Juan Gris - Fleurs (1914) |
Moacir Pimentel
Nas colagens Braque e Picasso foram os mestres, mas é um prazer mostrar
aqui também como Juan Gris, o terceiro eminente membro da fraternidade cubista,
foi igualmente extraordinário. A maioria de suas composições retém um pouco
mais de realismo espacial do que a dos outros cubistas, mas sua riqueza de
materiais, papéis colados um sobre o outro, flores, folhas etc, fratura
qualquer unidade pictórica. Na tela acima de nome, As Flores, o que eu mais aprecio é que uma das negritudes habituais
do pintor tem a exata forma de um cachimbo e quase ninguém se dá conta do
detalhe nessa “merveille”, segundo o
título da manchete do jornal (rsrs)
O cubismo sempre foi uma arte de colisões, de união de vários planos
pictóricos em uma superfície plana, que também permitiu – porque não? - que
recortes da vida real infectassem o supostamente puro ato de imaginar/fazer.
Daí as colagens. A partir de 1912 os pintores cubistas passaram a colar um
recorte da propaganda do vinho tal recortado de uma revista para representar o
rótulo de uma garrafa completamente pintada ou esboçada a carvão. No entanto, também
podiam moldar a própria garrafa com papel e/ou folhas de jornal.
Enfim, os mais famosos praticantes do cubismo botaram para quebrar
quando suas imagens passaram a ser construídas como sínteses de elementos
díspares em um todo coerente. Tudo passou a ser possível no mundo
bidimensional. Cordas, lã, papelão, bilhetes de metrô, logomarcas, papéis os
mais variados e adesivos, letras, palavras, números, pedaços de madeira, vidro,
tecidos diversos, raspas de metal, selos, postais, fotos, páginas de jornal
e/ou de livros, partituras musicais, postais, cartas, mapas, palha, folhas
secas, desenhos a carvão, lápis e pastel, detalhes pintados a óleo e/ou
aquarela e outros objetos prontos, como colheres de chá, compuseram revolucionárias
composições com uma abordagem divertida e casual, obras nas quais o toque do
artista não tinha mais que desempenhar o papel mais visível.
Georges Braque, por exemplo, optou por usar os jornais, as partituras
musicais e o papelão e, diferentemente dos colegas, começou a experimentar
misturar serragem e/ou areia com suas tintas com o objetivo de criar texturas
interessantes e profundidade. E trabalhou-as usando pentes! Ele também
introduziu o uso dos carimbos se afastando de vez da natureza séria e complexa
do cubismo analítico. Alguns dos seus trabalhos, como O Violão e o Programa:
Estátua d'Epouvante, de 1913, têm uma perfeição inesquecível, que pode ter sido
uma espécie de resposta ao desejo de Picasso de consumir tudo e todos.
Nas colagens o estrelado passou a ficar por conta dos detalhes, dos efeitos de trompe-l'oeil, das
texturas diversas, sutilezas que não se nota em uma observação superficial das
telas. Curiosamente, é essa imitação de superfícies e texturas que invadiu e
conquistou a última fase do cubismo que mais justifica o seu sobrenome:
sintético. A denominação é perfeita para indicar elementos físicos artificiais
que imitam coisas reais.
Enquanto o pai de Picasso fora um pintor acadêmico que lhe deu aulas de
desenho e pintura desde os seis anos, o de Braque havia sido um pintor e
decorador de casas que assegurara que seu filho aprendesse as habilidades
artesanais de seu ofício, inclusas as técnicas de pintura decorativa e imitativa
de madeira e mármore e granito que o filho usou ao longo de sua carreira para
dar à sua obra uma base tátil. Foi dessa formação e espírito que brotaram as
suas práticas contraditórias de pintar letras e palavras indutoras de planicidade,
e/ou as “trompe l'oeil” criadoras de
profundidade e outros detalhes com sombreamento, texturas e colagens para
confundir o espaço cubista como na obra de nome Garrafa e Instrumentos Musicais, com o seu decantador de papelão
ondulado.
As colagens de Braque franquearam as portas das artes plásticas para a
cultura de industrialização em massa – o objeto não precisava mais ser
representado por sua imagem, mas por um equivalente, por novos símbolos ópticos,
como cordas de violão e cartolinas onduladas. A multidimensionalidade dessa
pintura ganhou novo significado com a introdução dos relevos e das texturas.
Muitos modernistas nas suas colagens optaram por criar, em vez das
clássicas naturezas mortas, dos instrumentos musicais e de outros temas
cubistas típicos, como por exemplo os arlequins, composições lúdicas de figuras
humanas e inventaram estranhezas. É o caso do trabalho de nome No Velódromo, feito pelo pintor Jean
Metzinger com tinta a óleo, areia e papeis colados sobre a tela.
Essa colagem de Metzinger foi a primeira na arte
moderna a homenagear, dentro dos conceitos de múltipla perspectiva, com a simultaneidade
de espaço/ tempo, a quarta dimensão e a colagem uma tradicional paixão nacional
francesa – o ciclismo! – representando um evento esportivo específico e seu
campeão, Charles Crupelandt, o vencedor de 1912 da corrida Paris-Roubaix, então
conhecida como O Inferno do Norte, pela extrema dificuldade e pelo risco de se
andar de bicicleta pelas estreitas estradas de paralelepípedos do norte da
França.
Essa escolha de Metzinger de um tema em movimento é
interessante porque casa uma ideia, uma estética gerada pelo moderno mito da
máquina e da velocidade, com os elementos cubistas que surgem nessa pista de
corrida criando uma imagem que é legível mas essencialmente antinaturalista. As
formas foram simplificadas e reduzidas a um esquema geométrico, os planos
seguem as regras da justaposição para definir as qualidades espaciais, as
perspectivas são múltiplas, a superfície é granulada por areia e na tela muito
papel foi colado.
Veja como o ciclista, no sprint final da corrida,
foi representado em primeiro plano mas com múltiplas transparências que tumultuam
as fronteiras entre as distâncias pois nos permitem ver os elementos do fundo.
Através da figura – cabeça, pescoço e braço! - se pode vislumbrar o céu, a
estrada e um mosaico colorido representando a plateia. A bicicleta promove uma
fusão do indivíduo com a geral em um plano de imagem estático no qual a
sugestão de movimento e de velocidade aparece através dos borrões cinzentos,
como por exemplo, nos raios da terceira roda. Mas a bicicleta tinha três rodas?
É claro que não! A presença de um outro ciclista é revelada pela roda traseira de
uma outra bicicleta à esquerda e fugindo da tela (rsrs)
E não, a bicicleta também não tem dois guidões, um
castanho e outro cinza raiado. Tanto o guidão quanto outras partes da estrutura
da bicicleta - e até do ciclista! - foram sobrepostos como transparências
cinzentas sobre a superfície granulada por areia da pista, representando
momentos consecutivos, ou seja, a estrada é visível através de corredores
espaço/tempo por onde a bicicleta teria estado uma fração de segundo antes. Com um código visual contraditório, dotado de espaços positivos e negativos, como se
mostrasse o movimento através da ausência, Metzinger conseguiu discernir,
pictoricamente, dois momentos, o passado e o presente infinitesimalmente
separados no tempo.
O certo é que, fazendo essa nova arte sintética na qual
inventaram a tensão constante entre a ilusão das tintas e o uso de objetos
reais colados, Picasso e Braque e Gris e Metzinger e tantos outros artistas
causaram uma inflexão no desenvolvimento do cubismo e, portanto, outro ponto de
virada na evolução da arte moderna no último século. Para os cubistas, a
técnica da colagem tornou-se uma parte central da campanha que defendia francamente
a planicidade da tela e lutava contra a ilusão das três dimensões na pintura
ocidental. Porém Picasso e Braque ao colar foram além dessa ruptura inicial com
o passado e suas tradições pictóricas centenárias.
O cubismo descobrira um novo espaço pictórico de referência habitado por
imagens mais “legíveis” e essa nova legibilidade só foi possível porque
conseguiram colaborar e prosseguiram incorporando materiais do cotidiano à
pintura. Com o advento do cubismo sintético, o Picasso esfuziante e subversivo
de sempre, que fora relativamente circunspecto durante a fase analítica, foi de
novo desencadeado. Conflituoso e competitivo e impaciente ele trouxe a cor para
as colagens cubistas que serão sempre as mais grandiosas do século XX. Nelas as
suas Naturezas Mortas com Guitarras são as mais populares.
Em algum momento entre outubro e dezembro de 1912, Pablo Picasso começou
a fazer violões. Às voltas com papelão, papel, barbante e arame, materiais que
ele cortava, dobrava, torcia e colava até que confeccionou um instrumento
musical silencioso que não se parecia com nenhuma escultura feita antes. Dona
Lenda conta que a galera entrava no estúdio dele, olhava e voltava a olhar e
disparava:
“Mas o que é ISSO? É uma pintura fugindo da parede ou uma escultura sem
pedestal?”
ISSO era a visão do processo interdisciplinar de Picasso, era a incandescente
e incansável experimentação material e estrutural na sua obra, era o que fazia
o espanhol diferente. ISSO é uma das mais de setenta guitarras cometidas por
ele.
Picasso dava de ombros às perguntas e continuava a implodir as
fronteiras entre as artes eruditas e a promover o crescimento da cultura
popular entre elas. E a pintar outra guitarra de nome Improviso e a esculpir mais uma outra, de metal, e uma quarta
usando rótulos de garrafa de vinho e até mesmo pedaços de desenhos antigos para
desafiar um sistema de representação baseado na figuração. Além, é claro, de
declarar seu amor à boemia e à música flamenca, com suas lindas guitarras
espanholas.
Durante os anos do pós-guerra, a colagem tornou-se um meio favorito de
muitos artistas pioneiros da arte pop, que incorporaram em seus trabalhos
imagens de mídia comercial e publicidade, interrompendo as convenções de longa
data sobre os assuntos e materiais permitidos na arte dita “séria”.
A vanguarda europeia após a Primeira Guerra Mundial - os dadaístas e
seus primos surrealistas – deram continuidade ao espírito das colagens cubistas
anteriores à guerra, preenchendo seu trabalho com objetos e esculturas e
imagens usados fora de seus contextos originais ou normais.
O grande Henri Matisse, na década de 50, viu na colagem um potencial de
abstração e simplicidade e usou pedaços de papel pintado em suas composições. O
trabalho de Matisse com colagem tornou-se especialmente central em sua arte
enquanto lutava para pintar em sua velhice. Nos seus cadernos Matisse disse que
nunca se expressara verdadeiramente até começar a trabalhar e a se reinventar
com papel, tesouras e cola.
“A expressão, para mim, não reside nas
paixões brilhantes de um rosto humano nem se manifesta por movimento violento.
Todo o arranjo das minhas imagens é expressivo: o lugar ocupado pelas figuras,
os espaços vazios à sua volta, as proporções, tudo tem a sua importância”.
Embora a natureza do Cubismo Sintético fosse bastante espirituosa e
caprichosa, a maioria dos críticos de arte o trata muito seriamente e lê um
significado enorme em suas conquistas que desempenharam um papel importante nos
movimentos mais vanguardistas que vieram depois.
A estratégia de apropriação, de
incorporar diretamente um objeto comum e utilizá-lo na construção de uma obra
de arte, se fez presente nos movimentos mais revolucionários do início do
século XX. A forma como essa arte tratou a
composição pictórica, incorporou elementos de mídia mista, desencadeou a
criatividade do seu autor e contou com o uso de materiais não convencionais ecoou
maciçamente: o último foi um século sintético (rsrs)
A colagem tem sido uma ferramenta primária dos artistas mais inovadores
há mais de cem anos Desde os experimentos cubistas de Picasso e Braque e Gris,
as obras-primas de Matisse, as colagens de Eduardo Paolozzi e Richard Hamilton,
a arte pop e outros pós modernismos, como as obras de arte ditas “interativas”
e as tão badaladas “instalações” contemporâneas.
Torço para que a justaposição de imagens e ideias, o questionamento das
definições tradicionais de formas de arte, a reapropriação de materiais
inéditos e meios alternativos em novos contextos estéticos e conceituais
continuem a ser caminhos.
E qual é fim da história dos dois amigos cubistas do peito? Fica para a
próxima conversa.
Adorei a colagem das flores, Moacir. O quadro me fez pensar em conchas e estrelas do mar por causa das cores e relevos. Consegui encontrar um passarinho mas só mesmo você para descobrir aí um cachimbo preto kkk As pinturas de Braque são monótonas, as guitarras de Picasso um barato e as obras de Matisse uma festa para os olhos. Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirObservar uma colagem é tentar traduzir a articulação das suas imagens, associando-as primeiro a seu contexto habitual e, em seguida, ao novo contexto proposto pelo artista.Toda colagem é um lugar de encontros que obriga as figuras recortadas a narrarem outras histórias quando coladas, muitas vezes distintas daquelas a que foram destinadas. É como se a composição lhes oferecesse uma nova chance: as conchas podem ser flores e/ou as flores podem virar passarinhos (rsrs) Beleza! Não é a cola que faz a colagem mas essa "re-significação" que rola nos encontros das imagens nos fazendo esquecer que elas se encontraram (rsrs)
Obrigado!” e abração
Moacir,
ResponderExcluirQuando vi as encantadoras colagens de Matisse da década de 50 e li você falando no fim da história dos dois pintores tive pena como se tivesse comido o último pedaço de uma deliciosa torta de chocolate. Esta sua série de artigos sobre o Cubismo merece ser degustada de novo no arquivo do Blog Conversas do Mano.
Um abraço para você
O grande problema de um blog como este, do Mano, cultural, informativo, que oferece conhecimentos importantes aos seus frequentadores e leitores, um legítimo oásis no meio de uma política abominável e que toma conta do país reduzindo a mente das pessoas, é ter no meio de gente que estudou, com curso superior, cultas, um energúmeno, um cara metido, um presunçoso, que quer participar e não tem a menor condição!
ExcluirSim, sim, falo de mim mesmo, do quanto sou ignorante e absolutamente fora de lugar.
Antes de eu ler essas aulas oferecidas pelo brilhante Pimentel e gratuitas sobre esculturas e pinturas, eu diria que esse assunto é muito chato, desnecessário, enfadonho!
Que interessa a pessoas específicas, que gostam de arte, que conhecem museus famosos pelo mundo, que viram esses quadros e esculturas pessoalmente, que sabem dar o valor devido a essas manifestações do ser humano.
No entanto, a cada postagem do Pimentel abrindo meus horizontes fechados à ampliação de conhecimentos que eu me negava, percebi que o tema era mesmo sofisticado, mas trazia consigo a história do homem, a sua evolução, a sua arte, a sua criatividade!
Em consequência, passei a aguardar com uma certa ansiedade tais artigos, e da mesma forma como arquivei as excelentes postagens sobre Paris e demais cidades por onde Pimentel perambulou, passei a fazer o mesmo com esses, que abordam pinturas e esculturas.
Resultado:
Um acervo que poucas pessoas têm consigo.
Um trabalho monumental sobre pesquisa, as escolas de pinturas, os mestres mais famosos, a mudança das ocasionadas com o tempo, igualmente com relação às esculturas e seus significados.
Os dramas dos autores mais conhecidos e famosos, seus estilos de vida, a boêmia, a esfuziante Paris e seu bairro mais visitado, a colina onde fica Montmartre!
E, os conceitos publicados por um expert, de um notável conhecedor daquilo que registra, que enaltece o blog pela qualidade dos textos e informações nele contidas.
Obrigado, Pimentel, obrigado.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Bendl,
ExcluirDecerto que visitar museus e exposições é importante para experimentar Dona Arte mas hoje, se não vamos aos museus apinhados de turistas, ela chega até nós através da internet, livros, reproduções, cartazes, posts, televisão, filmes etc, embora seja sempre preciso dar um salto imaginativo, no que se refere à visualização das cores, texturas e dimensões.
Além dessas dificuldades logísticas, existem outros bloqueios a ser superados: a maioria de nós já ficou bolado diante de uma obra que, embora altamente elogiada pelos "especialistas", nos parece insignificante. Daí é muito fácil concluir que os outros têm conhecimentos ou perspicácia que nos faltam. Besteira! Nesses momentos é importante perceber que, embora conhecer as biografias e circunstâncias e objetivos dos criadores ajude a apreciar as criações, Dona Arte não é de modo algum monopólio dos "sabichões". A paisagem que nos oferece é tão ampla que nenhuma interpretação dela está certa, nem mesmo a do próprio artista. Ele pode nos dizer a intenção inicial do trabalho mas o resultado e o significado final do que foi criado não é só dele: é também nosso já que cada um de nós faz uma leitura própria.
Então, estamos diante de um paradoxo: precisamos fazer alguma pesquisa sim antes de começar a flertar com a moça, mas se a abordarmos apenas intelectualmente, não vai rolar. Eu diria que em um namoro com Dona Arte só três coisas são imprescindíveis: tempo, sensibilidade e uma boa poltrona! E nada disso lhe falta (rsrs)
Muito obrigado e abração
Muito boa a mistura de pintura com escultura exemplificada pela guitarra fujona. Utilizar objetos reais para fazer arte continua na moda tanto que hoje colocar sons e luzes em ‘instalações’ é coisa de artista reacinha. Que eu saiba só falta usarem sabores e cheiros, rs. Não sei aonde vamos parar mas concordo que o questionamento e a inovação são os únicos caminhos. Quem foi mesmo que disse para inventar, tentar e fazer diferente?
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirBem, eu acho que quem falou "para inventar, tentar e fazer diferente" foi a Globo (rsrs) Mas de volta ao tema em pauta, note que a antiga técnica de recortar/colar hoje chamada de “re-apropriação” está presente inclusive virtualmente nos Crtls C & V nossos de todo dia (rsrs) Na verdade ando meio cansado desse blábláblá sobre as intervenções e/ou instalações contemporâneas das quais me limito a gostar e/ou não gostar e pronto. Mas reconheço por todos os lados, independentemente do uso de cola, papel ou tesoura, o princípio que norteou as colagens cubistas: a proposta de livre associação, uma inédita conjugação de memórias e de simbolismos, as revisitação e releitura de antigas obras de arte, a reutilização de imagens nas telas, esculturas, músicas, espetáculos teatrais, instalações etc. E vamos em frente tentando traduzir as novas linguagens. Obrigado por participar.
Olá Moacir,
ResponderExcluirÉ mesmo como diz o amigo FBendl, você é sabichão importantíssimo no blog trazendo sempre para nós "a história do homem, a sua evolução, a sua arte".
Eu fiz a matéria na EBA e fico contente, grata e curiosa a cada texto seu.
Essa bicicleta do Jean Metzinger me pegou de tanto que nem na primeira leitura, nem na segunda me dei conta do ciclista. É a bicicleta mais admirável que já vi. E você sabe que gosto de bicicletas inteiras aos pedaços, com ciclistas, guidons, selins e capacetes.
Esses homens admiráveis começaram mesmo uma nova era. Que continua com o maravilhoso Matisse bem velhinho (me dá até esperanças) recortando e colando da sua cadeira de rodas, atravessa o século, passa por Basquiat e muitos, como Arthur Piza nas belas colagens puristas de pecinhas coloridas presas com alfinetes ou sobre grades, fazendo das sombras uma continuação da colagem. E muitos outros famosos e anônimos. E mesmo considerando que a colagem não é para qualquer um!
Adorei sua definição do Picasso como "conflituoso e competitivo e impaciente" . E apaixonado, por que só um apaixonado produziria tanto e tão diversamente.
Torço junto com você na aposta dos questionamentos, nas reapropriações e nos meios alternativos como caminhos.
"Obrigado, Pimentel, obrigado".
Até sempre mais. E mais, por que não?
Caríssima Donana,
ExcluirLembro sim dos seus ciclistas, primos legítimos desse raro atleta espaço/tempo do Jean Metzinger, que mistura a colagem com uma figuração mais convencional para celebrar o mundo moderno – as máquinas , as corridas de bicicleta, os aviões - enfim, a tecnologia que já estava na mente de Duchamp e resultou na primeira obra de arte "readymade" da vida dele: uma roda fixada no assento de um banquinho de madeira (rsrs)
Concordo que a colagem "não é para qualquer um" mas só para quem sabe que ela vai além do uso da tesoura, da cola e do papel e que as sombras podem ser uma continuação dela (rsrs) Note que nessa brincadeira o uso da sobreposição e da junção de imagens dispersas transforma coisas reais em outras realidades. Na verdade ISSO é poesia plástica que começa no momento da escolha de uma imagem por si mesma para, em seguida, recortá-la pelo que se tornará. É nesse momento de rejeição e distanciamento de alguma coisa em relação a seu cenário normal, quando essa coisa ou fragmentos dela são raptados do cotidiano para trazer seus significados para a obra de arte, que não apenas se cola, mas simplesmente se une elementos na composição, dando as partes e ao todo novos significado e dinâmica e contexto.
Ou seja, o mais importante não é - repito! - o que é criado, mas o ato criativo : a metáfora!
“Até sempre mais”
1)"A pintura é a poesia silenciosa.A poesia é pintura que fala" = Simônides de Ceos (556-468 aC)poeta grego.
ResponderExcluir2) Deduzo então que o Pimentel é um grande estudioso e conhecedor da pintura e da poesia.
3)Obrigado sempre pelas aulas.
Antonioji,
ExcluirVocê teclou pouco mas disse quase tudo. Eu só acrescentaria que quando crianças pequenas pegam um lápis pela primeira vez e rabiscam, a gente tem a impressão que estão no seu elemento e perguntaria quantos idosos, depois que se aposentam passam a fazer cursos de fotografia, a pintar ou, de repente, escrevem um livro?
A arte é como um chamado primevo, uma atração que sentimos desde a infância , mas a qual só nos rendemos mais tarde porque a sociedade nos diz que há coisas mais urgentes, mais práticas, mais adultas, mais inteligentes e mais rentáveis para fazer antes. E então, todos os dias, um pequeno pedaço da gente –talvez o melhor! - vai atrofiando em vez de trilhar livremente os caminhos da criatividade.
Não tenho nenhuma prova científica para sustentar essa tese, mas aposto que o mundo seria melhor, se a arte fosse matéria escolar, se todos aprendessem que ela representa sim o continuum da experiência humana em todas as partes do mundo e em todos os períodos da história, mantendo viva uma compreensão mais profunda da nossa humanidade e o seu potencial natural para a invenção e a beleza. DISSO sejamos sempre teimosos aprendizes!
Namastê!
Pimentel,
ResponderExcluirFiz um comentário anterior que não foi moderado. Não se perdeu grande coisa mas eu gostaria de registrar de novo a interessante colagem Velódromo do pintor Jean Metzinger que você descreveu brilhantemente. Parabéns.
Sampaio,
ExcluirNão entendo muito dessas paragens digitais mas segundo o Sr. Editor o Google, que sedia o Blog, anda meio desorientado devido a modificações recentes. Que bom que você postou de novo porque perder um comentário seu teria ido uma pena. Metzinger foi o primeiro dos teóricos do Cubismo e pintou ao pé da letra essa quadricicleta realmente notável. Agradeço-lhe pela leitura companheira nessa longa estrada cubista (rsrs)
Flávia,
ResponderExcluirÉ muito bom ler você comparando um post meu a uma fatia de torta (rsrs) Escrever esses artigos serviu-me de pretexto para me divertir, relendo alguns livros e biografias, organizando os bytes de memória de visitas a museus e idas a exposições, reaproveitando antigos textos, pesquisando novas telas, conversando sobre o tema com minha mulher etc, até que não escrevê-los deixou de ser uma opção mesmo eu sabendo que a visita à colina seria uma subida íngreme e uma leitura mais ainda (rsrs) Se finda a leitura você continuar abrindo novos links cubistas, pesquisando novos tópicos relacionados ao movimento e/ou visitando o arquivo do Conversas eu terei alcançado o meu modesto propósito: despertar a sua curiosidade sobre a arte que rolou em um belo lugar chamado Montmartre.
Um abraço agradecido