Georges Braque - La bouteille de vieux marc, verre et journal (1913) |
Moacir Pimentel
Embora os pintores cubistas Pablo Picasso e Georges Braque tenham feito muito
sucesso com as suas senhoritas espaço-tempo e seus objetos esfaqueados, de
repente, em 1912, as redes de linhas e planos e facetas complicadas do cubismo
analítico desapareceram completamente para dar lugar a uma novidade ainda mais
radical.
Como alternativa à ideia de dividir um objeto em uma grade quadridimensional,
Braque e Picasso passaram a construir e a sintetizar as suas composições usando
formas incomuns. Em outras palavras, em vez de olhar de perto um objeto, para
analisar e dissecar as suas forma e estrutura, os autores passaram a sintetizar
o mundo, criando formas variáveis para todas as coisas a partir de suas
imaginações poderosas.
Diz Dona Lenda que, durante o verão de 1912, Georges Braque foi curtir a
Provença na companhia de Picasso e da sua jolie
companheira, Eva Gouel. E então - alguns dizem que foi em Sorgues, outros que
em Avignon -,
o pintor entrou em uma bendita loja de ferragens e tintas, onde
chamaram–lhe a atenção uns rolos de papel de parede, uma versão primitiva do
atual papel adesivo. Então, como agora, esses materiais tinham uma grande
variedade de padrões impressos.
Braque, muito mais tarde, confessou que comprara de
imediato um deles - que fingia ser painel de carvalho! - mas esperou que
Picasso fosse passar uma semana em Paris - para organizar com a nova mulher sua
mudança para um outro apartamento no Boulevard Raspail – antes de começar a
utilizar o papel em suas composições. Depois que o amigo viajou, ele inventou a
sua Natureza Morta com Frutas, Prato e
Copo na qual, depois de recortar o papel - @$%&@!! – colou-o
diretamente na tela. E pronto: nascia uma nova forma de arte!
Georges Braque - Compotier et verre (1912) |
Braque pode simplesmente ter achado divertido incorporar o papel/madeira
na composição, mas é mais provável que tenha desejado fazer um trocadilho
visual sobre a natureza da representação bidimensional. Ele percebeu que, como
o papel parecia realmente com madeira mas era plano, ao ser colado subverteria as
relações espaciais, atuando ora como primeiro plano, ora como segundo plano
e/ou ambos.
A arte da colagem foi, portanto, o resultado direto do Cubismo, que já
integrara sinais e fragmentos de coisas reais para traduzir as confusas
relações espaciais dos seus temas. Nessa tela se pode reconhecer sem
dificuldades os objetos que moram no título, ou seja, uma tigela de vidro com algumas
peras e uvas, entre o que parece ser um prato e um copo, representados pelo o
pintor através da técnica chamada de “trompe-l'oeil”
- “engana o olho”- que usa truques de perspectiva como a volumetria para criar
uma ilusão ótica fazendo com que formas bidimensionais aparentem ter três
dimensões.
Porém note que todas as versões volumétricas dos objetos reais reunidas
por Braque nessa tela em vez de esclarecer confundem, pois foram posicionadas
com o claro propósito de conferir à peça ainda mais distorção perceptual. Sem
abandonar a filosofia de não representar com exatidão a realidade, o artista
brincou com formas e texturas e papel colado para construir uma pintura que, ao
mesmo tempo, é mais traduzível mas muito mais simbólica que as do cubismo
anterior: temos que relacionar seus elementos para criar significado e invocar
a realidade.
Veja como o pintor cortou e posicionou verticalmente duas tiras de papel/madeira
e acrescentou-lhe linhas de tinta preta para sugerir as paredes cobertas por
painéis de carvalho de um café e colou horizontalmente um retângulo menor na
parte inferior da tela para representar uma mesa na qual acrescentou um círculo
para sugerir o puxador de uma gaveta. Em seguida, note como ele esboçou com
volumetria a compoteira, as frutas, o copo, o prato, e como traduziu o ambiente
ao cravar na tela as palavras ALE –
cerveja! - e BAR . O pintor também
aplicou uma mistura de areia e gesso ao fundo da composição para o texturizar e
aproximar, mais uma vez dificultando a interpretação da perspectiva nesse quebra-cabeça
visual que desafia o observador a entender o que é mostrado a partir de pistas.
Os desenhos e as palavras feitos a carvão tanto
sobre trechos de tela quanto sobre o papel colado atrapalham o observador, que
não sabe o que está em primeiro e/ou em segundo plano. O modo como os objetos
estão contidos no espaço é um chiste: no mundo de Braque, as coisas podem flutuar
ao lado da mesa e/ou na frente da parede e morar todas, ao mesmo tempo, em um
plano bidimensional e na terceira dimensão.
Na verdade, o que o pintor está dizendo nesse
trabalho cujos elementos físicos não se relacionam de forma lógica é que tudo é
plano mas que os objetos adquirem sentido depois que são posicionados uns sobre
os outros para se tornarem algo dimensional e visualmente novo e significativo:
um café. O processo mental de Braque foi deliberadamente mistificador e sua
técnica cheia de sutilezas.
Embora o pintor tenha precisado se afastar de
Picasso e trabalhar sozinho para se sentir seguro o bastante antes de fazer
aquilo que seria a primeira colagem da história, quando o amigo retornou de
Paris, o inventor mostrou-lhe o inédito trabalho e, é claro, Picasso passou a
fazer colagens em série.
O espanhol era rápido e o francês lento - muitas
vezes levava anos para concluir uma pintura! - tanto que, entre 1912 e 1914, Picasso
cometeu mais de trezentas colagens enquanto que Braque só finalizou meia
centena. Mas lembre-se, o crédito pela invenção da colagem é do último (rsrs) Diz
Dona Lenda que o toureiro ficou mordido de inveja por ter sido o amigo o
inventor do primeiro “papier collé”.
Queria que essa reivindicação fosse dele na posteridade e, em parte, o
conseguiu por causa da sua avassaladora produção(rsrs)
É claro que os dois pintores se desentendiam e que,
entre eles rolou inveja intelectual e artística, palavras amargas e piadas
ferinas – afinal os gênios também são humanos. Mas eles eram amigos e
continuaram colaborando no desenvolvimento do cubismo. Eis, literalmente, a
primeira “colagem” do toureiro:
Pablo Picasso - Nature morte à la chaise cannée (1912) |
À primeira vista, essa Natureza Morta com uma Cadeira de Palha não faz
sentido e pode lhe parecer um tumulto de formas em vez de uma imagem clara. Mas
podemos entender a “mensagem” - e outras como ela - quebrando o código secreto
do idioma pictórico cubista sintético.
Se os cubistas desejavam capturar e recriar o verdadeiro sentido da
realidade em suas telas, em tradução simultânea pode-se dizer que desafiavam a
falsa realidade das tintas, implicando que as obras de arte através da história
tinham sido apenas imitações do mundo real. Picasso então usou de outros
materiais, que não as suas cores, para desafiar as percepções do observador,
sugerindo nesse trabalho o ambiente de um bistrô ou Café.
Para começo de conversa ele emoldurou o trabalho com uma corda. No canto
superior direito da tela se vê o cabo de uma faca. Siga-o para a esquerda e
encontrará a lâmina fatiando um limão, acima de um guardanapo. À esquerda
dessas estranhezas e de pé está um copo de vinho. Tudo bem que é difícil de
vê-lo de saída, porque Picasso o pintou simultaneamente de mais de um ângulo,
então por favor olhe com atenção. E verá na borda superior da palha da cadeira
– que é um pedaço de papel com um padrão de palhinha colado na tela! - a base
de vidro, a haste mais grossa do que o normal, e depois o bojo da taça.
À esquerda se lê JOU, as
primeiras três letras da palavra francesa “journal”,
e é claro que o “Le Journal” era o mais
popular da França à época. Um jornal se faz presente no quadro, com bastante
clareza embora dobrado. Não confunda o tubo que atravessa o jornal com outra
coisa que não um cachimbo. Você consegue ver uma tigela e algumas deliciosas
ostras na foto? Pois é, eu também não. Devem ter sido consumidas (rsrs)
Chamar ISSO apenas de “colagem” é ignorar parte da magia do trabalho. O
poder dessa natureza morta mora na sua capacidade e no seu interesse de brincar
com a diferença entre arte e ilusão - afinal as letras “JOU” também podem ser encontradas no verbo francês “jouer”, significando brincar e/ou jogar - através da
simples adição de um material artificial, ou seja, desse papel que imita a
palhinha da cadeira.
Por um lado, esse trabalho pode ser percebido como uma representação
bidimensional, em uma moldura de corda, de certos objetos reunidos e vistos de
vários ângulos. No entanto, por outro lado, a inserção do pedaço de um papel
real que parece com a palha usada para cobrir os assentos das cadeiras nos cafés
da época faz com que essa imagem seja a de uma mesa oval com um tampo de vidro
através do qual, se e quando o olhamos de cima, podemos ver a cadeira abaixo e
vários objetos em cima dela. Consequentemente, o observador se torna parte da
cena, um cliente sentado em uma mesa de café, lendo seu jornal, parte do jogo,
mais um companheiro de copos na brincadeira.
Quando a notícia da nova técnica de Braque e Picasso se espalhou por
Montmartre, uma multidão de artistas - outros cubistas, mas também futuristas,
dadaístas etc – passaram a trabalhar com colagens “em seguidinho” e a colagem,
como o próprio cubismo, foi extremamente influente. Até 1914 Braque se moveu de
forma constante por ela e Picasso esteve por todos os lados, ambos
representando intencionalmente a cultura popular e de massa em suas obras, questionando
se a arte poderia consistir de materiais pré-fabricados, sempre buscando a inovação
artística.
Como Braque e Picasso e Gris e Metzinger e todos os outros pintores
cubistas fragmentavam o visual e reorganizavam tudo para nos dar uma espécie de
instantâneo do que era aquele objeto, ou aquela figura ou aquele momento, ou
aquela experiência na sua integralidade - nunca por um de seus ângulos apenas mas
por todos eles ao mesmo tempo - eles gostavam especialmente de pintar elementos
banais como frutas, utensílios domésticos, bebidas, instrumentos musicais etc, dispostos
de diferentes maneiras, por exemplo, em cima de uma mesa para compor
naturezas-mortas
Assim, brincando com um tipo de espaço de arte conhecido do prezado
público há séculos, ficava mais fácil mostrar novos ângulos das coisas retratadas
com novos materiais, cores e texturas sem que, no entanto, os objetos deixassem
de ser familiares e reconhecíveis e pudessem ser colocados de volta nos
quebra-cabeças que obscureciam a linha divisória entre pintura e escultura, já
que a maioria das colagens tinha relevo.
Georges Braque - La Mandoline (1914) |
A intenção primeira das colagens de Pablo e Georges e Juan talvez tenha sido criar efeitos plásticos e ultrapassar os limites das sensações visuais que a pintura sugere, despertando no observador também as sensações táteis. Ou quem sabe ao colar eles estivessem reagindo à excessiva fragmentação dos objetos e à destruição de sua estrutura no cubismo analítico, que afastara todas as noções como perspectiva e modelagem, assim como qualquer tipo de efeito ilusório?
Também acredito que a ideia de reciclagem estivesse na essência da arte moderna cuja
linguagem é sempre uma reconsideração da história da arte, dos mestres do
passado e das suas obras pretéritas. Seja como foi, a tal da colagem
passou a descrever uma ampla gama de técnicas de criação artística que
dependiam da reapropriação de imagens previamente feitas e de materiais
diversos para formar novas composições.
A nova tendência abriu não uma janela na arte - como
fez Juan Gris na tela abaixo – mas uma avenida de possibilidades artísticas.
Juan Gris - La fenêtre ouverte (1921) |
Embora alguns céticos, no passado, considerassem a colagem uma forma de
arte menor do que a pintura e a escultura, é impossível ignorar o seu papel
como ferramenta de vanguarda no século XX. Braque, Picasso e Gris - e o resto
da galera! - passaram a intercalar trechos pintados e/ou desenhados com pedaços
do lixo do mundo colados nas suas telas. ISSO foi um terremoto.
O uso de materiais descartáveis foi um ataque intencional às mentes
elevadas que sabiam tudo sobre Dona Arte. Ao incluir esses elementos em obras
de arte respeitadas, os artistas cubistas sugeriram que a arte poderia ser
feita com uma tesoura e um tubo de cola de forma tão eficaz quanto com pincéis
e tintas. Essa foi uma enorme inovação na época, que impactou a cena artística
para sempre, como veremos na próxima conversa.
Amei o 'Onde está Wally?' mas só encontrei com ajuda do meu filho kkk Obrigada! Também o cubismo é um quebra-cabeça que eu não consigo montar sem você. Quando olho para os quadros antes de ler tenho a impressão que os artistas queriam mesmo era tirar um sarro da cara da gente. Achei as colagens de Braque elegantes e a de Picasso inteligente mas meu voto é de Juan Gris.
ResponderExcluirMônica,
ExcluirVocê acertou na mosca: os caras eram chegados a uma piada e, portanto, o humor e ironia são elementos importantes da colagem, muitas vezes expressos através de trocadilhos textuais e até mesmo no seu nome. “Colagem” é a tradução para a expressão francesa “papier collé”. Sucede que esse apelido de “papel colado” tem outro significado. Sim, é claro, a tradução mais comum deriva do verbo francês colar. No entanto, no francês coloquial, “colado” também significa os amantes que moram sem ter antes passado pelo juiz e o padre, que são "amigados" como se diz lá no Nordeste.
Tudo a ver porque na colagem cubista coabitam palavras, imagens à tinta e coisa reais, produzindo novas combinações e contextos heterodoxos (rsrs) A aludida sensualidade dos amantes mora na aleatoriedade, na indeterminação e no fato das colagens convidarem o observador a ter um relacionamento pessoal e até mesmo físico com os objetos na tela, a tocá-las para poder entender as texturas e relevos. Ou seja, a colagem - assim como grande parte da arte moderna e contemporânea - exige uma interação entre a obra de arte e o observador e estimula a discussão do trabalho já a partir do chiste contido no nome de batismo do estilo.
“Obrigado!” e abração
Moacir,
ResponderExcluirEu achava que Picasso era o inventor das lindas colagens. Fico imaginando o choque que os cubistas causaram quando passaram a fazer arte usando tesouras, colando coisas e fazendo
estas texturas que até dão vontade de tocar. Acho que a tela da cadeira de palhinha é a mais interessante mas não entendi porque o pintor usou uma corda como moldura. Ela não combina com o ambiente de um Café.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirEu não sei se entendo na sua totalidade o conceito muito feminino de “combinar” (rsrs) Pergunto: a corda combinaria mais se, como traduziu a Donana, o "ambiente" fosse o estúdio do pintor?
Note que nos trabalhos cubistas mais fragmentados as únicas coisas pintadas à moda antiga, como assinaturas, foram aqueles pregos e cordas nos quais Braque e Picasso penduravam suas ideias.Não poderia ser fetiche?(rsrs)
Eu penso que aí a corda é o que é: uma moldura e elas geralmente separam o que é imaginado do que é real, certo? Só que nessa colagem a corda funciona também como mais um elemento do trabalho, um fragmento do mundo material que se torna parte do mundo pictórico. De certa forma ela é mais uma fronteira implodida entre esses dois territórios e , bem assim, um comentário irônico sobre os meios de representação, um questionamento, inclusive, dos domínios tátil e visual da pintura versus a escultura, um elemento que, como você diz muito bem, quase exige ser tocado.
Os cubistas não foram os primeiros a fazer metáforas sobre a criação da ilusão na pintura - de profundidade e espaço, de luz e tempo - mas com certeza confundiram de vez os limites entre o real e o imaginado.
Outro abraço para você
Braque e Picasso ficaram um tempo sem saber se iam na direção de uma maior abstração ou se insistiam em temas muito difíceis de identificar. Com as colagens a realidade e a figuração terminaram ganhando a eleição, rs.
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirTalvez as colagens tenham sido um reflexo dessa desorientação que você menciona, causada pelo ritmo da própria criatividade dos dois pintores. Mas acredito que os cubistas se recusaram , principalmente, a ficar entrincheirados em um único e pequeno domínio artístico. Tentaram levar a sua arte a um novo nível, com novos métodos, combinar a energia da pintura abstrata com o impacto direto de uma situação figurativa.
Mas apesar de ser considerada uma forma abstrata de arte, a colagem foi sim um novo tipo de realismo, bem como uma nova expressão da velha ideia cubista de que a realidade pictórica consiste em diferentes camadas de realidades materiais. No entanto, a iconografia das pinturas cubistas permaneceu inalterada em todas as suas fases e enraizada no cotidiano, representando os objetos do dia a dia, a rotina das pessoas, os eventos políticos nos noticiários que apareciam nos recortes de jornal em situações pictóricas tradicionais, como retratos e naturezas mortas.
Em suma, embora a vida fornecesse aos cubistas seus temas, nas suas pinturas o que importava era o sujeito oculto: a relação subjetiva do artista com mundo externo. Isso levou os caras, nas colagens, a enfatizar o método e os meios em vez dos objetos em si permitindo, inclusive, que a composição lhes desse significado. Obrigado por participar.
Olá Moacir,
ResponderExcluirQuando eu achei que já sabia tudo (que pretensão heim?), até diferenciar de logo um cubismo do outro, você me aparece com novidades bagunçando minha cabeça e me mostrando que não sei nada!
Picasso foi um homem intenso: nos amores destruindo suas mulheres, nas amizades onde corriam soltas inveja e disputa, na sua produção enorme, variada e maravilhosa e na sua ganância de autoria. Não sei como ele e Braque puderam ser amigos nesse clima de inveja e ciúme. "Eram amigos e continuaram colaborando no desenvolvimento do cubismo" disse você. Mas eu acho que era com um olho de perfil no trabalho do outro, e dois olhos de frente para o próprio trabalho. Quem sabe um quarto olho meio de cima vigiando o efeito bi ou tridimensional cometido.
Acho mais fácil entender as colagens de Picasso do que as de Braque.
"Nature morte à la chaise cannée não poderia ser um detalhe do seu atelier, onde ele bebia, lia, fumava e trabalhava? Com uma cadeira de palhinha?Talvez um jogo de acertar qual ambiente era o verdadeiro?
Hoje estou dando minha cara a tapa com tanta bobagem. Então vai mais uma. Você pode rir de mim mas fui a uma exposição do Basquiat e sabe do quê? Fiquei vendo cubices fragmentadas e colagens semi inseridas, simbólicas ou não.
Insensatez minha ou imersão total nos seus ensinamentos cubosos? Mas que vi, vi.
Agradeço até a confusão sofrida. E o perigo de ser considerada uma doida. Ou pior, uma ignorante (no sentido verdadeiro, lógico).
Até sempre muito mais.
Caríssima Donana,
ExcluirA "Nature morte à la chaise cannée” pode ser o que a senhora quiser, o jogo que preferir, a tradução que escolher. É disso que se trata: Braque e Picasso depois de desafiar todas as regras da "belle peinture" resolveram brincar com o caráter ilusionista das tintas adicionando às telas pedaços da real e, de quebra, inaugurando a reciclagem na arte.
É claro que rolava ciúme e inveja intelectual entre os dois pintores, mas eles administraram suas diferenças e, durante sete anos, criaram e pintaram juntos o Cubismo. Não me recordo das palavras exatas mas certa vez Braque afirmou que dissera a Picasso coisas “que ninguém mais entenderia”. Se essa certeza de poder dizer seja lá o que for e de ser compreendido não for amizade , o que mais seria?
Eu jamais riria do fato da senhora ter vislumbrado cubices na arte agitada, jovem, gráfica, urbana, repleta de códigos ambíguos do Basquiat. Ele também misturou tudo, usou imagens e palavras, colagens, desenhos animados e pingos como Pollock e foi, sim senhora, inspirado por Picasso. Na verdade Basquiat retratou duas vezes o velho espanhol:
http://www.artnet.com/artists/jean-michel-basquiat/untitled-pablo-picasso-bYiyskiNYPcZy619xcgnMw2
Eu também reencontro Picasso em vários retratos de Beckmann e Freud, em algumas coisas de Roy Lichtenstein e Robert Rauschenberg, nas gravuras de David Hockney, nas imagens de Andy Warhol, nos murais de Banksy - o mago britânico da street art - nas estranhezas de Maurizion Cattelan e nas apropriações de Vik Muniz. Ele tem influência real sobre artistas bem próximos de nós e é a prova, se é que necessitamos dela, de que um artista deve alimentar-se do seu tempo, dos fatos, das modas, de tudo ao seu redor. Com certeza o toureiro ainda não saiu da arena.
“Até sempre mais”
Pimentel,
ResponderExcluirComo sempre são excelentes suas descrições destas obras de arte cubistas que pela primeira vez têm consideráveis diferenças dependendo do pintor. Parece que as colagens não tinham regras bem definidas e que cada artista usava os materiais que queria e a imaginação para criar novas pinturas.
Sampaio,
ExcluirPenso que o Cubismo, muito principalmente, chamou atenção para o fato de que nenhuma pintura é um espelho do mundo e de que a realidade não pode ser representada de uma maneira universal porque não há uma única realidade para ser representada.
Enquanto o primeiro período do cubismo foi marcado pela rejeição da perspectiva e pela fragmentação das imagens vistas de uma imaginada quarta dimensão, o segundo período com suas pinturas coloridas e as colagens foi um processo de construção através da imaginação de cada artista. Vários deles - Gris , Metzinger, Gleizes, Delaunay, Leger etc - usaram as ideias cubistas de Picasso e Braque mas conduziram o Cubismo por suas próprias estradas, relativamente singulares, fazendo com que ele se tornasse um "estilo" ou uma estética pictórica, desprovido muitas vezes dos objetivos que Picasso e Braque perseguiram juntos.
Pode-se dizer sim que a partir do cubismo sintético, as artes de Picasso e Braque começaram a se distanciar mas essa já seria uma outra conversa (rsrs)
Obrigado e abração
Prezado Pimentel,
ResponderExcluirNasci com algumas habilidades, mas vim ao mundo com muitas inabilidades!
Uma delas é esse gosto que tens pela arte, notadamente pintura e escultura, enquanto não entendo patavinas desse segmento.
Claro que tenho vergonha em confessar um dos tantos defeitos que tenho, no entanto, preciso ser verdadeiro.
Diante desta minha ignorância por um tema sofisticado, que requer conhecimentos específicos, louvo os teus artigos porque me ensinam, me informam, me colocam a par das várias formas que se pode pintar um quadro, em razão de estilos, escolas, e talentos pessoais.
Dito isso, agradeço por mais esta aula que me deste, colocando o Conversas do Mano em um patamar elevado de cultura, onde me sinto um estranho no ninho.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Bendl,
ExcluirAgradeço-lhe de coração pelos elogios lamentando, no entanto, que se sinta “um estranho no ninho” onde é prata da casa. Quanto à cultura no meu entender ela é uma mistura de valores e crenças, de conhecimento e saberes, de bom senso e superstições, de suposições e expectativas, das regras, normas, leis e morais que regem as sociedades. Cultura é linguagem e comunicação, as palavras que usamos, o jeito como falamos e escrevemos – isso que deram de chamar de "discurso" – os símbolos que utilizamos para expressar significados e identidades, o modo como interagimos com os outros dependendo do lugar, do tempo e da "audiência" e, é claro, as coisas que criamos e usamos desde construções,objetos, roupas, música, literatura, filmes, enfim: as nossas artes.
Em outras palavras, o que valorizamos, acreditamos e conhecemos influencia as coisas que fazemos e o que foi feito antes de nós influencia os nossos valores, crenças e expectativas os quais, por sua vez, influenciarão a criação da cultura de amanhã, a dos nossos netos.
Pela estrada humana afora há que não só deixar mas apreciar que os outros sejam como nós não somos e que, portanto, com eles sempre possamos apreender novidades.
“Aprendi que se depende sempre de tanta gente diferente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de tantas pessoas. É tão bonito quando a gente sente, que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá”.
Abração
1)Pimentel, desculpe a demora em comentar:
ResponderExcluir2) Pablo Picasso gostava de pagar tudo com cheque, pois, em geral, os comerciantes não descontavam os cheques, preferiam guardar a assinatura do pintor que era muito mais valiosa do que o valor do cheque.
3)"Bebam à minha saúde", foram as suas últimas palavras.
4) Livro: "Últimas Palavras de Pessoas Célebres", edições 70, Lisboa, 2005, página 47.