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Amedeo Modigliani (imagem i.telegraph.co.uk) |
Moacir Pimentel
Centro de interesse artístico, Paris atraía muitos pintores estrangeiros
no começo do século XX como, por exemplo, os emigrados judeus Amedeo Modigliani,
Chaim Soutine e Marc Chagall. Embora tenham ficado amigos e se inspirado nas
recentes inovações artísticas, foram todos originais e suas pinturas são
incomparáveis desafiando rótulos e imitadores.
Soutine e Chagall eram oriundos do Império Russo e Modigliani da Itália
e, por motivos maiores do que aqueles meramente culturais, continuaram a ser
forasteiros no cenário artístico parisiense. Eles compartilhavam o isolamento
da alteridade, sem nunca realmente pertencer a um só grupo ou a aderir a um
programa único.
Hoje conversaremos sobre o primeiro dos emigrados: Amedeo Clemente
Modigliani. Ninguém realmente conheceu esse orgulhoso judeu italiano que
permaneceu uma estranheza artística única dentro do seu tempo, nem entendeu
porque ele escolheu deliberadamente o caminho da autodestruição.
Com raízes familiares ligando-o a Baruch de Espinoza, ele era conhecido
por seus amigos como o “Modi”, um apelido tenebroso por causa da sua estranha
homofonia na língua francesa com "maudit", que significa amaldiçoado.
O maldito Modi, um dos homens mais bem apessoados de Paris, morria de
vergonha da amarga pobreza na qual sobrevivia, geralmente bêbado, drogado ou
ambos, recitando Baudelaire e Verlaine de cor e salteado, dançando com os postes
de luz, fazendo piruetas pelas ladeiras de Montmartre abaixo, tirando as roupas
nas festas, dormindo em caixotes, pintando retratos extremamente sensíveis ou
com caras de paisagem e nus icônicos de mulheres com pescoços de cisne e corpos
alongados, enquanto tossia até a morte.
Modigliani, um filho de pais sefarditas de velha e erudita estirpe e
cultivado em Livorno, mudou-se como expatriado para Paris louco para fazer
parte da cena artística da cidade que era, então, o dínamo mundial da
vanguarda. E como dizia Jean Cocteau:
“Não esperemos pela vanguarda!”
Somente em Paris se poderia encontrar então aquela mistura exquisita do
muito novo - o cubismo e a escultura de Constantin Brancusi! - do antigo e
santificado - o Louvre! – e do exótico colonial - as coleções de arte africana
e cambojana sugadas das colônias francesas no Musée de L'Homme.
No trabalho de Modigliani, todas essas influências surgem acima da
cultura italiana, herdada do gracioso desenho de Botticelli e daquele sienense,
dos nus de Giorgione e especialmente dos de Ticiano. Vê-se também nas coisas de
Modigliani a força da pegada de Giorgio di Chirico que propagava aos quatro
ventos que já não se podia falar de pintura italiana moderna, que ela se
resumia a di Chirico e Modigliani, “mas
nós somos franceses”
O resultado de todas essas referências e influências na obra de
Modigliani foi um amálgama um tanto lânguido, tremendamente atraente, do velho
e do novo, que hoje quase não parece radical, mas que o foi em seu tempo.
Apesar da indiferença quase completa mostrada por colecionadores franceses às
suas primeiras telas, Modigliani é hoje arte moderna para pessoas que, na
verdade, não gostam muito do modernismo.
O pintor conhecia a fragilidade da vida e é por isso que a sua arte
ressoa uma tristeza profunda que, no entanto, jamais cai no macabro. Havia
sempre presente nela uma elegância, uma sensação de silêncio, de distanciamento
e refinamento.
Modigliani perseguiu sua própria visão artística durante os sete anos
que dedicou à pintura, depois de ter experimentado a escultura por outros
quatro. A sua primeira tela data de 1913 e os anos que lhe restavam foram
interrompidos pela guerra e pela péssima saúde. Mesmo assim, ele conseguiu
pintar mais de duzentos e cinquenta óleos.
Devo confessar que não sou um devoto de Amedeo Modigliani – dele já vi
coisas estupendas, verdadeiras obras primas, ao lado de outras muito maçantes –
e que sobre o trabalho dele tenho opiniões contraditórias, mas a popularidade
do artista é inquestionável e duradoura e quase obsessiva não se rivalizando
com a de van Gogh, é claro, mas construída com o mesmo tipo de material.
O público de arte é chegado aos retumbantes fracassos que, após a morte,
conseguem finalmente trilhar o caminho do sucesso. No caso de Modigliani
consigo pensar em várias razões para justificar tanta idolatria. As lendas do
modernismo primitivo, atuando em um público sentimental com um fraco para o
martírio auto induzido, produzem esse amor nebuloso e eterno por Modi.
O certo é que, quando chegou de Livorno, mesmo bêbado e drogado,
Modigliani agitou ateliês, salões, bares e camas na Paris de 1906 até sua morte
em 1920. André Salmon escreveu que quando ele aparecia em qualquer lugar metade
dos presentes sorria e suspirava:
“Modi chegou!”
Enquanto a outra metade desmaiava. Ele deve ter sido carismático: um
judeu sefardita italiano exótico, um sedutor culto e amoroso que era amigo de
infância de Dante.
É interessante vê-lo pintado pela amiga e brilhante pintora cubista
Marie Vorobieff no meio da galera, como a personalidade dominante e o macho-alfa
da tribo, de peito nu e copo na mão, no mural entitulado de "Homenagem aos
Amigos de Montparnasse”.
Em torno de Modigliani se reconhece a sua companheira Jeanne Hébuterne,
Diego Rivera, Leopold Zborowski, Chaim Soutine, Moise Kisling, Ilya Ehrenburg,
Max Jacob e a própria pintora, mais conhecida como Marevna.
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(imagem www.wikiart.org) |
A excelente aparência do artista também contribuiu para a lenda já que
Dona História descreve Amedeo como “um jovem de beleza quase sobrenatural”.
Vaidoso, ele fazia questão de andar bem vestido e não perdoava em Picasso, por
exemplo, os grossos e deformados agasalhos de lã, as calças puídas e os casacos
remendados.
Perto do bonitão Modi, os pobres Moose Kisling, Chaim Soutine, Marc
Chagall e Picasso e os demais habitantes do Bateau Lavoir e da Ruche - as
lavanderia e colméia de pequenos ateliês caindo aos pedaços em Montmartre e
depois em Montparnasse - deviam parecer anões esfarrapados.
Poucos homens já encarnaram melhor do que Modigliani o arquétipo do pintor
desvalido, o mito romântico do artista brilhante e transgressor, do criador amaldiçoado
pela vida dissoluta, do belo boêmio de muitos amores, do gênio incompreendido
que se refugiou no vinho e no absinto e no ópio e no haxixe, cuja história é
curta, mas intensa, dramática e memorável e marcada por ataques de raiva e de
agressão sem sentido.
Mas, a bem da verdade, a doença e a pobreza não prejudicaram em nada o
desempenho sexual do rapaz com uma série de parceiras: outro ingrediente da
lenda!
Entre elas estava em lugar de honra a jovem poetisa russa Anna
Akhmatova.
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(imagem pt.pinterest,com / wikipedia) |
Modigliani jamais pintou Anna e – dizem! - desenhou-a assim toda nua só
de imaginar. Pudera! Quando se conheceram a moça estava com o marido em Paris e
em lua de mel. Talvez por isso os enamorados tenham passeado tanto no Jardim de
Luxemburgo juntinhos e debaixo de um “enorme guarda-chuva preto velho recitando
Verlaine”, como Anna poetou anos depois.
O que se sabe através de registros históricos, é que ela era uma beldade
que literalmente virava as cabeças masculinas nas ruas de Paris e que do amante
escreveu:
“Ele era diferente de qualquer outra
pessoa no mundo."
Quando o casal de recém-casados russos - finda a lua de mel!- partiu de
volta para a sua São Petersburgo natal seguiu-se uma torrente de cartas.
Modigliani não costumava se incomodar a ponto de escrever para suas amantes - e
foram muitas, antes e depois de Anna - e então podemos considerar esse
intercâmbio de pretinhas deles bastante extraordinário.
No ano seguinte a apaixonada missivista voltou a Paris sozinha e alugou
um apartamento perto da igreja de Saint-Sulpice onde durante vários meses a
paixão foi consumada e ela escreveu o verso final do romance. E vida que
segue...
Com Beatrice Hastings, uma escritora e crítica literária e teosofista
inglesa que se encantou perdidamente pelo italianinho e que Modigliani em dois
anos de relacionamento de tão enamorado retratou nada mais nada menos do que quatorze
vezes.
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(imagem alchetron.com) |
Beatrice, que talvez tenha sido o primeiro dos Nus Sentados de Modi, por
sua vez, escreveu sobre o amante:
"Encontrei-o no Café Rotonde. Ele
sempre tinha um livro no bolso: Os Cantos de Maldoror de Lautrémont. Um
personagem complexo: um porco e uma pérola. Encantador, ergueu o boné com um
gesto bonito, corou e me pediu para ir conhecer o seu trabalho. E eu fui.”
Bem, acho que a moça não teve escolha: o Modi e o uruguaio Conde
Lautréamont juntos, um pintor bonito e um escritor que se esgotou em blasfêmias
e metáforas esplêndidas, ambos sem limites, ambos bárbaros civilizados, de
fúria elegante e vandalismo engravatado era mesmo uma combinação irresistível e
letal (rsrs)
Beatrice tivera casos sérios com Ezra Pound e amizades coloridas com
André Breton e Picasso. Dizem que ela fazia entalhes na cabeceira da cama para
manter o registro de seus amantes.
É difícil imaginar essa mulher altiva e independente e feminista como
uma infeliz vítima da fúria bêbada de Amedeo. Mas notoriamente ele a arrastava
pelos cabelos enquanto ela quebrava as cadeiras mais próximas.
Devido ao temperamento orgulhoso de Beatrice, Modigliani chamava a
amante de milady e jocosamente pintou-a intitulada de Madame Pompadour, em uma
tela quase cubista, na qual o rosto da moça é descrito simultaneamente dos dois
lados – frente e perfil – rodeado por colagens e inscrições muralistas. Uma
tela interessante que difere do conjunto da obra.
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(imagem www.modigliani.org) |
O retrato se rebela contra a costumeira pobreza dos fundos do artista
embora mantenha a sobriedade habitual da cor de Modigliani. Além de preto e
branco, apenas três tons são usados. Ironicamente, e talvez ternamente, a
valente Beatrice foi retratada usando um dos chapéus ingleses “impossíveis”,
dos quais Modigliani zombava.
Infelizmente, conhecer esse caso de amor e ler todo esse “chocolate com
pimenta” não torna mais expressivos os demais retratos que Modigliani fez dela.
Biografias intrigantes não têm o dom de aprimorar pinturas.
O último amor de Modigliani foi Jeanne Hebuterne, uma filha da mais
legítima e católica burguesia parisiense.
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(imagem wikipedia) |
Jeanne Hébuterne, pintada por Modigliani na tela acima em 1918, é
conhecida por ter sido a mais retratada das musas do artista mas na verdade foi
muito mais: foi sua companheira e com ele viveu uma das histórias de amor mais
trágicas do mundo da arte.
Jeanne era uma linda garota de dezenove anos, de rosto ovalado, belos
olhos azuis e bastos cabelos acobreados que usava amarrados em longas tranças.
Nas fotos ela é bem diferente da Jeanne modigliana mas possuía uma beleza rara
e estranha, uma aparência que hoje a juventude chamaria de “gótica" que
ganhou muitos admiradores em Montparnasse.
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(imagem wikipedia) |
Ela foi introduzida na comunidade artística por seu irmão André
Hébuterne que queria se tornar pintor e conheceu alguns artistas, fez amizade
com vários deles, incluindo Tsuguharu Foujita para quem ela modelou. Jeanne
também possuia talento para as artes, era musicista e desenhava e optou por
estudar na Académie Colarossi.
Foi na primavera de 1917 que Jeanne Hébuterne foi apresentada a Amedeo
Modigliani no Café de La Rotonde onde todos a queriam e apostavam quem a
levaria primeiro para a cama. Modigliani, o Don Juan do pedaço, ganhou.
Primeiro ele a desenhou, em seguida a levou para um hotel miserável e a pintou,
depois se conheceram melhor e...
@#$%&@!
Os dois se apaixonaram profundamente. Ela tinha dezoito anos e Amedeo
trinta e dois. Apesar da forte objeção de seus pais católicos praticantes,
Jeanne jogou tudo para o alto para viver com o artista do seu encanto que era
pobre como Jó, judeu, dissoluto e moribundo.
Quando Modigliani e Jeanne passaram a morar juntos seus amigos mais
próximos acreditaram que a jovem séria e centrada pudesse motivar Modigliani a
conter seus excessos. Jeanne possuía um comportamento tranquilo e era descrita
como "gentil, tímida, calma e delicada”. Talvez um pouco depressiva. Mas
por isso mesmo todos torciam para que, com suas serenidade e juventude, ela
fosse capaz de acalmar Amedeo.
Jeanne foi percebida pelos amigos do companheiro como uma menina pura e
boa que – quem sabe? – tinha chances de salvar Modigliani. A situação me lembra
de Crime e Castigo, em cujas páginas a piedosa e abnegada Sônia salva um Raskolnikov
temperamental. Jeanne, no entanto, nutria por Amedeo uma adoração cega que nada
pedia e muito menos exigia.
Embora o casamento não tenha resultado em mudanças fundamentais em seu
comportamento – ele continuou bebendo e se drogando - os retratos que
Modigliani fez de sua jovem amante, bem menos estilizados do que os seus
trabalhos anteriores, sugerem uma claridade psicológica maior e uma nova
serenidade no artista.
A pintura de Modigliani nesse período parece perseguir a beleza de
Jeanne, em retratos clássicos de rosto e/ou meio corpo, nos quais a sua figura
e o seu rosto aparecem modelados em tons quentes e harmoniosos.
Geralmente dois planos de cor dividem o corpo: os continentes inferiores
têm o volume das deusas africanas que ele apreciava enquanto que os torsos de
Jeanne, vestidos por cores diversas, eram os preâmbulos ideais para os longos
pescoços e pálidos rostos em flor.
Os retratos são simples, à primeira vista, mas eles têm uma profundidade
atraente. Tudo bem que é sempre o mesmo rosto alongado – que ela não tinha! –
de lábios cheios, de bochechas rosadas, de olhos inteligentes que encaram, não
o espectador, mas a distância. Porém essa Jeanne de Modigliani é emocionante.
Seus olhos que eram azuis parecem tão escuros, pensativos e sonhadores,
e seu olhar está cheio de tristeza insuportável, causada pela cruel realidade
da qual ela não podia escapar. O casal passava fome! É esse espírito
melancólico enquanto ela considerava pensativamente o seu ambiente sombrio que
cativa, é essa beleza triste e vã que seduz.
O olhar de Jeanne não é direto, não está pedindo a quem a observa para
salvá-la das suas telas, pelo contrário, ela parece ser uma parte inerente
desse mundo sórdido, presa nele para a eternidade. E a gente deseja estender a
mão e resgatá-la desse enredo doido de pedra.
Diz Dona Lenda e o filme sobre Modigliani estrelado por Andy Garcia que
o artista costumava dizer à sua Jeanne :
“Quando eu conhecer sua alma pintarei os
seus olhos”.
E como os pintou bem, sobretudo na segunda tela da montagem abaixo, cujo
nome é Jeanne. A gente entende que, para Modigliani o único sentido, o possível
e curto futuro, a própria arte estava no rosto dessa jovem mulher. Ele pintou
Jeanne vinte e oito vezes!
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(imagem pinterest ⬌ wikipedia) |
Cada um desses retratos é como uma carta de amor: muito delicado, lírico
e calmo. Modigliani a pintou perdida em seus pensamentos, distante da realidade,
do lugar e do tempo, e extraordinariamente bela. O pintor sussurrava sua
pintura como um amante murmura carinhos no ouvido da mulher amada.
Mas as preocupações escultóricas de Modigliani continuaram a ser
traduzidas, por exemplo, nessa pintura de Jeanne vestida com a malha amarela,
na qual retratou a companheira como uma espécie de deusa da fertilidade.
Com seu rosto estreito altamente estilizado e olhos em branco, ela tem o
semblante sereno de uma deidade, e a ênfase do artista nos quadris e coxas maciços
e no ventre grávido imita o foco de esculturas antigas que fetichizam a
reprodução.
Já na última tela radiante Modigliani pinta sua amante grávida definida
por uma saia em preto liso, o xale vermelho e mangas brancas. O círculo feito
por suas mãos caracteristicamente dobradas é imitado pela forma da cadeira na
qual ela se senta, e essas formas curvas são, por sua vez, desafiadas pelas
verticais afiadas em cinza, preto que formam a porta e as paredes no fundo.
A figura de Jeanne foi sentada ligeiramente descentrada, com a cabeça
inclinada para um lado e os braços falsamente alongados para o outro. A pintura
está cheia do calor e da riqueza desses tons de amarelo e ocre e lilás e o
vermelho do xale de Jeanne amarrado em volta dos seios pesados em sutil
contraste com o vermelho da porta e da parede inferior atrás dela e do branco
total das mangas longas da camisa.
Seus olhos azuis nos olham inexpressivos, perdidos em contemplação
interior, como uma Madona tardia, trazendo serenidade e aconchego para os
problemas do mundo.
Os retratos de Jeanne, cheios de uma espécie de ternura e intimidade,
parecem puxar Modigliani para longe da sua bagunça biográfica e situá-lo em uma
esfera onde você vê senão esperança pelo menos a seriedade e a segurança de seu
trabalho.
Pinturas como essas fizeram Modigliani imensamente colecionável. Parece
moderno sem ser demasiado desafiador, protegendo uma velha noção da beleza
mesmo enquanto distorce-a. Mas essas obras também mostram que seu objetivo é
nada menos que uma tentativa concertada e séria de reinventar o retrato
clássico para a idade moderna.
Embora continuasse a pintar, a saúde de Modigliani se deteriorava
rapidamente e seus apagões induzidos por álcool e drogas se tornaram mais
frequentes. Rejeitada por sua família, em 29 de novembro de 1918 Jeanne dera à
luz a uma menina e, já em junho de 1919, estava grávida novamente, enquanto
Modigliani piorava a cada dia.
Em janeiro, depois de não ter visto Amadeo por vários dias, o pintor
Ortiz de Zárate, vizinho e amigo de Modigliani, preocupou-se e invadiu o
estúdio do casal onde, horrorizado, encontrou Modigliani delirando nos braços
de Jeanne sobre uma cama cheia de garrafas de álcool e latas de sardinha
vazias. A moça não pensara em chamar um médico.
Modigliani foi internado já inconsciente no Hospital de la Charité em 22
de janeiro de 1920, onde faleceu de meningite tuberculosa no dia 24, aos trinta
e cinco anos de idade, na mais completa miséria. Jeanne, grávida de oito meses,
foi levada atordoada para a casa de seus pais onde, inconsolável, passou uma
noite insone e, na manhã seguinte, se matou atirando-se de costas de uma janela
do quinto andar. Tinha vinte e um anos e estava grávida de oito meses.
O corpo de Jeanne, recolhido por um estranho caridoso, foi rejeitado por
seu irmão André Hébuterne. Levado por uma carroça até o ateliê de Modigliani lá
ficou abandonado até que Jeanne Léger, a esposa do pintor Fernand Léger, tomou
as providências para que o corpo da jovem fosse sepultado no mesmo dia às
escondidas e em penosa solidão.
O destino trágico do casal abalou as comunidades artísticas em
Montmartre e Montparnasse. O enterro de Modigliani foi um acontecimento e, a
essa altura, suas obras já haviam experimentado uma vertiginosa valorização.
Como disse Chaim Soutine: “Do nada à
glória”.
Somente dez anos depois o irmão mais velho de Modigliani conseguiu
convencer a amargurada família Hébuterne a trasladar os restos mortais de
Jeanne e de seu filho não nascido para o cemitério do Père Lachaise, onde
Modigliani fora enterrado e hoje o casal descansa.
Uma única lápide homenageia os dois.
O epitáfio de Amedeo é :
"Derrubado pela Morte no momento da
Glória”
No de Jeanne lemos:
"Devotada companheira até o
sacrifício extremo".
A filha do casal, Jeanne Modigliani, foi criada pela família paterna e
escreveu sobre o que lhe restara: a arte paterna. Mas essa será outra conversa...