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16/10/2018

Netos, sempre netos, para sempre netos

Artur Araújo Baptista


Ana Nunes

Dia das Crianças e tive minhas crianças mais novas comigo. Abraçar, sentir o cheiro do pescoço e atrapalhar os cabelos macios, fazer cócegas no sovaquinho distraído!
Hum... Já tenho saudade!
E não consigo não falar de netos.
Que são lindos. Limpinhos ou sujinhos, cheirosos ou fedidinhos. Pelados ou vestidos. Difícil ver o mais velho sem roupas, já toma ares de adolescente, sombra no bigodinho, pelos fortes pelas pernas compridas e questionamentos de ordens e pedidos.
O mais novo outro dia saiu do banho em pelo e os pés enfiados nos Crocs enormes do avô. Eu queria uma foto daquele corpicho moreninho e liso, todo proporcionado e ainda um pouco redondinho. Mas não pude invadir essa privacidade. Seria um crime!
Esse mesmo me surpreendeu quando disse gostar de chá. De morango marca Leão explicitamente. Com duas colheres de açúcar. Nem mais nem menos! E duas pedras de gelo. Sim senhor! Ingrediente devidamente comprado, meu lindo me convidou para tomar chá com ele, lá pelas “cinco em punto de la tarde”. Tudo bem que era chá de morango e o bolo de cenoura. Mas foi o melhor chá da minha vida. Ficamos lá os dois sentados à mesa com a luz amarela de fim de tarde dourando nosso batepapo.
Nem na Inglaterra seria tão bom!
Gracias a la vida que me ha dado tanto...

O neto mais velho só gosta de bichos e o reconhece. Olhando meu quadro de quadradinhos com mil flores disse que “a outra avó gostaria muito porque ela gosta tanto de flores quanto  eu de bichos”. Elaboração adulta de gostos e escolhas.
Vendo televisão me chamou aflito para eu pegar uma aranha miudinha que passeava pela manta “não mata vovó, salva ela!” E tive que ser mais rápida que a pequena aranha, pegá-la e por para passear no peitoril da janela. Gosta até de baratas e cobras.
Esse mesmo me deu aula de modernidades e de como as coisas passam e se obsoletam. Lendo o quadro de compras na geladeira achou umas notas que o pai dele gentilmente acrescentou à minha lista (e que nunca mais apago): Corega, fralda geriátrica, Viagra, Luftal. O neto olhou bem e perguntou quem tinha escrito aquilo. E continuou perguntando - o que é corega?  E respondi perguntando - e você sabe o que é Viagra? E ele sabia. É assim mesmo, hoje o neto de doze anos a caminho de treze, sabe do Viagra e ignora Corega. Serão hoje os dentes melhor tratados do que no passado e outras partes ocupam mais o pensamento? “Tempos modernos”!

Esse não é do chá mas adora uma pipoca. Um pacote desses de microondas é pouco para nós dois.
O mais novo joga Mico comigo e com o avô. Mas não gosta de perder e por isso mente e rouba no jogo. E ainda diz que não sabia que eu ia acreditar. Legal! Ele mente e eu sou a culpada por acreditar! Não deveria dizer isso, mas ele tem alguma coisa da minha mãezinha... que roubava do meu pai nas cartas.  Prestativo, põe uma mesa no capricho, escolhe os guardanapos  e os copos, e reclama quando algum talher guardou manchas da lavalouça.
E me olha com olhar de cachorro ferido quando vai embora. E enche meu coração de choro.
Para o adolescente o avô é um google (para mim também, acho que estou me repetindo) e fica com ele todo o dia conversando e desenhando no seu escritório. Tem uma gaveta na minha mapoteca onde guarda seus papéis e canetinhas. Os lápis  de cor são os meus. Já tentei mas ele não se amarra em aquarela. Mas me surpreende no sossego inesperado do quarto para me perguntar coisas do mundo da política. E me revelo bem baixinho, nessa troca de informação a dois. E fico avó plena nessa prova íntima de confiança.

O menor escolhe réguas onde desenha pequenos mundos de prédios, mares e surfista, escadas e aeronaves. Lindo demais!
 
Heitor Araújo Baptista
E ambos pedem massaginha nos pés antes de dormir. E toda vez me assusto com o tamanho desses pés que um dia couberam nas minhas mãos.

Entre bichos e legos, bolo de cenoura e suco de uva, filmes e pipocas, fico perdida em saudade quando vão embora. E cheia de planos para quando voltarem. Nesse último encontro fizemos desenhos com bambu e nanquim de objetos apenas apalpados e não vistos. Nanquim derramado, sempre, mãos manchadas de preto e desenhos surpreendentes.  Coisa boa, feliz e renovadora é ter netos para cheirar e abraçar e amar até onde não cabe mais. E depois mais um pouco.

Dividam comigo seus amores por netinhos e suas diabruras. Enriqueçam meus escritos e enterneçam meu coração.


Até mais então.

9 comentários:

  1. Lea Mello Silva16/10/2018, 06:04

    A parte boa da vida quando temos está continuação da família
    Poder reviver a infância e aprender com eles a alegria das pequenas coisas
    Um conselho ? Anote estas pequenas brincadeiras e conversas pra lembrar mais tarde
    Vamos comemorar nossas lembranças
    Tudo vale a pena !!! Beijos e amor de montão ❤️

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    1. PrimaLéa, gostei de chamar você de primavera! Não é um privilégio?
      Vamos sempre comemorar nossas lembranças, com suco e pé de moleque, com café e pão de queijo, ou com palavras simplesmente.
      Beijo.

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  2. Flávio José Bortolotto16/10/2018, 11:05

    Prezada Autora Sra. ANA NUNES,

    Além das Artes Plásticas, especialmente a Pintura, a senhora Escreve maravilhosamente bem.
    Neste Artigo, do dia das Crianças ( 12 Out ), a senhora descrve o convívio familiar, especialmente dos Netos que ainda são Crianças, cada um com suas características e gostos, que os Vôs, especialmente a Vó, conhece em detalhes.

    Saudações.

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    1. Olá Flávio Bortolotto,
      Que bom, você apareceu!
      E apareceu como sempre com palavras gentis.
      Os Vôs també m percebem coisas que tocam a êles e as Vós percebem outras mais viscerais. Será o fato de terem parido um dia?
      Obrigada.
      Até mais.

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  3. Francisco Bendl16/10/2018, 14:36

    A Ana é brilhante em seus artigos, mas quando escreve sobre seus netos é imbatível!

    A dimensão que ela dá à grandiosidade de ser avó não é maior do que a minha importância aos meus netos, mas, na condição de mulher, mais sensível, inteligente, perspicaz e observadora, os detalhes e significados registrados quando em companhia de seus amados, mostram detalhes que enriquecem sobremaneira esses encontros, e que eu jamais teria lugar em minha limitada mente.

    Eu já escrevi que os netos não só rejuvenescem como dão outro sentido à vida.
    Além da sensação que temos de eternidade – parte de nós seguem vivas naqueles seres pequenos e que ainda estão desabrochando para a vida – suas alegrias, risadas, energias, brincadeiras, exigências, pedidos, suas invenções e traquinagens, dão aos avós um novo colorido à existência de ambos, pois as cores originais estão um tanto quanto desgastadas pelo tempo, sem brilho, opacas.

    A existência dos netos é uma espécie de passar a vida a limpo, de se ser melhor do que somos, de se corrigir o que deixamos de fazer para os filhos, de sermos mais – muito mais – carinhosos, compreensíveis, tolerantes, pois antes tínhamos a função precípua de educar, e como diz o célebre ditado, “quem ama cobra”.

    Agora, não.
    A educação pertence aos pais.
    As correções nos comportamentos dos netos é de responsabilidade de seus genitores.
    Evidente que não permitiremos que sejam mal educados conosco ou agressivos, mas como são tratados com extremo carinho e amor, a devolução vem na mesma dimensão, os sentimentos deles são iguais para seus avós!

    A cada domingo ou sábado que nos visitam, a casa parece que se prepara para recebê-los.
    Percebe-se que as paredes ficam mais bonitas, os banheiros limpos e perfumados, a cozinha convidativa para pratos que adoram, os quartos preparados para as brincadeiras ... a casa os espera ansiosa.

    Diante desse artigo onde mais uma vez rendo minhas homenagens à Ana pelo seu talento e vocação para escrever, e nos deixar enternecidos e admirados com seus textos, saliento que comentar sobre os netos requer exatamente essas qualidades demonstradas por esta célebre escritora, por esta mulher tão dinâmica, artista, esposa, mãe, avó, e que registra seus sentimentos com tanta propriedade e delicadeza, a minha amiga Ana, esposa do meu amigo Mano.

    Um grande e forte abraço, como sempre respeitoso.
    Saúde e paz, extensivo aos teus amados.



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    1. Olá Francisco Bendl, dissidente exageradamente generoso.
      Agente conquista etapas na vida. Grandes ou pequenas, mas não menos importantes, depende do desejo. E ser vó, a partir de uma certa idade, foi sendo uma. E fiquei vó tarde, depois dos cinquenta. Paguei muito mico, desde sair mostrando foto de neto ainda na barriga da mãe até cara feia de mulher no supermercado. Só porque meu neto nem balbuciava e fui fazer pesquisa de campo com um homem que levava seu filho no carrinho de compras. Definitivamente a mulher apareceu bem vermelha. E acho que bem zangada. Deve ter pensado que estava paquerando o marido bonitão. Ainda bem que eu estava com a minha irmã.
      Acho também que meu neto imitou o menino da piada, que nunca falava e um dia, de uma tacada, disse que o mingau estava encaroçado. A mãe perguntou porque não tinha falado antes e ele respondeu que foi a primeira vez que o mingau veio assim...
      Obrigada por tudo, pelos elogios sempre demais, por sua contribuição quase, ou mesmo, um outro post. E do jeito carinhoso de terminá-lo falando de "amigos".
      Até mais. E mais.

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  4. Moacir Pimentel17/10/2018, 08:06

    Caríssima Donana,
    É uma tarefa complicada essa que a senhora nos pede: a de tentar “enriquecer seus escritos” que tanto tocam nossos velhos corações. Depois desse seu texto perfeito e dos testemunhos coloridos do Artur e do Heitor confirmando-o, o que mais dizer?
    Atrevo-me a teclar que ao ver o nosso primeiro netinho no berçário da Maternidade, todo cor de rosa devorando a mãozinha ainda azul com os olhinhos arregalados foi - @#$%&@!! – amor à primeira vista! Bem sei que os recém-nascidos não são fofos, que as cabecinhas deles não são exatamente redondas e tal, mas de alguma forma, quando é filho ou neto da gente, um tipo especial de deficiência visual nos faz pensar que ele é beleza pura (rsrs) Eu também sei bebês não podem realmente enxergar e que têm pouco ou nenhum controle muscular, mas eu juro que ali ele olhou diretamente para mim e pronto: ficamos amigos para sempre.
    O melhor de ser avós é que quando os netos chegam já temos tempo, paciência, experiência e bom senso para oferecer-lhes e não é mais missão nossa ensiná-los a se comportar, não são mais nossas as responsabilidades de educá-los e já estamos carecas de saber que a hora de dormir - aqui entre nós e baixinho - pode ser meia hora depois do normal, tudo bem, até porque é "apenas mais uma história, por favor, vovô" e a leitura é boa para eles.
    Portanto finalizo com uma " diabrura" do nosso segundo netinho que, quando tinha praí uns dois aninhos, pernoitando conosco, afirmou que queria " mimi com vó e vô nu áconado". Tradução: dormir com a vovó e o vovô no ar condicionado. Minha mulher retrucou que nada disso, que no quarto dele também tinha ar condicionado e que criança só dormia com os pais e/ou os avós quando estava doente. Ela deu um banho no peralta contrariado, com direito a perfume, pijama limpinho e tal e o pusemos na cama. Cinco minutos depois, na nossa cabeceira, a babá eletrônica começou a chorar e berrou:“Vó” !
    Sucede que, exausta, minha mulher já tinha adormecido e então lá fui eu para o sacrifício. Ele estava sentado, com a mãozinha no pescoço e cara de sofrimento :
    - “Vô, disse ele, dodói. Febi kenti. Tradução:febre quente!
    Eu bem que tentei mas não segurei: RI ALTO. E, é claro, ele riu também, convicto de já ter vencido a guerra. Por desencargo de consciência botei a mão na testa do artista para conferir-lhe a temperatura: fresco como uma lufada de vento! Então resolvi deixar de ser avô e voltar aos meus velhos tempos de pai:
    - Doente coisa nenhuma. Você vai dormi aqui e agora e não adianta chorar, está ouvindo?
    Voltei para cama e adormeci feliz ao som dos soluços de mentirinha. Os pais lidariam, no dia seguinte, com a precoce capacidade histriônica do garoto (rsrs)
    “Até sempre mais”

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    1. Olá Moacir,
      Você sempre enriquece os posts mesmo que não intencione. Obrigada por isso.
      Meu primeiro neto conheci já com alguns dias. Miúdo, cabeludo e arrepiado. Me olhou com seus olhinhos de ameixa preta e, como você, fui conquistada para sempre e perdidamente.
      O segundo conheci logo depois que foi para casa, no colo do meu filho, pelo skipe. Todo gorducho, redondinho, a cara da outra avó. Não sei quem amei mais naquele momento, se o pai ou o filho.
      Durante meses a gente sabe que um neto está a caminho. Mas quando chega a notícia do nascimento a gente arrepia, corpo e alma.
      A avó que vive em mim agradece o avô que vive em você!
      Até sempre mais.

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  5. 1) Parabéns aos jovens ilustradores da matéria, por sinal, mais um belo texto da Ana.

    2)Netos são maravilhosos.

    3) Uma vez por semana falo por skipe com minha netiha. momentos mágicos !

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