Tom, Gail e o primeiro Mustang (foto: Divulgação/Reprodução) |
Heraldo Palmeira
Fico
imaginando a cena ocorrida em 15 de abril de 1964. Gail Wise, que acabara de se
formar professora, tinha 22 anos, era uma típica garota americana de classe
média vivenciando uma época espetacular. Ela chegou com os pais, a bordo de um
Ford 1957 vermelho. Conversível.
O American Way
of Life – um conceito que misturava a crença nos direitos à vida, à liberdade e
à busca da felicidade criado em tempos de Guerra Fria para alfinetar comunistas
– encantava o mundo, inclusive com seus carrões de sonho. O cinema
hollywoodiano e a trilha sonora rock e pop que brotava em língua inglesa dos
dois lados do Atlântico se encarregavam do resto.
Foi nesse cenário
de prosperidade que ela entrou numa concessionária de Chicago para escolher seu
primeiro carro. Queria comprar um conversível, pois adorava aquele dos pais.
Mas não havia nenhum disponível no showroom da loja.
Ao saber do
interesse da moça, o vendedor levou os três até o depósito nos fundos do prédio.
Ali estava uma novidade que seria lançada oficialmente dois dias depois, na
Feira Mundial de Nova York. O carro estava coberto e provocou um choque quando se
revelou falsamente suave naquele azul claro Skylight
Blue. Motor V8 de 4,7 litros e câmbio manual de três marchas, no assoalho.
E, ainda por cima, conversível!
Diante da
paixão à primeira vista, o vendedor quebrou o protocolo e topou vender na hora aquele
carro de sonho, ainda secreto. Gail pagou 3,5 mil dólares pelo primeiro Mustang
da história e saiu pelas ruas recebendo acenos até da polícia. A tevê já vinha veiculando
a campanha de lançamento, mostrando apenas detalhes do carro. Diante de um de
verdade as pessoas não sabiam o que dizer. Era a grande aposta da Ford para
enfrentar a Chevrolet e seu Corvette, em linha desde 1953.
A partir
dali a professorinha acostumou-se a “voar baixo” no seu pony car, aproveitando as rodovias novas e o pouco trânsito da
época. E virou a queridinha da molecada enlouquecida pelo carro.
Três anos
depois, eu era um menino que já adorava carros. Mas não tinha a menor ideia do
que fosse um Mustang, pois o sertão nordestino daqueles tempos estava restrito
a jipes, rurais, caminhonetes e caminhões. Onde fuscas e kombis ainda chegavam
como novidades.
No dezembro
daquele 1967, minha família mudou-se do interior para a capital e eu me
deslumbrei com a primeira cidade grande por onde transitei. E com carros que eu
nunca vira antes – dauphines, gordinis, DKWs, simcas, karmann-guias, interlagos,
pumas, aero-willys, itamaratys, regentes, esplanadas, galaxies preparando a
chegada dos “revolucionários” corcéis, opalas, variants, zés dos caixão, TLs,
karmann-ghias TC, SP2, brasílias, passats, polaras, darts, le barons e chargers
que encheriam as ruas nos anos seguintes.
Os alertas dos
adultos sobre os perigos urbanos da capital tinham forte apelo para quem, como
eu, vinha de uma cidadezinha onde conhecíamos todos pelos nomes, onde era
permitido entrar e sair de praticamente todas as casas – éramos uma espécie de grande
família, as crianças tinham de trânsito livre.
Mas o passar
dos dias e o festival de novidades da cidade grande foram me incentivando a
desbravar os novos ares, explorar a calçada até as esquinas próximas e outras cada
vez mais adiante. E me fazendo ganhar confiança e novos amigos entre os meninos
da vizinhança.
Certa feita,
estava sentado na calçada, ganhando e perdendo bolas de gude, e vi passar lá
adiante, num cruzamento, uma silhueta veloz, incomum, que não consegui
registrar e muito menos encontrar no meu banco de memória. Fiquei confuso e
curioso. Inquieto como quem pressente algo.
O quintal de
terra da minha casa virara um campinho de futebol de poeira – o poeirão que
levantávamos correndo atrás da bola infernizava as mulheres da casa –, onde nos
fantasiávamos de craques. Um dos meninos da nova turma também gostava de carros.
E nós costumávamos ficar, sem qualquer disputa, falando os nomes e os detalhes dos
que passavam pela rua movimentada.
Um belo dia,
veio o convite para irmos todos jogar bola na casa dele, ali perto. Saímos do
colégio e seguimos animados pelas calçadas, até que o amigo abriu o portão alto,
de madeira, da garagem. Fiquei paralisado!
Ali estava, em
repouso angelical, a silhueta veloz que eu vira dias antes sem conseguir
registrar nada. Um Mustang conversível, 1966, vermelho sangue – como o que
Simonal cantaria tempos depois –, interior e capota (arriada) em couro branco.
Apatetado, sequer consegui entender como um carro sem capota podia estar equipado
com ar-condicionado.
Foi difícil
me tirar da garagem para entrar na casa e chegar ao quintal, de campinho
gramado – um luxo diante do meu, de terra. O amigo, simples apesar da fortuna
familiar, me permitiu entrar no carro, fingir que estava dirigindo, apertar a
buzina, imitar o ronco do motor num arranjo vocal formidável! E eu joguei uma
das piores partidas das minhas peladas, pois só tinha cabeça para pensar
naquele cavalinho da grade dianteira e em tudo mais que vinha a partir dali.
Muitos anos depois,
eu já cinquentão, fui mais uma vez aos Estados Unidos e quis realizar dois
sonhos. Primeiro, conhecer as Keys da Flórida, especialmente Key West. Segundo,
cumprir a recomendação de todos os informes turísticos e de alguns amigos:
fazer a viagem deslumbrante sobre o mar pilotando um conversível, cabelo ao
vento.
Meu coração
bateu mais rápido na hora de escolher o carro com o agente de viagens. Eu não
tinha qualquer dúvida. Mas a regra das locadoras é clara, o cliente escolhe pela
categoria do carro. E naquela havia também o Chevrolet Camaro, o Dodge
Challenger e o Chrysler 200. Três grandes carros, mas nunca passaram velozes
numa esquina da minha infância.
Desembarquei
e fui direto ao balcão da locadora, buscar o sedã que utilizaria na primeira
semana em Miami. Mas a minha cabeça já estava na viagem da semana seguinte.
Comecei a
conversar com Mrs. Margareth, a atendente, uma senhora grandona que parecia
personagem daqueles corais de música gospel, voz grave e pausada. Falei do
Mustang e ela não abriu a guarda, recitou a regra da categoria de referência.
Eu falei do
Brasil, que ela só conhecia de ouvir falar. Ela adorava férias na praia e
chocolates suíços. Escancarei meu litoral nativo, na parte de cima do mapa. O
filho estivera em Pipa e adorou. Pretendia voltar. Desafiei para que fosse
junto. Em pouco tempo, estávamos falando de Martin Luther King, dos direitos
civis, da música negra, dos carros americanos e suas novas tecnologias... E, last but not least, Beatles, linguagem universal!
Parti para o
ataque levantando toda a poeira do campinho do meu quintal e descortinando a
história do Mustang vermelho cor de sangue. Tentei repetir o arranjo vocal que
fiz há tantos anos para imitar o motor. Ela abriu um largo sorriso. Cheguei na
cara do gol, éramos o goleiro e eu. Chutei no cantinho, vi a bola rolando com
chance de ir parar no fundo das redes...
– A que
horas você vem retirar o carro no sábado? – a voz de trovão aveludado me fez jogador
olhando para o juiz, antes de sair comemorando.
– Por volta
das onze horas.
– Não posso
garantir nada, mas venha direto para o meu guichê, não precisa entrar na fila.
Estarei aqui das cinco da manhã até uma da tarde.
Nos
despedimos cordialmente e tomei o elevador. Desci ao piso do parking da locadora e fui até o boxe 64,
onde estaria o meu sedã simples. Descobri que Mrs. Margareth jogava muito
melhor do que eu: estava à minha espera um Buick Lacrosse, pouquíssimo rodado e
repleto dos exageros automobilísticos que os americanos adoram. Sim, ela fizera
uma cortesia para que eu zanzasse a primeira semana naquele super sedã.
O sábado
amanheceu ensolarado. Devolvi o Lacrosse sem querer me separar dele e cheguei
ao balcão pontualmente às onze. Não vi Mrs. Margareth e entrei na fila. O
atendente informou que haviam mudado a escala e ela trabalhara na madrugada. Fiquei
com a sensação de quem faz gol contra, de que o Lacrosse fora um bônus para
zerar o jogo.
O rapaz fez
todos os procedimentos e disse que meu carro estava no boxe 50. Elevador, piso
da locadora e segui para o estoque de carros. Eu me dei conta de que havia
passado do local indicado e virei para trás. Só havia um carro na área.
Separado de todos, preto, conversível. O meu Mustang, que sairia comigo por aí,
sem lenço e sem documento pelos próximos dez dias.
Meu primeiro Mustang (foto de Heraldo Palmeira) |
Olhei para
aquele cavalinho na grade dianteira imaginando tudo mais que vinha a partir
dali. Fiquei alguns minutos reverenciando a lenda, vendo aquele filme da
infância passando na minha cabeça, lembrando dos meus velhos camaradas – que eu
levaria na lembrança naquela viagem.
Iniciei o
ritual ao abrir a porta. Acionei a ignição, o ronco inconfundível, bancos e
retrovisores ajustados, capota abaixada, o clique do engate do câmbio. E o sol
da Flórida por testemunha.
O histórico
Mustang de Gail quase foi parar num ferro-velho, no final dos anos 70. Já não
funcionava mais. Foi salvo pelo maridão Tom Wise, que prometeu restaurar o
carro quando se aposentasse. O trabalho impecável recolocou uma celebridade nas
ruas, que passeia nos fins de semana e participa de eventos de automóveis
clássicos. Com valor estimado em 350 mil dólares, não está à venda.
Em abril de
2014, o Ford Mustang completou cinquenta anos de história e a Chevrolet
produziu um comercial comovente do seu Camaro dando os parabéns ao bravo concorrente
e desejando mais disputa pela frente: "Feliz aniversário, Mustang. Por mais 50 anos de rivalidade. Seu
amigo, Camaro", dizia o cartão publicado mundo a fora, com a mensagem
subliminar tipo concorrentes sim, inimigos não!
O “amigo” Camaro (foto: Divulgação/Reprodução) |
Em agosto de
2018, a Ford festejou dez milhões de unidades produzidas e lá estava a mesma
Gail Wise com o primeiro Mustang comercializado. A roda da vida que não para de
ir e vir, a velha magia que une carros, pessoas e estradas como rota sem fim. E
assim será, como sempre foi. A mesma máquina do tempo que encheu minha cabeça de
menino com o sonho de dirigir um Mustang conversível. Sem destino, sem pressa,
sem hora marcada. Apenas pisando fundo, of
course!
Pouco mais
de duas horas de estrada, eu estava de frente para o mar em Islamorada,
almoçando no Hungry Tarpon, assistindo ao espetáculo dos tarpões pulando da
água para arrancar sardinhas das mãos dos turistas, sob assédio malandro de
garças e pelicanos.
O celular
tocou. Mrs. Margareth disse que não precisava eu ter me incomodado em deixar
chocolates suíços para ela. Respondi que não precisava ela ter se incomodado em
deixar um Lacrosse e um Mustang para um louco por carros.
– Enjoy the Keys, man!
– Thanks lady! Bye.
Enquanto
aguardava o cafezinho final, fiquei pensando a respeito das relações
improváveis que conseguimos estabelecer nesse vaivém pelo meio do mundo. Aquela
senhora foi clara a respeito dos termos do contrato, afetuosa no decorrer da
nossa conversa e finalmente generosa no empenho pessoal para que o homem feito
realizasse o sonho do menino. Com o bônus do Lacrosse. Algo que nem uma fábrica
de chocolates inteira conseguiria recompensar.
Acionei a
ignição e ouvi de novo o ronco quase música do motor. Abaixei a capota e fui
saindo devagar, querendo aproveitar cada lufada de ar que batia no meu rosto e esvoaçava
o cabelo. Mais duas horas, num ritmo entre sentir aquele carro e apreciar a
paisagem, e eu estava chegando ao píer, a tempo de tomar umas e participar da
cerimônia do pôr do sol famoso.
Pôr do sol em Key West (foto de Heraldo Palmeira) |
Bastaram
mais algumas tantas para descobrir que aquele povo que saiu de Woodstock, e não
chegou em casa até hoje, parou em Key West. Com boas razões.
Entrei no
hotel tarde da noite e nada poderia ser melhor do que aqueles detalhes bem
americanos – quarto, banheiro, ducha e cama imensos! Antes de deitar, uma
puxadinha na cortina para olhar o Mustang lá embaixo. Sim, nós dois estávamos
ali.
1) Boa crônica de um tempo bom que passou... parabéns Palmeira !
ResponderExcluir2) Me fez lembrar que, no Gama-DF, meu pai tinha um Gordini.
3) Interessante, tínhamos carro popular, mas não tínhamos televisão, meu pai dizia que isso era coisa do Mal.
Obrigado, Antonio,
ResponderExcluirSim, belo tempo aquele em que descobríamos a vida e os carrões. E pensar que o Gordini era vendido como um dos nossos "esportivos". Lembro daquele som comprimido do motor. E os carros vinham antes da tevê, a última grande novidade tecnológica da nossa infância e juventude.
Prezado Autor Sr. HERALDO PALMEIRA,
ResponderExcluirParabéns por ser fan desse clássico da indústria automobilística Americana, o Ford Mustang 1964. Também sou.
Muito agradável a sua crônica nos contando do primeiro encontro no final da década 60, na garage de seu Colega de Escola e Companheiro de peladas, com um Mustang 66 Vermelho, conversível.
Anos depois indo conhecer as Keys na Florida EUA, resolveu percorrer aquelas estradas num conversível Ford Mustang.
O Ford Mustang, concepção e projeto chefiado pelo legendário Lee Iacocca foi um tremendo sucesso e derivou seu nome do popular avião de caça P-51 Mustang, equipado com motor Merlin V-12 e que tinha um longo nariz, já que seus cilindros eram em linha.
Ele tinha uma enorme potencia de 1.600 HP e mais importante equipado com duplo compressor de 2 estágios, tinha excelente desempenho em altas altitudes, acima de 30.000 pés, o que lhe dava enorme vantagem lá em cima.
Lee Iacocca para dar impressão de grande potência, desenhou a frente mais alongada que o normal, daí um comprido capô, que lhe assentou muito bem e lhe deu o nome de Mustang.
Valeu os seus esforços na Locadora para conseguir um Mustang na Flórida.
Abração.
Flávio,
ExcluirObrigado. Sim, esse carro é uma lenda, eu diria quase um signo da pop art. Daqueles produtos que entram no inconsciente coletivo, como as guitarras Fender e Gibson, como o tênis All Star, como as calças Lee e Levi's.
E como toda lenda, cheia de imprecisões, inclusive em relação ao nome. Na verdade, ele seria o Ford Cougar e não há registro histórico dos motivos da mudança para Mustang.
Mas há uma anotação em um livro que tenta esclarecer o mistério da escolha. John Najjar (parceiro de Philip T. Clark como projetista do primeiro protótipo do carro), teria sujerido o nome Mustang inspirado no avião (também lendário). Imediatamente, o chefe dele, Bob Maguire, recusou porque ficaria "aeronáutico demais".
Najjar não desistiu e associou o nome aos cavalos bravios trazidos pelos europeus colonizadores, tidos como fortes, resistentes, rápidos e muito corajosos. Isso deu uma aura de romantismo e terminou vencendo as resistências.
Enfim, o nome do carro se formou pela junção de avião e cavalo. O avião inspirou e o cavalo confirmou.
Por fim, o papel de Iacocca: ele não desenhou o carro, era o vice-presidente da Ford Motor Company e executivo que comandava a divisão Ford. Seu mérito foi encomendar aos seus engenheiros um carro compacto de aspecto esportivo e jovem, que gerou o conceito dos "pony cars". Em seguida, convenceu a companhia a produzir a novidade, que terminou vendendo 22 mil unidades no dia do lançamento e criou um novo segmento na indústria: o esportivo barato.
Além disso, criou, com o Mustang, a idéia do "faça seu carro", a possibilidade de o consumidor personalizar seu possante com uma lista enorme de opcionais.
Como vê, locar aquele carro na Flórida foi também um jeito de viajar na história. Abraço.
Parabéns...fez me lembrar de quando saiu a D20 da Chevrolet, eu moleque apaixonado por caminhonetes fez me emocionar com a linda lembrança que nos trouxe.
ResponderExcluirJoão,
ExcluirObrigado. Essas paixões são arrebatadoras mesmo.
Mais uma viagem!... Obrigado, querido HP!
ResponderExcluirPara isso estão aí os carrões de sonho. Obrigado.
ExcluirQuem dera que pudéssemos viajar no tempo e, ainda por cima, realizar o sonho que dormiu na saudade!
ResponderExcluirMinha família não teve carro algum, então jamais eu tive a vontade de ter um dos carrões da minha época, década de cinquenta, onde os automóveis eram espetaculares!
Meu tio, nascido Lituânia, teve um dos mais belos carros que já foram construídos, um Buick 1.953, preto, hidramático!
Um automóvel que as pessoas torciam o pescoço nas ruas ao vê-lo.
Quando casei, o meu primeiro veículo foi uma Variant, 1.970.
Em seguida eu a troquei por um Fuscão, motor 1.500cc.
Ao longo da minha vida profissional e de casado, perdi a conta dos automóveis e camionetes que tive, e também pertencentes às empresas onde trabalhei.
Mas, nunca fui obcecado por um tipo ou modelo, o carro que seria dos meus desejos, não.
Eu sempre fui pragmático nesse aspecto, de o veículo servir à minha profissão e para a família ao mesmo tempo.
Apesar de gostar de automóveis, mexer na mecânica, colocar rodas de liga leve e diamantadas, pneus mais largos e baixos, amortecedores especiais, lâmpadas dos faróis e faroletes mais potentes, porém LEGAIS, um som de acordo com a minha idade, mas de qualidade, o carro teria de ter um desempenho de acordo nas estradas e cidades.
Enfim, mesmo admirando o Mustang – um ícone mundial -, em razão de minhas condições jamais me proporcionariam comprá-lo ou, até mesmo alugá-lo, os “muscle car” americanos não me fizeram a cabeça por razões econômicas.
Parabenizo, então, o Palmeira, que realizou o seu desejo neste particular, além de escrever uma bela crônica sobre a sua viagem no tempo, e nos Estados Unidos!
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Bendl,
ExcluirNão importa a condição financeira, há carros que nunca chegarei a abrir a porta, mas não desistirei de amá-los. Portanto, acelere.
Mestre Heraldo,
ResponderExcluirA sua bela crônica me trouxe de volta a alegria que senti, nos anos setenta, ao pilotar não um Ford Mustang, nem um Chevrolet Camaro, nem um Dodge Challenger mas um carrinho de nada, um MG Midget 74, vermelho e conversível, por essa estrada espetacular formada pelas longas pontes que, sobre o Golfo do México, unem as ilhas do arquipélago ao extremo sul do território americano. Você tem razão: muita gente boa nem se deu ao trabalho de sair de Key West para ir a Woodstock, encantada que estava com a informalidade, as influências cubanas, a música negra, a aura boêmia da ilha, sua cultura que mistura traços caribenhos e country como, por exemplo, a torta de laranja (rsrs) Lembro que era no belo cais da ilha que os jovens artistas alternativos se revezavam fazendo som enquanto o sol se despedia. E que Ernest Hemingway, um dos meus escritores favoritos e o mais ilustre dos seus visitantes, morou por quase uma década em uma casa de dois pavimentos e amplas varandas próxima do farol, cuja luz – dizem as más línguas – era fundamental para que o escritor nas madrugadas pudesse encontrar o caminho do lar depois de virar incontáveis copos e de fumar inumeráveis charutos cubanos na sua mesa favorita, perto da sinuca, no bar Captain Tony’s (rsrs) Que bom que fomos capazes de tornar realidade alguns dos nossos sonhos pueris.
Abração
Caríssimo,
Excluir"Carrinho de nada" para um MG Midget 74 conversível? Imagine o que seria um carrão para você! Sem dúvida, o melhor jeito de passar pelas Keys até sossegar na última delas, onde o tempo parece ter parado caprichosamente. O espetáculo se repete: do sol, dos artistas alternativos, dos sinais de Hemingway naquela casa cheia de gatos e na nossa vida, os dois bares que se dizem o point do escritor... Nada melhor, a gente pode tomar umas nos dois. Abração.
Heraldo, sua crônica seguramente tocou a todos de nossa geração (bem, a sua é um pouco mais nova :) que gostaram de carros (o que, suspeito, era a maioria nos nossos tempos de jovens). Confesso por umas duas vezes ter namorado um Mustang nas agências de aluguel de carros em aeroportos americanos, mas como nas duas estava viajando para clientes não achei de bom alvitre alugar o bicho...
ResponderExcluirComo o Chicão, sempre gostei de mexer nos meus carros para melhorar um pouquinho seu rendimento, e viajei um bocado nas estradas em tempos passados, mas o único muscle car que já dirigi foi um Charger RT com que andei assustando alguns amigos, inclusive o dono dele, sustos que talvez tenham feito os amigos perderem uma joint-venture com um fabricante francês de computadores que fomos levar ao aeroporto um tanto apressadamente - e por isso o dono me pediu que dirigisse - depois que nós e ele nos atrasamos num almoço de boa viagem e ao chegar lá jurou nunca mais entrar num carro comigo (mas isso já é outra história :). Fora esse, uma maravilhosa berlina Jaguar MK VII que um amigo queria me vender nos tempos de solteiro, e que a Ana até hoje diz que andar com ela foi um truque para convencê-la a se casar comigo. Bons tempos, em que as estradas eram mais vazias e mais bem conservadas.
Boas lembranças - as suas tão bem contadas e as que elas despertaram nos leitores.
Mano,
ExcluirAcho que este tema mistura as gerações sem favor a nenhuma. É quase um chavão - do tipo sexo, drogas e roquenrrou -: carrões, velocidade e aventura. Não à toa, o Charger R/T e essa berlina Jaguar lendária criaram pedaços históricos da sua história pessoal. Haja estrada para lembrar de tanto! Abraço.
Olá Heraldo,,
ResponderExcluirQuanto tempo!
Depois dessa crônica deliciosa de se ler e as aventuras "finesse" de vocês dirigindo carros de sonhos pelas Keys da vida onde o mar é azul de doer e onde chefs tipo Bourdain experimentaram seus pratos e suas drogas, trocando Woodstock pelas belezuras das ilhas, hesito um pouco para contar a minha. É aventura de pobre audaz! Hoje penso que meu pai, um fabuloso motorista, nunca vi outro igual, era um "pouco" ousado e minha mãe completamente doida.
Saímos de Ubá onde ele trabalhava como supervisor regional da ACAR para Birigui, noroeste de São Paulo, quase Mato Grosso, onde moravam os avós paternos. Num Buick conversível azul escuro chamado por nós de DingLing. Não sei se era sonho do meu pai e é tarde demais para saber agora. Mas ele estava bem feliz. A viagem era looonga, tinhamos até de atravessar a cidade de São Paulo o que tomava uma boa hora, ou mais. E depois parávamos em sombras de árvore para um picnic e para a soneca reparadoura do meu pai. Depois de umas duas horas estrada de novo.
Retas paulistas intermináveis. Pai, mãe, eu com uns onze/doze anos, meu irmão de
quatro e meu primo irmão querido de quatorze.
Na ida tudo bem. Mas na volta...quanta aventura! O carro dava defeito a cada cruzamento da estrada. O farnel preparado pela avó alemã ia de frango assado com farofa à deliciosa cuca e água e frutas. E acabou bem antes da viagem. E de tantos consertos o dinheiro acabou também. Paramos em Caçapava onde morava minha prima Léa que nos muniu de deliciosos sanduiches, alguns surpresa com figurinha dentro, artes do marido dela!
O que dizer desses retirantes sujinhos e famintos tentando voltar ao ponto de partida? Dormir no carro perto de posto de gasolina, o irmão atrás bem na janela, eu no banco de trás, meu primo num acampamento inusitado no espaço entre o banco de trás e o da frente e meu pai com a cabeça no colo da minha mãe. Que devia ficar acordada pensando como alimentar a criançada. Uma hora apareceu com peras d'água, maravilhosas! Mas na hora do pastel...hum, foi inesquecível!
A viagem de um dia virou muitos.
Chegamos felizes. Nada como o retorno à casa da família pródiga!
Obrigada Heraldo.
Ana,
Excluir"Quanto tempo, pois é, quanto tempo!
Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas."
O sinal andou fechado.
Não há tempo, lugar ou marcas/modelos, o que importa são as histórias rodadas para qualquer lado, como essa sua no Buick azul. Certamente você ainda sente o gosto de peras e pastéis. Pra isso existem as estradas longas e os carrões. Que não tinham defeitos, apenas queriam chamar nossa atenção. Quem agradece aqui sou eu.