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Heraldo Palmeira
Os bares estão repletos. Infelizes! Ninguém conversa mais como
antigamente. Saudade, eu? Nostalgia? Nada, tristeza apenas.
Quem ouve nalguma mesa alguém falando a respeito da última que presta?
Pra que falar de filmes, livros, discos – tem quem nem saiba o que danado é
isso, se estiver fora das hérnias! Pinturas e esculturas é querer demais, quase
humilhar.
De repente, Chico Buarque lança disco novo. Vá lá, meio cambeta diante
de frutos mais antigos, mas um alento mesmo assim. Em poucas horas, os
discípulos do maldito evangelho do politicamente correto inventaram uma
discussão feita sob medida para quem perdeu qualquer medida e o senso de
ridículo.
Mal Os Tribalistas desembarcam de novo pelo porto do rio adjacente do
que sobrou da cultura musical e já sapecam a pergunta idiota fundamental “por
que passaram 15 anos mudos?”, como se ficar calado fosse proibido e o manancial
obrigatório!
Quem se preocupa com as quatro estações ou sabe que existem, complexas
como o ciclo feminino? E que ninguém ouse botar a lua e o ciclo das marés no
meio da prosa. É quase desatino pensar que alguém pensa nisso nos bares
infelizes da vida. E misturar ciclos pode ser desastroso para mentes
monofásicas.
A quem diabos interessa a beleza das flores, que quase pedem desculpas
pelos cantinhos que ainda ocupam fora das floriculturas? Daqui a pouco nem elas
saberão a hora que a natureza vai murchar, cair, semear e renascer para dar
frutos. Afinal, estão aí as polpas congeladas e, não demora, serão
sintetizadas.
Estamos sendo treinados para falar somente das últimas besteiras, tão
bestas quanto nós nos tornamos. Há lugar nobre para as maledicências, insolvências,
penitências de quem abriu mão do belo por menor que fosse em favor do feio
generalizado cada vez maior.
Claro, tudo deve correr pelas redes sociais. Por favor! Não invente esse
negócio chatérrimo de conversar ou telefonar. Escreva. Tudo abreviado. Melhor
ainda se conseguir traduzir tudo para emoticons.
Puxa vida, é difícil para esses muderninhos
se relacionar com quem não domina a comunicação paralinguística – termo solene
de banca de mestrado, né não?. Se ligue, aprenda a rezar pela doutrina do Vale
do Silício ou não será ninguém, seu analógico de merda! Tá bom, mande um áudio.
Mas resuma tudo a nove segundos. Afinal, existem essas regrinhas, como a dos
140 caracteres, ora!
Aprenda a falar da internet das coisas, não importa que coisas sejam
essas e que ninguém saiba explicar. Tem também a realidade aumentada, que é
muito bom para impressionar. Aliás, os apóstolos do mundo digital não têm
qualquer problema em viajar na maionese.
E quando a coisa aperta, começam a usar termos técnicos estrangeiros,
que não fazem a menor ideia do que significam. Sim, exatamente aquilo que
conhecemos como “rota de fuga”.
Você ainda não sabe o que é indústria 4.0? Santo Deus! Ninguém pode
morrer sem essa informação. Se você está no Brasil, sossegue. Aqui, nosso parque
industrial está na fase 1.0, pegando no tranco. E provavelmente a gente morra
antes de discutir o quarto estágio.
A indústria... a indústria de tudo! Há! Impiedosa, sem tons flexíveis,
só ângulos retos. Só interessa o muito, pouco é igual a nada, que só serve a
nenhuns.
A indústria... refém da escala, do tudo ou nada. A indústria... que
inventou o entretenimento para substituir a cultura e matar o fio da meada das
coisas, amarelar o retrato da origem, trocar o saber pela decoreba. A indústria
das máquinas para fazer o difícil ou repetitivo e tornar o aprendizado um
caminhante obsoleto para a morte. Ah, os tempos das artes e ofícios! Deixa pra
lá, não tente explicar o que isso significa. É semear no deserto.
Aridez! Quentura sem o contraponto do inverno. Oxalá as impressoras 3D,
metidas a cavalo do cão, aprendam a fazer chover. É só o que falta.
Vamos sobrando, do jeito que dá, trilhando uma trilhinha de nada, na
maior cautela para não cair no buraco com fome de tragar tudo.
É por isso que morro de medo de poeira cósmica, do tal do ano-luz que me
faz ver, vivinha da silva, uma estrela que já morreu há bilhões de anos – que
diabo de conta é essa? E olhe que nem bebi ainda!
Um mestre querido me ensinou que um pensador italiano disse, certa
feita, que haverá no futuro algumas ausências muito importantes (na falta que
farão) para o homem. O silêncio e a escuridão são duas delas.
Compreendo perfeitamente, sei que não é brincadeira. Acho que o pior de
envelhecer é envelhecer neste tempo horroroso que parece já estar morto por
falta das coisas mais banais, que eram ótimas. Um tempo que parece se matar a
cada dia. Iluminado demais e aos gritos.
A indústria do amanhã encheu o mundo de barulhos e de luzes acesas o tempo
inteiro. A madrugada está cheia de vozes, carros e motos roncando a plenos
pulmões, garrafas tilintando, palavrões embriagados, músicas ruins, até o ruído
poderoso do caminhão do lixo em dueto com os gritos dos garis formando a suíte
do amanhecer mais limpo. E nada disso acontece no escuro.
Lembro dos tempos do meu pai, em que os homens tinham suas lanternas a
pilha como acessório, para iluminar, quando não era noite de lua, o chão que
acolheria o passo a passo da caminhada.
Tempos em que era quase música o chiado do movimento dos pés sobre a
terra nua com pedrinhas, que empoeirava sapatos para serem engraxados em casa.
Tempos em que a gente se divertia aprendendo a chamar aquelas lanternas
de flashlight e enchia o peito de
orgulho quando nos era confiada a nobre tarefa de alumiar o chão. Conversa
fiada. Tempos idos, nada mais!
Amigo, seu texto, como sempre, ótimo! Vc é um observador sensível das nossas vidas. Como vc, também tenho saudades... mas o que fazer? Os jovens de hoje provavelmente também irão lembrar, nostálgicos, dos "velhos tempos". Forte abraço,
ResponderExcluirMestre,
ExcluirObrigado. Temos mesmo é que curtir nossas saudades, felizes porque são riquíssimas. Tivemos a sorte de nascer num tempo em que ainda estavam descobrindo as últimas novidades. Sim, todos sentirão um dia a nostalgia dos seus próprios "velhos tempos". O que me entristece é que, cada vez mais, eles ficarão pobres e pobres e pobres... E neste exato momento estão gastando as fortunas que não sabem reconhecer. Abração.
Companheiro de fé Heraldo
ResponderExcluirCalma. Você é muito novo para essa nostalgia toda.
Apaixone-se!!!
Do seu "velho" amigo
Domingos
Meu querido,
ExcluirFique tranquilo, sou das paixões. Afinal, quem é do mar não enjoa.
Grande Mestre,
ResponderExcluirQue qualquer crônica sua é sempre afiadíssima não se discute e ao novo som do Chico prefiro o dos Tribalistas. Porém os meus botecos e petiscos e cervejas e caipirinhas/íssimas não mudaram tanto assim e na mesa dos meus bares - reais e virtuais - ainda rolam boas conversas. O problema sou eu: já não bebo com o profissionalismo d'outrora (rsrs) Essa sua excelente prosa e, principalmente, o comentário do nosso Almirante me fizeram lembrar de uma velha canção do Paulinho que me economiza hoje as pretinhas:
Tá legal
Eu aceito o argumento
Mas não me altere o samba tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro
Ou de um tamborim
Sem preconceito
Ou mania de passado
Sem querer ficar do lado
De quem não quer navegar
Faça como o velho marinheiro
Que durante o nevoeiro
Leva o barco devagar...
Abração
Caríssimo,
ExcluirClaro que os meus bares, pessoais, continuam animadíssimos. Apenas é inegável - e estou triste por isso - como são ralas as coisas de hoje em dia. Converso com muitos jovens e percebo o quanto se sentem ilhados. Neles mesmos, talvez, levados por tecnologia a qualquer preço. Não tem saída, não é mania, é necessidade de passado mesmo. Não se pode abrir impunemente mão de sabedorias construídas ao longo de milênios. Saúde!
1) Salve Heraldo... coisas da vida... não esquente...
ResponderExcluir2) Sou um adepto das lanternas (flashlight)e antigamente presenteava crianças com lanternas. Outro dia comprei mais uma outra, de led, "made in China".
3)Aprendi a usá-las no Gama, DF, por necessidade, década de 1960. À noite ia com meu pai e minha mãe para o Centro Kardecista. Mas algumas ruas não tinham luz, assim adotei as lanternas.
4)Até hoje, quando viajo, para qualquer lugar, levo na bagagem.
5)Abraços de boa semana !
Antonio,
ExcluirNão estou esquentando, acredite. Apenas lamentando por estes tempos que pregam a tecnologia e o individualismo como senhores de tudo. Abraço.
Que tanto desalento, caro Heraldo, não fique assim tão triste!
ResponderExcluirSe é verdade o que seu mestre lhe ensinou, que haverá no futuro muitas ausências importantes, haverá sem dúvida algumas presenças novas que não substituirão, por certo, as velhas, mas nos abrirão também lugar para mais algumas lembranças...
A indústria que é hoje tão avassaladora foi quem nos trouxe os livros para todo o mundo, que nos trouxe a música que você gosta tanto de ouvir (não faz tanto tempo assim que só podiam ouvir música fora das igrejas quem soubesse e pudesse tocar e os nobres que podiam contratar as orquestras) e a música de outros lugares não passava muitas vezes de uma notícia distante... Quem sabe o que ela ainda nos trará e com que mundos distantes poderá ela nos ligar ainda?
Tempos bárbaros já passaram antes, quando o que sobrou da cultura foi salvo pelos monges que gastavam seus olhos nos scriptoriums copiando e entesourando os escritos dos que vieram antes deles. Convivemos hoje com bárbaros diferentes, mas você, como nós, é um dos que se dedicam a salvar e passar adiante as suas lembranças e a continuar o velho hábito da conversa, que se não é mais sempre ao pé do fogo agora é também nesta tela que você está vendo agora. Como aqueles monges anônimos, não podemos é desanimar.
Coragem!
E no meu chaveiro, no bolso, anda uma lanterninha de led, sempre à mão quando é preciso...
Mano,
ExcluirNão estou em desalento, apenas lamentando a perda das artes humanas comuns, as que fazíamos no cotidiano. Conversar, conviver, aprender as tradições para repassá-las adiante, quando chegasse a hora.
Estou apenas lamentando o desaparecimento de tamanhas riquezas. Não temos mais os monges nascendo para preservarem as coisas no futuro, apenas para trancafiar quinquilharias eletrônicas em arremedos de museus nas empresas - como vi na sede do Google, no Vale do Silício.
Não dá para conviver com quem não sabe - e não tem a menor curiosidade de saber - o que é um disco. Eu nunca usei um ábaco, mas sei de quem se trata. Não medi meu tempo pessoal pela ampulheta, mas reconheço sua imagem e serventia no desenvolvimento humano.
Eu já relatei aqui mesmo, em texto mais antigo, o rapaz que trabalhava numa livraria importante de Sampa e DESCONHECIA a palavra e "a pessoa" dicionário. É sobre isso que escrevi agora (de novo). Afinal, meus bares continuam ótimos, intensos, cheios de prosa. O meu "problema" está resolvido, só estou lamentando os que estão chegando. Abraço.
Mais um texto para a história, meu nobre amigo HP..!!!Parabéns!!!
ResponderExcluirMeu caro,
ExcluirPelo menos, para a nossa história, de quem viveu essas maravilhas. Obrigado.
Quanta verdade na sua crônica! Nos dias de hoje não há conversa...há polêmica! Os politicamente corretos não deixam nada passar.Qualquer comentário passa a ser contestado, como sexista,homofóbico,anacrônico! Tudo tem que ser do jeito deles: moderno... O moderno é ser transgênero....seja um e ganhe aplausos ! Que preguiça...abraços.
ResponderExcluirIsabel,
ExcluirVocê tocou num ponto de grande interesse, essa imbecilidade do politicamente correto. Quanto tempo se perde com isso, sem gerar nenhum resultado prático para o cotidiano da população.
Claro, tem gente muito interessada em manter essa coisa, pois ela divide a sociedade em guetos, que passam a bater boca entre si, enquanto os mentores/guardiães dessa baboseira seguem fazendo discursos virulentos e se beneficiando de patifarias contra o Estado. Chegamos ao ponto de, dia desses, alguém gravar e fazer circular um vídeo afirmando peremptoriamente "Eu não tenho gênero, eu tenho sexo"!
Basta pensar que, hoje, os queridos Trapalhões, que encheram de alegria a vida do país, certamente teriam dificuldade de realizar sua extraordinária obra humorística.
Ao invés desse lixo, eu gostaria de ver ações claras que nos fizessem melhorar a convivência e o respeito entre todos.
Como você bem disse, "Que preguiça"! Abraço.