Steinlein - Le Chat Noir (1896) |
Moacir Pimentel
Para a maioria das pessoas a palavra Montmartre evoca apenas lembranças
de uma Paris brilhante, com luzes multicoloridas, bandas de jazz e champanhe,
povoada por uma população de cantores, dançarinas, garçons e cocottes. No
entanto, tanto tempo faz, a butte era um local rural onde as vinhas cresciam e
os moleiros trituravam o milho.
Mas não há como negar que quando se escuta a palavra Montmartre se pensa
em outra: cabaré! E, entre tantos, o cabaré que entrou para a história depois
do Moulin Rouge foi, naturalmente, Le Chat Noir – O Gato Negro!
Inauguro o post com o cartaz publicitário da casa, hoje é uma das
logomarcas mais vendidas do vasto mundo e criado pelo artista suíço
Théophile-Alexandre Steinlen, um ano antes do cabaré cerrar suas portas. Na
obra desse artista, que conviveu de perto com Toulouse-Lautrec, os gatos foram
onipresentes.
Steinlen chegou a Paris em 1881 e o bairro de Montmartre, além de seu
tema favorito, tornou-se a sua nova pátria. Creio que a primeira litografia sua
a fazer sucesso foi intitulada de Les
Chanteurs des Rues – os Cantores de Rua – e capa de uma revista do bairro
chamada as Canções de Montmartre, em 1895. Além de pinturas e desenhos e
cartazes, ele também fez esculturas notáveis e, no início da década de 1890,
suas obras começaram a ser exibidas no Salon des Indépendants.
Steinlen logo tornou-se também um colaborador regular de revistas como
Le Rire e Les Humouristes, muito contribuindo para o jornalismo narrativo.
Entre 1883 e 1920 produziu centenas de ilustrações sendo que, na sua maioria,
elas foram feitas sob diversos pseudônimos, de modo a lhe evitar problemas
políticos por causa de suas duras críticas sociais. Assim como Henri de
Toulouse-Lautrec ele era contundente e direto nos seus cartazes.
Steinlein - Mothu e Doria (1894) |
Um exemplo disso é esse poster que ele cometeu em 1894, para divulgar
dois cantores de nome Mothu e Doria. Tais imagens parecem nos dizer que não
havia naquelas paragens tensão social, que as classes sociais representadas no
cartaz conviviam numa boa. Veja como são diversos os dois fumantes: um todo nos
trinques, de luvas, chapéu e capa, oferecendo o fogo de seu charuto para
acender a guimba do outro cidadão que, em vez, usa um boné e um lenço vermelho.
À primeira vista não se nota as arestas nessa coexistência de opostos. No
entanto o cartaz estampa duas Paris: a que se divertia e a que trabalhava.
Esse cartaz de Steinlein foi ofuscado por outros, notadamente os que
abordam cenas domésticas com crianças e gatos, que têm alguma coisa que nos
recorda do período azul do trabalho de Picasso. Aliás influência desse novo
tipo de arte comercial, os efeitos dos cartazes de propaganda nas obras dos
pintores modernistas nunca foi avaliado, mas as mudanças na pintura do novo
século devem muito à liberdade do idioma popular do cartaz, à habilidade de
quem os cometia de observar o seu entorno e, em seguida, de comunicar a
realidade de Paris em seu apogeu em textos e subtextos ilustrados com desenhos
superlativos e excelência gráfica.
Steinlen foi muito amigo do pintor Adolphe Willette que o apresentou à
multidão artística circundante e aos poderosos que viviam naquelas paragens
como, por exemplo, os empresários da noite. Quem chega a Montmartre pelas
escadarias da Sacré Coeur se depara com a Praça Willete bem defronte da
Basílica onde, dizem as velhas do bairro, o iconoclasta e anticlerical Willete
costumava dar vivas ao diabo depois de tomar umas e outras. Sem qualquer dúvida
Adolphe é um dos mais famosos e queridos dos personagens montmartrianos.
Nesse passeio virtual pela vida dos artistas que moraram em Montmartre e
inventaram a boemia - começando por van Gogh e Renoir e avançando para
encontrar com Modigliani e Josephine Baker, Juan Gris e Man Ray, Jean Renoir e
Cab Calloway, Alain Delon e Serge Gainsbourg - descobrimos um fato da vida: em
Montmartre também eram artistas aqueles que faziam com caneta e tinta para
jornais e cartazes, os desenhos engraçados que hoje chamamos de charges.
O estranho é que não consideramos tais figuras criativas como artistas.
Em vez disso, criamos um pequeno nicho para eles e os chamamos de cartunistas,
profissionais travados entre o visual e o literário. Na maioria dos casos, as
palavras escritas são consideradas muito mais importantes para transmitir uma
mensagem do que qualquer coisa que mesmo o melhor cartunista possa desenhar.
Mas, na verdade, a arte do cartunista tem uma mensagem que pode ser profunda,
tenta ser bem-humorada, busca a simplicidade e, embora as caricaturas e os
desenhos animados tenham mudado muito nos últimos cem anos, esses princípios
básicos não mudaram desde os dias do artista francês Adolphe Willette.
Que foi um brilhante pintor, litógrafo, ilustrador e caricaturista de
livros e jornais como Le Courier e do seu próprio pasquim sediado em
Montmartre, de nome O Pobre Pierrô. Um homem de imensa criatividade que, nas
horas vagas, ainda tinha fôlego para ser o decorador amador dos cabarets e
brasseries e salões de danças de Montmartre.
Criando comédia ou tragédia, trivialidades ou sátira política, sua obra
é instintiva e marcada pela sinceridade do artista, mas Willete estudou durante
quatro anos na École des Beaux-Arts sob a orientação de Cabanel, e tal
treinamento lhe garantiu uma posição única e privilegiada entre os humoristas
gráficos da França do seu tempo.
É lendário o vitral que Willette cometeu para o cabarê Le Chat Noir
representando a adoração do bezerro de ouro, resultado direto do desprezo que
ele nutria pelo capitalismo. Mas entre os muitos esboços e caricaturas e
quadros desse artista inteligente, o mais impressionante é a gigantesca e
macabra tela de nome "Parce
Domine", uma composição fantástica na qual uma multidão flutua no céu,
acima da colina. Nada pode ser mais mirabolante do que essa tela que hoje mora
no Museu Montmartre.
Adolphe Willette - Parce Domine (1884) |
Pintado em 1884, o imenso painel de humor lúgubre fazia parte da
decoração do Chat Noir e jamais deixou de surpreender os visitantes de
Montmartre para quem o bairro, em vez, foi e ainda é o estereótipo de alegria e
festa. Para decodificar a obra é preciso talvez conhecer algumas referências
dos franceses e do próprio pintor.
Para começo de conversa o trabalho nos remete a uma das mais populares
canções da França, do século XVIII, de nome
Au Clair de La Lune - À Luz da
Lua . Sua melodia simples é comumente ensinada a quem começa a aprender a tocar
um instrumento já que se trata de uma canção de ninar. No entanto os seus
versos têm duplo sentido e tudo pode terminar, opcionalmente, em uma noite de
amor (rsrs)
Sucede que o protagonista da canção é um Pierrô que não por acaso também
foi a marca registrada de Willette, o nome do seu jornal. O artista escreveu
suas memórias sob o título de O Pierrô de Fogo, fazendo uma clara analogia
entre si mesmo e o palhaço triste da Commedia dell’Arte, apaixonado pela
Colombina que, inevitavelmente, lhe parte o coração e o troca pelo Arlequim.
Mas por que estou eu aqui divagando a falar de Pierrôs?
Para dizer que, desde o berço, o Pierrô é quase um herói para os
franceses e porque nessa tela de Willete, o que não falta é pierrô. Nela vemos
um grupo de foliões seguindo em direção ao rio Sena sob a luz opaca de numa
noite de nevasca e liderado por quatro Pierrôs! Na pintura a estranha luz do
luar - a lua é uma caveira – é o melhor da festa.
Note que o bloco de sujos está descendo a colina de Montmartre e que nas
rodopiantes pás do moinho de vento estão escritas as notas musicais e as
palavras de um hino que Willete cantava frequentemente:
"Parce Domine,
parce populo tuo...".
Pois é. “Perdoe, Senhor, perdoe o
seu povo”. O tom da charanga portanto não é de gozo e nada tem a ver com a
lendária alegria de Montmartre. Um dos Pierrôs à frente do baile é uma triste
figura, segurando a arma fumegante com a qual acabou de se matar. A mulher que
o ampara e encoraja a avançar para o Rubicão não é uma dançarina sensual mas
sim alguém que se vestiu de preto para ir a uma missa fúnebre embora usando as
asas de uma borboleta: a Velha Senhora.
Alguns palhaços participam do circo sem acreditar na cena fúnebre pois
nela não há perdão e nem anjos do céu, substituídos que foram por desajeitadas
dançarinas de cancan. Vemos uma sombria e estranha e ruiva Vênus – tão ruiva
quanto a lendária dançarina de cancan Jane Avril - sentada sobre um gato negro
e segurando uma misteriosa criança. Outra mulher se destaca das demais no meio
da multidão: vestida de branco e usando as asas da pureza ela resiste ao Pierrô
que a abraça e seduz. O casal é uma metáfora de um dos bordões de Willette:
“É com o ouro da poesia que os Pierrôs
armam suas armadilhas."
No abre alas um Pierrô dançarino nos convida a entrar na roda e um
outro, cantor e tocador de viola, nos incentiva a fazer coro, a entrar nessa
coreografia que mais parece uma dança macabra medieval. Nela se movem bruxas,
almas penadas, carruagens puxadas por cavalos do Apocalipse, casais se beijando
e acariciando, dançarinas levantando saias e pernas e abrindo o caminho. Até
mesmo o caixão do suicida está presente, só que servindo de palco para uma
orquestra da qual consigo reconhecer um saxofone.
Não faço a mínima ideia de porque a cantoria regada a vinho se
transformou nesse "Parce
Domine" movido a pesadelo e confesso que a obra me foi traduzida
detalhadamente por um dos folhetos do museu, mas a sua estranheza garante-lhe
lugar de honra na mitologia de Montmartre. Toda essa religiosidade tortuosa, o
sentimento de culpa, o pedido de perdão, o pessimismo, o clamor de angústia e
terror lançado a Deus pelo seu povo me remetem ao poema Recolhimento de
Baudelaire:
“Enquanto
a multidão mesquinha dos mortais,
Sob o chicote do Prazer – esse algoz frio,
Vai colher só remorsos na festa servil,
Minha Dor, dá-me a mão; vem p’ra cá, longe deles.”
Seja lá como for, essa tela estranha
turbinou a frequência do cabaret Chat Noir. Willette recebeu duzentos e
cinquenta francos por ela e, dizem, ficou feliz da vida. Mas anos depois ele
denunciou o proprietário do cabaré por ter se aproveitado da sua pobreza. É que
o dono do Chat Noir, apesar de seus hábitos boêmios, ficara muito rico antes de
se mudar para o andar de cima, fato que não agradou muito alguns dos artistas e
poetas menos prósperos que tanto contribuíram para a popularidade de seu cabaré
(rsrs)
Mas quem era o dono do Le Chat Noir? Outra das lendas de Montmartre:
Rodolphe Salis, que chegara a Paris em 1871 para estudar pintura. No entanto,
como não era bobo, logo constatou que não tinha talento para a coisa e que
portanto era pouco provável que fizesse fortuna com suas telas. Foi então que,
inspirado pelo conto de Edgar Allan Poe, pelos poemas de Baudelaire e pelas
lendas francesas, ele direcionou sua indubitável competência em outra direção e
fundou, em 1881, o primeiro Chat Noir, no Boulevard Rouchechouart.
Quatro anos depois, quando a casa já era conhecida, Salis mudou-lhe o
endereço para a Rua Victor Massé, onde eventualmente fez fortuna, pois o
cabaret se transformou em ponto de encontro de artistas, poetas, músicos e
escritores, no local mais emblemático da boêmia Montmartre do final do século
XIX.
Talvez Salis também tenha se inspirado, ao criar seu cabaré, no Club des Hydropathes do Quartier Latin, em cujas reuniões a galera bebia todas.
Talvez por isso essas reuniões, às quartas-feiras e aos sábados,
reuniam cerca de quinhentos jovens artistas, poetas e músicos sob a presidência
do poeta Emile Goudeau. Com o passar do tempo, o Club des Hydropathes chegou ao
fim e foi substituído por outra casa semelhante de nome Les Hirsutes, que
morava no subsolo de um café na Place Saint-Michel.Esse era o público alvo do
cabaré Chat Noir que acabou por atrair, além dos intelectuais e artistas que
lhe turbinavam a reputação, todos os boêmios de Paris.
A França, na época da fundação do Chat Noir, estava passando por tempos
sombrios - os realistas! - com Zola liderando a tentativa de retirar da vida
grande parte de seu romance e encanto. Talvez o objetivo do Chat Noir tenha
sido ainda, além de enriquecer seu dono, desacreditar o naturalismo e despertar
o idealismo.
Salis possuia uma boa dose de bom gosto artístico, entendia as vantagens
da publicidade e tomava cuidado para não ofender as pessoas importantes e
capazes de prejudicar o seu empreendimento, pois, apesar de não perder
oportunidade de demonstrar seu amor pela boemia e pela arte pela arte, tinha
uma boa cabeça para os negócios entre os ombros.
É interessante e divertido constatar como ele cuidou da inauguração da
segunda versão do Chat Noir junto à “mídia” parisiense. No Museu de Montmartre
pode-se ler uma série de artigos publicados pelos jornais no dia da mudança.
Todos os jornalões descreveram a multidão de fieis clientes que, saindo da
antiga sede do cabarê na Rue Rochechouart, carregaram devotamente nas cabeças e
em procissão os quadros e cartazes e cadeiras e objetos do estabelecimento
original.
Os jornalistas versaram sobre a decoração artística e o esplendor da
casa noturna recém-inaugurada, falaram da “magnífica entrada” que consistia de
apenas três pequenos degraus e da grande escadaria interna que, na realidade,
os visitantes tinham de subir em fila indiana. As várias salas também receberam
elogios grandiloquentes, sendo minuciosamente descritas. Ali a gente descobriu
que o marketing nascera em Montmartre! (rsrs)
Se bem que no Chat Noir não havia decoração mas uma mise-en-scène Luís
XIII, garçons vestidos com librés e um venerável porteiro que a cada cliente
que entrava batia com um cajado no chão. Há anedotas sobre como eram duras as
cadeiras de madeira disputadas a tapas por multidões de parisienses loucos para
conhecer, por exemplo, o teatro das sombras tão admiravelmente inventadas por
Henri Rivière, ou as cantoras mais bonitas ou a sátira mais exuberante ou a
mais requintada poesia.
De fato, embora o cabaré não fosse a mansão palaciana descrita pela
imprensa – dizem que subornada com champanhe e mulheres! - o pitoresco Chat
Noir decorado com telas e posters inteligentes agradou em cheio, e graças aos
métodos publicitários empregados pelo proprietário Salis naturalmente tornou-se
o líder do mercado.
Foi no Gato Negro que Erik Satie tocou pela primeira vez as suas
Gymnopédies e que Alphonse Allais, o jornalista, escritor e humorista famoso
pela pena mordaz e humor absurdo, fez suas primeiras aparições enquanto Jane
Avril, então sua bela amante, fazia caras e bocas, posava e “conhecia melhor” o
Toulouse-Lautrec, o macho alfa da turma apesar de ser prejudicado
verticalmente.
As vidas de Salis e do Chat Noir findaram em 1897, mas ficaram para
sempre nos anais e na mitologia do bairro e da França.
Uma das mais preciosas relíquias do Chat Noir é um álbum com as
contribuições literárias de todos os mais famosos escritores da época em que a
casa noturna viveu seus dias de glória. Entretanto, o verdadeiro livre d'or do Chat Noir é a longa lista
de histórias dos homens e mulheres inteligentes que ali se reuniram, como
Suzanne Valadon e Maurice Donnay que nas mesas do Chat Noir rascunhou e recitou
“Mônaco” o famoso poema didático sobre como no Principado não adiantavam os
fetiches, não tinham serventia os trevos de quatro folhas, nem as garras de
tigre e muito menos as mandrágoras ou verbenas.
“De Allan Kardec para os amuletos: É o
Príncipe de Mônaco o único que ganha na roleta”.
Henri de Toulouse-Lautrec - Aristide Bruant (1892) |
Essa é uma das primeiras imagens que nos aguarda nas calçadas da Place
du Tertre e quem passa pelo bulevar Rochechouart ainda ouve as canções populares
cantadas pelos artistas de rua que, fantasiados de Aristide Bruant – aí
representado em um dos icônicos cartazes de Toulouse-Lautrec - tentam imitar a
voz rouca e os versos do pai da chanson
realiste perito em moer os burgueses de seu tempo.
Aristide Bruant foi um cantor de cabaré, comediante e dono de boate.
Nascido no campo, ele saíra de casa aos quinze anos, após a morte do pai, à
procura de trabalho. Chegando em Montmartre ele primeiro fez sucesso nos
modestos bistrôs onde teve a oportunidade de mostrar seus talentos musicais na
defesa dos pobres, em canções que falavam da luta de classes.
Em seguida, Bruant desenvolveu um show que misturava canto e comédia e
passou a apresentá-lo nos cafés concertos. No cabaret Le Chat Noir ele se
apresentava vestido com uma jaqueta de veludo preto e botas altas e logo se
tornou uma das estrelas de Montmartre.
Quando Henri de Toulouse-Lautrec começou a aparecer na noite de
Montmartre, bebendo como se não houvesse amanhã, Bruant se tornou um dos
primeiros amigos do artista que o imortalizou como o homem do lenço vermelho no
cartaz acima e em muitos outros.
Em 1885, Bruant abriu seu próprio cabaré - Le Mirliton. Embora lá se
apresentassem outros artistas, Bruant se transformou no próprio tema, em seu
astro principal e mestre de cerimônias. Ele usava a comédia para brincar com os
clientes de fora do bairro que, segundo ele, estavam em Montmartre fazendo
"montanhismo". Tal mistura de música de vaudeville, sátira e
entretenimento evoluiu para um gênero musical que passou a ser chamado de
“canção realista”.
No Museu de Montmartre hoje moram os cartazes originais de Bruant :
tanto aquele mais emblemático feito por Toulouse–Lautrec para o cabaret Les
Ambassadeurs de cachecol vermelho quanto o do cabaret Mirliton.
Henri de Toulouse Lautrec - Bruant au Mirliton (1894) |
Hoje, apesar dos pesares e dos turistas, em algumas de suas esquinas
Montmartre conseguiu reter um pouco desse seu caráter antigo, um vislumbre da
pequena vila auto-suficiente empoleirada no alto de uma Paris tumultuada, um
retiro agradável amado por poetas e escritores e pintores, alguns dos quais
escreveram apreciativamente sobre as suas delícias, que felizmente também foram
eternizadas em quadros e desenhos que perpetuarão a memória do que, tempos
atrás, era um canto bonito da França provincial, a vinte minutos de carro da
Praça da Ópera!
Espero que as gerações futuras possam conhecer o velho espírito de
Montmartre e de Paris também presente no vídeo abaixo nas Gymnopédies, na estranha mas bela música que o compositor Erik
Satie inventou em Montmartre e que, dizem os que entendem, teria sido a avó
francesa do jazz.
Este gato negro me olha todo dia da porta da minha geladeira, Moacir. Não sei se já falei que visitei Montmartre. Fiquei contente porque sabia sobre Steinlen e porque é impossível passar por lá sem topar com o cartaz do cantor com o cachecol vermelho. Adorei conhecer em detalhes a história do cabaré e do quadro do pierrô suicida e da lua caveira kkk Também sou fã dos cartazes retrô e pra mim os chargistas são artistas.Eu me divirto com as charges que considero muito importantes como piadas para melhorar o meu astral e como críticas a tudo que está errado na política. Acho mesmo que as memes cada vez mais populares na internet também são um tipo de charge. Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirLembro sim que você passou algumas horas na Place du Tertre onde foi devidamente retratada por um artista da casa. Que bom que você gostou e que o post lhe trouxe bons bytes de memória. E, apesar de não entender muito de “memes”, assino embaixo das suas colocações sobre as charges.
“Obrigado!" e abração
Moacir,
ResponderExcluirEu fico encantada de ver como você escreve bem e sabe muito sobre Montmartre. As descrições que você fez do cabaré, dos cartazes e da tela Parce Domine são tão ricas de detalhes que tive que ler duas vezes. Fiquei surpresa de saber que o teatro das sombras foi inventado por Henri Riviere. Eu gosto muito de ver filmes deste tipo de espetáculo no Youtube mas pensava que tinha sido inventado pelos chineses. Destaco o vídeo no final do artigo. Lindo! As imagens são tão emocionantes quanto a música triste de Erik Satie.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirConfesso que do "teatro das sombras" sei apenas o pouco que aprendi no Museu de Montmartre, que tem uma sala dedicada a ele com muitas fotografias, filmes e objetos, inclusive as figuras usadas nas mais de quarenta peças usadas por Henri Rivière.
https://www.youtube.com/watch?v=K_VaJlS4WwY
Imagino que as sombras tenham sido uma das formas mais antigas de se contar histórias: as silhuetas negras das marionetes projetadas nas paredes pela luz das tochas que iluminavam a festa através dos séculos. Fui ao Youtube - obrigado pela dica ! - e googlei mas não consegui descobrir por quais motivos Rivière apelidou o teatro dele de "ombres chinoises, nem se ele se inspirou nas sombras teatrais de antigas culturas.
O fato é que, em 1886, as técnicas de impressão haviam sido barateadas e, consequentemente, muitos livros passaram a ser impressos inteiramente ilustrados com imagens silhuetadas, e pronto! Rivière se encantou com as silhuetas, percebeu o potencial artístico delas e foi capaz de fundir a estética bidimensional daquela arte visual com as características intrínsecas ao teatro: movimento e interação da música e da voz e por aí vai.
Para fazer isso, foi necessário vazar uma das paredes do cabaré, emoldurar nela uma grande tela e, na retaguarda, criar um sistema de estruturas deslizantes que acomodavam as silhuetas feitas de zinco - figuras humanas, animais, elementos de paisagens etc - a distâncias variadas da tela transparente e retroiluminada. As figuras mais próximas eram maiores e absolutamente negras, as mais remotas eram menores e tinham gradações do preto ao cinza, sugerindo com isso movimentação espacial. Assim Rivière conseguiu desenvolver efeitos sofisticados de cor, som e movimento para as tramas mitológicas, históricas e bíblicas que apresentou no cabaré por mais de dez anos. Obrigado pelo comentário gentil.
Outro abraço para você
Excelente post. Não se trata de uma overdose de cultura inútil mas de uma ótima foto do ambiente cultural de Montmartre. Não sei nada sobre
ResponderExcluira influência dos cartazes na pintura moderna mas desconfio que sei qual será o próximo pintor a ser necropsiado,rs
Márcio,
ExcluirSim, os cartazes influenciaram o alvorecer da arte moderna em Montmartre e, bem assim, todas as transformações que estavam rolando naquela virada de séculos na impressão, na fotografia, na cinematografia, na literatura, na música, na dança e no teatro, na matemática e na física, na filosofia.
Quanto à próxima dissecação artística - psiu! - estou tentando não cometer spoilers (rsrs)
Obrigado por participar.
Pimentel,
ResponderExcluirAfora os elogios costumeiros que sempre os registro com relação aos teus artigos, invariavelmente brilhantes – este é mais um deles -, encontro-me ouvindo Chopin, Tristesse, https://www.youtube.com/watch?v=cgk9vJREiDg , pois entendo ser ambas as belíssimas músicas muito parecidas, ou seja, trazem consigo uma boa dose de melancolia.
Sem querer mudar de assunto, haja vista ter conotação com Le Chat Noir, qualquer dias desses pesquisarei sobre o início dos bares, dos restaurantes, de locais de encontro onde se bebe e se alimenta.
Como foram inventados e quando, se é que existe algo a respeito.
Paris se notabilizou e ainda segue com esta fama – na América do Sul seria Buenos Aires -, por oferecer ao público grandes cafés, cabarés, casas de espetáculos, cinemas, teatros ... enfim, diversão com extrema qualidade.
Locais onde se reuniam os artistas de variados gêneros:
Literatura, pintura, compositores musicais ...
Logo, a minha curiosidade em saber com mais conhecimentos e informações, sobre esta necessidade de o ser humano frequentar tais ambientes, de promovê-los, de estar presente cada noite, e de conversar, beber, fazer amizades, encontrar-se com seus amores.
Por que esse encontro social?
Por que esta vontade de se reunir perto de gente estranha também e, sentados à mesa, longas conversas para passar o tempo?
Que atração é esta que um bar e/ou restaurante ou cabaré ocasiona nas pessoas?
Indiscutivelmente que tais ambientes levam à inspiração, e de obras extraordinárias, diga-se de passagem.
A ópera La Bohéme, por exemplo, em um de seus trechos mais agradáveis, tem um restaurante como local onde os escritores e poetas se encontram em Paris, todos sem dinheiro, contando os tostões, porém alegres, esperançosos em dias melhores, que o futuro irá lhes sorrir.
Até nem sei se não teria sido Le Chat Noir a taverna que se inspirou Puccini, em uma de suas obras-primas, vai lá saber.
Bom, outro pintor que se notabilizou desenhando a vida boêmia parisiense e célebre frequentador desses ambientes era Toulouse-Lautrec, que deu origem à Art Nouveau (tá vendo, Pimentel, tá vendo?).
Enfim, Paris requer mesmo que Pimentel nos brinde com suas postagens sobre esta cidade-luz, seus artistas, sua vida noturna, seus bairros românticos e divertidos, a vida frenética, a Belle Époque, que podemos até traduzir como o estado de espírito francês, iniciando a partir de do fim do Século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial, e que trouxe desenvolvimentos científicos e tecnológicos importantes, como o cinema e o telefone, transformando a França mas, principalmente, Paris, a sua capital, no centro artístico, científico e cultural da Europa!
Não é por nada essa invasão de artistas que o Pimentel já nos mostrou e de outras nacionalidades, que se transferiram para esta cidade esplêndida, tanto pelos críticos de arte como pela admiração de um povo culto, sofisticado, que exigia trabalhos de qualidade e modernos, de estilos novos.
Aplaudo mais este teu artigo, meu caro, a ponto que me animou comentar um pouco sobre esta Paris incomparável, que tu a conheces tão bem.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Chicão,
ExcluirMuito obrigado por mais um rico comentário. Parece que essa necessidade de comunicação e socialização e troca de aprendizado a qual você se refere, começou em volta das fogueiras nas cavernas pré-históricas. Porém...Além da vocação humana para as conversas , descobertas arqueológicas recentes têm indicado que a humanidade tem um caso de amor muito antigo com o álcool. Dizem os doutos que desde a Idade da Pedra, o álcool tem alterado nossas mentes e estimulado nossa criatividade através de todas as abstrações que cometemos como a linguagem, a arte, a escrita e a religião. Acredita-se que, inclusive, o gosto pelo álcool tenha tido lugar de honra entre as motivações que fizeram os caçadores-coletores ancestrais abandonar seus hábitos nômades, se estabelecer e começar a cultivar. Ou seja, segundo as mais recentes teses da Dona Arqueologia, o álcool lubrificou a revolução neolítica que nos levou à agricultura: domesticamos os grãos para fazer tanto pão quanto cerveja (rsrs)
Quanto à história das tavernas e restaurantes e dos comes e bebes é um tema vasto e interessante do qual sei muito pouco mas que poderia dar samba no teclado de um amante da boa mesa como você. Imagino que quando o progresso em diversas atividades - agricultura, pecuária, tecelagem, cerâmica etc - resultou em estoques, surgiu a necessidade do escambo, das viagens, das hospedarias, das tavernas, das refeições fora das cozinhas familiares. Suponho que sempre existiram os ambulantes vendendo comida e bebida e talvez os primeiros bares e tascas, nas cidades, tenham surgido nos mercados, nas bancas das feiras. Já li que quando a Revolução Francesa implodiu a aristocracia, deixou milhares de cozinheiros desempregados que então, sem opção de trabalho, resolveram empreender abrindo os primeiros restaurantes e fazendo com a que a França largasse na frente na competição gastronômica.
Quanto ao "paladar" que você tem desenvolvido pelas tintas e telas que ponho na roda, não me surpreende absolutamente. Você não sabe mas tem alma de artista. E Dona Ópera e as suas pretinhas não me deixam mentir.
Abração
Pimentel,
ResponderExcluirOutra leitura agradabilíssima e informativa que me fez lembrar de um filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris, sobre a boemia e um galã do século 20 que volta no tempo e convive com os escritores, pintores, músicos e intelectuais do passado. É quase o que acontece comigo nestes seus artigos sobre Montmartre. Parabéns!
Sampaio,
ExcluirA história dessa arte toda, inventada pelas suas ladeiras de Montmartre, tem esquinas misteriosas, coadjuvantes sem fama, telas que não são badaladas na cultura pop, e muitos detalhes pitorescos. É esse lado desconhecido que estou tentando resumir sem ter, no entanto, a menor vocação para o resumo. Acho que a minissérie vai ser cooooomprida (rsrs) Torço para que você continue lendo sem se entediar.
Quanto ao filme Meia Noite em Paris já resenhei sobre ele. Quando puder dê uma lida, por favor.
https://conversasdomano.blogspot.com.br/2017/03/meia-noite-em-paris.html
Muito obrigado e um abraço.
1) Parabéns pelo que vc escreve Pimentel. O texto é bem educativo, esclarecedor. As fotos são belas.
ResponderExcluir2) Mas eu nem sempre sei comentar de forma mais longa. Fico mais na contemplação do visual.
3) Abraços.
Antonioji,
ExcluirPelamordedeus tecle o quê e como quiser, mas tecle, porque sem essa sua numerologia - 1), 2), 3)... - fica faltando alguma coisa boa nas Conversas. De resto garanto-lhe que, nos meus posts sobre a Dona Arte, o objetivo é justamente provocar "a contemplação do visual" (rsrs)
"Gratidão" e namastê!
Como Todos(as) acima já escreveram, é sempre agradável e prazeroso ler esse grande conhecedor do Mundo, desde as viagens com Mochila na Índia, Portugal terra de nossos Avós Fundadores, a Itália, enfim todo o Mundo, e especialmente Paris-FR e seu Bairro de Montmartre, um pedaço da França Provincial à vinte minutos do centro, Bairro preferido pelos Artistas frequentadores de suas Casas de espetáculos, Bares, Restaurantes e Cabarets, que deve ser uma mistura de tudo isso e muito mais.
ResponderExcluirConhecedor profundo da História, da História da Arte, e principalmente da Alma Humana, que observou e observa em todas as Latitudes e Longitudes, seu Artigo é maravilhoso como sempre.
Parabéns.
Abração.
Prezado Flávio Bortolotto,
ExcluirComo eu aprecio esse vasto mundo cuja vivência muda a cabeça e a alma. Foi ele que me ensinou mais do que história e geografia, contexto; mais do que idéias e emoções, relacionamentos; mais do que deveres e direitos, consenso. Foi ele que me soletrou os valores e a beleza, a moralidade e as liberdades, a diversidade e a tolerância, a arte e as gentes e meu insignificante mas bendito lugarzinho no universo. Foi pelas suas latitudes e longitudes que aprendi tudo o que sei, espero, acredito e penso que representa o melhor do que somos. O mundo - nada mais e nada menos - é a tela na qual "erramos e acertamos as nossas tintas " é a expressão completa da nossa identidade humana. Muito obrigado pela sua leitura e, por favor, continue lendo e nos deixando "todos prosa" com suas boas palavras.
Abração
Olá Moacir,
ResponderExcluirUma beleza este post quase fofoqueiro... Fiquei sabendo muita coisa desse formidável caldeirão fervilhante de bons aromas que foi Montmartre. Pintores, músicos, críticos, escritos, muito de tudo. Deve também ter rolado muito despeito e aprendizagem. Nada como saber um pouco da história para situar melhor os movimentos artísticos.
E é nesses estudos que se percebe a origem antiga, a sementinha básica das novidades de hoje, como as charges que têm as raizes lá nesses cartazes e capas de "desenhos engraçados" . Como a avó francesa do jazz. Muito bom!
Não sabia nada de Adolphe Villete e seu fantástico painel. Lúgubre sim, mas cheio de luz e movimento.
E a sua descrição impagável nos leva quase a fazer parte do bloco de sujos.
Seus posts são assim, verdadeiras aulas. Mesmo quando a gente não é sabichão, vai colecionando dados, despertando a curiosidade, apurando o olhar, criando o "espanto" que leva ao conhecimento.
Fique certo, você atinge a todos nós. Cada um do seu jeito.
Cada vez mais curiosa esperando o que está por vir.
Até mais.
Caríssima Donana,
Excluir"Uma beleza" é esse seu comentário sobre as "sementes" da nossa modernidade. Quero muito acreditar que nossos rascunhos nas Conversas possam mesmo "despertar a curiosidade, apurar o olhar, criar o "espanto" que leva ao conhecimento". Bonito isso que a senhora escreveu sobre sermos " atingidos" pelas coisas. É verdade. Veja o compositor Erik Satie, por exemplo, o inventor do minimalismo, acusado de ser uma forma musical menor de quem não sabia tocar um instrumento ou não era um compositor de talento. E no entanto essa repetição hipnótica de frases musicais, influenciou o jazz e atingiu as artes cênicas, as plásticas e o cinema com as suas quietude e mansidão. Acontece que o meu avô materno muito apreciava Erik Satie, viajava no som dele, nos velhos LPs da Deutsche Grammophon, aqueles dos rótulos amarelos no centro da bolacha. Tanto que quando reencontrei o músico em Montmartre apaixonado pela Suzanne Valadon ou trabalhando para a montagem do surrelista ballet Parade ao lado de Pablo Picasso foi como esbarrar em um dos colegas pirralhos do primário (rsrs) Só que hoje me pego ouvindo Satie, com um copo à mão, em silêncio, viajando, igual ao querido velho senhor de cabelos brancos.
O outro nome disso pode ser vida.
"Até muito mais"
Obrigada pela riqueza de detalhes! Uma imersão a Montmartre boemia e fervilhante.
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