Rádio telescópios da rede ALMA, no deserto de Atacama, Chile (imagem European Southern Observatory) |
Heraldo Palmeira
Estava pensando no projeto de mais um
livro e fui reler alguns textos que escrevi há algum tempo. Era sobre a pressa
cotidiana, a angústia que deixa de ser só de Paulinho da Viola para ser nossa.
Olá, como vai?
Eu vou indo e você,
tudo bem?
Tudo bem, eu vou
indo correndo
Quanto tempo...
pois é...
Quanto tempo...
Me perdoe a
pressa
Oh! Não tem de
quê
Eu também só ando
a cem
Precisamos nos
ver por aí
Pra semana,
prometo
Talvez nos
vejamos
Quem sabe?
Quanto tempo...
pois é... quanto tempo...
Tanta coisa que
eu tinha a dizer
Mas eu sumi na
poeira das ruas
Eu também tenho
algo a dizer
Mas me foge a
lembrança
Por favor,
telefone, eu preciso
Pra semana
O sinal ...
Eu espero você
Vai abrir...
Por favor, não
esqueça
Adeus...
Os amigos se espalharam por cidades
diferentes e distantes, cumprindo os êxodos necessários para garantir a
sobrevivência. Celulares, tabletes, computadores e internet suprem, na medida
do possível, a falta da convivência cotidiana. Abrem nossos sinais fechados.
De repente, aquelas mensagens de
notificação de caixa postal cheia aparecem uma, duas, diversas vezes para um
mesmo amigo. Ou o jogo das cores do acompanhamento dos posts das redes sociais quebra
o ritual da rotina.
É a fagulha que aperta o coração, que
acende um sinal de alerta. E não há sossego até que tudo fique esclarecido:
simples correria cotidiana, viagem de trabalho, férias, convalescença, “não vi”
ou, a menos desejada das constatações, saída definitiva de cena – não sossega,
apenas conforma.
Nossa última conversa foi por
telefone, achei que ele estava fora de sintonia, rateando, pontos sem nexo na
conversa. Parecia uma antena captando sinais misturados. Parecia uma salada sem
harmonia nas frutas. Parecia que a fala perdera o sincronismo com o pensamento.
Um amigo comum confirmou, “o alemão maldito” estava na área.
As mensagens por zap ainda eram lidas,
deixando marcas azuis. As respostas, quando vinham, eram monocromáticas. De
repente, os dois pauzinhos entraram em alerta cinza, não se transformavam mais
em marcas azuis. Finalmente, apenas um pauzinho cinza para o que já não chegava
ao destino, sinal de que não haveria sinal. Dias depois, a confirmação por meio
de uma amiga comum. “Sentiu-se mal, foi ao hospital, ficou internado, saiu
andando para casa. Mal chegou e veio o infarto. Fulminante! Nem deu tempo de
voltar ao hospital”.
Fica aquela sensação de vazio. O que
era já não é e não mais será. Ponto. Final! Final? A fé nos diz algumas coisas,
em diversos credos. Dúvida! Sim, temos o direito de ficar nela, pois nada é
garantido, nada é líquido e certo como dois e dois são aqueles cinco da canção.
E nem isso é seguro.
Não há como manter a conexão entre
contatos digitais e espirituais, resta o momento de deletar do mundo virtual aquele
contato, pois o amigo virou apenas uma lembrança sem forma e sem conteúdo. E a
gente procura em desespero algum áudio derradeiro para lembrar – todos foram
deletados para liberar memória.
E a gente olha para a foto, relê os
últimos posts, prestes a apagar um pedaço da própria história. E sai marcando
tudo até dar o clique final, como se apagasse as luzes de um depósito de
afetos, deixando para trás a escuridão do que não terá mais qualquer sequência,
uma nuvem que armazenará doravante apenas saudade.
Vejo caminhões
E carros
apressados
A passar por mim
Estou sentado
À beira de um
caminho
Que não tem mais
fim
Olho pra mim
mesmo e procuro
E não encontro
nada
Sou um pobre
resto de esperança
À beira de uma
estrada
Carros,
caminhões, poeira, estrada
Tudo, tudo se
confunde
Em minha mente
Minha sombra me
acompanha
E vê que eu
Estou morrendo
lentamente
Preciso acabar
logo com isso
Preciso lembrar
que eu existo
Que eu existo,
que eu existo...
Num esquecido jornal de ontem, tido
como algo fora de moda, leio que um observatório espacial em algum lugar do
planeta foi fechado temporariamente, numa operação cercada de sigilo e
assombros. Depois, os cientistas explicaram que haviam captado sinais de rádio
vindos de alguma galáxia distante. Diziam que, desta vez, eram muito fortes,
como nunca havia sido.
Outras vozes terrestres começaram a suspeitar
de uma possível espionagem da faixa de testes de mísseis do Exército americano.
Outros mais animados com teorias da conspiração disseram que uma tecnologia de
última geração instalada no observatório teria captado algo tão complexo que
deve ser mantido em segredo – vida extraterrestre, OVNIs, sinais da morte
gradual do sol...
Para apimentar o tempero, o fato de o
observatório estar a menos de duzentos quilômetros do local onde ocorreu o caso
Roswell – um dos incidentes mais famosos da ufologia mundial, aquele em que
material de discos voadores acidentados e corpos de alienígenas teriam caído
numa fazenda americana e levados pelos militares para local secreto.
Éramos poucos ali ao redor da família.
Fomos saindo devagar. Larguei o jornal de ontem, esquecendo-o de novo, sem escolher
lugar. Aquele amontoado de papéis impressos parecia um nobre que virou mendigo,
um paletó roto e esfarrapado que nem o dono reconheceria, um retrato
esmolambado da comunicação. Como se fosse vítima da sua própria teoria da
conspiração, abduzido e condenado pelas novas mídias destinadas a alienígenas
que não se deixam seduzir pelo cheiro da tinta que suja dedos, pelo tato
naquele papel que já foi finlandês, pelo barulho contagiante das antigas
redações, pela boemia obrigatória dos jornalistas depois do fechamento da
edição.
Pensei na fábrica finlandesa de papel
que mudou de ramo e transformou-se num gigante da tecnologia digital. Como se
fosse penetra de festa. Como quem entrou no coração da besta e encontrou a
saída. Contando ninguém acredita.
Já desisti de acreditar no possível,
diante de tantos impossíveis críveis! Mas fiquei imaginando a respeito daqueles
sinais vindos de fora da Via Láctea, de bilhões de anos-luz, seja lá onde isso
fique. Eram tão fortes, como nunca antes, e assustaram mesmo cientistas, ou
foram plantados na imprensa para nos assustar?
Olhei para cima e não ouvi nada, não
enxerguei nenhuma onda, nenhuma possibilidade, nenhum sinal. Só captei a escuridão
acima das estrelas e, daí por diante, quanto menos eu via, mais escuro, maior a
necessidade de fé.
E se eram sons incompreensíveis,
seriam parecidos com aqueles do sobrenatural que ouvimos nos filmes? E se fosse
apenas uma brincadeira de Deus, nos permitindo ouvir um sussurro da Eternidade nos
sugerindo tomar juízo antes do Juízo Final?
Desisti de pensar como seria ouvir as
vozes de quem já se foi para não sei onde – será que fica a anos-luz daqui? Credo,
cruz, Ave-Maria! Saravá, pé de pato, mangalô trêis vêis!
Trechos de:
Sinal Fechado (Paulinho da Viola)
Sentado à beira do caminho (Roberto Carlos-Erasmo Carlos)
1) Obrigado pela boa crônica Palmeira.
ResponderExcluir2) Vez por outra ouço vozes, podem me chamar de maluco, doido... mas eu prefiro chamar de mediunidade...
3)Também converso com a Lua e... obtenho respostas, a voz é o meu inconsciente/subconsciente, não sei se parece com a minha voz... é interessante.
4) Abraços a todos (as) de bom fim de semana !
Antonio,
ExcluirObrigado pela leitura. Ainda bem que temos os sons para formar conversas e provocar vozes que se fazem ouvir. E a lua tem a sorte de ser quem é, parece alguém da família. Abraço.
Heraldo, um belíssimo post que, tenho certeza, vai tocar a todos que já chegaram a uma idade em que essas coisas começam a acontecer. E que nos desperta para a idéia que algum dia também os nossos amigos virtuais sentirão a mesma angústia que você relata ter sentido no seu post. Assim é a vida, tratemos de aproveita-la e aos nossos amigos pelo tempo que temos por aqui.
ResponderExcluirMano,
ExcluirAs coisas acontecem o tempo todo, nós é que nem sempre temos idade suficiente para captar. Acho que nós sentimos essa angústia que vai se repetindo cada vez mais, como uma pena prévia pelo que vamos fazer os amigos sentirem quando nossa antena perder os sinais daqui. Por isso, aproveitemos a vida como você propõe.
Olá Heraldo,
ResponderExcluirBelo post. Verdadeiro e contundente. Para quem ainda não vive esta realidade e para lembrar quem já está nela, como nós.
Hoje tudo é urgente, para ontem. Então temos que separar o que é urgente do que é importante e fazermos o que é importante. Só assim não perdemos o tempo e as coisas do coração.
Considere-nos importantes e converse mais conosco!
Até muito mais.
Olá, Ana,
ExcluirEssa realidade já vem me rondando há alguns anos - ou eu permiti colocar o assunto na minha pauta, vá saber! Por isso, comecei a eliminar urgências - quase todas desnecessárias e sem razão de ser -, apostando mais em deixar para amanhã.
Tenho preferido relativizar tudo, tentar não permitir que nada se torne absoluto ou independente do meu conforto. Claro, há momentos em que temos mesmo de ceder. Mas, manter a intenção de fazer as coisas com prazer e sem correria tem sido ótimo. Exatamente para "não perder o tempo e as coisas do coração".
Essa sua frase final definitivamente não se aplica a mim. Até porque já falei em particular da importância de vocês, do Conversas e das nossas prosas. Até muito mais.
Antes que eu comente sobre a bela crônica do Palmeira, preciso registrar o seguinte:
ResponderExcluirCarmen Lins, minha cara amiga,
Muito obrigado pela tua solidariedade e demonstração de amizade sincera, honesta, de uma lealdade ímpar.
Em se tratando de uma mulher de fibra, de posição, de coragem e determinação, teus comentários em meu apoio me deixaram emocionado.
Eu te agradeço, do fundo do meu coração, as tuas palavras tão gentis em meu favor, razão desta permissão que faço ao Wilson para publicar neste blog extraordinário, Conversas do Mano, o meu reconhecimento ao que fizeste, pois sei que és uma das leitoras deste oásis cultural.
Faço publicamente esse agradecimento porque reconheço em ti a mulher brasileira que luta, que defende a sua família, seus amigos, o seu país, cujos valores e princípios são fundamentais para o reerguimento desta nação!
Coloco-me à tua disposição permanentemente em qualquer hora e dia, minha amiga.
Carmen, o meu abraço afetuoso, carinhoso, fraterno.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Palmeira,
ResponderExcluirTu tens sido um mestre nas crônicas que publicas.
E, elas são variadas, pois algumas alegres, outras nos fazem refletir, e esta traz consigo uma certa nostalgia.
Quando eu viajava, e permanentemente sozinho, à noite, eu e a estrada e meus pensamentos, o céu que se mostrava através do para-brisa e bilhões de estrelas iluminando um pouco a escuridão, eu sentia muito estar só, enfrentando as dificuldades de se trabalhar longe de casa, da esposa e filhos, mais tarde.
Também me batia uma saudade quase que incontrolável dos meus pais que morreram cedo, de tias maravilhosas que tive, e eu tentava imaginar se a morte me levaria a encontrá-los ou com ela o fim de tudo.
Na verdade eu esperava exatamente o título do teu artigo, um sinal extraterreno, que me esclarecesse as dúvidas ou que me desse uma esperança de seguir adiante, mesmo sofrendo com a ausência da minha família.
Os milhões de quilômetros que percorri jamais me sinalizaram ou apontaram algo como orientação sobre a existência de vida depois da morte, tampouco algum alienígena tentou manter contato comigo ou tenha me abduzido por momentos.
Quando olho o firmamento e deve ser à noite, quando o céu se mostra infinito, sobressalta-me o seguinte:
Nós, seres humanos, limitados neste planeta minúsculo nos confins da nossa galáxia, absolutamente incapazes de imaginar a grandiosidade do Universo, paradoxalmente somos dotados de uma inteligência que consegue mandar para o espaço um telescópio tão poderoso, que captou o som do Big-Bang, simplesmente a mais de 13 bilhões de anos atrás!
E como ainda não descobrimos vida fora da Terra, apenas e tão somente especulamos, esta contradição de termos a mente tão prodigiosa e imaginativa, na razão inversamente proporcional à limitação de nossos movimentos pessoais e limitados pelo raio do planeta, causa-me uma certa perturbação, haja vista eu precisar equilibrar meus pensamentos, que me transportam pelo infinito com o corpo físico, absolutamente limitado pelo tempo e espaço!
Os habitantes de outros planetas, nesta ou em galáxia diferente, caso existam, teriam condições de nos visitar ou também olham para o céu e pensam o mesmo que nós, terráqueos?!
Acho que estamos mesmo precisando de sinais, que iluminem nossos caminhos e nos digam qual o certo a seguir, pois existem muitas opções à disposição, mas somente um deles nos levará à realização, compreensão, e uma vida útil e considerada pela família, amigos e sociedade.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Caro Bendl,
ExcluirEu sou apenas um observador da vida cotidiana que consegue escrevinhar o que testemunha ou ouve dizer ou vê de longe. Nasa mais!
Olhar para cima, ainda mais à noite, nos leva a algum lugar que não definimos, e que pode ser visto sob a óptica da fé ou da razão. Por isso, não surpreende que nossa curiosidade seja embarcada e levada cada vez mais longe pelo espaço sideral.
Os sinais podem até chegar, mas precisaremos estar com nossas antenas em harmonia para entender os caminhos e seguir até... Abraço.
Impossível não acreditar que há muitas moradas nesse enorme Universo, não é mesmo, meu caro HP? Mas quando nos deparamos com o tamanho aterrorizante do cosmo, dá um frio na espinha em imaginar que um dia poderemos estar noutra galáxia, noutro planeta, a anos-luz do nosso... Deus, o ser maior, a inteligência superior ou o centro da energia, em que acreditamos ou não, é tão sábio que nos protege do contato com os outros zilhões de seres vivos desse imenso e enigmático Universo. Bela crônica, comme toujours, mon cher ami!
ResponderExcluirWA,
ExcluirÉ preciso, também, entender o sentido de morada. O frio na espinha vem do fato de sermos sociais, temermos a ideia de cair sozinhos no "tamaho aterrorizante" do cosmo. Inclusive pelo medo do desconhecido, de encontrar outras formas de vida ainda incompreensíveis. Merci.
Mestre Heraldo,
ResponderExcluirPara começo de conversa basta olhar para as estrelas que ilustram o seu belo post para sacar que seria muita arrogância e falta de imaginação da nossa parte achar que estamos sozinhos no universo. Em segundo lugar seu texto é importante porque nos faz refletir sobre a Velha Senhora algo que raramente estamos dispostos a fazer. Daí seus tantos apelidos (rsrs) Não considero saudável essa negação quase completa, esse exílio da morte das conversas. Termina que não se aprende a lidar com a ansiedade existencial oriunda da consciência de que somos seres mortais em corpos finitos.
Eu sou um cara de mais dúvidas que certezas mas não duvido daquilo que, na falta de melhores palavras eu chamo de "alma funda", traduzido também como "consciência", a própria essência da experiência humana, embora não possa ser observada e medida e descrita em termos físicos.Tudo bem que sou de opinião que quando entendeu a própria finitude o homem inventou deus, outra vida mais além e a mentira (rsrs) mas não acredito que a destruição do corpo físico signifique o fim de tudo.
O jeito é seguir em frente equilibrando a única das certezas, o fim inevitável, entre tantas hipóteses, encarando a natureza frágil, transitória e fugaz da vida até para poder bem vivê-la, no limite de nossas capacidades e aprendendo tanto quanto possível no fascinante quotidiano das coisas mais comuns desse parque cósmico.
Last but not least que para novos livros e posts nunca lhe faltem “tremeluzentes” motivos!
https://www.youtube.com/watch?v=TMxpeEnJIzU
Abração
Caríssimo,
ExcluirE com esse tempo espacial contado em anos-luz, quem sabe, no meio deleas, não tem alguma que eu tenha enxergado na infância onde minhas luzes e estrelas tremeluziam?
Também acho bem razoável imaginar que não estamos sozinhos, inclusive por tantos anos-luz sendo ou passando em algum lugar o tempo inteiro - é tempo de sobra para erguer outros cantos como o nosso.
Realmente, não sei o que temos e o que inventamos, apenas acredito no que vejo e sinto - quando não vejo. Por isso, a Velha Senhora é apenas um instrumento, um momento em que perceberemos ou perceberão por nós que teremos sido por aqui. No dia seguinte seremos apenas poeira cósmica. Abração.
Prezado Heraldo,
ResponderExcluirObrigado por compartilhar suas crônicas.
A vida é transformação, um eterno caminhar! É também vida de relações.
Você é um cara inquieto e nos últimos anos tem realizado um belo trabalho na nossa Acari, o que só aumenta a minha admiração por você. Continue com a sua obstinação por produzir cultura e escrever o que sente, viu e viveu!
Grande abraço.