Ana Nunes
Pintei
janela de Vermeer com as cores do Modigliani. Coloquei um gato preto de
pastilhas de vidro e coleira de strass vigiando o tempo. Que
Desvestiu
se dos casacos rosa quase choque. No lugar a cor é rosa menina quase noiva.
Lilás, aliás quase doce, põe um pouco de melancolia nas almas desavisadas. E do
topo caíram minúsculos amarelinhos. Que atapetaram todo o caminho para
Kandahar. Também calaram os passos. Ficou só um soluço de tropeço.
A água
quase fria amornou e coloriu peixes de azul e roxo. E no azul tinha asas
esguias na forma de andorinha. Que voavam em rápidos e delicados movimentos
pretos. Que
Agitaram
o vento que move moinhos e montanhas de fé. Substantivo nada concreto que se
desfaz em sopro. Fugaz e frágil. Que escapou do sonho louco de um cavaleiro
apaixonado por moinhos desvairados pelo buraco de uma agulha. Ainda em sopro.
Que
Adornou a
boquinha daquele que acabava de nascer. E encheu janelas com a música do
primeiro choro. E chegou às montanhas dos gorilas colorindo tudo de verde e
cinza. E de azul desbotado que é a cor do infinito. Que
Por
infinito confundiu o pensamento. E trouxe palavras desconhecidas. Que formaram
frases soltas de uma linha invisível em lápis lazuli que não escreve porque não
tem ponta. Que
Se
organizaram em pilhas de livros antigos pelo chão. Que ficou sujo de letras
desfeitas e pensamentos inconclusivos. Que
Embaraçaram
cabelos em forma de tranças. Que nunca foram jogadas porque o tempo passou e as
torres ficaram destruídas. Ficou só, no alto, a janela solitária esperando um
sinal. Que
Marcou em
forma de chave as costas do menino. Que viveu sob esse peso e morreu cansado de
lutar. Do seu cansaço nasceram olhos que perscrutaram a chuva que não parava de
cair. Que
Trouxe da
terra um cheiro de céu e mar. Em ares coloridos e folhas broto. E pedaços
esfarelentos de sal amargo. De tão amargo temperou um mar inteiro e formou as
areias brancas de um porto de almas abandonadas. Que
Vieram
perturbar insônias inesperadas e fustigar o sono com barulhos de corrente. E
fantasmas lindamente desfigurados saíram caminhando em paralelepípedos cortados
por mãos grossas de calos sofridos. Que
Fizeram
escravos negros e escravos brancos trazidos d’além mar. Que de tão escravos
misturaram tudo e as cores se diluíram e se tornaram irreconhecíveis. E
quiseram fazer um admirável mundo novo. Que
Virou
livro de angústia porque real e virou passado, e música com rastros de país
gelado. Tão linda como a neve que cai silenciosa em floquinhos virtuais.
Estrelas espetadas em rodinhas flutuantes. Que ilustram ideias de quem não
sabe, mas precisa de uma imagem que lhes dê forma. Que
Avisaram
aos navegantes de jatos barulhentos a previsão do tempo. E os aeroportos se
viram impossíveis de seres ansiosos. Tanta ansiedade escapou pelas frestas do
chão de mármore pisado que alertou o sol que é mais forte, que derrete a neve e
veio para soltar os pés aguilhoados.
Que era uma estória para crianças.
E virou sonhos meio loucos de uma noite de verão.
E virou sonhos meio loucos de uma noite de verão.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirÉ impossível traduzir o caminho de arame e flor e cor que as nossas pobres sinapses fazem diante da verdadeira poesia em qualquer linguagem ou nas "conversas" de crianças. Só lhe digo que quando li "aeroporto" as suas pretinhas me convenceram de que ainda vale a pena desembarcar e que elas só começaram escuras para ter um pretexto de virar sol.
Ensinaram-me que só se responde poesia com outra e a primeira que me veio à cabeça é da lavra do Bandeira:
"Quando o poeta aparece,
Sacha levanta os olhos claros,
Onde a surpresa é o sol que vai nascer.
O poeta a seguir diz coisas incríveis,
Desce ao fogo central da Terra,
Sobe na ponta mais alta das nuvens,
Faz gurugutu pif paf,
Dança do velho,
Vira Exu.
Sacha sorri como o primeiro arco-íris.
O poeta estende os braços, Sacha vem com ele.
A serenidade voltou de muito longe.
Que se passou do outro lado?
Sacha mediunizada
— Ah — pa — papapá — papá —
Transmite em Morse ao poeta
A última mensagem dos Anjos.
É isso aí. Mediunizado,feito um Sacho bobóide mas feliz, lhe digo muito obrigado e...
"Ah-té-ma-ma-mais!"
Olá Moacir,
ExcluirUm dia desses peguei no ar desejos de escrever nonsense. E perguntei ao Editor, -Alguém escreve nonsense? E ele respondeu com sua voz forte, -Sim! E perguntei de novo, -E alguém lê nonsense? E ele respondeu, -Talvez.
E escrevi nonsense. E acabado, li. E o lido me feriu como arame farpado. Feriu de ver vermelho! E na indecisão, decidi publicar.
E deixei as lacunas e os espaços virtuais para serem completados com suas emoções e entendimentos e colocados sentidos novos e coloridos nos meus escritos.
E fui lendo o seu comentário e ficando mais feliz.
E obrigada digo eu.
Até mais.
Aninha,
ResponderExcluir"Trouxe da terra um cheiro de céu e mar. Em ares coloridos e folhas broto. E pedaços esfarelentos de sal amargo. De tão amargo temperou um mar inteiro e formou as areias brancas de um porto de almas abandonadas."
Parágrafo simplesmente brilhante, entre o sonho e a realidade, a esperança e a decepção, a meu ver, e que conclui ao final do texto magnífico porque contundente e incisivo, que seria uma história para crianças, porém "virou sonhos meio loucos de uma noite de verão"!
Acredita, Aninha, jamais estipulei para a minha vida qualquer tipo de sonho como meta a ser alcançado, jamais.
Meu único objetivo foi sustentar os filhos, educá-los e formá-los, junto com a minha mulher, lógico.
Entendemos que, uma vez cumprida e satisfeita esta obrigação, o resto que obteríamos com o tempo seria lucro.
O teu artigo revela com talento e preciosidade, que são tuas características como escritora, indiscutivelmente, justamente esses altos e baixos das nossas expectativas, da realização ou não de nossos sonhos, de se desejar aquilo que a mente quer, mas se contentar com o que se tem.
Mais ou menos, na minha interpretação obtusa, como este eterno conflito que temos entre a mente e o corpo.
Enquanto a primeira é infinita na sua imaginação e "poder", o outro é limitado, finito, absolutamente de acordo com o tamanho de suas passadas, não mais e não menos!
Ora, enquanto a mente me leva para o início do que teria sido o Universo, acreditando que seja o Big Bang, o corpo tem dificuldades de atravessar uma simples rua, dependendo da circunstância, logo o equilíbrio se faz necessário na vida de forma absoluta, indiscutível, insofismável, inexorável.
Desta forma, foste extremamente criativa ao concluir que teus pensamentos neste texto altamente criativo, teriam sido meros sonhos e meio loucos de uma noite de verão, onde o calor e o suor de uma madrugada quente nos tira da cama porque precisamos de um banho frio para podermos relaxar e voltar a dormir.
Parabéns, Aninha.
Muito obrigado, da minha parte, por estares compartilhando conosco este teu talento extraordinário, que me obrigou a viajar para dentro de mim mesmo nestas tuas elucubrações, nestas tuas meditações "psicodélicas", ora coloridas ou cinzas ou opacas, mas todas, indistintamente, profundas e inquietantes, "meio loucas".
Um grande abraço, forte e caloroso, e também respeitoso, lógico.
Saúde e paz, minha cara dissidente, extensivo aos teus amados.
Olá meu amigo dissidente,
ExcluirSurpresa e muito feliz!
Se minhas meditações psicodélicas(adorei!) te fizeram pensar e viajar esse tanto, então já terá valido a pena arriscar o meu sentir. E, muito mais do esperado, você completa o meu escrito e o faz melhor e menos dolorido.
Para falar a verdade, "as meditações psicodélicas, profundas e meio loucas" estão em festa.
Paz e Amor, então.
Até mais.
Ana
ResponderExcluirse soubesse escrever como vc eu diria que na loucura se vê a lucidez e que num mundo como o nosso tudo tem a ver com seus escritos !!
Desafios aceitos e como o Moacir e o Francisco faço deles as minhas palavras
sua prima e amiga comemora seu talento, bjs
Olá prima amiga,
ResponderExcluirTanto caminho percorrido juntas...o que seria de nós se não nos conhecêssemos tão bem?
Beijo.
1) Oi Ana, vi poesia, gostei.
ResponderExcluir2) Li contradição, gostei. A vida às vezes é tão contraditória
3) Digamos, foi um texto poético Zen, dialético...
4) Boa semana !
Olá Antonio,
ResponderExcluirSempre vai ser uma boa semana com um começo desses.
Pensei que você não ia aparecer. E que bom que apareceu para preencher as lacunas do texto" zen psicodélico"!
Obrigada sempre.
Até mais.
Ana,
ResponderExcluirEstá perto de você conhecer um sujeito que encontrei sabe-se lá onde, e chamei de Maltrapido. Com "m" maiúsculo porque foi esse o nome que lhe dei, já que assim o enxerguei.
Eu o condenei a repetir daqui por diante um discurso nonsense que vai soar inicialmente verborrágico. Tenha paciência, vá encontrando a história que está contada. Que não tem sentido. Que faz todo sentido pra quem a viveu com pelo menos um olho aberto.
Tudo isso para dizer, de modo por ora nonsense, que uma receita que junta arame, alicate e flor de sal pode ser muito saborosa. Até mais.