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10/03/2018

As Xilografias da Caridade

Imagem no templo de Tetsugenji, em Namba, Osaka (imagem www.geocaching.com)


Antonio Rocha
Sidarta Gautama, que depois ficou conhecido como o “Buddha” nasceu no Nepal (século VI antes de Cristo), mas peregrinou pela Índia, assim, podemos dizer que o Budismo surgiu na Índia. Depois foi para a China (ano 67 de nossa era); em 372 chegou à Coréia (na época era um só país) e só então foi para o Japão (no ano 522).
Da língua páli falada pelo Buddha os ensinamentos foram vertidos para o sânscrito, idioma predominante na Índia, mas tinham outros...
A seguir os textos foram traduzidos para o chinês e foi assim que alcançou a Coréia e por fim o Japão.
Então no século XVII, um devoto mestre Zen Budista da linhagem Obáku, chamado Tetsugen, calígrafo, xilógrafo e conceituado artista gráfico resolveu traduzir os sutras budistas dos caracteres chineses para a escrita japonesa.
Custava caro, tempo e dinheiro. Ele deveria comprar as madeiras para fazer as matrizes, em seguida com ferramentas próprias escrever nas tábuas, passava-se tinta e imprimia-se em uma forma rudimentar de xilogravura que a Ana Nunes conhece muito bem, podia fazer muitas cópias de papel e assim os textos canônicos budistas seriam popularizados em seu país.
O problema era que Tetsugen não tinha dinheiro, então começou a fazer uma “vaquinha budista”, percorreu o país, explicando que estava coletando dinheiro para a empreitada de traduzir os textos sagrados budistas para a língua japonesa.
Todos acreditaram e passaram a colaborar, desde um pequeno e humilde centavo, passando por somas razoáveis até quantias vultosas que os nobres da corte doavam.
Durante dez anos ele coletou dinheiro, finalmente estava pronto para comprar o material. Veio a impermanência da vida... um temporal de vários dias assolou as cabeceiras do rio Uji, que transbordou invadindo as hortas e lavouras das margens. Conclusão, tudo perdido, houve muito desemprego e fome na região.
Tetsugen não teve dúvidas. Pegou todo o dinheiro coletado em dez anos e fez caridade com a população carente.
Com isso, a sua fama aumentou e foi relativamente fácil recomeçar do nada outra coleta. Enquanto ele peregrinava pelas cidades, povoados, vilarejos, ia traduzindo os sutras em papéis, papiros, pergaminhos.
Sete anos depois ele estava feliz e contente, finalmente conseguira novamente toda a quantia necessária. Mas... veio mais uma impermanência da vida, uma terrível epidemia espalhou-se pelo país, ceifando muitas vidas.
Sem pensar duas vezes, Tetsugen pegou todo o dinheiro e aplicou em tratamentos médicos para curar doentes e enfermos. Terminada a tarefa, veio a bonança.
Um dos ensinamentos do Senhor Buddha é o chamado “esforço correto” que podemos chamar de perseverança para enfrentarmos as adversidades da vida, mestre Tetsugen recomeçou assim, a terceira coleta e agora como estava mais famoso ainda, só durou três anos para chegar ao montante pretendido.
Portanto, vinte anos após a primeira iniciativa, ele finalmente conseguiu comprar todo o material e realizar o seu sonho de vida.
Até hoje, estas tábuas de Tetsugen, as matrizes das xilografias, podem ser vistas no Mosteiro Zen Budista Obáku, na cidade de Kyoto.
Os japoneses costumam dizer que as três edições dos sutras traduzidos por Tetsugen são muito boas, mas as duas primeiras... são as melhores.
As duas primeiras que não existiram, mas que serviram para ajudar muita gente e salvar suas vidas, sem sombra de dúvidas são as melhores formas de divulgação do Budismo.
Eu já escrevi aqui, nesse maravilhoso blog “Conversas do Mano” sobre a PL – Perfect Liberty ou Perfeita Liberdade.
Disse na ocasião que a PL foi fundada por um monge zen-budista da linhagem Obáku.
Foram as belas atitudes de Tetsugen que inspiraram os primeiros peelistas (praticantes da PL) a incentivarem o serviço desinteressado à sociedade.
É que o Senhor Buddha, belo dia ensinou que a “primeira perfeição” é a Generosidade. Ou seja, você só vai para o Nirvana através da Caridade.


9 comentários:

  1. 1) Gratidão Mano, ilustração ótima.

    2)No pilar da esquerda tem o "sol" que é o símbolo da PL.

    3)Observem que as mangas no manto de Tetsugen são compridas. Na verdade são os bolsos da vestimenta dos antigos monges que eram andarilhos. Eles guardavam alguns pertences na manga da roupa. Alguns tb usavam mochilas.

    4) Bom domingo, boa semana !

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    1. Antonio, a história é muito interessante. Imagino que aquilo que Tetsugen carrega na mão esquerda seja a escudela que os antigos monges mendicantes usavam para pedir comida?

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    2. 1) Tem toda razão Mano.

      2)E o chapelão é para proteger do sol, pois no verão chega-se a fazer 45 graus. Eu não fui no Japão, mas vários amigos que foram me falam isso.

      3)Abraços dominicais !

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  2. Olá Antonio,
    Muito boa e interessante seu incentivo à caridade com o conto.
    Quanto ao fato de dizerem os japoneses que a melhor edição é a primeira me faz lembrar do meu processo criativo: penso num trabalho, penso mais um pouco e ele vai ficando tão bom no meu conceito do que queria que já não posso fazê-lo mais. Nunca conseguiria atingir o que a minha imaginação tão perfeitamente criou. O melhor é o que está por vir.
    Então se quero realmente fazer o trabalho tenho que partir logo para a ação antes que fique tão bom. E no processo do fazer, sou tomada por ele e nem conduzo mais.
    Complicado né? Se pensar muito entro em loop e vou achar que o trabalho nem é meu, porque é um pouco da mente e um pouco ele mesmo se faz.
    E por falar em xilo, onde está a prometida Heloisa?
    Um bom domingo para vocês.
    Até mais.

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  3. Francisco Bendl11/03/2018, 10:59

    Mais uma narrativa útil e informativa de Rocha sobre o Budismo, que para mim tem sido muito agradável ler tais artigos.

    Logo, não só agradeço ao Rocha esta escolha, de difundir a sua fé, quanto ao Mano por postá-las, enaltecendo a liberdade de expressão que se deve ter e usar.

    Mesmo que sobre política este assunto o Mediador não aceita, tal comportamento não deixa de ser democrático, assim como os filmes são censurados por idade diante do tema abordado.

    Neste caso, a política não se coadunaria com os assuntos tão sérios que são postados, pois esta qualidade - seriedade - já não faz mais parte do modo brasileiro, apenas a corrupção e desonestidade.

    Dessa forma, meus parabéns ao articulista e blogueiro, que nos oferecem a religião como entrada no mundo metafísico, cuja dimensão é incalculável de interpretações e, paradoxalmente, de desconhecimento, além de algumas maneiras nada corretas de se professar uma crença.

    Um forte abraço, Rocha.
    Saúde e paz.

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    1. 1) Oi Bendl, obrigado por suas palavras.

      2) Eu concordo com o Mano, editor. A meu ver, a política no Brasil hoje, se tornou algo tão pequeno que não vale a pena ser conversado, pois as várias tendências descambam para desavenças.

      3)É uma coisa mundial, enfeiaram tanto os poderes que pouco sobrou para os éticos.

      4)Abração !

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  4. 1)Oi Ana, é isso mesmo, a arte, o caminho está no fazer, no processo.

    2)Às vezes, fico olhando os quadros da Heloisa, mas eu fico me perguntando... o que escrever?

    3)Ainda não obtive resposta, vou perseverar, quem sabe, mais adiante consiga.

    4)Quanto ao livro dela, não posso falar mais do que escrevi e o Mano publicou. Tem problemas de direitos autorais com os outros gravuristas/gravadores...e os editores...

    5)Abração !

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  5. Moacir Pimentel11/03/2018, 17:54

    Antonioji,
    Seus posts me fazem refletir. De saída, penso que no de hoje a mensagem é que as palavras e atos precisam rimar, que o discurso tem que bater com as “tábuas sagradas” mas que, mesmo assim, nada fala mais alto do que as atitudes. Para mim o significado do artigo mora muito mais na vida de Tetsugen, no seu ministério, naquelas duas décadas plenas de generosidade e "esforço"e preocupação pelo próximo, do que na sua filosofia.
    Devo confessar que duvido das crenças institucionalizadas e que percebo que a religião – algo tão humano! - está se tornando cada vez mais individual e pessoal. Os parâmetros para o que as pessoas acreditam ou não se ampliaram e se multiplicaram e, bem assim, os caminhos que levam à espiritualidade sem passar pela identificação com conjuntos de normas muitas vezes furados, sem ter que caminhar tropeçando em mandamentos, pecados, dogmas e doutrinas demais e princípios de menos e sem ter que acreditar neles simplesmente porque sim. Amém!
    Por outro lado, e em confronto com os vinte anos de espera do prezado monge e xilogravurista, passamos a sofrer de um mal pós moderno : o imediatismo. Sucede que em meio às profundas transformações sociais, científicas e tecnológicas, às comunicações digitais, à tudo ser para ontem e "online", hoje se vive com uma pressa que antes não existia sobre a Terra. Há uma busca desenfreada por satisfação imediata sem nenhuma preocupação com os projetos de longo prazo. Às vezes tenho a impressão de que a galera não mais sai de si, às voltas com o próprio umbigo e sem encarar um simples fato da vida: um belo dia o mundo continuará girando sem nós. Não faço a menor ideia do que fazer para que o futuro tenha uma visão mais holística da estrada mas tenho certeza de que, como Tetsugen, você está fazendo a sua parte. Namastê!

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  6. 1)Obrigadíssimo Mestre Moacir, vc agora me deu ótima aula.

    2)É isso mesmo. O imediatismo das gerações mais novas tem dificuldade de contemplar um belo por do sol.

    3)Com a sua percepção artística vc acertou: Tetsugen é um dos meus mestres favoritos e justamente nos ensina isso = a importância de sabermos esperar.

    4)Abração de boa semana. Namastê !

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