Xilogravura de Yolanda Carvalho (licença Wikimedia Commons) |
Domingos Ferreira
O menino José Pedro, acocorado, olhava fascinado para o colo da tia
Teté, onde o pombo estrebuchava de bico aberto, agônico, tentando respirar.
Isso não era possível porque os dedos médio e indicador da senhora magrinha e
grisalha, enfiados por baixo das asas do infeliz, pressionavam firmes os
pulmões do frágil pássaro. Esse torniquete só seria aliviado quando a cabeça do
pombo tombasse inerme, indicando que ele havia morrido.
Então, Dona Teté, com gestos decisivos, pegava o falecido e o colocava
em um alguidar grande, de madeira, junto a outros pombos recém executados. Em
seguida, Pedrinho entregava-lhe outro pombo, agitado, que apanhara em um grande
balaio de palha de babaçu, cheio de pássaros condenados. Ao chegar ao último
esganado, eles eram sangrados mediante o corte das cabeças, seguindo-se o
mergulho em um panelão de ferro com água fervendo, quando as penas seriam
arrancadas. Dessa forma, sua carne ficaria mais tenra e saborosa.
No total, eram cerca de quatro dúzias de pombos destinados ao grande
almoço do dia seguinte. Eles constituiriam o prato “très chic” do regabofe,
intitulado “Colombes en Sarcophage”, a ser servido em pequenos sarcófagos
medievais de louça francesa, trazidos de Paris pelo fazendeiro anfitrião. Em
uma de suas viagens à Europa, ele jantara, mais de uma vez, em um famoso
restaurante, “três estrelas” parisiense, com vista para a catedral de Notre
Dame. Ali mesmo, ele provara a iguaria, regada por um “grand cru”, e comprara a
idéia, o adequado jogo de porcelana e algumas caixas do vinho.
Era véspera de festa grande na fazenda Vera Cruz, município de Brejo,
banhado pelo rio Parnaíba e onde as vacas já estavam. No dia seguinte, Dom
José, o Bispo de São Luis, visitaria a propriedade maior do Coronel Targino, poderoso
chefe regional, dono de seis grandes glebas, em ambas as margens, ao longo do
rio. Educado em internatos na França e na Inglaterra, empreendedor nato, o
Coronel explorava com eficácia essas ricas terras.
Seus negócios abrangiam gado de corte, enviado de trem para matadouros
no Ceará, açúcar e farinha de mandioca, produzidos em engenhos a vapor
importados da Inglaterra. Além disso, tinha a melhor cachaça da região,
destilada em reluzentes alambiques de cobre. Também, explorava cera de carnaúba,
óleos tropicais, castanhas, madeira de lei, pescaria farta nas lagoas de
vazante, etc...
Sua base operacional e financeira era a famosa “Casa Ingleza”, na
Parnaíba. Através dela, enviava seus produtos para Plymouth, em navios
regulares da centenária Booth Line, que cobria o império britânico, ou melhor,
o mundo todo. De lá, recebia o que era mais útil e moderno, incluindo até
vistosos ternos de linho egípcio e vestidos de renda preta, com anquinhas,
escolhidos em catálogos das melhores lojas da Oxford Street, em Londres, e de
outras empresas da Inglaterra e da França. E usavam isto, naquele calor.
Esse comércio era transferido dos navios fundeados no porto, em frente à
cidade de Parnaíba, para barcaças, que o transportava junto com sal, gasolina importada,
em latas de vinte litros, e outros produtos industrializados necessários para a
região. Eram elas que subiam e desciam, regularmente, o rio Parnaíba, puxadas
por rebocadores a vapor da firma da família alemã Schlupmann, ali sediada.
Tal esquema sempre funcionou muito bem, mesmo durante a IIª Guerra. Ele
era fruto de um acordo tácito, com a benção da Capitania dos Portos, entre a
terceira geração dos descendentes de ingleses e alemães, moradores da pequena e
laboriosa cidade. Afinal de contas, essa navegação era vital para toda a bacia
do rio.
O bispo, acompanhado do vigário do Brejo, viriam fazer a “desobriga”,
isto é, a visita anual aos principais aglomerados de fiéis da região. Na
ocasião, haveria casamentos, batismos, crismas, confissões, novenas e
procissões. A casa grande acenderia sua iluminação a gás de carbureto, em dois
dias de muita festa e namoros, com queima de fogos. A fazenda Vera Cruz,
seguramente, era um dessas sedes, com centenas de “agregados”, moradores com o
beneplácito do Coronel para ocupar suas terras, mediante um contrato informal
de “meiação”.
Por esse instrumento medieval, os agregados, quase cem por cento negros
analfabetos, descendentes de escravos, ex-combatentes da Guerra do Paraguai,
alforriados antes da Lei Áurea, se obrigavam a ceder ao senhorio metade da sua
produção nas áreas autorizadas a ocuparem. Além disso, deveriam fazer suas
compras na loja do patrão, no pátio central da fazenda. Ali não corria
dinheiro, mas sim escambos e vales a serem descontados nessas transações.
Também trabalhavam, de graça, nas principais atividades das fazendas: o
trato do gado, o plantio e coleta dos roçados, as “farinhadas” de mandioca, a
produção de açúcar de rapadura e refinado, a cachaça dos alambiques e barris de
madeira de lei. Ainda mais, os homens deveriam estar prontos a defender o
patrão e sua família, e também as propriedades, em caso de invasão, ou atritos
com vizinhos.
As mulheres trabalhavam na casa grande, onde aprendiam vários ofícios,
desde jovens. Assim, a “casa dos brancos” contava com um grande número delas
nos serviços de copa e cozinha, arrumação e limpeza, lavagem de roupas,
cuidados com crianças e velhos, e outras necessidades cotidianas.
No mais puro estilo “Casa Grande e Senzala”, as mais belas ou afoitas
deitavam-se com os patrões, gerando bastardos, que viviam em um limbo de
relações afetivas e de acesso ao núcleo do poder senhorial. Muitas vezes,
alguns desses “sobrinhos” (ou “sobrinhas”) caíam nas graças dos senhores e eram
mandados estudar na cidade próxima, ou até na capital. Não raro, voltavam para
a fazenda e se casavam dentro da própria família dos patrões.
Nesse ambiente, a grande curiosidade de Pedrinho o fazia envolver-se com
outros preparatórios para o almoço do bispo. Isso incluía assistir, na véspera
e na madrugada do grande dia, à morte, por sangramento, de um leitão e de uma
vaca e duas porcas já incapazes de reproduzir. O leitão seria empalado e assado
inteiro, girando na brasa, na horizontal. A vaca teria a carne cortada para
mesa e churrasco. Por fim, as porcas seriam divididas em pequenos pedaços,
destinados às lingüiças e colocados em barris de salmoura, fortemente
temperada, para manipulação por mulheres comandadas pela incansável tia Teté.
Elas se colocavam à volta de uma mesa grande de madeira, sobre a qual
havia seções de tripa limpa e seca, de diferentes grossuras e comprimentos. As
mulheres apanhavam os pedaços na barrica de salmoura e enchiam as tripas com
carne de porco, empurrando-a com varetas de pau redondo lixado. Nessa
atividade, formavam-se bolhas de ar nas lingüiças, com risco de estragá-las.
Era aí que entrava Pedrinho, ajudando a Teté a localizar as bolhas e,
meticulosamente, furá-las com um palito bem fino. Enquanto isso, as mulheres
falavam e riam, sem parar, sobre as fofocas da semana, principalmente quando
Dona Teté se afastava. Então, a conversa recaía sobre os homens delas e das
outras. A coisa ficava pesada.
O menino não entendia direito o que era dito, mas repetia algumas
palavras delas, como um papagaio. Um desses ditos, que ele mais gostava e
repetia, provocado por elas, era o apelido de “Bode Sacudo”, dado a um dos
homens da fazenda mais desejados e comentados nas conversas.
De repente, fazendo cara de safado, Zé Pedro falava várias vezes:
- Bode Sacudo! Bode Sacudo! Bode Sacudo!....
Isso levava a mulherada ao delírio. O barulho era tanto que a Teté vinha
correndo para acabar com aquela bagunça.
Era o tempo da IIª Guerra Mundial. Os pais e irmãs maiores de Zé Pedro
moravam no Rio, e ele não podia viajar para lá porque os submarinos alemães
estavam afundando os navios na costa brasileira. Dois tios dele também moravam
na fazenda, mas viajavam muito, para atender aos negócios da família.
A matriarca era a Vó Feliciana. Além dela, ali viviam mais sete
mulheres, quatro tias e três primas. Isto sem contar uma dúzia de empregadas,
algumas com filhas aprendizes, que respondiam à mão firme da Tia Tété.
Zé Pedro, o neto mais velho do Coronel, transitava bem nesse universo
feminino. É claro que ele estava mais
ligado à sua patota de companheiros nas incursões por toda a fazenda e, em
cujas taperas, muitas vezes, comiam a fartura das terras abençoadas do
Maranhão, com suas águas infinitas.
Daquelas panelas de ferro preto, fumegantes, saíam pedaços de peixes,
frangos, preás, mutuns, lombos de jacaré, jacus... De vez em quando, tinha
carne de porco ou de vaca, quando a casa grande matava alguns para suas
necessidades, e fazia escambo na loja com o que sobrava. Tudo isso acompanhado
de caldo de cana e preparado pelas mulheres dos agregados, mães de grandes
filharadas, caprichando no preparo da comida quando viam o “sinhozinho”, neto
do coronel, no meio da molecada.
O riacho, desembocando no Parnaíba, a umas duas léguas, serpenteava nas
terras da Vera Cruz, vindo de um distante e nutrido capão de mato, onde nascia
nas sombras. Ele passava por um dos lados do grande campo que circundava o
morro onde estava a “casa dos brancos”, cujo acesso frontal era feito por uma
comprida e larga ladeira de pedra “pé de moleque”. De lá de cima, das janelas
laterais do casarão senhorial, se avistava alguns trechos das suas águas
límpidas refletidas pelo sol.
O campo grande era cuidadosamente mantido pela família, havia mais de um
século. Ele era cheio de mangueiras, laranjeiras, bananeiras, goiabeiras,
jambeiros, jaqueiras, etc... distribuídas de forma ordenada, de modo a
facilitar a colheita dos frutos e a manutenção de um gramado rústico. Além disso,
a alguma distância do sopé da ladeira havia um pequeno cemitério para os
ancestrais, marcado por um grande crucifixo, tudo pintado de branco e cercado
por um jardim com flores regionais e rosas.
O casarão tinha uma grande caixa d’água alimentada por água do riacho.
Para tanto existia uma bomba a vapor de uma pequena caldeirinha a lenha, a meio
caminho entre a caixa d’água e o riacho. Esse sistema era operado pelo Seu
Jorge, um homem negro e idoso, que simpatizava com Pedrinho e deixava que ele o
“ajudasse” a por a trapizonga em funcionamento. O conjunto ficava em uma
pequena cabana e era conhecido como “o burro”, pois substituíra os burros que
levavam água ladeira acima em barriletes nos lombos.
O banho poderia ser tomado em um chuveirão, numa “casinha” no fundo do
quintal da “casa dos brancos”, que quase ninguém usava. O hábito, desde sempre,
era tomar banho no riacho. Para isso havia todo um cerimonial, já que ele era
dividido em “banheiros”, conforme os usuários.
O “banheiro das mulheres” ficava na parte mais alta da corrente, no
sombreado de diversas árvores. Era um trecho reto, pouco profundo, de areia
clara, vista através da água límpida. Ele contava com uma cobertura, protegida
lateralmente por painéis de esteiras de palha e dispunha de um deque de madeira
com degraus para entrar n’água.
As mulheres e meninas da família, usando “camisolas de banho” e
chinelos, desciam do casarão por uma rampa lateral estreita, e percorriam uma
trilha que passava pelo “burro” do Seu Jorge e ia até o riacho. Elas eram
acompanhadas por mucamas trazendo toalhas, espelhos, escovas, sabonetes, óleos,
perfumes, etc... Ao chegar no “banheiro” se despiam e entravam na água quase
morna, em grande alarido, as mais velhas ajudadas pelas empregadas. Ali
permaneciam um bom tempo se divertindo com a água, em conversas barulhentas e
infinitas.
O “banheiro dos homens” ficava logo abaixo e também tinha uma cobertura
com plataforma de onde se pulava n’água, bem mais profunda. No trecho entre os
dois “banheiros”, bem próximos, havia uma pequena praia em curva, com acesso
pela margem ou pela água. Segundo o costume, e a bem da rígida moral vigente,
esse era o limite para os banhistas de um lado não invadirem o território do
outro. E era obedecido sem fiscalização.
Além desses dois banheiros para “os brancos”, existiam outros águas
abaixo, seguindo uma escala social. Assim, o terceiro era o “banheiro dos
empregados”, ex- “dos escravos”, o maior deles. O próximo era “banheiro do gado”,
com alguns currais, para facilitar o trato e a higienização das rezes.
Finalmente, existia o “banheiro dos urubus”, livre para a bicharada, com uma
praia maior e cheia de carcaças.
Esse último ganhara o nome devido a um grande angico branco, que dava
sombra. Além disso, seus galhos mais baixos ficavam carregados de urubus,
observando se era seguro descer até a praia, ou no retorno, molhados do banho,
para secar as asas antes de alçar o vôo definitivo. Sim, no calorão do
Maranhão, até urubu toma banho. E sentindo-se ameaçado, entra na água e nada,
grasnando, para o meio do riacho...
Dentre as três primas de Pedrinho, a que mais brincava com ele era a
Socorrinho, a mais velha e comunicativa. E as brincadeiras quase sempre
terminavam com um abraço e um beijo. Esse hábito veio diminuindo com o tempo,
conforme ambos cresciam. E o que mais ficou na memória do menino foi o perfume
dela.
Um belo dia, ele veio tomar banho no riacho, com um dos tios, quando foi
atraído por uns papagaios fazendo uma grande algazarra, em uma árvore do outro
lado do riacho acima. Então, ele se aproximou, nadando e caminhando agachado
pela água, para poder observá-los sem chamar atenção. Ao chegar lá, constatou
que ficara em frente à prainha, onde estava Maria do Socorro, brincando com um
cachorro pequeno. Nua.
Ela já era uma mulher feita, nos dezessete anos. Sua beleza vinha da
mistura improvável dos portugueses da região de Castello Branco, descendentes
de visigodos, de franceses que fundaram São Luiz do Maranhão, de índios
guajajaras, também maranhenses, e de negros escravizados nas costas de Angola.
O momento que se fixou na memória de Pedrinho, escondido, só com a
cabeça fora d’água, foi quando aquela visão desconcertante caminhou para o
riacho, molhou as mãos e ficou de frente, em pé na areia, arrumando o cabelo
atrás da cabeça. Uma cena digna de um quadro de Gauguin.
Para manter esse lindo quadro presente ao longo da vida, Zé Pedro fez um
pacto com Morfeu. Assim, ficou acertado que, quando estivesse muito triste ou
preocupado, ele sonharia com a Socorrinho daquele dia memorável.
Funcionou...
...................................................................................
Alguns anos depois, os moleques estavam brincando debaixo de uma enorme
mangueira. Eles haviam mergulhado no remanso do riacho próximo durante bastante
tempo, na manhã quente do verão maranhense sem chuva. Ali era mais fundo e
existia um arremedo de cais de madeira, de onde eles pulavam na água límpida e
quase parada, deixando ver o fundo de areia. Aquela parte da fazenda era
distante da sede e coberta por um mato meio fechado.
O grupo somava pouco mais de meia dúzia de meninos negros e mulatos, na
faixa de oito a doze anos. José Pedro, era o líder natural deles e quem
avalizava a liberdade para muitas estripulias. De costume, eles se reuniam em
frente à “casa dos brancos”, no início da manhã, e dali saíam quando Zé Pedro
chegava. Todos sem camisa e descalços, andavam sem rumo, em incansáveis
explorações do verdadeiro paraíso onde viviam, sem se dar conta disso.
Naquele dia, a brincadeira do momento era espremer uma fêmea de lagarto
teiú prenha para forçá-la a botar os ovos. A bicha estava bem inchada e
amarrada ao longo de uma vara com embira de tucum, tolhendo-lhe os movimentos.
Um dos meninos maiores a pressionava sobre uma folha de bananeira, enquanto
outros espremiam-lhe a barriga até que os ovinhos amarelados começaram a sair
do ventre, sob aplausos do grupo excitado.
De repente, eles foram distraídos pela aproximação de dois caboclos,
carregando nos ombros um caixão mortuário azul, de tamanho médio. Os homens
vinham apressados e procuraram a sombra da mangueira para arriar o caixão,
delicadamente, em um pequeno monturo de terra firme. A molecada rodeou em
volta, olhando bestificados, em silêncio.
Os homens foram até o riacho, se refrescar e beber água. O mais velho,
ao ver Zé Pedro, tirou o chapéu respeitosamente, segurando-o com as duas mãos
e, muito triste, dirigiu-se a ele, com lágrimas nos olhos:
- Meu sinhozinho, é uma coisa muito
ruim... É a Gracinha...Ela morreu de um febrão muito forte. Nóis tamo levando
ela prá capelinha; a famia tá indo pela estrada; o caixão tá muito pesado e
nóis cortamo o caminho...
Dizendo isto, o homem tirou a tampa do caixão. Maria das Graças apareceu
linda para José Pedro. Ela usava um vestido de chita creme, com uma fita azul
na cabeça. A palidez fora disfarçada com um pó rosa no rosto e nas mãos
cruzadas, com um pequeno terço sobre o ventre. Os olhos semicerrados deixavam
entrever as pupilas negras, e lhe davam um ar incomum de serenidade.
Gracinha e Pedrinho tinham brincado muito, inseparáveis, quando a mãe
dela, a Jacira, passara alguns meses na “casa dos brancos”, no serviço de
copeira/arrumadeira. Depois ela sumira, mas não saíra dos pensamentos de
pré-adolescente dele. Agora, Zé Pedro a via deitada ali, naquele caixão, em uma
imobilidade incompreensível, que seria eterna.
O nó na garganta dele se desfez em um choro convulsivo. Raimundo, o
homem mais velho, tio de Maria das Graças, abraçou paternalmente o menino “sinhozinho”
e ambos ficaram assim chorando juntos, cercados pelos silenciosos companheiros
dele, alguns também chorando.
Quando Raimundo pegou a tampa do caixão para fechá-lo, Zé Pedro fez um
sinal para ele esperar. Em seguida, com o coração disparado, curvou-se sobre
Gracinha e deu-lhe um beijo carinhoso na testa, sentindo nos lábios a frieza da
morte em sua pele...
Prezado Domingos,
ResponderExcluirEssa sua belíssima descrição de uma formidável infância me emociona porque parece até que você está narrando a minha. Embora não fosse o mais velho também fui um dos dezesseis netos de um coronel que morava numa casa grande e branca no topo de uma colina plantada por todas as essas suas fruteiras acrescidas por pitangueiras, umbuzeiros e frondosos pés de araçá, pinha, graviola e tamarindo.
Naqueles paragens tinha pescaria e caçadas, passeios a cavalo e cavalhadas, banhos de rio e de açude do qual se projetava “a bica”: o nosso "banheiro dos homens e das mulheres". Tratava-se de uma enorme tora de madeira escavada que quando aberta nos presenteava com um poderoso jato d’agua que formava uma piscina entre umas pedras mais abaixo e depois escorria para o Riacho da Mata. Tal bica era compartilhada pela pirralhada sem restrição de gênero pois já tinham inventado os maiôs e os biquínis e os calções, tanto que meus sonhos aborrecentes, infelizmente, jamais puderam ser povoados por lindas primas peladas. Mas...Lá na cachoeira do Rio Grande, bem distante do “arruado”, as “molecas” nativas entravam n’agua e saíam dela com seus vestidinhos de chita molhados e – ui! – era ali que as espiávamos... (rsrs)
O primeira grande perda que sofri na vida, aos treze anos, foi a da minha saudosa avó e depois dela acabaram as férias. Voltei lá homem feito e já casado e tive uma estranha impressão: a de que a casa e os mares verdes e ondulantes de cana antes enormes tinham encolhido. Mas me ficou para sempre as memórias das aventuras absolutamente inéditas que eu vivenciava naquelas terras, da curiosidade, da apreensão, da adrenalina constante, da magia que eu experimentava a cada hora daqueles dias. Obrigado pela carona de volta no tempo.
Abração
Amigo Moacir
ExcluirVocê disse muito bem ao se referir "a magia que eu experimentava a cada hora daqueles dias". Essas lembranças são indeléveis e abençoadas. E é muito bom
compartilhá-as com pessoas sensíveis como você e os demais companheiros e companheiras deste blog. É um "descarrego", com todo respeito.
Um abraço fraterno
Domingos
Domingos, bela memória. Fui menino de cidade, fazendas só de raro em raro, de algum colega, e depois de adolescente, em uma ou outra caçada. Então minhas lembranças são outras. Mas gostei muito de sua história, como sempre tão bem sentida e tão bem contada.
ResponderExcluirUm abraço.
Estimado Mano
ExcluirVocê escolheu uma linda figura para adornar o texto. Ela sugere muito bem o que se passa em minha cabeça quando "faço um "parto" desses.
Obrigado parceiro
Um abraço forte
Domingos
1) Belo texto do Domingos, que estou lendo no sábado.
ResponderExcluir2)Claro, lembro do meu querido Gama, DF, da minha pré-adolescência e adolescência. Íamos brincar no córrego próximo, que já falei aqui...
3)E a vida fluindo...
Estimado Rocha
ExcluirTodos nós temos um córrego na vida. É uma benção divina...
Um grande abraço.
Domingos
Olá Domingos,
ResponderExcluirRomantismo com elegância. É assim o seu post.
Parabéns!
Até mais
Prezada Ana
ExcluirPassei boa parte da vida olhando as estrelas. E ainda continuo...
Obrigado amiga
Domingos
Domingos
Faço coro aos comentários que me antecederam para elogiar o artigo de Domingos Ferreira.
ResponderExcluirMuio bem escrito, narrando com primor os detalhes de uma vida no campo, com seu indefectível córrego, a curiosidade com os bichos locais, as brincadeiras diárias com os amigos, enfim, uma existência plena de dinamismo, emoções, e que jamais serão esquecidas, ainda mais registradas com o talento indiscutível do autor, que enaltece este oásis cultural.
Um abraço forte, Ferreira.
Saúde e paz.
Amigo Chico
ExcluirMuito obrigado por suas palavras.
Tenho a sorte de poder compartilhar com você algumas vivências que marcaram minha vida.
Vou persistir. Vale a pena.
Abraço fraterno
Domingos