Treinamento de Rapel - 3° GB - Londrina - PR. (fotografia Jônatas B. Theodoro) |
Antonio Carlos Rocha
Cada um constrói a
sua realidade a partir de suas escolhas. Claro que estas escolhas são
influenciadas pelo ambiente familiar, pela educação e até pela fofoca dos
vizinhos, o que é lamentável.
Essa história aconteceu
nos anos 90. Eu estudava Teologia e fazia parte do Estágio, o treinamento em “Aconselhamento”.
Bela tarde,
apareceu um rapaz na casa dos vinte anos e pediu para conversar. Procuramos uma
sala vazia, liguei o ar, fechei a porta e sentamos frente a frente, com uma
escrivaninha no meio, onde fui anotando alguns dados. Comecei:
- Fique à vontade
amigo, abra o seu coração.
Então ele desabou
num choro que eu não via nem ouvia há muito tempo.
Deixei-o chorar
bastante, só me levantei, fui no banheirinho, peguei o rolo de papel higiênico
para ele assoar o nariz e fiquei calado. Logo depois começou a falar:
- É que eu estou
desempregado há vários meses. E as pessoas na minha casa, na minha vizinhança
pensam que eu passei no concurso do Bombeiro. Todo dia pela manhã eu saio de casa, finjo que vou para
o quartel, volto no final da tarde, peço dinheiro emprestado ao meu para as
passagens, e digo que quando receber vou quitar a dívida...
- Mas como é isso,
explique melhor.
- Eu estudei até o
ensino médio. Mas a minha família é um caso sério. Eles acham que eu sou gênio,
que sou um cara inteligentíssimo, não sou, sou uma pessoa comum.
- E a história do
bombeiro?
- Eu fiz a prova,
pedi dinheiro emprestado para me inscrever. Mas não passei, mas a minha mulher
embarcou na da minha família e mesmo antes de saírem os resultados ele
começaram a comemorar e a espalhar para a vizinhança que eu tinha sido
aprovado.
- E por que você
não disse a verdade?
- Eu tentei, mas
eles me sufocam, é como se eles já estivessem percebendo a realidade. E ficam
em torno de mim brincando com elogios e eu não tenho forças para dizer.
- Mas eles não
sabem que ao ser aprovado para o bombeiro, o recruta fica no começo vários dias
internos, até semanas, em exercícios e quando vem para casa, já volta com a
farda?
- O problema é que
a minha família vive de aparências, fazendo concorrências com os vizinhos para
ostentar quem está melhor de vida. E, na verdade, nós estamos pior. Eles não
querem aceitar a realidade...
- Bem amigo, a
solução é simples, mas dolorosa, falar a verdade.
- Vai ser o fim do
mundo, a decepção geral...
- Olha só, hoje,
quando você chegar em casa, reúna a família, não deixe as brincadeiras e
elogios te dispersarem, seja firme pela primeira vez. E fale tudo. Todo mundo
vai chorar, mas vai ser melhor, será o começo de uma vida de humildade, sem
esta bobagem da concorrência, da vaidade, da tolice entre vizinhos.
- Vou morrer de
vergonha.
- Mas vai renascer
para uma vida de verdades, sem mentiras que estão te prejudicando. E no dia
seguinte procure um emprego de fato, você tem ensino médio, as redes de
supermercado estão constantemente admitindo. É só encarar, ter força, ânimo,
vigor. Seja você e não fique na aba do pai ou da esposa. Todo trabalho ético é
nobre, logo, qual é o problema?
- Obrigado!
Levantamo-nos,
apertei a sua mão e respondi:
- Boa sorte !
Nunca mais vi esse
jovem. Espero que tenha acertado o passo na vida...
Uma raridade esta postagem do Antônio, meu amigo e professor, pois não aborda o Budismo.
ResponderExcluirMas, trouxe-nos uma de suas passagens muito importantes, quando aconselhou um jovem desesperado que criara uma ilusão para seus pais sobre uma profissão que não desempenhava.
Mortificado porque fez a família viver uma mentira, procurou auxílio.
E não podia ser outra ideia que não fosse contar a verdade, pois mais que essa depois lhe acarretasse consequências nada agradáveis, porém estaria iniciando uma vida nova.
Perfeito.
Agora, haja coragem do rapaz para mudar a realidade, que nos faz pensar e, muito, no quanto a mentira pode ser desastrosa para o mentiroso e aqueles que o rodeiam, que acreditam no que diz.
E mais ainda problemático, quando os pais projetam para seus filhos as suas frustrações e decepções, que este deve compensar as vidas de seus genitores com o sucesso que jamais tiveram.
Logo, a tristeza não só é dupla – o filho não é bombeiro -, quanto predominava a mentira, haja vista que, se o rapaz tivesse outra função, porém estivesse trabalhando, o impacto da decepção seria bem menor.
Curiosamente não voltou para dizer do resultado, se seguira os conselhos ou encontrara outro meio para dizer a verdade ou, lá pelas tantas, saíra de casa sem dar até logo.
E dizer que nossos políticos somente dizem mentiras e nada lhes acontece!
Um forte abraço.
Saúde e paz.
1)Oi Bendl, obrigado pelo comentário. Essa história reforçou as minhas convicções de falarmos sempre a verdade, por mais dolorosa que seja.
Excluir2)Abraços de Feliz Páscoa para vc e todos os familiares.
Prezado Prof. Dr. ANTONIO CARLOS ROCHA,
ResponderExcluirSua orientação a esse jovem casado, vivendo essa situação "fora da realidade", foi do maior Bom-Senso.
Com certeza ele seguiu sua sábia orientação, e após o desconforto gerado pelo "choque de realidade", conseguiu um Emprego de verdade e engrenou na Vida.
Abração.
1) Obrigado Dr. Bortolotto por suas incentivadoras palavras.
Excluir2)Vez por outra eu lembro desse jovem e peço a Deus que abençoe e proteja a família dele.
3)Saudações de Feliz Páscoa junto aos seus.
Antonioji,
ResponderExcluirPenso que o seu post não trata apenas de “concorrência entre vizinhos” e de "falta humildade”. O buraco é mais embaixo! É preciso grifar que o rapaz mentiu porque sua família o tinha na conta de um “gênio”desde o berço. Pense em um peso para alguém “normal” carregar: a obrigação de compensar as frustrações de seus pais, de ganhar na sua vida as partidas que eles perderam nas deles. Mas estamos conversando também sobre a dificuldade muito humana de encarar a realidade que passa a ser não como efetivamente é, mas como desejam que ela seja. Lembra das sombras da caverna de Platão? Desde a infância não apenas o personagem do seu post mas cada um de nós elabora um universo mental que representa a "realidade" e o reconhecimento da "verdade" é baseado nisso: naquilo que acreditamos. Veja as crenças e as ideologias , por exemplo, que nem sempre batem com a realidade dos fatos, repare nos devotos de falsos profetas e salvadores da pátria, que confiam em promessas sem checar os resultados. Note quanta gente, contra todas as evidências, gravita em torno ídolos de pés de barro, vive de aparências e consome narrativas como se em uma realidade paralela. Provar o contrário do que eles enxergam é quase uma impossibilidade."É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas" (rsrs)
Além dessa vocação humana para acreditar em clichês, em confortáveis ilusões e almoços grátis, penso que as consciências, cada vez mais, estão sendo massificadas, tele-guiadas e digitalizadas. Passamos a escolher uma tribo com direito ao pacote completo: aparência, pensamento e discurso e até fake news, tudo bem mastigadinho para ser compartilhado. Nesse contexto muitas pessoas acreditam que não são boas o suficiente, que não combinam com a paisagem escolhida como pano de fundo e então elas colocam máscaras tribais mais aceitáveis torcendo para que ninguém perceba. Só que essas identidades determinadas pelo universo mental, do mesmo jeito que ocorre com o instinto de sobrevivência física, se esforçam muuuuito para sobreviver. Quando confrontado por informações e/ou experiências que entram em conflito com o que considera a sua "realidade", o Sr. Ego se desestrutura, entra em parafuso e passa a criar racionalizações malucas de pedra para negar a validade das novidades. É como se fossemos naturalmente programados para só aceitar algo que coincida com nossas crenças. Acontece que só ao enfrentar as realidades que entram em conflito com as nossas, é que somos desafiados a pensar criticamente, o que resulta em evolução. Infelizmente intelectos infantilizados e corações analfabetos não são capazes de questionar o entorno e de viver na objetividade, na coerência, na única certeza possível: que viver é tanto estar certo quanto errado e que essa é a verdade.
Por fim, parabenizo-o pelo trabalho de aconselhamento.
Abração
1)Obrigado Pimentel, concordo plenamente com o que vc falou.
Excluir2)Páscoa é Pessach = Travessia em hebraico, que nós possamos fazer nossas boas travessias para dias melhores cada vez mais.
3)Abraços para seus familiares e naturalmente em vc.
Olá Antonio, nosso budista preferido!
ResponderExcluirSeu texto segue gerando reflexões e isso é muito bom!
Sempre, ou quase sempre porque toda lei tem exceção (essa também, o que anula tudo),
é melhor uma realidade escancarada do que o faz de conta. Mas penso que a mediocridade é mais feliz.
Acho uma coisa e falo o contrário, e de novo. Acho mesmo que seu texto mais os comentários bagunçaram minha pobre cabecinha.
Até mais ( quando estiver pensando direito).
1) Obrigado Ana, eu aprendi com o Gandhi a ter a verdade como base. É mais aliviante, a cabeça descansa melhor no travesseiro.
ResponderExcluir2)Feliz Páscoa para vc e todos os seus !