Ana Nunes
Belo Horizonte explode em cores.
E eu me repetindo para falar, com as mesmas palavras, de uma nova
primavera. Mas não posso me calar.
Porque ipês muitos se mostram em suas mil cores de amarelo a rosa.
Alguma quaresmeira tardia deixa um pouco de roxo na fantasia do tempo. Também
restos do outono inverno se mostram nessa quase primavera. Estes restos de
inverno colocado nas folhas secas pegam carona no vento das tardes de agosto.
E, marrons, verdes e vermelhas douradas, passeiam pelos telhados, pelas
calçadas e pelas ruas. Estalam quando ando nelas e quase me desculpo.
Fazem montinhos ao pé das árvores implorando pelo novo tempo já cansadas
de existir. Enfeitaram a natureza desses meses e agora querem voltar à terra e
alimentar outras cores.
Até o Manacá no jardim do prédio escandaliza o olhar e fantasia a alma
rôta com suas pequenas flores rosas brancas roxas.
As avenidas desfilam enfiadas de copas multicores. Alguma ruazinha
calçada de pedras surpreende com cena irreal. No meio do barulho de carros
com buzina e gente apressada que corre para trabalhar para viver para trabalhar
mora uma árvore tranquila e colorida. Que para tudo em volta, até você, para
mostrar que beleza existe. E compete com a paz para fazer felicidade.
Minha alma de cansada em branco e preto, carente de crenças e de fé,
enlouquece nessas árvores coloridas e larga de mim. Já nem sou eu. Atravesso as
ruas sem olhar e passo o carro em sinais vermelhos. Ou fico parada quando abrem
em verde.
A passarada sabe mais que eu. Está em alerta e as maritacas sem respeito
algum fazem de domingo todos os dias da semana. Sempre verdes e barulhentas não
importa a estação do ano. Não amadurecerão jamais. E os pássaros miudinhos,
marrons ou pretos e amarelos, antes silenciosos ao entardecer, se recolhem nas
árvores entre o trançado das folhas e as conversas de passarinhos. Mini
gorjeios de bicho cansado de voar.
No amanhecer que já nasce ensolarado Bem-te-vi dizendo de si em alto e
bom som. Na árvore em frente à minha janela tem um pai ensinando o filho. E
ficam para a gente aquelas tentativas indecisas de um cantado bemtevi magrinho
e hesitante.
Promessas de primavera!
As noites frias se despedem pouco a pouco e deixam uma brisa quase morna
tomar o seu lugar. Como um conforto sereno que se pudesse abraçar e beijar e
agradecer. Um arrepio carinhoso. E durante o dia o calor se faz bem quente com
avisos de verão.
Os sorveteiros caladinhos fazem planos de novos sabores. E gavetas
generosas acolhem os agasalhos pesados. Mantas macias são postas de lado porque
um novo tempo se anuncia. Frutas coloridas, pêssegos e sensações de uvas doces
e mangas perfumadas. Brotos brancos cobrem troncos de jabuticabeiras cheias de
esperanças. Nós e elas.
E por isso, coloco tintas em cima de pintura já existida. Pinto janela
de Vermeer com cores de Modigliani. E prendo nela um gato preto em pedaços de
pastilha de vidro, e coleira de strass. Ele vigia atento e me conta da chegada.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirAs suas pretinhas são como aquelas “ mantas macias” que a senhora guarda na gaveta, são colchas dos nossos retalhos, “dos restos dos nossos outonos” se desculpando por, no inverno, ainda quererem tão doidamente mais primaveras. São como brincadeiras no play das nossas almas fundas que não, nunca amadurecerão, por mais “cansadas que estejam de voar”. Por isso colocamos "tintas em cima de pinturas já existidas" e reinventamos o pulo dos gatos que desde as cavernas nos “contam da chegada”.
Penso que escrevemos – e a senhora poeta tão lindamente! – e lemos porque não temos como evitar, porque desde pequenininhos imaginávamos que o cesto de roupa suja era um navio pirata. E porque a imaginação não é apenas a capacidade humana de visualizar o que não é, e, portanto, o fundamento de toda e qualquer invenção, mas o poder que nos permite empatizar com outras criaturas cujas experiências nunca compartilhamos. Nós “conversamos” para trocar figurinhas chamadas esperanças, bytes do que já foi, percepções do que é e , principalmente, imagens mentais do que não é...ainda. Mas que um dia bem que pode vir a ser.
Viva a sua criatividade , bem vindos sejam os sonhos que experimenta acordada, benzadeus a fantasia de suas imagens de leques e flores e gatos que nos aliviam do fardo dos fatos. Rimei! (rsrs) Bendita seja essa sua imaginação que nunca chega a um ponto final. Obrigado por nos falar de “passarinhos magrinhos”, pelo rastro de perfume que suas flores nos deixam, por nos oferecer um copo d’água ao meio dia, pelo tempo que gastou rascunhando beleza, por cultivar as nossas próprias imaginações, o nosso bem mais humano ou - como talvez um dia tenha sido imaginado – o mais divino.
“Até mais”
Moacir,
ExcluirSpeechless. O que falar depois do que você escreveu? Dizer que fez cócegas na alma e me deixou bem feliz é pouco. Só pegando emprestado do Antonio,
Gratidão.
Até mais.
Como sempre uma beleza. A cronica e o comentario.
ResponderExcluirOi Tita,
ExcluirGosto muito de te ver aqui. E não é só pelos elogios. Obrigada por eles.
Sim, o comentário é uma beleza. O Moacir, mesmo sob sol, escreve com as estrelas.
Abraço para você.
Voltou a Ana, que bom!
ResponderExcluirCom ela voltaram os textos alegres, as narrativas que somente a sensibilidade e inteligência femininas conseguem.
Os artigos se caracterizam pela leveza, e apresentam a vida em seu apogeu de cores e esperança, fazendo com prometamos a nós mesmos que vale a pena viver o amanhã!
Pois é esta sensação de bem-estar com a gente mesmo e com a existência, este impulso que a beleza dos artigos transmitem, e tão bem escrita pela Ana, que os problemas dão passagem ao otimismo, não uma alegria inconsequente, não, mas a vontade de seguir em frente, de continuar, e de se ver repetidas vezes outros meses, exatamente como a Ana os descreveu, sem tirar nem pôr!
Brilhante, Aninha, parabéns!
Um forte abraço.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados, inclusive "àquela" pessoa que deve ter sido em outra encarnação - alô, Rocha, me ajuda - um podador (hehehehehehehehehe)!!!
Meu amigo dissidente,
ExcluirMuito obrigada pelo caloroso comentário.
Quanto ao podador...bem... Mas você é muito esperto, aproveita que seja uma janelinha aberta e dá o seu recado! Acho que vocês estão bem combinados! Entre dribles e escanteios voces vão se virando. Tem até bola na trave e cobrança de falta.
Até mais.
1)Oi Chicão, nada contra que vc tenha sido um podador em vidas anteriores...
ResponderExcluir2) Então sugiro, nesta vida, vc plantar muitas árvores e plantas e ensinar aos seus essa mesma arte de reflorestarmos e reflorirmos este planeta.
3)Por outro, respeitosamente, sugiro vc pedir perdão às árvores que vc cortou ou podou nas outras vidas.
4)Mesmo para podar precisamos pedir licença aos seres invisíveis que moram nas árvores e plantas, e se for necessário cortar a referida, devemos pedir que tais seres, se mudem para outras árvores.
5)Depois eu comento o belo texto da Ana.
Rocha, Rocha, Rocha,
ResponderExcluirDeve saber que eu e a Ana nos chamamos de dissidentes.
Quando escrevi "aquela" pessoa, eu estava me referindo ao WILSON, que me PODOU um comentário - que tu perceberás porque só consta o meu nome -, e não à tua pessoa, meu caro!
Mais a mais, não seria para a Ana que eu comentaria a teu respeito, vamos e venhamos.
Quanto eu ter sido um podador em vidas anteriores, pode ser, pode ser, e já plantei DUAS ÁRVORES NESTA VIDA, que cresceram frondosas, sendo uma delas um LIMOEIRO!!
Assim, meu amigo, a tua reprimenda - se merecida não sei - não devias ter feito para mim, haja vista que eu me reportava ao Mano, que não permite comentários políticos, diante da minha tentativa de postar a minha tréplica sobre a tua postagem quando o Wilson a PODOU, referente sequência ao teu texto antes que a Ana postasse o dela, só isso.
Um forte abraço.
Saúde e paz, Rocha.
Ah quando escreveres algo e que eu não tenha concordado, vou me dirigir diretamente a ti, meu amigo, aliás, conforme venho fazendo.
No entanto, as minhas diferenças contigo são tão raras ...
1)Oi Chicão. Não fiz reprimenda nenhuma, do fundo do meu coração estou sendo sincero. Se vc assim entendeu me perdoe, devo ter escrito mal.
Excluir2) Eu não sabia do diálogo entre vc e o Wilson e eu simplesmente aproveitei a citação do meu nome, no seu comentário para divulgar, fazer um marketing do aspecto ecológico do budismo, pois eu estava refletindo na beleza das ilustrações arvorísticas do texto da Ana. Só isso...
3)Me perdoem os dois se misturei as estações. Na verdade é uma coisa que eu faço 24 horas por dia, aproveito qualquer tema para divulgar o Budismo como um "missionário". Reconheço que, às vezes, posso até ser chato...
4) Não houve juízo de valor, nem reprimenda... quem sou eu... eu não sabia e não li o texto suprimido e só depois vi a indicação da retirada do comentário...
5)Bom fim de semana Bendl, digamos, o acontecido vai servir para em próximas oportunidades eu prestar bem atenção nos marketings...
1) Completando, Chicão:
Excluir2)Na primeira linha escrevi assim: "... nada contra que vc tenha sido um podador..."
3)Abraços.
1) Parabéns Ana, ilustrações belíssimas...texto idem...
ResponderExcluir2)Desculpe o mal entendido que cometi no espaço dos seus comentários.
3)Sua crônica é uma ode à Natureza, ao Ecossistema !
4)Brilhante como um sol de primavera !
Olá Antonio,
ResponderExcluirNão se desculpe pelo mal entendido. Acontece nos melhores espaços!
Interessante, não tinha pensado em nada de ecossistema.Mais interessante ainda é perceber como cada um lê de maneira diferente, de acordo com a sua bagagem.
Muito obrigada por ter gostado e pelo comentário cheio de elogios.
Até mais