Vincent van Gogh - Le Moulin de la Galette (8) - 1886 |
Moacir Pimentel
Eu visitei Montmartre, pela primeira vez, em 1978. Para você ver como
sou idoso, tinha vinte e três anos naquele verão. Durante três semanas viajei
pela França com uma meia dúzia de amigos estudantes, de carona muitas vezes,
dormindo em casa de parentes ou de amigos ou em albergues da juventude, levando
papos “cabeça”, fazendo biscates para poder beber vinho à noite e combinando
mudar o mundo.
Como a maioria absoluta da turma estudava Artes ou a sua História ou
outras “humanas” ou coisas estranhas como Turismo, nós invadimos Montmartre
não somente para ver de perto as suas imagens icônicas mas em busca da paisagem
intelectual do bairro, da história de uma confraria de grandes artistas que,
naquelas paragens tinham influenciado as artes uns dos outros.
Sendo assim, em se tratando de moinhos, por exemplo, nos interessava
mais os que foram pintados por van Gogh do que o Moulin Rouge. E entre os
moinhos do artista, em especial, os da Galette que foram tema de diversas
pinturas feitas por Vincent em 1886.
Os dois moinhos da Galette originais ficavam perto do número 54 da Rua
Lepic, onde morava, no primeiro andar, Armand Guillaumin, um pintor
impressionista de paisagens e marinhas. Foi Armand quem convenceu os dois
irmãos van Gogh a se mudarem para o bairro e o prédio, onde Vincent passou a
ter seu próprio estúdio no quarto andar - hoje atração turística! - com uma
pequena janela através da qual ele avistava a colina ou a butte, como dizem os nativos.
O artista transformou as longas vistas descortinadas daquela janela em
telas, embora preferisse estar nas ruas onde o que não faltava era assunto para
as suas tintas: a vida ao ar livre, os cafés, as vinhas, os campos de trigo e
as pastagens para criação de ovelhas e vacas, galinhas e porcos e, é claro, os
moinhos de vento, que perfazem um subconjunto entre as pinturas que van Gogh
fez em Paris, influenciado por impressionistas, simbolistas, pontilhistas e
arte japonesa. Telas nas quais ele minimizou Paris vista de longe e maximizou o
ar bucólico da campina dominada pelos velhos moinhos.
Bem na fronteira da França campestre, o bairro de Montmartre ofereceu a
van Gogh a oportunidade de criar pinturas rurais mesmo estando na cidade, e
suas cores vibrantes fizeram-no pintar cenas mais claras e coloridas do que
ele pintara até então, anunciando as maravilhas que, a seguir, ele pintaria na
Provença.
O Moulin de la Galette também foi o nome de um salão de dança ao ar
livre que funcionou por muito tempo entre os dois moinhos de vento da colina.
Onde, aliás, quem também brincou foi o pintor impressionista Pierre-Auguste
Renoir.
Bem sei que muita gente boa não gosta da obra de Renoir. Tudo bem. TS
Eliot certa vez afirmou que seria muito aborrecido falar sobre poesia com
alguém que gostava de toda e qualquer poesia até porque “a aversão é a raiz do verdadeiro prazer”. Quando se trata de
pinturas, se nenhuma escolha for feita e de uma maneira tendenciosa e
apaixonada, literalmente não sentiremos a força da arte.
Sucede que Renoir tinha a invejável capacidade de se interessar por tudo
e, mais do que qualquer outro impressionista, ele descobriu beleza e encanto
nas cenas parisienses do seu tempo. Com certeza ele não mergulhou fundo na
substância do que via mas procurou, isso sim, abarcar as aparências e captar as
generalidades para nos dar um prazer imediato. Afinal o prazer, que me
desculpem os que pensam diferentemente, é um tempero necessário à vida.
E então Renoir descreveu cenas agradáveis e íntimas, gente se divertindo
nos cafés e teatros de Paris, com um gozo descomplicado e um otimismo inquebrantável.
O amor à vida e a alegria de viver emanam de cada uma de suas imagens enquanto
que jovens mulheres, crianças e flores formam o repertório de suas composições.
Mesmo suas paisagens compartilham dessa felicidade e ele insistia que...
“Uma tela deve ser adorável, alegre e
bonita, sim bonita, pois já há coisas cansativas demais na vida para nos darmos
ao trabalho de produzir mais”.
Renoir nos ensinou a apreciar novas dimensões da beleza do mundo em que
vivemos, que as gerações anteriores de pintores não haviam ainda percebido.
Isso pode ser visto gloriosamente até mesmo nas suas cenas de inverno que não
eram sombrias e tristes como vemos nessa sua sensual apreciação de um dia
chuvoso de outono em Montmartre.
Pierre Auguste Renoir - Les Parapluies - 1886 |
Ele criou no conjunto da sua obra o equivalente a uma provocativa novela
francesa e, é claro, nela não poderiam faltar as festas do seu bairro, a
atmosfera vivaz e alegre dos salões de bailes tão populares na butte, a
multidão em movimento, banhada por luz natural e artificial, representada com
pinceladas vibrantes de cores vivas. O velho salão de danças entre os dois
moinhos de Montmartre se transformou assim, pelas mãos de Auguste Renoir, em
uma das telas mais famosas do mundo batizada de O Baile do Moinho da Galette.
Veja como ele dotou de animação essa galera de jovens parisienses usando
a luz do dia que se reflete e passa através das árvores e mancha as roupas. O
jogo de luz que faz esta pintura literalmente dançar é algo que reconhecemos e
sabemos ser um efeito natural da luz solar mas, por incrível que pareça,
ninguém jamais pintara até então essa fluência das sombras nem uma luz
semelhante, assim rápida, se quebrando desse modo pelo chão, se derramando nas
roupas, chapéus e objetos.
Pierre Auguste Renoir - Le Moulin de la Galette - 1876 |
Nada disso fora abstraído e registrado na arte antes de Renoir aparecer.
Ele compreendeu que tudo muda constantemente devido ao impacto da luz e da cor,
mas suas impressionistas e rápidas e brilhantes pinceladas foram muito
criticadas pelos sabichões especialistas de plantão, que diagnosticaram seus
trabalhos como “inacabados e desleixados”,
barrando-os no baile do Salão de Arte de Paris tanto que o artista - assim como
tantos outros impressionistas - exibiu suas telas no Salão dos Recusados, que
foi criado por Napoleão III depois que o Salão oficial de 1863 recusou cerca de
quatro mil obras. A exposição alternativa deixou muitos pintores como Cézanne,
Manet, Whistler e Renoir felizes da vida por ter um lugar onde pudessem expor
suas obras recusadas. Dizem que no dia da sua inauguração o Salon des Refusés foi visitado por mais
de sete mil pessoas.
O fato é que esse esnobado Baile do Moinho da Galette, com seu estilo
inovador e formato imponente, é uma das obras-primas do impressionismo, um
retrato da vida do povo parisiense, uma página da História, um monumento
precioso da vida boêmia do bairro, da atmosfera pitoresca e festiva da butte
Montmartre, ao pé do moinho.
Renoir descreveu as atividades de lazer da sociedade francesa misturando
democraticamente a pequena burguesia e a classe trabalhadora. O baile nos
parece inocente hoje mas, em 1876, as autoridades eram hostis às danças
públicas. A pintura de Renoir foi considerada controversa, mas para a
intelligentsia de Paris dançar no Moulin de la Galette simbolizava o espírito
da Terceira República.
Decerto que nessa caça aos fantasmas dos nossos artistas preferidos
pelas ruas de Montmartre, só os encontramos nas placas de nome das ruas. Mas
logo entendemos que, assim como uma viela desembocava em outra, em Montmartre
um pintor nos levava a outro, uma tela a muitas outras mais e que as
“conversas” de arte se misturavam com o próprio tecido social e a colorida
história do bairro.
Nos surpreendemos, por exemplo, ao descobrir que por trás da Basílica de
Sacré Coeur, na recatada rua Cartot, uma das mansões ajardinadas que hoje
formam o Museu de Montmartre pertencera a Claude de la Rose, um ator do século
XVII. Aquele que, mais conhecido pelo codinome de Rosimond, substituiu Molière
e que, como seu antecessor, também terminou morrendo no palco. Outros artistas
como Pierre Reverdy, Raoul Dufy e o compositor Erik Satie também utilizaram
cômodos da mesma mansão como moradias e ateliês.
Outra das velhas casas, a Maison du Bel Air foi o primeiro endereço em
Montmartre de Pierre-Auguste Renoir que lá pintou justamente o Moulin de la
Galette. Mas os jardins do atual Museu também serviram de tema para várias
telas pintadas pelo artista tanto que os seus canteiros foram restaurados
conforme seus quadros, um dos quais muito famoso - O Balanço!
Pierre Auguste Renoir - L'Équilibre - 1876 |
Note como essas figuras de Renoir parecem estar numa floresta na qual a
luz trêmula do sol foi representada por manchas de cor pálida – que muito
irritavam os críticos de arte! - mais notadamente nos vestidos da moça e da
garota e no chão. Diz Dona Lenda que a modelo da protagonista balançante se
chamava Jeanne, que sua irmã Estelle modelou para a garotinha enquanto que
Edmond, o irmão de Renoir e um pintor amigo da família, de nome Norbert
Goeneutte, ajudaram o pintor a construir os dois personagens masculinos.
Apesar de ser apenas um detalhe periférico a menininha desse quadro
merece atenção porque Renoir nos dá a impressão de estarmos testemunhando,
exatamente como ela está, uma conversa entre a moça de pé sobre o balanço, o
rapaz visto de costas e o outro que se apoia no tronco da árvore. A turma em
primeiro plano é equilibrada pelo grupo de cinco figuras que foi esboçado
vagamente no fundo, à direita, para adicionar profundidade à cena.
De certa forma é como se o pintor nos sugerisse que contemplássemos a
cena com os olhos da criança, que olhássemos para o mundo criado por ele como
os miúdos vêem o real, que imaginássemos os jardins nostálgicos que vimos
quando pirralhos e guardamos na memória.
Essa menina, que mora em outras telas do artista, no Balanço representa
o espectador. Veja como ela foi pintada sólida e nitidamente, como está cônscia
da sua importante figuração. Seus pés, pequenos e firmes e enfiados em práticas
botinas, estão de algum modo enraizados nesse jardim. Sim, como tudo mais na
composição ela é decorativa mas também nos faz pensar em um futuro
desconhecido, no qual a garotinha já não será mais parte do jardim, mas um
adulto como nós, mais um espectador desfrutando uma lembrança do tempo ali
descrita.
Essa tela tem muitos pontos em comum com o Baile no Moulin de la
Galette. Pudera! As duas obras foram pintadas simultaneamente no verão de 1876
e dizem que Renoir pintava o jardim pela manhã e a dança à tarde. O que
caracteriza ambas as pinturas é essa habilidade que ele tinha de capturar os
efeitos da luz solar filtrada pelos obstáculos, como por exemplo, a folhagem, e
com ela ir bordando as superfícies e mesmo manchando as peles como no Nu à Luz
do Sol abaixo, no qual ele criou um padrão multicolor de luz e sombra, como
flores tatuadas no corpo despido da figura.
Pierre Auguste Renoir - Étude - Torso à la lumière du soleil |
Para descrever esse deslumbrante e solar nu passo a palavra para o próprio Renoir:
“A imaginação não pode conceber nada
melhor do que a mulher nua, seja ela emergindo das ondas do mar, ou de sua
própria cama, seja Venus ou a Nini”.
Ele se referia à modelo que posou para essa tela de nome Nini Lopez que
talvez mais do que qualquer outra tenha encarnado o ideal feminino do pintor:
bela, clara, jovem e cheia de vida. A coloração e a textura do corpo de Nini,
de fato, sugere nessa tela tons de mar e Renoir ficou tão encantado com a
espontaneidade desse trabalho que optou por deixá-lo assim, inacabado.
As formas arredondadas com um brilho perolado da garota - a barriga, os
seios, os ombros, os braços e o pescoço – são o foco principal e nada nos
distrai dessa plenitude nem mesmo a luz do sol que se atira sobre ela. Note
como Renoir praticamente eliminou da cena pictórica os mamilos e o umbigo e
como ele celebra uma natureza atemporal, da qual toda referência ao mundo
contemporâneo é banida. Ele pintou essa menina como se ela fosse parte da
natureza e somente a pulseira e o anel traem uma nota de vaidade feminina e um
subtexto urbano.
As folhas de repente se abrem para dar lugar a essa cena diante de nós,
um burburinho de riscas e manchas e cores e essa visão inesquecível de uma
criatura florestal para deleitar e perturbar os sentidos. Para Renoir, o efeito
da luz era mais importante do que a forma e a composição em uma pintura e portanto
ele criava imagens sensuais radiantes e íntimas apenas com com luz e sombra.
Aos olhos dos especialistas seus contemporâneos, porém, Renoir era
impressionista além da conta. Quando ele exibiu esse nu na Société Anonyme, em
1874, um dos críticos de arte mais respeitados de Paris, de nome Albert Wolff,
chegou a escrever no jornal Le Figaro o que segue:
“Tentem explicar ao Sr. Renoir que o torso
de uma mulher não é uma massa de carne em decomposição com essas manchas verdes
e purpúreas que denotam o estado de putrefação completa de um cadáver”
Essa percepção hostil dos esplendorosos corpos de tinta que Renoir
pintou ao sol com uma paixão e um prazer limítrofes da pornografia era
turbinada por declarações do próprio artista aos seus detratores:
“Vá e veja as cortesãs de Ticiano no
Louvre, mas se você quiser saber o que é a arte, ela é a carne, a carne, a
carne!”
Renoir pintou paisagens, retratos, naturezas mortas e experimentou novos
métodos ao longo de sua longa carreira tendo cultivado a semente da arte moderna.
Mas preferia a figura humana e amava a figura feminina e seu objetivo primeiro
era realizar uma obra que fosse agradável fisicamente. Por isso seus trabalhos
tardios foram, principalmente, de mulheres nuas, dizem que inspiradas por uma
viagem que fizera à Itália em 1881, para conferir de perto os museus e os
centros de arte de Milão, Roma, Veneza, em busca de inspiração.
Os biógrafos do artista juram de pés juntos que ele retornou a Paris
encantado com a obra de Rafael fato que o fez dar mais consistência e
substância às suas tela, em uma aproximação do estilo renascentista.
A diferença entre as pinturas mais maduras e acadêmicas e os seus
trabalhos primordiais mais impressionistas é grande, pela ênfase que ele passou
a dar ao volume, à forma, às bordas e linhas e aos contornos embora jamais
tenha desprezado completamente e a paleta luminosa do impressionismo nessa
recaída clássica de um dos seus temas favoritos: os enormes nus ao ar livre. De
fato, Renoir, em 1887, criou a maior das suas telas do gênero - As Grandes
Banhistas.
Pierre Auguste Renoir - Les Grandes Baigneuses - 1887 |
Talvez estejamos diante de uma criação do derradeiro filho de uma
estirpe de pintores de belas e despidas e robustas mulheres que, tendo sido
iniciada por Rubens também foi prestigiada por Antoine Watteau.
Peter Paul Rubens é celebrado como um dos maiores pintores do seu tempo
mas é mais popularmente conhecido como o pintor de mulheres “grandes”, ou de
lindas gordinhas que – aqui entre nós e baixinho – qualquer um encararia (rsrs)
Com certeza Rubens sabia como e ensinou Renoir a fazer “grandes” e barrocas e
maravilhosas mulheres sem qualquer vestígio de fraqueza física. Muitas das
catacterísticas da arte de Rubens - como movimento, drama e teatralidade –
estão presentes nessa cena povoada por carnudas e vigorosas criaturas.
Ao reinventar as mulheres de Rubens, Renoir fez, mais uma vez na
História da Arte, do corpo humano uma força expressiva de emoções e paixões
utilizando apenas tinta a óleo. Nas suas figuras tardias o artista buscou os
detalhes, dotando-as com uma qualidade escultural enquanto que em torno delas
ele inventou uma paisagem inundada pela luz impressionista e traçada com
pinceladas rápidas e livres. É como se ele tivesse tentado, nessa nova
abordagem, reconciliar o seu moderno jeito de pintar com as tradições artísticas
passadas.
Essas figuras de contornos precisos e formas desenhadas com rigor
possuem grandes seios e coxas e são tão imponentes e formais quanto suas
ancestrais, aquelas que personificaram temas da mitologia. Pintando-as assim
Renoir acentuou nelas a sensualidade sem dar-lhes, no entanto, o padrão
inalcançável das deusas.
Mesmo assim as duas figuras à esquerda em primeiro plano e as outras
três que brincam à direita, no fundo da composição, mais do que a Montmartre ou
ao Midi, pertencem aos jardins de oliveiras, às paisagens mediterrâneas, falam
a língua da tradição clássica da Itália e da Grécia. Essa visão idílica é
marcada pela riqueza das cores e pela plenitude das formas refletindo o prazer
de pintar que superou a doença e o sofrimento suportados pelo pintor no final
de sua vida.
Pode-se considerar, portanto, essa tela como uma despedida pictórica de
Renoir que morreu aos setenta e nove anos repetindo que “se a pintura não fosse para mim um prazer, eu certamente não pintaria”
depois de ter vendido diversas obras para o Estado francês e visto uma delas
ser exibida no Louvre ao lado de trabalhos de seu herói: o pintor Paolo
Veronese.
No Museu de Montmartre fizemos ainda mais uma descoberta interessante
sobre uma linda filha de Montmartre chamada Marie-Clémentine Valade que foi
insistentemente retratada por Renoir. Mas ela será outra conversa.
Adorei! Eu já gostava muito dos quadros de Renoir, Moacir. São tão lindos! Eu gosto de coisas normais, coloridas e bonitas e concordo com o pintor que a vida já é feia que sobra pra gente enfeiar mais ainda. Agora que entendi que as manchas mais claras são os reflexos do sol em vez de vitiligo passei a gostar mais ainda kkk Mas você só falta pedir perdão quando mostra aqui obras de arte bonitas em vez de quadros ‘cabeça’ que eu olho e não entendo se você não explica. Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirPara começo de conversa, não costumo me desculpar por pensar como penso e/ou gostar como gosto e eu gosto de tudo o que me faz pensar (rsrs) E penso que não se pode apreciar Dona Arte sem ter opinião e, geralmente, isso significa que quando você “ama” um artista, “odeia” outro (rsrs) Pecado nesse baile é achar que tudo o que está dentro dos museus, só de lá estar, é uma maravilha, que não podemos questionar os especialistas, que temos de aceitar a opinião alheia e abdicar de sermos críticos. Ou, pior ainda, achar que a vida deve ser pintada só nos nossos tons.Portanto, pelamordedeus, fique à vontade e seja bem vinda quer goste ou não goste.
Mas talvez você tenha um pouco de razão ao falar de “arte normal versus arte cabeça”. É como se os idiomas pictóricos que louvam a boniteza e a gentileza estivessem fora de moda, como se a arte só o fosse quando choca, incomoda e interroga. Não é bem assim. Só que tanto a arte incontestavelmente “normal” quanto aquela ululantemente “cabeça” pode ser genial, muito boa, medíocre, ruim ou muito ruim. A graça é olhar bem e decidir what’s what (rsrs) E isso é uma coisa muito pessoal.
Porém eu gosto sim da arte gentil do Pierre-Auguste, que jamais imaginou que ela poderia servir para outra coisa que não fosse embelezar a vida.
"Obrigado!" e abração.
Moacir,
ResponderExcluirSó você mesmo para escrever um artigo tão maravilhoso misturando dois pintores que amo desde menina : Van Gogh e Renoir. Acho que os dois mudaram a pintura cada um do seu jeito mas não me lembrava que tinham sido vizinhos em Montmartre. Vi os dois juntos no Museu Orsay onde tive a satisfação de contemplar o autoretrato verde e azul de Van Gogh e dezenas de obras de Renoir. Não conhecia a encantadora tela dos guardas chuvas. Suas palavras sobre a menina no jardim são comoventes mas destaco a sua descrição dos efeitos da luz ‘ se quebrando pelo chão' , que todo mundo conhecia mas ninguém pintou antes dele.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirQuanto mais se olha a obra de Renoir buscando-lhe o lado sombrio, mais ela nos parece luminosa. Note que, mesmo quando chove, o mundo dele é um lugar alegre onde as pessoas sempre se divertem tagarelando sob seus guarda-chuvas azuis.
Essa pintura mora na National Gallery de Londres. Tem um detalhe interessante sobre ela: a moça à esquerda, a única que não usa um guarda-chuva e que se chama Marie-Clémentine Valade. Ela será a protagonista de um futuro post e outra conversa. Para já note apenas como foi pintada de forma bem menos solta do que os demais personagens, provavelmente meia década depois do restante da tela. Já o céu molhado que faz brilhar os diferentes e derretidos azuis das roupas e dos chapéus das outras figuras e do capuz usado pela menina é um grito impressionista da gema de louvor à vida, uma declaração de amor a um mundo feliz. Poucos artistas conseguiram como Renoir olhar para o mundo e nele não ver nada além de alegria e prazer. Devia ser um cara muito de bem com a vida.
Outro abraço para você
1) Bom texto, boas fotos, bons parágrafos do Pimentel.
ResponderExcluir2)Gostei do Renoir: "Uma tela deve ser adorável ..." este parágrafo é ótimo !
3) Respeitando-se as devidas proporções tento fazer isso com o que escrevo.
4)No mais, é continuar aprendendo com o Moacir. Gratidão !
Antonioji,
Excluir“Respeitando-se as devidas proporções”, eu diria que Renoir pinta tão alegremente quanto você escreve. Porém se algum dia dia ele foi budista, pode apostar que pertenceu à turma dos “tântricos” (rsrs)
“Gratidão” e namastê sempre
Dos impressionistas Renoir é o que menos me impressiona,rs. Poderia ter trabalhado a luz de forma menos romântica com um pouco mais de crítica social. Mas o Nu é muito bom. Comparar esta visão com um cadáver é patético. Na tela das Banhistas ele terminou traindo a originalidade e o radicalismo da juventude.
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirConcordo com você quanto ao maravilhoso Nu solar. Ponto parágrafo. E aí "respeitosamente" passo a discordar.Essa turma toda me impressiona, inclusos os pós (rsrs) E, se eles não tivessem sido românticos de origem e radicais apenas no desejo de pintar de um jeito inédito, não teriam sido impressionistas. Como as mudanças na arte jamais são instantâneas, não se deve esquecer que a épica atitude impressionista evoluiu do movimento romântico. Além disso confesso que diferentemente da maioria dos “especialistas” não sou capaz de vislumbrar quaisquer sinais de subversão nas telas absolutamente experimentais e pacíficas dessa galera. Com certeza, não percebo a Suzon, a moça do Bar do Folies Bergère, de Manet, como uma proletária oprimida (rsrs) Tem mais.
Apesar do fascínio insuperável que experimento pela pintura de Monet, creio que nenhum outro pintor representou melhor que Renoir a natureza ilusória, sem linhas e bordas, sem opressões e regras da arte impressionista.
Eu diria que, na reta de chegada, Renoir questionou sim e muito o impressionismo e desejou evoluir. Mas não se traiu e/ou ao movimento. Da mesma forma que Picasso não renegou o cubismo quando da sua recaída clássica tardia. Aliás a trajetória da evolução artística desses dois foi parecida. Depois da experimentação precoce com uma variedade de temas e composições, ambos se voltaram para a figura clássica.
https://i.pinimg.com/originals/e2/87/ab/e287ab50e7d2a402efbfe3e297b0fc03.jpg
Tudo bem que as qualidades escultóricas dessa Mulher com um Véu Azul do toureiro – atenção que ela foi pintada em 1923! - difere dos tons rosados de Renoir, mas Picasso também foi atraído pela substancialidade das figuras da arte antiga que, é claro, contrastam tanto com as figuras esfaqueadas do cubismo quanto com aquelas mal vislumbradas do impressionismo.
Portanto, assim como Picasso, creio que Renoir merece respeito por ter buscado, mesmo em sua velhice e mesmo tendo sido mal sucedido na tentativa, explorar novos temas enquanto pintava aquela outra coisa ainda, a única tela por pintar que seria a mais linda, o culminar de sua carreira.
Obrigado sempre e muito por participar.
Olá Moacir,
ResponderExcluirCada vez gosto mais. E quando se juntam você e os impressionistas o post acaba antes de terminar.
Adoro os impressionistas. Eu e mais o mundo. De todos os movimentos artísticos acho que é o mais entendido e gostado. O mais popular se posso dizer assim.
Foi novidade para mim a influência italiana. E perniciosa! (que horror falar assim!). Suas obras anteriores me falam mais alto que as maduras. Mas é interessante observar que ele não consegue se desvencilhar totalmente do impressionismo. Nem que seja o fundo!
Só com seus escritos poderia interpretar a cena com os olhos da criança e poder lembrar das próprias lembranças, ver o outono chuvoso colorido e alegre e o baile "inocente". A "criatura florestal atemporal" com sua roupa de folhas de luz dispensa totalmente o "subtexto urbano". Me incomoda.
Cada vez eu quero mais.
Que venha a fulaninha!
Até então.
Caríssima Donana,
ExcluirTambém sou um fã de carteirinha desse timaço de impressionistas, desses gênios que mudaram a história da imaginação pictórica, aboliram todas as hierarquias de sujeito e gênero, mostraram a vida tal como é, encontraram a beleza informalmente no cotidiano, retrataram o que rolava siante de seus olhos, deram início à arte moderna e criaram algumas das telas mais importantes e emocionantes já pintadas.
Dizem que o impressionismo nasceu quando Monet titulou aquele nascer de sol intensamente atmosférico e esfumaçado do porto de Le Havre de uma “ Impressão do Nascer do Sol”, batizando assim as tintas dos pintores que se dedicavam a capturar a luz fugaz e o tempo, em momentos de tinta nunca repetidos. Como essa criatura despida sendo atacada pelo sol sem uma única linha sólida sequer, como se a luz tivesse ofuscado e impedido Renoir de ver direito enquanto a pintava, manchando-lhe os seios junto com o sol. Como aquela noite enluarada e o pastor e o rebanho de Millet, as sensuais paisagens de Corot, o poço da orquestra de Degas, o cliente invisível de Manet no Bar no Folies Bergère, os campos de Pissarro, as séries de choupos, palheiros, catedrais e nenúfares de Monet flertando com a pura abstração sob a luz solar. Porém....
Embora eu também prefira disparado as brincadeiras pueris de Renoir às suas obras maduras mediunizadas por Rafael, entendo o respeito resiliente que tantos artistas experimentam pela galera da Renascença. Mesmo hoje em dia, muitos ainda tentam abstrair nas tintas retendo minimamente nelas o traço renascentista, como é o caso do pintor Carlos Araújo.
https://www.leilaodearte.com/obras/carlos-araujo-maternidade-oleo-sobre-madeira-5610.jpg
“Até mais”
Mesmo para quem não é um conhecedor da Pintura, é sempre um prazer ler as eruditas descrições das Obras e sua histórias, feitas por esse hábil Escritor Sr. MOACIR PIMENTEL.
ResponderExcluirAbração.
Prezado Flávio,
ExcluirMeu afeto por Dona Arte nada tem de erudito e espero sinceramente que meus textos não cheirem ao mofo acadêmico (rsrs) Mas se positivo, peço-lhe imensas desculpas.
As suas palavras sobre não ser “um conhecedor da Pintura”, me fizeram lembrar do nosso colega Francisco Bendl que, por um longo tempo e por esse motivo não comentava os meus posts de arte. Até que um belo dia o Wilson publicou um artigo meu sobre os Nus de Amadeo Modigliani e o gaúcho não se segurou e mandou ver: “ Mas que mulherada mal pintada!” (rsrs)
Acho que jamais outro comentário por aqui me deixou mais satisfeito do que aquele tão longamente esperado do Chicão. Porque eu não queria que ele entendesse ou gostasse, nada disso, só desejava que participasse registrando o que pensava. O fato é, Flávio, que compartilhamos um blog de opinião e por aqui a minha, a sua e a dele e a de quem mais quiser entrar na dança são preciosas e necessárias. Sem elas, sem as nossas respeitosas diferenças de bagagem e visão as Conversas não teriam razão de ser. Deve ser uma chatice enorme conversar com espelhos.
Peço-lhe encarecidamente que continue lendo e olhando – e de novo! – e comentando com a clareza de pensamento e a fidalguia de sempre. Você sabe que é muito bem vindo.
Muito obrigado e abração!
Pimentel,
ResponderExcluirOutro artigo excelente. Parabéns. Gosto muito da pintura de Renoir que tive oportunidade de ver de perto em Paris. Não acho que a pintura precisa fazer crítica social. Me dou por satisfeito quando ela agrada meus olhos e não me provoca mais angústias do as que já tenho.
Grande Sampaio,
ResponderExcluirEu também não aprecio arte engajada (rsrs) Sucede que Renoir tem sido vítima de alguns protestos - li sobre um defronte de um museu americano - organizados por doidos de pedra desocupados que exigem que suas obras sejam retiradas das paredes. O pintor tem sido acusado de “escapismo”, de traduzir as suas paisagens com o mais voraz dos apetites “burgueses” pela beleza “alienante”. Pode até ser, mas aí os “sabichões” e "democratas" deveriam apontar o dedo para o impressionismo e não não para o seu principal teórico. No coração do impressionismo havia o desejo de pintar a efemeridade da vida, sempre de passagem, imediata e sensual, na cidade ou no campo, ideal e mítica, e fazer isso tudo colocando um cavalete ao ar livre. Os impressionistas só queriam acertar e errar as suas tintas e não aprimorar o entendimento e/ou a paisagem social. Creio que um pintor de nome John Singer Sargent, descreveu os ideais impressionistas à perfeição, capturando-os maravilhosamente nesse retrato que fez de Claude Monet pintando à beira de uma floresta:
http://www.tate.org.uk/art/images/work/N/N04/N04103_10.jpg
O impressionismo é ISSO aí. E pronto. Ao retratar o Baile no Moulin de la Galette, por exemplo, o único foco/objetivo de Renoir nada mais era do que capturar, da melhor forma possível, a trajetória da luz sobre a multidão animada e feliz, se movendo na pista de dança. É claro que a imagem pintada por ele é idílica – cor de rosa e azul com bolinhas brancas - e, ao que parece, ela não corresponde à realidade fática já que a polícia vigiava de perto o espaço onde, além do sol, desfilava também o submundo de Montmartre representado por batedores de carteira e traficantes, cafetões e prostitutas , anarquistas e mariposas e puladores de cerca contumazes (rsrs) Mas e daí? Quem disse que ele queria copiar a real? Trata-se do olhar do pintor que deve ser respeitado e que ele foi um Mestre não se discute.
Muitos defendem que Dona Arte deve refletir o aqui/agora de forma abrangente, como tão bem poetou o Drummond:
“Não serei o poeta de um mundo caduco/ Também não cantarei o mundo futuro/ O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes/ A vida presente”
E muitos defendem o contrário e isso é muito bom, pois “burra é a unanimidade”, e se gosta ou não se gosta só que de quadros NAS PAREDES!
Muito obrigado pelo ótimo comentário e um abraço.