Ana Nunes
E vocês, não estranhem, porque vou falar de leques.
Leques, abanos, abanicos. Aqueles objetos fascinantes de fazer vento. Ou
companhia, como um livro ou um cigarro.
Sei lá de onde ou quando. Só sei que os amo e que me são imprescindíveis.
E não é por causa da mal falada menopausa
e seus calores que tomei tento aos quarentas.
Mas o calor, até hoje. Tenho planos de acabarmos juntos.
Sofro de calores de calor quente de sol
amarelão, calores de coisas dando errado como pão que não cresce no forno,
calores de falas inadequadas, bocão que sou.
Cometo foras monumentais. Como quando um
casal amigo e apadrinhado num aniversário me presentearam com um jogo de
lençóis. E de tão lindos e coloridos pensei em toalha de mesa... e pensei também
que a melhor forma de agradecer seria dizendo que eu os convidaria para estrear
comigo! Apesar dos olhos e bocas mais o silêncio pesado só fui perceber bem
depois. Bom, amigos são para essas coisas também. Pelo menos assim o fomos até
que eles se acabaram deixando uma saudade grande!
Também tenho calores de criação quando a folha branca se impõe, sem
escusas ou considerações. Ou quando me desviro do avesso e mostro meus
trabalhos.
Back ao leque!
Tenho uma coleção de modelos vários e origens muitas, daqui de perto ou
de mochilas turistas, principalmente dos filhos... Alguns ficam guardados numa
linda lata decorada em tintas e tampa, outrora guardiã de um delicioso
Glenfiddich dourado. Outros dormitam no escurinho das bolsas, prontos para o
uso. E surpresa, às vezes acho dois na
mesma bolsa. Isso me alegra! Outros ainda ficam pela casa em lugares
estratégicos, ou talvez estratégicos sejam todos esses lugares. Nunca sei mesmo
quando um leque se fará necessário...
Tenho verde escuro cheio de flores,
presente de aluna amiga de projeto comunitário. Precioso por si e pela estória
que traz consigo.
Tem um preto que se esbalda em rendas
brancas e arabescos dourados. Com ele me sinto a dona do bordel! Lascivo, erótico,
indecente! Um senhora mais comportada se escandalizaria. Para logo em seguida
cair em sonhos inconfessáveis. E uma ingênua se veria em Maria Antonieta, entre
pufes e babados e fofocas.
Os japoneses bem ali do bairro Liberdade,
parecem renda trabalhada em lascas delicadas de madeira macia. De tão
trabalhados e recortados já não ventam muito, porque deixam esse frescor
procurado escapar pelos buraquinhos. Mas são leves como o vento e cheirosos de
sândalo? que perfuma o machado que o fere.
Os mais requintados e eficientes são da
Espanha, abanicos que combinam madeira clara com tecidos pretos que de tão lindos não precisam mais nada. De um bom
gosto enorme!
Tem também espanhol de minúsculas
florezinhas brancas e alaranjadas pintadas em marrom claro brilhante. Herança
de mãe. Sem dúvida, o preferido!
Marrom com marrom e um toque de dourado.
Bege claro metade pano e metade madeira. Um outro preto mais discreto
que o das rendas, para ocasiões menos festivas. E outro preto bem brega com
cenas de touradas e dançarinos flamengos pintados no pano. E com acabamento em
rendinha preta e desenhos também dourados. Com se não bastasse traz escrito “España
Típica”. Ainda não me arrefresquei com
esse. Tem tempo. E tem mais!
Não se
tira um leque da bolsa. Se saca um leque. Como duelo de pistoleiro sob o sol do
meio dia. E aí tem sempre alguém, sempre, que pára, olha, cobiça, inveja. Nesse
momento, de supremo suspense, é abrir como uma espanhola e fazer o barulhinho
típico de profissional e se abanar como uma dama encalorada. Nem precisa ser
uma dama, vai se sentir como. Os leques fazem isso.
Os gatos
os olham através de suas pupilas oblíquas e se preparam perguntando, que bicho
é esse, gente? E ficam ali na estratégia de um ataque. Talvez pensem em
pássaros e borboletas. Os cachorros se assustam. E as crianças bebês param de
chorar no mistério do objeto. As crianças donas de si se encantam e se
aproximam curiosas do fazer funcionar. Se você empresta... nunca o verá de novo
ou vai tê-lo procriado em dois até três,
ou em pedaços inúteis que uma vez colados não ventarão jamais.
Mas a que vim?
Para dizer que esses homens maravilhosos que às vezes aparecem na vida
da gente, também se encaloram. Por motivos mesmos e outros, certamente. E
sentem então uma grande inveja dos meus leques. Já partilhei muitos em reuniões
tediosas em verão pleno. E se deliciaram com as minhas ventarolas emprestadas.
Tudo bem que eram colegas bem alternativos de circo, de vídeo, de teatro e
percussão. Bem ecléticos em gênero e crença, mas todos muito brasileiros.
Mas esses
outros homens mais comuns mas não menos interessantes já abusaram dos meus
leques. Uns se arriscaram timidamente como se verificassem um projeto
arquitetônico ou planos-promessas de economia.
Outros foram direto ao ponto . E gostaram. E aposto que gostarão de
novo!
Com um
leque e um livro na bolsa encaro qualquer fila nesse maluco e desgovernado
mundo! E nem tenho medo de um atraso inesperado.
Quem de vocês, homens, ainda não usou um leque?
Proibido
mentir.
Ana,
ResponderExcluirEste resgate que fizeste do leque foi memorável!
Lembro-me perfeitamente bem quando a minha mãe saía e levava o leque consigo, um acessório indefectível, que denotava elegância, refinamento ...
Agora, onde se via a mulher verdadeiramente elegante era quando se abanava!
Os gestos delicados, a mão como segurava o leque, a forma como o movia para se abanar, o charme ... deixavam os homens de cabeça virada imaginando cenas indescritíveis com aquela mulher que se mostrava extremamente sensual, ainda mais quando usava o leque o fazia um olhar “blasé”, aquela falsa indiferença pela novidade quando, na verdade, ela sabia que despedaçava corações, e éramos nós, os homens, que precisávamos nos abanar, que necessitávamos de ar!!!
Ana, tu estás nos saindo uma escritora genial, com temas que são agradáveis surpresas, que nos fazem viajar pelo tempo e mergulharmos nas lembranças que representam um período romântico, de se cortejar a mulher, e ela responder que aceitava o galanteio retirando o leque da bolsa e, mediante movimentos rápidos ou lentos, dar a entender que havíamos logrado êxito ou tínhamos sido um retumbante fracasso!
E os modelos de leque ... havia tipos para cada cor do vestido, afora quando eram abertos e alguns mostravam paisagens belíssimas, outros eram lisos, vários eram pintados com flores, e tinham aqueles com o cabo em madrepérola!!
Excelente artigo, Ana, que me fez recordar da minha mãe, tias e avó, que não saiam de casa sem o tal do leque na bolsa, e este objeto como um apêndice da elegância feminina, que participou de romances famosos, filmes, fotos, e que teve a sua trajetória mundial na moda!
Um forte abraço, respeitoso.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Olá Francisco Bendl de raízes longínquas,
ExcluirA surpresa é agradável para mim também, porque muitas vezes acho que o tema é bobinho e que ninguém vai se interessar. Ou muito feminino, e não gostaria de escrever só para mulheres. Então...viva a surpresa! Tudo bem que os comentários andam meio exagerados.
Para as jovens mulheres o leque tem conotação de coisa antiga, passado. Que faz pensar em bisas, avós e tias. Por isso têm que ser sacados, como um desafio, provocando e obrigando uma revisão de conceitos (detesto "releitura"!).
Obrigada pelo belo comentário.
Abraço respeitoso para você também.
Até mais.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirSimplesmente fantástico o seu post : bem escrito e ilustrado, inteligente e divertido. Decerto que as minhas saudosas bisas e avós e tias e mãe usaram e abusaram dos leques mas confesso que aqueles olhares misteriosos e convidativos por trás deles eu só vi mesmo nos filmes e que, infelizmente, como jamais paquerei uma usuária a tal linguagem silenciosa dos leques para mim é grego. (rsrs)
Agora, assino embaixo do texto quando a senhora diz que “se saca um leque como nos duelos”. O leque é sim uma ferramenta de combate e os espanhóis então são um perigo! Se não for abusar da paciência do nosso Moderador, peço-lhe licença para registrar no blog a triste história de um matador – e de um casamento! – abatidos a golpes de um leque "lascivo".
Era uma vez um casal cujo casamento andava tão morno, mas tão devagar quase parando que a senhora – uma ciumenta compulsiva diga-se de passagem - teve a brilhante ideia de presentear o marido com uma noite espanhola: as crianças na casa dos avós, uma paella no ponto, um bom tinto, flamenco de trilha sonora e ela a caráter: saia vermelha rodada, cinco gotas do perfume certo, decote profundo, lingerie nova, flor no cabelo e...um leque que pegara emprestado com uma colega de trabalho.
Até a minha mulher contribuiu para a “produção” com açafrão do bão, um xale de franjas e um par de castanholas compradas no Rastro. Na noite de estreia, quando chegou em casa e viu a mulher guapa toda e a bela mise en scène circundante o maridão primeiro ficou intimidado, mas entre as tapas e o tinto potente foi relaxando e, animado, resolveu soltar o portunhol:“ Te gustaría bailar?”
Ela bem que achou que o indivíduo estava entrando no clima e na dança e na fantasia depressa demais, mas "amou" o convite....
“Bailemos!”
Talvez o carinha, crente que estava agradando, tenha perdido o ritmo, exagerado no tom e, sacumé, partido para o "matar ou morrer"cedo demais: “Te quiero, mi amorcito”
Enquanto a paella esfriava e o rala coxas ia ficando tenso e rolavam beijos calientes, uma ruga profunda começou a se formar na testa da moça, principalmente quando o homem começou a berrar “olé” e a bater palmas. Porque ele simples e obviamente não podia bater palminha tão bem daquele jeito. Afinal brasileiro sabe bem como bater num pandeiro mas bater as mãos feito um espanhol?! Mais é claro que não sabe! E então como é que o cidadão careta - que jamais manifestara apreço por qualquer dança - estava ali no meio da sala, alto e garboso, flamencando à perfeição? Naquele angú tinha caroço! Ah, se tinha!
Porque, entenda, o camarada não estava apenas juntando as mãos traidoras com a intenção de marcar o ritmo. Nada disso. Na cabeçinha insegura dela tinha alguma coisa a mais ali : expertise! Ora bolas, ela sabia que só se podia estalar as mãos daquele jeito graças ou à genética ou então a um curso intensivo, daqueles de IMERSÃO. O sacana tivera uma boa professora e, o que é pior, com certeza a conhecera biblicamente! Que ódio! Cheia de ciúmes do personagem que representava - dela mesma ! - a ora mais confusa espanhola inventou uma rival imaginária e fechou o tempo e rodou os babados muuuito agressiva (rsrs) Mas foi só quando o coitado do toureiro, feliz da vida com mais uma novidade e achando que a zanga dela fazia parte do show, lhe sussurrou afogueado...
Me vuelves loco, mi amor!!
que ela surtou de vez e perdeu a linha e subiu nas tamancas e sentou-lhe o LEQUE no lombo – graçasadeus que não foram as castanholas! - perguntando aos gritos enquanto batia sem piedade dele ou do leque alheio:
“QUEM É ELA?! RESPONDA!”
E não, ISSO não é ficção!(rsrs)
"Até mais"
Olá Moacir,
ExcluirSeu comentário é um post-a-parte!(gostei disso, sabia?)
Ainda bem que náo esquento casamento a base de leque lascivo, uso mesmo é para a refrescagem. Podemos aqui até usar um açafrão, um vinho poderoso, um jantar mais caprichado, que também pode dar errado, acabando em cama de sono profundo....também é bom!
Obrigada pelos elogios.
Se escrever sobre erotismo será que ainda estarei lembrando as vossas bisas, avós e tias? (rsrsrs). É que de repente um século me entrou pelas "pretinhas".
Grata. Grata.
Até mais.
1) Texto brilhante, parabéns Ana. Acho que toda criança (menino ou menina)já brincou com o leque da mãe.Minha mãe usava muito no verão, antes do advento dos ventiladores e ares condicionados.
ResponderExcluir2)Uma curiosidade: Na antiguidade os monges budistas usavam leques, lembrem que o Oriente tem uma tradição importante de leques.Eles iam meditar e no verão apareciam os mosquitos. Então os leques serviam de abano para espantar nossos irmãos, os mosquitos.Meditava-se, abanava-se e espantava-se os mosquitos.
3)Algumas ordens budistas ainda mantém a tradição e quando os praticantes são iniciados eles recebem leques de lembrança.
4)Portanto, eu tenho dois leques guardados na minha gaveta de roupas, vieram do Japão, um presente búdico.
5)Parabéns Ana pelo desenho, ilustração.Bonitos como sempre !
ANA : não minto, nunca usei leques, uma coisa: qdo alguém usa perto de mim, fico incomodado: sera o meu cheiro? cheiro mal, xule, etc, leque em publico não acho bom.Ao texto, achei bom, coragem ao abordar um tema desses. Parabéns . Abraços ao mano.
ExcluirOlá Paulo Armond, é assim que te conheço.
ExcluirBom te ver por aqui.
Tem alguma coisa errada, nunca percebi esses cheiros à sua volta! Prometo não usar leques se nos encontrarmos...já que te incomoda.
Obrigada pelo comentário. Abraços dados.
Guardo até hoje um texto que você me mandou sobre a mulher madura. Lembra? Acho que é do Affonso Romano de Santana. Caramba, já era madura nesse tempo, estamos velhos!
Até mais.
Olá Antonio,
ResponderExcluirOs leques fazem mesmo parte do Oriente. Belo presente búdico o seu. Por que não os tira da gaveta de roupas e traz mais para perto, na mesa de cabeceira, por exemplo? E usar, talvez? Calor aí é o que não falta!
Muinha sobrinha casou em Governador Valadares, cidade muito quente. A capela num parque imenso era pequena, só para os noivos e padrinhos. Ao redor, na grama cheia de árvores e flores, foram dispostas cadeiras em semicírculo para os convidadros participarem da cerimônia. Em cada cadeira tinha um pequeno leque branco. Tudo muito delicado e bonito.
Obrigada, muito!
Até mais.