-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

21/09/2017

O mundo silencioso da Fadinha

Pixie Dust - imagem Walt Disney Studios


Ana Nunes

Dia desses fui ao aniversário de quatro anos de uma Fadinha. 
Esguia no seu vestidinho, pezinhos descalços de tanto brincar, cachinhos louros e macios se espalhando pelo rosto, olhos atentos e sorriso desafiador. Assim era essa Fadinha, toda, toda desembrulhando presentes e comandando a festa. Só que essa Fadinha ilumina sem palavras porque vive num mundo silencioso do qual não participamos. Ela já ouviu e acho que ainda tem memória de algum som, mas aos poucos foi perdendo o ouvir e as palavras foram se desvanecendo como picolé no céu da boca. 

Na sua festa, durante o parabéns, a Fadinha batia palmas distraídas e olhava com sorriso encantado as pessoas à sua volta, o bolo todo seu e a vela colorida. Porque não é o som que a cativa mas o gesto e o movimento. 
Do alto dos seus quatro anos estreados nesse dia e do alto de uma cadeira onde ficou de pé, mostrando que apesar do seu pouco tamanho ela era dona da festa, distribuía os pedaços de bolo cor de rosa que a avó partia, indicando para quem deveriam ir. Assim, nessa tremenda euforia silenciosa, também organizou a divisão de lembrancinhas. Feliz, sorrindo, como se tudo ouvisse e tudo falasse. Linda como uma Fadinha que nada precisasse ouvir ou falar.

Ela e seu pequeno mundo não mais me deixaram em paz. Pensei por dias e dias como saber um pouco desse mundo desconhecido. Fiz mil perguntas e fiquei sem mil respostas.

Perguntei ao google e ele me deu só respostas didáticas. E falou do aprendizado mais difícil por não caber palavras. 
Perguntei ao mergulhador se esse era o mundo do azul profundo. E ele me respondeu que deveria ser parecido mas que no mundo dos peixes dá para ouvir as bolhas. Mas que o silêncio era grande e maravilhoso. E solitário. 
Continuei perguntando aos livros médicos e me falaram de próteses. Mas não era disso que perguntava. 
Queria saber era do mundo que a cerca por dentro de sua cabecinha cacheada. Como rola seu pensamento entre esses muros silenciosos.

Perguntei então às estrelas do céu distante. E só com elas fiquei sabendo um pouco. E tive certeza que ela é uma Fadinha. Rodeada de estrelinhas numa bruma brilhante e agitando a varinha mágica. E com ela desmanchando diferenças e fazendo alegrias. E dizendo com gestos e olhares quase tudo que precisa ser dito.

Vi no vídeo feito na escolinha, ela experimentando um aparelho que ainda precisa de acertos e sem a garantia de funcionar. 
Mas a Fadinha, naquele momento, ouviu sons, não palavras. E ficou quietinha, o rosto inclinado e longe, meio sorriso no vislumbre de algo estranho e desconhecido. Meio incomodada e meio curiosa.

O pai se emocionou junto com a emoção dos coleguinhas. E o vídeo emocionou quem o viu. Esse pai tão jovem e tão preocupado por não poder negociar com ela a hora do banho, a hora de ir para a cama, a hora de parar de brincar, como faz com a filha mais velha. Mas ele vai descobrir, sei disso. E essa mãe jovem que confia no temperamento alegre e resolvido da filha.

Também sei que os queridos avós músicos saberão fazer a Fadinha conhecer o ritmo e a companhia maravilhosa da música. Eles saberão!


11 comentários:

  1. Moacir Pimentel21/09/2017, 12:32

    Caríssima Donana,
    Dizer-lhe o quê? Não vou poetar que ser pai, mãe, avô, avó é sempre querer saber sobre os pequenos mundos que moram dentro de cabecinhas lisas e cacheadas pois percebo o quanto essa criança a emociona. Então prefiro contar-lhe sobre um casal de amigos nossos, pais de uma garota especial. Quando ela chegou o pai era um colega meu de trabalho. Ficamos amigos porque, durante uns três meses, ele não foi capaz nem de pensar imagine trabalhar e o jeito foi me virar e dar conta do meu e do dele. A mãe é uma leoa indômita dessas que jamais fraquejam na defesa das crias, mas o pai atravessou todas as fases de praxe: a da negação, das promessas, da revolta e da depressão até que aceitou e amou a filha incondicionalmente. Os nossos amigos tiveram seus altos e baixos, caminharam confusos com opiniões conflitantes, frustrados com a enorme quantidade de desafios diários e muitas vezes,assaltados por uma estranha culpa. Mas se precisaram também encontraram apoio e nunca permitiram que a deficiência da pequena assumisse o comando de suas vidas. Não sei como fizeram o milagre da felicidade , nem qual foi o bem sucedido caminho das pedras, mas o certo é nós fomos a muitos aniversários, à festa de quinze anos, às formaturas de segundo e terceiro graus e em breve iremos ao casamento da moça, hoje com 25 anos. Ela não só achou mais escolheu seu caminho na vida. E o respeito que tem por si mesma, torna-se o modelo para o respeito que recebe os outros. Sim, Donana, "eles saberão".
    "Até mais"

    ResponderExcluir
  2. Ana, a nossa Fadinha vai conseguir transmitir ao mundo o se mundo interior, tenho fé. E todos ficaremos felizes.

    ResponderExcluir
  3. Francisco Bendl21/09/2017, 17:27

    Aninha,

    Traziam-lhes crianças para que as tocasse, mas os discípulos as repreendiam. Vendo isso, Jesus ficou indignado e disse: "Deixai as crianças virem a mim. Não as impeçais, pois delas é o Reino de Deus. Em verdade vos digo: aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele". Então, abraçando-as, abençoou-as, impondo as mãos sobre elas.
    Marcos 10,13-16

    Um grande abraço, forte, caloroso.
    Muita saúde e paz, extensivo aos teus amados.

    ResponderExcluir
  4. Querida Ana,

    Como suas palavras descrevem com tanta poesia esse mundo desconhecido e assustador que nós entramos,atônitos. Avô, duas avós, bisavó, pai, mãe, irmãzinha e todos que cercam essa Fadinha.Essa menininha, que nos surpreende todo dia com sua astúcia,sua alegria e sua personalidade forte.Pegos de surpresa,de repente aconteceu com a gente "aquilo que só acontece com os outros".E fomos forçados, como tantos outros, a nos tornar mais humanos,a aceitar o sofrimento como ensinamento, a entender profundamente o significado da palavra "compaixão".Vamos nos esforçar ao máximo pra ensinar a essa Fadinha o significado real dessa palavra e de tantas outras.Ensiná-la que palavras não só palavras,não são só signos ou sons, mas são também varinhas mágicas,capazes de transformar o mundo.Capazes de transformar o silêncio em música.
    Muito obrigada Ana, por suas palavras e principalmente pelo seu amor.

    ResponderExcluir
  5. Lea Mello Silva21/09/2017, 19:28

    Que delicadeza encontrar estes textos, que completaram o da Ana
    Que beleza ver este mundo com pessoas tão sensíveis
    Só tenho a agradecer

    ResponderExcluir
  6. 1)Parabéns Ana, texto encantador para uma menina idem.

    2)Claro que lembrei da minha netinha de 2 anos e meio.

    3)No último dia 19/09 foi meu aniversário... por skipe cantamos os parabéns, às 13 horas. Assoprei a velinha e, lá de Madrid eles tb cantaram e bateram palmas ...

    4) Coisas da tecnologia ...

    ResponderExcluir
  7. Moacir, Tita, Francisco Bendl,Titi, Léa e Antonio,
    Agradeço em conjunto porque o conjunto dos seus comentários vale mais do que o texto, forma um outro belo bexto de delicadeza, de carinhos e exemplos. Parece uma oração.
    Como disse a Léa " que beleza ver este mundo de pessoas tão sensíveis!"
    Só posso agradecer. Muito. Muito!
    Até sempre.

    ResponderExcluir
  8. Moacir, Tita, Francisco Bendl,Titi, Léa e Antonio,
    Agradeço em conjunto porque o conjunto dos seus comentários vale mais do que o texto, forma um outro belo bexto de delicadeza, de carinhos e exemplos. Parece uma oração.
    Como disse a Léa " que beleza ver este mundo de pessoas tão sensíveis!"
    Só posso agradecer. Muito. Muito!
    Até sempre.

    ResponderExcluir
  9. Heraldo Palmeira23/09/2017, 00:49

    Ana,
    Eu era um reles menino buchudo quando saí do interior para morar na capital. Lá, conheci um parente distante que parecia diferente de mim, era Down. Estou falando de 1967 e dá para imaginar o que a ignorância a respeito produzia. Dedé virou unha e carne comigo em todas as ocasiões em que nos visitava. Dividíamos os meus brinquedos e conversas sem nenhuma dificuldade. Passávamos o dia felizes, amigos, iguais, irmãos.

    Ao saber de sua Fadinha me emocionei, lembrei do meu Dedé. Inocente, querido, puro, bondoso. E sua Fadinha me resgatou na memória uma música linda, Arco-íris, de Fátima Guedes - que ouço sentindo que nunca perdeu o frescor. Passa a ser a musificação de Fadinha para mim, o arco-íris que certamente é. Já que ela não pode, eu ouço a música por ela para que ela ouça, e nos abençoe com sua inocência divina:

    Fadas e gnomos
    Todos os duendes de todas as matas
    Todas as pedreiras, fios d'água, cachoeiras
    As outras cores do íris
    São segredo nosso
    Quisera falar das coisas que não posso
    Do que faz do ar, a brisa, e a brisa de vento
    E o vento de ventania
    Essa magia
    Essa força que comanda cada elemento
    É a poesia
    De se recriar e escolher o momento
    De ser uma rosa
    E de ser o elfo que mora na rosa
    Ter um brilho intenso
    Como o sol e como o ouro no final do arco-íris

    Muito em breve haverá páginas para ler, e aponto a de número 7, chamada "Dedicado a quem está no céu". Quase no final, estarão Raimundo Souza e Zé Carneiro. Você compreenderá. Até mais.








    Em breve, você vai poder ler

    ResponderExcluir
  10. Olá Heraldo,
    Obrigada pelo seu lindo comentário que se junta aos outros na ode à Fadinha.
    Aos 6 anos, você nem era nascido, fui alfabetizada em Leopoldina, interior de Minas onde meu pai era supervisor da antiga ACAR, e tive uma colega que deveria ser Down. Éramos amigas e tenho até hoje um álbum de retrato que ganhei de presente com sua assinatura garranchuda de aprendiz das escritas. E até hoje me lembro do seu balançar do rabo de cavalo quando andava,para lá e para cá, como o pêndulo de um relógio.
    Saberei sim, tenho certeza disso!
    Obrigada de novo.
    Até mais.

    ResponderExcluir
  11. ei Aninha, o que dizer de seu texto ! não caberia em nenhum lugar, com tanto sentimento e leveza de suas palavras. Pensamentos e questionamentos sempre irão existir em todos que rodeiam a pequena e brilhante Fadinha! Não se preocupe , ela é cercada de muito amor, por isso, ela é feliz!!!!!

    Anna Paula

    ResponderExcluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.