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04/09/2017

DEVER CUMPRIDO!

imagem http://tardis.wikia.com/wiki/Gramophone 


Francisco Bendl
De onde o ser humano busca forças para suportar suas tragédias pessoais, de parentes, amigos, conhecidos, de sua cidade, Estado e País?
Aonde encontra motivação para ir em frente, em meio a dificuldades imensas, adversidades indescritíveis?
Que motivos determinariam sua resistência diante da falta de condições físicas, mentais e materiais, e não se deixar sucumbir pelas circunstâncias negativas?
Quem de nós já não padeceu em meio a crises ocasionais, revés no emprego, no casamento, complicações as mais diversas e exóticas?
Evidente que cada um de nós tem a sua maneira de se defender nesses momentos, e de não se deixar sucumbir pelos estorvos surgidos tanto de última hora quanto aqueles que nos acompanham por mais tempo, porém que fórmula seriam, que magia possuem de nos encorajar, combater, enfrentar, e não desistir?!
A meu ver, a maioria de nós encontraria na família as razões pelas quais a luta vale a pena, os filhos, a esposa, a unidade familiar;
Em seguida, e não menos importante, a mulher amada. Tanto para conquistá-la quanto para poder mantê-la;
Muitos apelam para a fé, rezar, frequentar igrejas, templos, sinagogas, mesquitas, querendo respostas pelos seus infortúnios;
Mais adiante, preservar o emprego, o sustento;
Depois a honra, o orgulho, a dignidade;
Por último, o bem-estar, o conforto, a segurança.
No entanto, qual seria o agente que detonaria em nossa mente a necessidade de que, a partir de um certo momento, a família, os filhos, a mulher amada, as orações, o sustento, a honra e o bem-estar precisam ser preservados, mantidos?
Durante a maior parte da minha vida as dificuldades sempre me acompanharam.
Desde criança, depois adolescente, adulto e casado, pai de filhos, a vida jamais foi nítida, clara, os caminhos que eu iria trilhar eram incógnitas, se me levariam ao destino que eu queria ou aumentariam mais ainda os obstáculos que se colocavam à minha frente.
A única certeza que havia comigo era não fraquejar, seguir em frente ou... seguir em frente.
Bom, o estopim que abria o meu escudo protetor, que resgatava princípios e valores a serem mantidos, que me faziam lutar com uma adaga entre os dentes era a música!
Não, nada de rock, samba, tango, boleros... não, apesar de eu gostar demasiadamente desses ritmos, que embalaram a minha mocidade, mas eu ouvia ou nas fitas que eu gravava e depois em CD, o inigualável maestro argentino Waldo de Los Rios!
Quando eu me sentia pra baixo, “meio down”, animava-me colocar a Nona Sinfonia de Beethoven o mais alto possível, na parte do coral, e berrar junto, espantar os “maus espíritos”!
Diante da necessidade de pensar, arquitetar planos, de saldar os compromissos, de esperar por uma luz que me possibilitasse equacionar os compromissos financeiros, eu escutava Dvorak, a Sinfonia nº 9, Novo Mundo, e quando a orquestra, ao final, entra estupendamente com seus instrumentos de percussão, sopro e cordas, eu me emocionava por ter descoberto a saída, eu ter encontrado a solução tão almejada!
Às vezes, com pena de mim mesmo – por que não?! -, eu relembrava os acordes de Tchaikovsky, e sua Sinfonia nº 5, esplêndida, terna, ao mesmo tempo potente, radiosa, de modo que eu não esmorecesse na jornada que eu escolhera.
No entanto, a música mais vigorosa, impetuosa, irrefreável, na vontade que eu tinha de vencer, de ver meus filhos sustentados, educados e formados era ao som do Coro dos Peregrinos, uma ária da ópera Tannhäuser, do magistral Richard Wagner!
A música crescendo lentamente, firme, forte, magnânima, para no seu final explodir através de um coro extraordinário, acarretava-me a sensação de vitória, de vencer as tragédias pelos caminhos, as perdas, os prejuízos, as saudades dos que tinham partido, e de me ver responsável por três filhos, pelas suas vidas, pelo seu futuro, pelas suas presenças neste mundo difícil, incerto, inseguro e, muitas vezes traiçoeiro!
O pai seria o exemplo de lutador, de se imaginar um leão e ser o rei da selva, absoluto, imbatível!
Não consegui ser este felino, a existência me pregou uma peça e me fez um... paquiderme!
Não me queixava, pois até mesmo o rei da selva tinha medo quando eu me enfurecia, e abria as minhas orelhas para ficar maior ainda para correr atrás do agressor, mas não deixei que me importunassem ou eu fosse derrotado pelas circunstâncias, e preparei meus filhos exatamente para tais enfrentamentos!
Hoje, dois deles vieram almoçar comigo: o mais velho, médico, 45, e o do meio, formado em Contábeis, com as malas prontas para viajar aos Estados Unidos dia 2 de setembro, 43 - o enigmático e complicado filho do meio, que não teve o carinho dos pais pelo tempo que precisava porque havia o caçula, e deixado um pouco de lado porque existia o mais velho, o primogênito, deve ter pensado durante boa parte da sua vida - eu pressentia, até quando saiu Oficial do Exército, e deu baixa para seguir a sua carreira na vida civil.
Escrevendo eu esta narrativa, e constatando que formaram suas próprias famílias, profissionais liberais e bem situados econômica e financeiramente, deram-me netos, onde mais uma vez fui impulsionado agora para alongar a minha existência e desfrutar dessa felicidade de ser avô, ouço de novo as músicas que foram o meu baluarte, o meu excalibur, a minha arma poderosa para combater os males que eu teria de enfrentar se eu quisesse, um dia, ter o almoço em suas companhias como o de hoje, alegre, leve, saboreando a deliciosa e inigualável refeição preparada pela mãe deles, a minha mulher, a avó, que forma comigo um casal que somente tem agradecimentos a Deus pelas dádivas recebidas!
E ouço Vivaldi, as 4 Estações, exatamente como senti o tempo durante o almoço, como se eu tivesse vivido um ano inteiro naqueles minutos que estiveram comigo e com a mãe deles, recordando-me do rigoroso inverno sofrido, o outono com as árvores despidas, sem a beleza das flores, a radiante primavera com seu espetáculo de cores e temperaturas agradáveis e, o verão, céu azul, praia, piscina, sorvete, refrigerantes gelados, churrascos devorados embaixo de frondosas figueiras, netos correndo pelo pátio, rindo das micagens do vô, bermudas, chinelos de dedo, satisfação plena!!!
Encerro, ouvindo a Ave Maria, vindo-me à lembrança a minha mãe e pai, que foram embora tão cedo, e que não conheceram a minha amada esposa e adorados filhos, netas e netos, e não presenciaram o filho mais velho, o Chicão, ter vencido na vida!
Não, não rico, ainda um pelado, morando em casa alugada, sem dinheiro no bolso e no banco, um joão-ninguém, pertencente à plebe ignara, no entanto, guarda consigo a chave da felicidade, de como manter uma família unida, coesa, o indispensável sentimento do dever cumprido (bem que tentei uma fézinha na Mega Sena, mas não acertei nenhum número. Tenho receio que Deus me castigue, após tantas bênçãos e eu ainda pensar em ter dinheiro, que atrevimento)!


8 comentários:

  1. 1) Parabéns Chicão !

    2) Seu depoimento é um misto de memória musical e reflexão humanista.

    3)Abraços de boa semana.

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  2. Francisco Bendl04/09/2017, 11:44

    Rocha, MEU AMIGO,

    Grato pelo comentário.

    Na razão direta que a querida esposa do nosso amigo Wilson, Ana, mostra a sua sensibilidade, inteligência e talento femininos quando aborda as cenas da vida, tenho pela música um profundo sentimento, a ponto que ela me transporta no tempo para onde desejo!

    Assim, se torna fácil eu unir as minhas lembranças com as músicas que fizeram parte de uma época ou momentos importantes na minha existência.

    Um forte abraço.
    Saúde e paz.

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  3. Moacir Pimentel05/09/2017, 08:00

    Bendl,
    Parabéns por mais um belo relato pessoal, pela família unida à sua beira e pela trilha sonora na qual, confesso, sou viciado na Nona Sinfonia de Beethoven. Como em uma imensa pintura na qual cada pincelada e todas se combinam para fazer uma imagem que transporta o espectador do aqui e agora para um espaço de alegria estética, nela cada nota é perfeita e todas se misturam para nos encantar com uma das mais magníficas composições musicais já concebidas.
    O seu quarto movimento é sim espetacular: o tema vai se insinuando e subindo, ouvimos a percussão, os violoncelos, os violinos, os instrumentos de sopro até que somos surpreendidos pela voz do barítono, logo seguida pelos duetos e tercetos e quartetos até chegar ao ápice da obra que é o coro inteiro de pé cantando o Hino à Alegria de Schiller. Essa alegria que não é um luxo ou apenas uma mera necessidade, mas também nosso dever existencial.
    Como você me pego ouvindo a Nona quando estou “meio down”. Para mim a sinfonia é o equivalente musical daquelas altas catedrais que você tanto aprecia e das pinturas de Michelangelo na Sistina. Pergunto: se pode identificar nessas obras de arte - na Nona, na Notre Dame de Paris ou no Juízo Final - uma única nota, pedra ou pincelada que possa ser alterada para torná-las mais belas? Não? Então já experimentamos a perfeição da mente humana. E é isso o que nos consola.
    Não sei se você assistiu o filme O Segredo de Beethoven – Copying Beethoven – sobre a criação da sinfonia. Apesar do enredo ser historicamente impreciso, o outro nome desses violinos aí, nos três primeiros minutos, para mim é vida.
    https://www.youtube.com/watch?v=qB26OmUMctw
    Abraço

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    1. Francisco Bendl05/09/2017, 13:10

      Pimentel,

      Eu e tu temos uma identidade:
      Apreciamos o que é belo, admiramos a genialidade de seres humanos, e as reverenciamos e mantemos quando nos elevam o ânimo, a disposição.

      Sabe, a minha mente é frenética, agitada, e contribui para eu ter a necessária calma e concentração a música.

      E gosto de todos os ritmos e estilos.

      Evidente que não é possível ouvir rock o dia inteiro, assim como a música erudita de manhã à noite ou ópera, tango, samba, bolero ...

      Agora, existem certas composições que tu te identificas mais, aquelas te impulsionam, as que te inspiram, que te obrigam a escrever sobre o passado, identificando momentos onde a música se tornou trilha sonora daquela época.

      Muito obrigado pelo comentário.

      Por outro lado - acho que escrevi a respeito -, a minha grande fonte de luta, de jamais eu me sentir amedrontado por qualquer problema, indiscutivelmente sempre foi a família, cuja obrigação absolutamente assumida por mim era protegê-la,de eu ser o provedor.

      A música me animava,e, desta forma, eu me sentia imbatível.

      Um grande abraço.
      Saúde e paz.

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  4. Olá dissidente Francisco,
    Seu texto me emociona e me faz rir. Sua trilha musical é fantástica, acho que você sempre esteve bem amparado nos seus embates existenciais, por elas e pelos seus.
    Continue com seus atrevimentos, quando nada é uma aposta com expectativa divertida.
    Por aqui também cometemos esses crimes que ainda não surtiram efeito. Fazer o que? O jeito é continuar pobre e feliz, porque todo o resto a gente já tem.
    Até mais e mais.

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    1. Francisco Bendl05/09/2017, 13:27

      Aninha,

      Obrigado pelo comentário.

      Olha, a vida sempre foi um desafio para este dissidente!

      Em duas grandes multinacionais onde eu poderia ter ascendido a diretor, pedi demissão por discordar da política de vendas, vê se tem cabimento!

      Entretanto, jamais negociei a minha sinceridade, a minha honestidade comigo mesmo, muito menos eu as substituiria por salários!

      Conclusão, Aninha:
      Nu e com a mão no bolso, um pelado!

      Agora, sei que é difícil acreditarem na afirmação de que, de fato, o dinheiro ajuda a "comprar" felicidade, mas não é o seu sinônimo!

      Aninha, conheço vários homens afortunados que, no entanto, dariam as sua fortunas para ter uma vida simples, de extrema dificuldade financeira, inclusive, mas que a família estivesse coesa, unida, e não cada membro separado e sem contato com os pais, e entre os irmãos também.

      Nesse sentido - considerando a reencarnação que acredita o nosso amigo Rocha -, volto mais uma vez pelado, mas quero ter a mesma mulher e os mesmos filhos, inclusive a vida idêntica, pois saberei elaborar desta vez uma condição que eu não os faça vivenciar os problemas que tivemos, de modo que eu não conclua o Ensino Médio aos sessenta anos, como nesta existência, mas eu possa fazer uma faculdade e ser alguém, pelo menos!

      Um abraço, forte e caloroso, Ana, respeitoso, claro.
      Saúde e paz, extensivo aos teus amados.

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  5. Wilson Baptista Junior05/09/2017, 09:23

    Bonito post, Chicão, que seguramente vai despertar lembranças em muita gente.
    Eu também, como certamente alguns leitores, tenho algumas músicas relacionadas a estados d'alma. Você já nos contou uma vez de suas músicas preferidas, nos conte agora como você começou a gostar do tipo de música de que fala neste post!

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    1. Francisco Bendl05/09/2017, 13:45

      Caríssimo Wilson,

      A minha mãe era contralto, e volta e meia eu a flagrava cantando árias de óperas.

      Quando na década de sessenta surgiram as primeiras ELETROLAS, ainda em Alta Fidelidade, a busca pelos discos dos grandes tenores e sopranos era enorme.

      Assim, desde pequeno, passei a gostar da música erudita, dos grandes clássicos, e das óperas!

      Admiro o gênio musical de Verdi, Puccini, Wagner, Mozart, Leoncavallo, Donizetti, Rossini, Bizet (compositores de óperas), da mesma forma demais compositores eruditos.

      A ópera é um teatro cantado, que requer dos cantores além do talento fantástico, que saibam representar, transmitir o sofrimento do personagem para a platéia, e onde a música, os acordes, ora suave ora tonitroante, cativam o espectador.

      Quando eu viajava, Mano, os meus colegas não acreditavam que eu ouvia este tipo de música no carro!

      Enfim, agradeço a meus pais essa bagagem musical que me deixaram, que me fizeram conhecer e apreciar tanto.

      Um grande e fraterno abraço.
      Saúde e paz, meu caro amigo.

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