Um Laté-28 da Aéropostale como o usado para o France-Amérique (imagem www.memoire-aeropostale.com) |
Wilson Baptista Junior
Foi quando
era chefe de escala em Cabo Juby, no deserto do sul do Marrocos, perto das
ilhas Canárias, que Saint-Exupéry começou a escrever seu primeiro romance, “Courrier Sud” (Correio do Sul), que
conta de um voo do correio aéreo que deveria ir, de escala em escala, de
Toulouse, no sul da França, até Buenos Aires ou Santiago do Chile, na América
do Sul. O voo é usado como a espinha dorsal da história que, na realidade, é a
história da vida do piloto Jacques Bernis.
O livro é
contado por um narrador, que é justamente o chefe de escala de Cabo Juby, mas
não é nele, apesar de falar na primeira pessoa, que Saint-Exupéry se projeta: É
em Bernis, o piloto que parte de Toulouse, que o autor embute mais ou menos
veladamente algumas de suas experiências pessoais. Que de tempos em tempos o
narrador comenta, como se falasse com o piloto, com a compreensão de quem é seu
amigo desde a infância.
O caminho de
Bernis é contado, no primeiro capítulo, através das mensagens de rádio da
estação de Toulouse, cabeça de linha. Desde a primeira,
Radio; de
Toulouse para as escalas: O correio França América do Sul decolou de Toulouse
às 5 h. 45"
o pessoal
das escalas, ao longo dos cinco mil quilômetros da linha, ouvindo as mensagens,
segue o voo invisível do piloto:
Correio França
América do Sul decolou de Toulouse às 5 h. 45 ponto passou por Alicante às 11
h. 10"
Às seis
horas da tarde,
Correio
aterrissará em Agadir às 21 horas, repartirá para Cabo Juby às 21 h. 30,
aterrissará ali com bomba Michelin ponto Cabo Juby preparará a iluminação
habitual ponto ordem ficar em contato com Agadir ponto assinado: Toulouse
E bem mais
tarde
De Dacar para
Port-Étienne, Cisneros, Juby: comunicar urgente notícias do correio
Responde
Juby,
De Juby para
Cisneros, Port Étienne, Dacar: nenhuma notícia depois de passar Alicante 11 h.
10
E diz o
narrador:
“Um motor roncava em algum lugar. De Toulouse ao Senegal
tentávamos ouvi-lo.”
Posta aos
leitores essa incerteza sobre o que aconteceu com o avião, então vai ser
contada a história de Bernis.
Que começa
com a descrição da minuciosa preparação do piloto e do avião, para garantir que
o correio e os passageiros de cada etapa cheguem bem ao seu destino, “a despeito das tempestades, das brumas, dos
tornados, das mil armadilhas das molas das válvulas, dos balancins, da matéria”...
e a decolagem de Toulouse, numa madrugada de chuva.
O boletim
meteorológico que ele recebe no hangar diz: “Céu
claro em Perpignan, sem vento. Tempestade em Barcelona. Em Alicante...”
Tudo parece
em ordem, e ele espera chegar a Alicante em cinco horas, e à noite na África. E
voa pensando na volta da véspera desde Paris, onde empacotou seus livros,
selecionou cartas, queimou algumas, cobriu os móveis, embarcou como se fosse
para outro continente. Vida de piloto da linha. E a saudade da amante,
Geneviève, em que vai pensar tanto durante o voo.
Num
flash-back, a sua preparação para a rota do voo. Aqui qualquer dúvida que
tenhamos quanto a Bernis ser um alter-ego do autor se dissipa ao ouvirmos o
narrador contar de como ensinou ao piloto, para o seu primeiro voo, os segredos
da rota por sobre a Espanha, exatamente como, mais tarde, Saint-Ex contaria no
Terra dos Homens de seu amigo Guillaumet lhe ensinando o mesmo caminho. Na
noite da véspera, no quarto do piloto:
“Quarto de piloto, albergue incerto, era preciso tantas vezes
reconstrui-lo. A companhia nos avisava, na noite anterior: “O piloto X foi
destacado para o Senegal, ou para América...”. E era preciso, na mesma noite,
desatar seus laços, pregar seus caixotes, desnudar o quarto de si mesmo, das
suas fotografias, dos seus livros, e deixá-lo para trás, com menos traços do
que se tivesse sido habitado por um fantasma”.
Mas agora
ele é um piloto experiente. E o narrador diz: “Hoje, Jacques Bernis, atravessarás a Espanha com uma tranquilidade de
proprietário (...) Mas me lembro de teus primeiros passos, dos meus últimos
conselhos na véspera de teu primeiro voo. Deverias, ao nascer do sol, tomar nos
braços as meditações de um povo. Levá-las através de mil emboscadas como um
tesouro escondido sob teu casaco. Correio precioso, te disseram, mais precioso
do que a vida. E tão frágil. E que um erro dispersa em chamas e espalha no
vento”.
Essa era a
importância dada ao correio. Às mensagens das pessoas que eram confiadas à
Aéropostale para serem entregues mais depressa do que pelos caminhos normais.
Era nos tempos em que se escreviam as cartas aéreas em papel de seda e os
envelopes eram finos, quase transparentes, para pesarem menos.
O narrador,
colega de infância de Bernis, mostra quando os dois tomaram realmente
conhecimento de que se tinham transformado em adultos contando a história de
quando foram, juntos, fazer uma visita ao seu velho colégio, e encontram seus
antigos professores, antes firmes disciplinadores, agora frágeis velhos de
cabelos brancos, e os professores bebem as suas histórias com a alegria de quem
encontra os novos heróis que ajudaram a formar. E Bernis lhes conta dos
perigos, das aventuras, dos segredos de desbravar os caminhos distantes. Mas
lhes conta também “das decepções e do gosto amargo do repouso
depois da ação inútil”. E, talvez para consola-los de não serem os homens
de ação que poderiam querer ser, “como
talvez a única verdade seja a paz dos livros. Mas os professores já o sabiam.
Sua experiência era cruel porque eram eles quem ensinava aos homens a história”.
O livro
continua com Bernis em voo. Na descida para Alicante, a terra, que parecia um
mapa plano vista do alto, vai progressivamente tomando volumes e se tornando
real até a aterrissagem. Com mais de cinco horas de voo, cansado, o piloto
preenche seu relatório de etapa, descansa alguns minutos e decola para a
tempestade. “Ela se encarniça contra o
avião como os golpes de picareta de um demolidor”. O piloto já passou por
outras antes e sabe que vai atravessar, mas de repente os controles se travam e
o avião começa a cair em parafuso. E é a descrição da terra, novamente, se
tornando real e assassina enquanto espirala cada vez mais perto. Até que
Bernis, no último momento, consegue soltar o cabo agarrado com um golpe do
calcanhar e retomar o controle do avião. E sai afinal em céu claro sobre o
golfo de Málaga.
Bernis está
agora quase na metade do caminho até Cabo Juby. Perto de mil quilômetros
voados, agora mais uns mil e trezentos até aterrar de novo. Uns cem até Gibraltar,
um pulo sobre o mar até sobrevoar Tanger e o resto sobre o deserto.
Falta ainda
uma hora para que ele veja o farol de Tanger. E, em voo calmo, Bernis imerge
nas suas lembranças, que constituirão a segunda parte do livro, mas contadas
pelo narrador.
- o -
“Devo voltar atrás, contar
desses dois meses passados, senão o que restaria? Quando os acontecimentos de
que vou falar tiverem pouco a pouco alisado sua fraca esteira, seus círculos
concêntricos, sobre os personagens que eles simplesmente apagaram, como a água
se fecha novamente em um lago, quando
amortecerão as emoções pungentes, depois menos pungentes, depois doces que eu
devo a eles, o mundo me parecerá seguro outra vez. Não posso, já, passear por
onde deveria ser cruel a lembrança de Geneviève e Bernis, sem que me fira, de
leve, o arrependimento?”
O porquê
desse arrependimento do chefe de etapa só o saberemos depois do desenrolar de
toda a história.
E nessas
lembranças começamos a conhecer a vida do piloto da linha, os lugares que não
são nunca permanentes mas sempre provisórios, as voltas que são sempre para
partir de novo:
“Esse mundo, nós o reencontramos a cada vez, como os marinheiros
bretões reencontram sua aldeia de cartão postal e a sua noiva fiel demais,
apenas um pouquinho mais velha a cada volta. Sempre parecido, uma gravura de um
livro de infância (...) Pouco a pouco, durante sua volta, uma paisagem já se
construía em volta dele, como uma prisão. As areias do Sahara, os rochedos da
Espanha, eram retirados pouco a pouco, como trajes de teatro, da paisagem
verdadeira que ia transparecer”.
E Bernis
pouco a pouco se entedia, e um dia escreve ao narrador: “... não falo de minha volta: eu acredito ser senhor das coisas quando
as emoções me respondem. Mas nenhuma despertou. Eu estava como o peregrino que
chegou com um minuto de atraso a Jerusalém. Seu desejo, sua fé, acabavam de
morrer: ele não encontrava mais do que pedras. Esta cidade aqui: um muro. Quero
partir de novo”.
Pouco a
pouco vamos conhecer Geneviève. A menina que foi companheira deles na adolescência,
dois anos mais velha do que ele, e pela lembrança de quem os dois se
apaixonaram enquanto viravam homens, longe, nos confins do mundo:
“Enquanto os outros levavam ao altar uma mulher já feita, foi de
uma garotinha que Bernis e eu, do fundo da África, ficamos noivos (...) Vivias
para nós um conto encantado e entravas no mundo por uma porta mágica, como num
baile à fantasia, um baile de crianças – disfarçada de esposa, de mãe, de
fada...”
E foi ela
que Bernis foi reencontrar, casada, mãe, mulher de sociedade. E olhava de fora
o novo mundo dela, procurando onde estaria a garotinha que conheceu.
Até que um
dia a criança adoece, e Geneviève vela-a desesperadamente por três dias e três
noites, até perder todas as suas forças, desmaiar em frente ao médico e ele lhe ordenar que ao menos vá dar uma
volta, para respirar o ar livre.
Ela vai, e
ao voltar, encontra o marido furioso que lhe pergunta, aos gritos, como podia
fazer uma coisa destas com o filho doente. Era preciso que vocês lessem a
descrição que Saint-Ex faz do marido para entender sua postura; um homem bem
sucedido financeiramente que na verdade ostenta para os outros uma imagem de si
cuidadosamente construída; que amava o exterior da mulher sem e preocupar com o
que lhe ia por dentro. E, ao término da briga, o casamento se acabou na alma de
Geneviève:
“Ele a soltou enfim com um sentimento estranho de impotência e de
vazio. Ela se afastou sem pressa, como se realmente não tivesse mais porque
temê-lo, como se alguma coisa a levasse de repente para fora do seu alcance.
Ele não existia mais. Ela demora, refaz lentamente seu penteado, muito ereta, e
sai.”
O menino
doente termina por morrer. E, deseperada, no meio da noite, Geneviève vai
procurar Bernis para lhe contar.
Depois do
enterro, o marido parte numa viagem de negócios na qual ela deveria ir
encontrá-lo mais tarde. Em vez disso, ela vai viver com Bernis.
E o narrador
sente que não vai dar certo, e pensa, esperando a chegada de Bernis em Cabo
Juby:
“Estes costumes, estas convenções, estas leis, tudo isso de que não
sentes necessidade, tudo isso de que fugiste... É isso que dá a ela sua
moldura. Para existirmos, é preciso haver à nossa volta, realidades que durem.
Mas, absurda ou injusta, tudo isso não passa de uma linguagem. E Geneviève, levada
por ti, será privada de Geneviève (...) vais esvaziar a sua vida como se
esvazia um apartamento de mil objetos que não víamos mas que o compunham”.
E um dia ela
se vai. E Bernis retorna a Toulouse. E parte.
- o -
Málaga, a
primeira estação depois de Agadir, espera a passagem do piloto, que não deve
aterrissar. Continuará, voando bem baixo, até Tanger, entre as nuvens e o mar
ainda agitado pelo que restou da tempestade.
Às oito da
noite, Málaga telegrafa: Correio passou sem aterrissar. E
Casablanca se prepara para recebê-lo, acende os holofotes, e o avião pousa. Mas
as comunicações de rádio estão interrompidas, e todas as estações esperam
ansiosas pelas notícias do avião.
Quando enfim
se restabelecem, Casablanca avisa as outras estações:
Correio decolará
para Agadir às vinte e duas horas.
E Agadir
consulta Cabo Juby:
Correio chegará
a Agadir a meia noite e trinta ponto Poderemos fazê-lo continuar até aí?
Mas Cabo
Juby responde: Neblina. Esperem o dia.
E avisa às
estações seguintes:
Correio pernoitará
em Agadir.
Em
Casablanca Bernis, cansado de mais de dez horas de voo e chuva, em cabine
aberta, assina as folhas de registro e discute com o chefe da escala que o
manda continuar. O chefe sabendo já que não lhe exigiria isso, o piloto sabendo
que pediria para partir. “Mas cada um dos
dois queria provar a si mesmo que a decisão era apenas sua”.
E quando o
chefe lhe diz, “Bom. Concordamos. Fique”
o piloto se acalma, e sabe que partirá em vinte minutos.
Bernis
decola novamente dentro da noite. Mas depois de algum tempo as nuvens se fecham
em volta dele. Desce abaixo das nuvens, mas lá em baixo também tudo está
coberto.
E Bernis
voa, às cegas, em cima do mar, entre os dois tapetes de nuvens, dentro da
chuva, corrigindo o desvio estimado do vento pela bússola e sabendo que entre
ele e a planície estão as montanhas do Atlas, ocultas nas nuvens.
Mas, de
repente, o céu clareia, a lua ilumina a terra e ele vê ao longe as luzes do
campo de Agadir.
Em Cabo
Juby, o pessoal da escala espera pelo avião. Que partiu às cinco da manhã de
Agadir. O dia vai passando, o avião não chega. E devagarinho chega a hora em
que o combustível do avião deve ter acabado. E agora vem o medo de que o
companheiro tenha caído no território dos mouros revoltosos.
Agadir não
responde ao telégrafo. O operador escuta os trilos do código Morse entre as
estações. Até que capta um fragmento de uma mensagem de Agadir para Casablanca:
...terrado
às seis e trinta. Decolou de novo às...
Então, se
ele teve que voltar às seis e trinta, não se sabe se por mau tempo ou pane, não
pode ter decolado antes da sete. Está
ainda em tempo.
- o -
E o
narrador, enquanto espera o amigo, para quem quando ele chegar vai abrir uma
lata de conserva e uma garrafa de vinho enquanto ele descansa os vinte minutos
regulamentares, volta a falar de sua infância até que o avião chega. E insiste
com Bernis, contra a vontade do piloto, que lhe fale de Geneviève.
Bernis então
conta que, entre Paris e Toulouse, saltou do trem na estação perto da casa de
menina de Geneviève. E, chegando lá sorrateiro, entrou pela porta sempre aberta
e se assentou numa sala escura. E ouviu, na sala vizinha, vozes cheias de dor que
falavam de uma doente em estado grave.
Subiu, no
escuro, pelo caminho conhecido até o quarto de solteira de Geneviève. Encontrou-a
no leito, ela o reconheceu fugazmente, e depois não mais.
Bernis
percebeu então que o tempo dos dois estava terminado. E foi embora para não
voltar nunca mais.
O trecho em
que ele conta ao narrador seu sentimento de que ele tinha tentado levar a amada
para um mundo que era só dele, e com isso ela perdeu o dela, é de uma grande
delicadeza e emoção profunda. Quando conta essa ocasião em que tentou voltar
para ela, diz: “Quando, mais tarde, tentei
ainda reencontrá-la, eu poderia ter me aproximado dela, poderia tê-la tocado.
Não havia mais espaço entre nós. Mas havia mais. Não sei te dizer o quê. Um
milhar de anos. A gente está tão longe de uma outra vida...”
E é hora de
decolar outra vez.
Bernis voa
sobre o Saara imenso, perto da costa, vendo a areia e o mar azul. Dois mil
quilômetros ainda até Dacar. Da altura em que está, a paisagem parece não
mudar. “Port Étienne, primeira escala,
não está inscrita no espaço mas no tempo, e Bernis olha seu relógio. Seis horas
ainda de imobilidade e de silêncio, depois a gente sai do avião como de uma
crisálida”.
E se lembra
das panes que já sofreu, como os outros, da mudança desse mundo para o mundo
pesado dos pés nas dunas de areia, e dos camaradas que o salvaram.
O voo
continua.
De Port Étienne
para Cabo Juby: correio chegou bem às 16 h 30
De Port-Étienne
para São Luís: Correio decolou de novo às 16 h 45
De São Luís para
Dacar: Correio partiu de Saint-Étienne às 16 h 45 ponto Faremos continuar à
noite
Bernis
decola de Port-Étienne com tempo calmo, mas encontra uma tempestade de areia
que bloqueia o radiador do motor. Em pane, consegue pousar perto de um fortim francês
no deserto. O sargento que comanda a guarnição de vinte senegaleses recebe-o
como a um irmão. As últimas pessoas de fora que viu foram o capitão e o tenente
que passaram por ali já faz cinco meses, o correio só vinha de seis em seis meses.
O encontro
do piloto com o velho sargento é uma bela página. Depois do jantar, do terraço
do forte, olha para as estrelas que era só o que ele podia ver do forte
isolado, e conta a Bernis da conversa com o tenente:
“Ele me explicou as estrelas...”
“Sim”, disse Bernis, “ele as
confiou à sua guarda”.
Na manhã
seguinte, ajudado pelo sargento, o piloto conserta a pane.
“- Veja, sargento, não era nada, eu vou partir.
O sargento contempla um jovem deus, vindo de lugar nenhum para
voar de novo. Que veio para lembrá-lo de uma canção, de Tunis, dele mesmo. De
que paraíso além das areias descem sem ruído estes belos mensageiros?
- Adeus, Sargento.
- Adeus...
O sargento move os lábios em silêncio, não se reconhecendo. O
sargento não teria sabido dizer que guardava no coração uma provisão de amor
para os próximos seis meses”.
- o -
De São Luís do
Senegal para Port-Étienne: Correio não chegou a São Luís ponto. Deem notícias
com urgência
De Port-Étienne
para São Luís: Não soubemos de nada depois da partida ontem às 16 h 45 ponto. Começaremos
as buscas imediatamente
De São Luís do
Senegal para Port-Étienne: Avião 632 decola de São Luís às 7 h 25 ponto.
Suspendam sua decolagem até que ele chegue a Port-Étienne.
- o -
De Port-Étienne
para São Luís : Avião 632 chegou bem às 13 h 40 ponto Piloto disse que não
viu nada apesar da boa visibilidade ponto Piloto estima que teria visto se o
correio estivesse na rota normal ponto Necessário um terceiro piloto para
buscas escalonadas em profundidade
De São Luís para
Port-Étienne: De acordo. Vamos dar as ordens"
De São Luís para
Juby: Sem notícias do França-América. Venham com urgência a Port-Étienne.
De Juby para Port-Étienne: Avião 236 decolou
de Juby às 14 h 20 para Port-Étienne.
É o narrador
quem pilota esse avião. Em Port-Étienne organizam as rotas de busca, e decidem
parar no fortim ao chegar a noite.
“- Então, sargento, você o viu?
- Ele decolou de manhã cedo...
- Sargento, pela manhã encontrarei meu camarada. Onde acha que ele
esteja?
O sargento, seguro de si, me mostra todo o horizonte.
Uma criança perdida preenche o deserto”.
De manhã,
viajantes mouros chegam esgotados e contam que um rezzou de trezentos fuzis surgiu do Leste e massacrou sua caravana.
Os pilotos resolvem orientar as buscas na direção do rezzou.
- o -
Meu camarada...
Era aqui então o tesouro; e o buscaste!
Sobre essa duna, os braços em cruz e virado para esse golfo azul
escuro com cidades de estrelas, essa noite pesavas muito pouco...
Em tua descida para o sul quantas amarras desfeitas, Bernis já
aéreo por não ter mais do que um amigo: apenas uma fina teia de aranha ainda te
prendia.
Essa noite pesavas menos ainda. Uma vertigem se apossou de ti. Na
estrela mais vertical brilhou o tesouro, ó fugitivo!
Só a teia de aranha da minha amizade ainda te prendia; pastor
infiel, devo ter adormecido.”
- o -
De São Luís do
Senegal para Toulouse: França-América encontrado a leste de Timéris ponto O
inimigo partiu quando nos aproximamos ponto Piloto morto avião destroçado correio
intacto ponto Continua para Dacar
- o –
De Dacar para
Toulouse: Correio chegou bem a Dacar ponto
- o -
1)Parabéns Mano, belo texto, bom domínio da narrativa, a leitura prende e isso é ótimo.
ResponderExcluir2)É como se eu estivesse deitado na rede da varanda em um dia chuvoso de inverno, mas estamos no verão do Rio, quase 40 graus...
3) Saboreando a leitura.
4)Viajando e então lembrei da antiga telenovela "O Sheik de Agadir", de 1966, lá no Gama, DF, eu não tinha TV, mas os vizinhos que tinham... contavam algumas cenas...
5) "... os lugares que não são nunca permanentes, mas sempre provisórios".
6) Mano filosofou sobre a impermanência da vida, o avião cai ou não cai, chega ou não chega ao destino.
7) Quem bom que chegou !
Obrigado, Antonio.
ExcluirÉ como você diz, os lugares são sempre provisórios, e estamos sempre de passagem.
O aviador não chegou, mas o correio sim. Valeriam a pena as mortes para entregar as cartas mais cedo do que pelos métodos antigos? Eles achavam que sim. Eram as mensagens que o povo lhes confiava. Um pouco da vida de cada um que escrevia. E às vezes, quem sabe, este tempo poderia fazer toda a diferença. E por isso se arriscavam.
Um abraço do Mano
Wilson,
ResponderExcluirNão li o livro e pretendo corrigir a falha na estante dentro da possível brevidade. Mas pelo que apreendi da sua inteligente narrativa é daquelas leituras que a gente devora, em suspense, entre as mensagens do céu e da terra, em meio aos boletins e flasbacks, às tempestades reais e àquela dos sentimentos e pensamentos e emoções do piloto, com Geneviève na cabeça, durante esse voo emocionante a partir da França, passando pelas belezas e perigos da Espanha, do Marrocos e do Saara. Apesar de terminar tão mal sua narrativa não nos surpreende pois nela o desatar dos laços começou nos primeiros parágrafos. Tão pouco nos parece uma tragédia, porque o piloto se despediu no seu elemento,como o pioneiro que era e fazendo o que mais apreciava.
Saint-Ex sempre me faz pensar no Papa Hem, talvez porque ambos transferiram suas paixões para a escrita e porque as semelhanças entre as vidas e as obras deles sejam tão óbvias. De tudo, e entrando de gaiato na interpretação, vou grifar o fechamento escolhido por você, esse epitáfio tão pungente escrito pelo velho camarada:
“ Só a teia de aranha da minha amizade ainda te prendia; pastor infiel, devo ter adormecido.”
É que, diferentemente, o Guillaumet na Terra dos Homens, tinha motivos para seguir caminhando já que uma poderosa teia e uma missão o prendiam à Terra. Jacques Bernis, em vez, era livre para fugir para as estrelas até porque o Correio estava intacto.
E não tem como não pensar naquele último mergulho do autor no Mediterrâneo.
Um belo post, de respeito, que nos deixa querendo saber mais.
Abração
Você definiu bem o livro; é ao mesmo tempo uma pequena história de ação e um mergulho nos corações dos personagens. E um desatar progressivo dos laços de Bernis com a vida. Primeiro livro, mas que já traz em si as sementes de muito que vamos ver mais tarde nos outros do autor.
ExcluirE o epitáfio resume tudo; em verdade o fio que prendia Bernis ainda é mais fino do que "teia de aranha" dá a idéia: no original é "fil de la Vierge", que é como chamam em francês um fio único, longo e finíssimo, em que a aranha se prende e solta ao vento para viajar em sua dispersão, e que os antigos camponeses acreditavam que eram fiados pela roca da Virgem Maria. Mas confesso que não consegui em português uma tradução bonita para isso, e ficou teia mesmo...
Leia, sim, o livro, se puder; o resumo é pouco para sua qualidade.
Bela resenha do Sr. WILSON BAPTISTA JÚNIOR do primeiro Romance de SAINT-EXUPÉRY " COURRIER SUD", no qual é relatada a viagem da aeronave France-Amérique da Aeropostale, que partia de Touluse - FR e tinha destino, depois de dezenas de escalas, para Santiago - CH, voo Capitaneado por seu amigo mais moderno JACKES BERNIS.
ResponderExcluirSeguindo a rota, partes com tempo bom, partes com tempestades, se vai descrevendo os rádios, boletins, etc, e se vai sabendo detalhes da vida íntima do Cap. JACKES BERNIS e sua amada GENEVIÉVE, (mulher casada, separada).
Depois de atravessar a Península Ibérica, o Saara do grande Império Colonial Francês, o voo termina em desastre aéreo em meio a tempestade no Senegal próximo a São Luis - SE. As forças da Natureza foram mais fortes que o Avião e a Tecnologia da época.
O France-Amérique foi encontrado destroçado, o Cap. JACKES BERNIS morto, mas o Correio foi achado intacto e seguiu destino.
Missão Cumprida.
Abração.
Flávio, é bem isso: missão cumprida. Mas a que custo... Não consegui, claro, resumir (do jeito que Saint-Exupéry escreve, seria preciso copiar todo o livro, onde cada palavra é importante) todo o envolvimento dos personagens uns com os outros e com a Linha. Mas fico contente que você tenha gostado.
ExcluirIndependente da qualidade da narrativa do autor, tão bem reproduzido pelo Wilson em face do seu refinado e excelente gosto cultural, trazendo à baila Saint-Exupéry, extraio a aventura, o pioneirismo, o desbravador.
ResponderExcluirViajar em aviões antigos, roteiros não muito bem esclarecidos, a cada trajetória um problema, requeria do piloto mais do que coragem, mas um objetivo justamente calcado na emoção, na aventura, em descobrir novas rotas.
E o início do Correio Aéreo, vindo até a América do Sul, surpreendentemente, em pequenos aviões e baixa autonomia de voo.
A meu ver, homem algum não pode prescindir de durante a sua vida ter uma aventura, por menor que seja ou por mais simples que se identifique.
Faz parte da vida enfrentar certas situações de risco, ainda mais em se tratando de aviões, caminhões, até mesmo automóveis e de competição.
A existência exige esse tipo de comprometimento do ser humano para vencer a si próprio, seus temores, suas dúvidas, suas fragilidades.
E, o livro e autor trazidos pelo Wilson em mais um artigo de qualidade extraordinária, revelam exatamente este espírito aventureiro, apesar de a aventura ter terminada em tragédia, mas o objetivo seguiu em frente, a correspondência.
Certamente a mulher amada foi também um fator preponderante para esta coragem como piloto, e enfrentar tempestades, ventos, raios e trovões em pleno voo.
O ânimo que se tem para se mostrar homem e corajoso para quem se ama é fenomenal, uma força prodigiosa, que move montanhas, como se diz.
Mal comparando, mas eu me lembro de quando comecei a viajar, e o meu RS não tinha asfalto em quase 2/3 da sua extensão.
Estradas em chão batido, muitas perigosas, e quando chovia o lodaçal muitas vezes impedia o carro seguir em frente.
Recordo-me que certa feita passei um fim de semana junto com mais quinze ou vinte veículos atolado entre Santana do Livramento e Dom Pedrito, no meio do nada, sem um bolicho por perto (nome que o gaúcho dá a uma espécie de armazém de campanha, longe das cidades).
O estado da estrada era tão precário, que a extinta Folha da Tarde, de Porto Alegre, que pertencia às organizações Caldas Jr, falida, tirou uma foto da fila de carros presos no barro, a bordo de um avião!
Ora, a motivação minha para esse desconforto, hotéis precários, muitas vezes sem almoço ou jantar porque se chegava muito tarde à cidade, tinha como impulso e poderoso a esposa pois, recém casado, eu precisava levar para casa conforto, a segurança de um bom emprego, salário condizente, e demonstrar muita coragem e determinação para viajar em um fusca e no barro!
Um grande abraço, Wilson.
Saúde e paz, meu caro.
Chicão, estes homens que abriram para nós esses caminhos do ar foram alguma coisa de impressionante. Hoje estamos acostumados com aviões potentes, rápidos, seguros, que voam acima das tempestades, com uma rede mundial de controle de voo, com radares, GPS, comunicações instantâneas, com uma infraestrutura enorme em que mal pensamos, mas naquela época a coisa era muito diferente. Uma vez no ar os pilotos estavam isolados do mundo, com apenas suas bússolas, seus mapas, suas anotações, as estrelas quando conseguiam vê-las, sua experiência e seu coração. Tinham que advinhar, quando as nuvens tiravam a visibilidade do solo, para onde e por que distância as mudanças dos ventos os desviavam do seu curso, e rezar para que conseguissem ao menos avistar um campo qualquer se fossem obrigados a pousar.
ExcluirMuitos ficaram pelos caminhos que ajudaram a abrir e que hoje podemos usar como se fossem simples avenidas. Se, como você bem disse, "A existência exige esse tipo de comprometimento do ser humano para vencer a si próprio", a raça humana sobrevive por causa de homens e mulheres que se comprometem com um objetivo maior do que eles próprios. Seja uma nova rota ou a felicidade da família.
Um abraço do Mano