para você.

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  3. Márcio P. Rocha25/09/2018, 15:28

    É inquestionável a criatividade dos cubistas sob a liderança de Pablo Picasso no seu ateliê que funcionava como centro erótico-etílico de operações e ponto de encontro de pintores iniciantes, modelos deslumbrantes, escritores e malucos das mais diversas procedências. O Cubismo fez sucesso porque atuava feito um partido político com teóricos, marqueteiros, jornalistas, manifestos, influenciadores e devotos, rs. Realmente Picasso, Braque e Gris reformataram o movimento nesta fase sintética mas sempre em cima do muro, a meio caminho, sem fazer uma arte figurativa mas também sem ousar abstrair, rs

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    1. Moacir Pimentel27/09/2018, 08:38

      Márcio,
      Os cubistas fizeram grande arte, retirando das coisas - ou abstraindo-lhes! (rsrs) - a aparência imediata mas sem jamais se distanciarem da materialidade objetiva apesar de se negarem a imitá-la. Quanto aos artistas e escritores e poetas malucos da gangue de Picasso eram como todos os garotos de vinte e poucos anos cuja missão na vida é liberar tudo e todos da ordem vigente para, em seguida, por ordem na liberação (rsrs) Os membros da fauna humana da colina tinham em comum - além da pobreza franciscana ! - o fato de serem as vozes de sua geração.
      Last but not least, por mais loucos que os artistas nos possam parecer, há método nas suas maluquices cujo ponto de partida é sempre o mesmo: a realidade. Dia desses li um artigo que jurava de pés juntos que grande parte da arte abstracionista de Wassily Kandinsky foi uma tentativa de capturar e representar o mundo como ele o experimentava. Sucede que Kandinsky tinha um probleminha de fiação, uma condição neurológica conhecida como “sinestesia”. Conforme suas próprias palavras, o pintor podia "ver" o som e "ouvir" a cor desde a mais tenra infância. Explico: as coisas que o cara enxergava seguiam direto para o seu córtex auditivo e aquilo que ele escutava ia sem escalas até o seu córtex visual. Não, não se tratava de alucinação por uso de drogas (rsrs) No cérebro do abstracionista os circuitos eram mesmo invertidos e, portanto, geravam a maior mistureba no processamento dos dados, uma verdadeira salada sensorial na qual, por exemplo, um solo de balalaica produzia imagens de “bolhas fosforescentes, linhas selvagens, quase loucas , esboçadas na minha frente."
      https://www.wikiart.org/en/wassily-kandinsky/black-strokes-i-1913
      Ele alegava que cada cor em sua paleta fazia um barulho diferente, que quando misturadas criavam “sons sibilantes” e chegava até a cantar os tons das cores que pretendia usar.
      A leitura me ajudou a entender porque o russo foi o precursor do abstracionismo. Pudera! (rsrs)
      Abração

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  4. Alexandre Sampaio26/09/2018, 06:16

    Pimentel,

    O que fica claro nos seus excelentes textos é que ao conceber esta forma de pintura em que a serenidade e a harmonia da arte clássica estava definitivamente superada os pintores cubistas tinham compromisso com o inusitado porque as circunstâncias da época de mudanças em que viveram exigiam a modernidade. Até agora o Cubismo Sintético foi o mais simpático. Parabéns!

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    1. Moacir Pimentel27/09/2018, 08:44

      Sampaio,
      Quando Picasso e Braque pintaram as primeiras cubices, não tinham a intenção de inventar o Cubismo, não imaginavam que ele seria uma “franquia”, nem como seria o próximo capítulo (rsrs) As cubices foram surgindo das paletas deles e diante das novidades os críticos de arte se dividiram entre os que achavam as telas feias e os que as consideravam grotescas (rsrs)
      Sucede que uma década depois - mesmo tendo fugido das telas! - o novo estilo já invadira a literatura, a música, o teatro, a arquitetura e, depois de cair no gosto popular, até mesmo as casas francesas como objetos decorativos: jarros, lustres, biombos etc de inspiração cubista.
      Ou seja, você tem razão quando tecla que os cubistas foram filhos de seu tempo, uma época crítica, cética e inteligente, de inovações de toda ordem como a eletricidade de Edison, o automóvel Renault, os aviões dos Wright e do Dumont , a teoria da relatividade de Einstein, a psicanálise de Freud, as magias cinematográficas de Méliès, o anarquismo de Nietzsche, as novelas de ficção científica de H.G.Wells e de Jules Verne etc. Nesse contexto, se não tivessem inovado os inquietos artistas de Montmartre teriam sido os hereges e não os profetas do novo século (rsrs)
      Que bom que você simpatizou com essa nova administração das cubices.
      Muito obrigado e abração



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  5. Olá querido Moacir,
    Agora já sei um pouco mais das diferenças entre o sintético e o analítico.Visivelmente um é mais colorido, leve e introspectivo enquanto o outro é mais fragmentado em cores sóbrias. Subjetivo são todos,porque haja interpretação! Preciso ver mais, voltar atrás nos seus posts e nos meus livros para ter certeza se já sei. Fica a impressão de que o analítico é mais fácil de ser visto e reconhecido. Para mim o síntetico é mais difícil. Estou muito errada?
    Mas acho que se não tem perspectiva tem sombra até mesmo em contrapontos brancos na luz azul da Veneziana. E na cadeira da Femme. Nessa Femme en chemise não consigo ver o rosto. E olha que segui todo o script. E da chemise só vi mesmo a renda. Mas ri muito da "má formação genética" da Mônica.
    Como todos dizem, e dizem bem antes quando estou tão atrasada, suas aulas fantásticas são ricas, bem humoradas e tão bem escritas. Atrasada por estar emaranhada em teias de argila numa sucessão de trabalhos horrorosos. Deprimente!
    Você é nerd?
    Estou curiosa sobre as colagens porque sempre pensei que eram mais do analítico do que do sintētico. Também isso tudo é nome, o mais importante é usufruir e se intrigar.
    Achei o L'Homme au café quase caricatural.
    Até sempre muito, muito mais.

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    1. Moacir Pimentel27/09/2018, 10:51

      Caríssima Donana,
      Quanto à minha suposta “nerdice” e à mulher com defeito de fábrica, creio que já foram conversadas com a Mônica e a Flávia (rsrs) Sim, todas as cubices são subjetivas e essa é a graça delas: há várias maneiras de se olhar para o mundo. Quanto ao L'Homme au café ser caricatural, assino embaixo se a senhora estiver falando do primeiro. Embora Juan Gris não tenha, como o Marcel Duchamp, colocado bigodes na Monalisa (rsrs) nem exatamente “caricaturado” as análises dos vizinhos, a leitura que faço do seu trabalho é que, de saída, esse espanhol cometeu telas SOBRE o cubismo analítico e/ou ilustrou as invenções alheias com sua visão gráfica mais arrojada.
      Foi depois que Braque inventou a colagem - e so sorry se falhei na cronologia dos posts! - juntamente com o toureiro deu os primeiros pálidos passos do Cubismo Sintético que Gris encontrou a sua “arte de síntese”, passou a tentar “concretizar o que era abstrato", colou, sacudiu todas as cores de Matisse na roda e inventou o um estilo próprio e mais popular e, de quebra, influenciou o rumo do movimento.
      Quanto à veneziana interpreto-a como um contraponto didático. A sua tridimensionalidade aparente – inclusive a detalhada representação das duas correntes laterais – servem para enfatizar que tudo mais na tela foi achatado no plano bidimensional. Na verdade esses caras rejeitaram todos os efeitos sedutores, se recusaram a representar as luminosas sensações impressionistas, aboliram a anciã perspectiva baseada em um espaço ilusionista para lá do plano da tela, ficaram “de mal” com a volumetria, implodiram qualquer sentido de tridimensionalidade, baniram a estética convencional das suas telas, fizeram coisas diferentes de tudo que já tinha sido pintado, criaram enigmas em série e, por fim, cometeram esfinges achatadas e coloridas pedindo para serem decifradas.
      As obras cubistas, em qualquer uma das suas fases - a primitiva , a analítica e a sintética! - foram criações eminentemente cerebrais, mesmo quando a técnica da colagem deu o ar da graça dela, tentando demonstrar que uma tela era capaz de sensibilizar o observador pela simples disposição dos seus elementos, pelo estilo como fora executada que, como veremos, passou a poder usar coisas reais, objetos do quotidiano, da cultura popular, evocadores de outras realidades, literárias, jornalísticas e sociais. Mas essa já é outra conversa. Tenha paciência com as suas teias de barro e “até sempre muuuuito mais”.

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  6. Francisco Bendl27/09/2018, 12:58

    Pimentel, meu jovem,

    Dizem que a graça da vida, de se viver, reside nos pequenos detalhes.
    Ora devemos analisá-los - o analítico -, ora precisam ser sintéticos - casos breves, decisões rápidas.

    Agora, quanto à tua narrativa muito bem feita sobre o Cubismo, e mencionando essas duas formas como se apresenta este estilo de pintura ou escola ou, lá pelas tantas estou confundindo estilo com escola, tens o meu aplauso porque comprovas a existência da diferença no Cubismo, o analítico e o sintético, assim como as circunstâncias que permeiam a nossa existência.

    Agora, de modo a saber separar um do outro, haja conhecimento, estudos, dedicação.

    E nada diferente da vida do ser humano que, para se realizar em algo, faz-se mister que seja meticuloso, observador, que busque o conhecimento, que estude, e que saiba ser diferente dos demais positivamente.

    Vou mais longe, Pimentel:
    Fazendo uma tênue comparação entre os meus rabiscos com os teus elogiados artigos, és o homem que conquistou espaços, que se realizou, que inovou e conseguiu atingir o ápice.
    Eu, ainda me encontro perdido para saber a diferença entre crescer e aumentar de tamanho!

    Dito isso, mais um texto de tua autoria escrito brilhantemente, como os anteriores, e que nos deixam extasiados pelo que sabes a respeito da pintura, e esta disposição de nos ensinares sobre esta arte que acompanha o ser humano desde que surgiu neste planeta!

    Abraços.
    Saúde e paz.

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    1. Moacir Pimentel27/09/2018, 17:43

      Chicão,
      Eu me sinto jovem, sabia? Tudo bem que as manutenções ficaram mais constantes, mas sem essa de já ter “atingido o ápice”! Por favor, me conte fora disso! (rsrs)
      Em um livro imperdível de nome A Anatomia de Um Instante, o escritor Javier Cercas defende que nessa vida a todo homem é reservado apenas um instante, no qual lhe é oferecida a chance de escolher entre uma vida sem sentido ou justificada e que, nesse momento, nessa encruzilhada, onde diz ao mundo a que veio é preciso, muitas vezes, que o ele renegue tudo que acreditou verdadeiro até então para não trair a si mesmo e seguir em frente mudado, é verdade, mas sempre o mesmo e inteiro. É mais ou menos o que farei no próximo dia 7 (rsrs) Mas falando sério...Como é que sabemos que o nosso melhor já passou? Quem nos garante que já nos justificamos, ou que não encontraremos um significado mais amplo depois de amanhã? Será que já fomos tudo, sentimos tudo, dissemos tudo? Desconfio muito humildemente que não.
      Fomos projetados para nos esforçar continuamente e, portanto, há que seguir em frente lendo, rabiscando, estudando, observando, refletindo, mudando. A curiosidade e o fascínio e o conhecimento rejuvenescem a alma, as novas ideias sacodem o nosso propósito evolucionário: um cérebro que tem mais conexões neurais do que a Internet toda tem links! Ter massa cinzenta e não usá-la me parece ser um pecado cabeludo.
      É por isso que blogamos e teclamos, Bendl. Para nos manter ligados, para pensar melhor, para desconfiar e duvidar, para trair o passado, se preciso for, para não atraiçoar o presente, para crescer para o alto, para saber mais. Sobre os temas que cada um de nós traz e coloca na roda, sempre surpresos de como pode ser divertida essa jornada conjunta de descobertas e convictos de que a velhice só começa assim que a gente desiste do aprendizado.
      Às pretinhas, “gratidão”, abração e até o seu futuro "sábado".

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  7. Antonio Rocha29/09/2018, 11:09

    1) Oi Pimentel, gostei da imagem do contorcido jornal O Socialista dos Pirineus Orientais.

    2)Ponderei: o sonho do socialismo democrático esvai-se, fica todo troncho (como se dizia no meu Pernambuco de antanho)ante as durezas das realidades...

    3)E como nos Pirineus faz muito frio, consolo-me com as filosofias orientais.

    4)Abraços de bom fim de semana.

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    Respostas
    1. Moacir Pimentel01/10/2018, 18:13

      Antonioji,
      Por enquanto, para não dar spoiler, chamo sua atenção para o fato de que se pode ler muitas das palavras nos jornais das pinturas cubistas e que, portanto, podemos supor que os artistas escolhiam cuidadosamente esses recortes de jornal para manisfestar suas opiniões e inclinações políticas.
      Boa semana de trabalho

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