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24/10/2017

O Grande Mestre Hakuin

Hakuin Ekaku (imagem Museum Rietberg)

Antonio Rocha
Estou recontando uma história do baú de ensinamentos Zen Budistas.
Era muito famoso e muito sábio. Sua fama na antiguidade espalhou-se por várias terras. Tinha muitos discípulos, leigos (as) e monásticos (as), morava em uma pequena cabana, assim próximo à floresta na cidadezinha, seria o que chamamos hoje de eremita. Tinha um pequeno terreno e cuidava da horta pela manhã, limpava um pequeno pomar e cuidava do local.
Perto de sua cabana havia uma família que tinha um pequeno armazém. O casal devoto tinha uma jovem filha única, muito bela e atraente.
Certa feita ela apareceu grávida e os pais que sonhavam com um casamento budista, uma festa celebrada pelo Mestre Hakuin, ficaram desapontados, mas é a vida...
- Filha tudo bem, eis a natureza humana, mas só nos responda quem é o pai?
A menina gaguejou e por fim disse:
- Fo... foi o Mestre Hakuin.
- Ah! meu querido senhor Buddha e eu queria que ele fosse o celebrante - exclamou a mãe da menina tristonha.
Os pais foram até a cabana do Mestre, a medida que caminhavam a raiva ia aumentando e quando chegaram lá, descarregaram muito ódio verbal sobre o religioso, o xingaram de tudo quanto era palavrão da época. E por fim trataram de espalhar por toda a vizinhança que Hakuin não era mais mestre de coisa nenhuma. Na verdade se aproveitara da boa fé da garota.
O que caracterizava o mestre era o seu profundo silêncio em muitas questões da vida, entretanto, o povo entendeu aquele velho ditado: “quem cala consente”.
Os pais ficaram calados durante toda a gestação da filha. Entretanto todos os discípulos afastaram-se do mestre, pois ele era celibatário.
Finalmente nasceu um lindo bebê e logo após a primeira amamentação os pais disseram para a filha:
- Pegue suas coisas, seu filho e vá morar com o seu marido.
Os três saíram de casa, os quatro, mais o recém nascido, saíram de casa tristonhos e chorando e muitas pessoas no caminho assistiram a desoladora cena.
Chegando na choupana do mestre o avô pegou o menino no colo e entregou ao mestre:
- Tome, você é o pai, cuide de seu filho, trate bem sua mulher.
O monge pegou o neném e o abraçou com afeto.
Então a jovem mãe-menina não aguentou, caiu de joelhos na frente de todos chorando e disse:
- Perdão mestre, perdão meu pais, eu menti, ele não é o pai da criança...
O clima que se seguiu parecia um tsunami de lágrimas.
- Então quem é? – perguntou o pai desesperado.
- É o Fulano lá do mercado de peixes. Eu fiz esse filho por vingança, porque na verdade eu queria outro rapaz, mas como ele não me quis, eu me entreguei ao primeiro que apareceu...
- Mestre – perguntou a avó – e por que o senhor não falou nada?
- É que vocês chegaram aqui com tanta certeza, tanta convicção que não tinha como esclarecer.
- Mas seus discípulos foram todos embora...
- É que eu vi, era um carma antigo meu, de vidas anteriores, quando eu destruí a reputação de muita gente, então vi que estava pagando, aceitei calado.
- E agora Mestre? O que nós fazemos?- perguntou o pai da família.
- Vamos todos sorrir, meu carma, nessa área está zerado, não sei se mais adiante virá outro. – disse o mestre.
-Em compensação, indevidamente, nós difamamos um inocente – disse a jovem mãe.
- Agora, com bons modos, procurem o verdadeiro pai, falem com ele, na verdade, ele também pensa que fui eu. Mas falem de forma educada – disse o monge.
Os quatro saíram e o Mestre Hakuin voltou para sua horta.
Dizem que depois deste episódio, a fama benéfica do Grande Mestre Hakuin aumentou demais e o número de discípulos também com a volta dos antigos e os novos que chegavam, impressionados com o fato.
Moral da História: Nem sempre, quem cala consente.


6 comentários:

  1. Francisco Bendl24/10/2017, 09:52

    Rocha,

    Imagino só a dificuldade que havia no passado e recente, inclusive, quando não havia o teste de DNA ou o exame que identificasse a paternidade!

    Era a moça acusar fulano ou beltrano, e pronto, a vida do sujeito estava arruinada ou enaltecida, dependendo de quem seria o acusado ou felizardo.

    Pois o Mestre não só foi apontado como pai como se manteve em silêncio, e nada lhe foi feito porque tinha a sua autoridade espiritual, então não levou uma coça do pai da filha que o acusara de ser pai do filho que carregava consigo.

    Ao confessar, finalmente, a verdade, o Mestre não só a perdoou como entendeu que saldava um carma de vidas pregressas, e aumentando junto aos aldeões o seu conceito como líder espiritual

    Repeti a tua história resumidamente, Rocha, pois esses episódios que nos contas em teus artigos jamais aconteceriam desta forma no Brasil!

    Teríamos indiscutivelmente uma tragédia, com o Mestre sendo morto pelo pai da noiva antes de ela esboçar qualquer reação ou, então, o religioso conhecendo o seu povo, antes de mais nada pediria o tal famoso exame para não deixar dúvidas que ele não era o pai daquela criança.

    Acho que seria impossível que neste país, o mestre ficasse calado, quieto, esperando que a verdade viesse à tona naturalmente ou de acordo com a consciência da jovem mãe.

    O que me faz concluir que ou temos muito de aprender ou estamos em um estágio mental onde não há mais solução, ou seja, o Budismo teria sérias dificuldades de se transformar na filosofia que o brasileiro adotaria, haja vista que a imagem de um Deus vingativo, do inferno, do diabo ser culpado pelos desvios de comportamento, as punições, indiscutivelmente são as imagens e os ensinamentos que mais nos agradam!

    Gosto desses teus contos, Rocha, pela comparação que faço entre as mentalidades nossas e de outras nacionalidades, ainda mais distantes do Brasil, tais como a chinesa, japonesa, indiana ... e budistas, com as religiões que compõem a nossa nação, cuja maioria é cristã, apesar das suas vertentes ou variantes, como os católicos e evangélicos, espiritualistas e o sincretismo religioso.

    Um grande abraço, Rocha.
    Saúde e paz.

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    1. 1) Obrigado Bendl, o Budismo não tem pressa, aos poucos ele vai ganhando muitos adeptos no chamado Ocidente Cristão... cada vez mais o Ensinamento de Buddha cresce e aparece nos EUA, Canadá, Europa, Austrália, Nova Zelândia etc. É um novo ciclo que se avizinha, mudança de Era, de novos paradigmas...

      2) Curiosamente, fiz uma pesquisa recente onde constatei e tenho divulgado no meu Facebook que o Budismo está crescendo na África. Conversando com um amigo concordamos... o Continente Africano está procurando uma filosofia para o século 21 e o Budismo tem agradado bastante, até em etnias tribais...tem crescido...

      3) Na América Latina o Budismo vai devagar e no Brasil, mais devagar ainda...

      4)Abraços amigão !

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  2. Moacir Pimentel25/10/2017, 07:59

    Antonioji,
    Concordo com a moral da história: calar nem sempre significa concordância. Cala-se para ouvir melhor a "conversa" ou para pensar melhor na resposta ou porque não é a hora certa ou o espaço adequado para a réplica. E pode-se fazer silêncio quando se chega à conclusão de que falar seria simplesmente inútil.
    "Pois é, pra quê?"
    Abraço

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  3. Olá Antonio,
    Você tem razão, nem sempre estamos consentindo quando calamos. Às vezes é por pura exaustão. E aí desistimos até de um bem. Mas outro dia li, não sei aonde, que quando cansamos não devemos desanimar. Devemos descansar. Vale aplicar, não é?
    Até mais.

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    1. 1) Oi Ana, tb é válido.

      2) Contudo, é preciso pesar os prós e os contras para sabermos se vale a pena investir.

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