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09/11/2017

O Filme

Tyrone Power e Alice Faye - "Alexander's ragtime band" - 20th Century Fox

Francisco Bendl
Do alto dos meus sessenta e oito anos de idade afirmo categoricamente que sou um cinéfilo.
Desde os desenhos de Disney aos grandes dramas; dos faroestes aos musicais; dos espetaculares filmes de guerra aos inesquecíveis documentários.
Desses últimos, as duas obras primas a meu ver são:
O Drama do Deserto, a respeito da vida animal nesse mar de areia, década de cinquenta, e Corações e Mentes, sobre a Guerra do Vietnã, década de setenta.
Assistir um filme é sonhar, projetar a nossa existência como se fôssemos um herói, um “mocinho”, encontrar um grande amor, ser idolatrado.
A sétima arte nos possibilita gostar de pessoas (personagens) com que jamais vamos nos relacionar porque fictícias, irreais, no entanto, nós as adotamos para fazer parte da família.
Lembro que depois do maravilhoso A Dama e o Vagabundo, qualquer cusco se chamava Banzé.
Na minha época, os atores e as produções americanas dominavam o mundo (mais tarde nos demos conta que era a maior propaganda jamais imaginada em prol do capitalismo, do “American Way of Life” ou estilo americano de vida).
Em meados dos anos cinquenta, surgiu uma atriz francesa que revolucionou o cinema até então, que se chamava Brigitte Bardot.
Os Estados Unidos não ficaram para trás.
Em seguida, anos sessenta, aparece nas telas do Tio Sam, uma mulher tão bela e sensual que a francesa, chamava-se Jane Fonda, sensualíssima em Barbarella.
No cenário brasileiro à época, Oscarito e Grande Otelo eram nossos expoentes e Renata Fronzi, a nossa mulher opulenta, farta, um sonho pecaminoso para nós, adolescentes, um idílio amoroso impossível!
Assisti durante esta minha vida até os dias de hoje incontáveis filmes, milhares, certamente, e muitos extraordinários.
Aventuras, suspense, intimistas (Gritos e Sussurros, de Bergman, um soco na boca do estômago do espectador), e o interessante e curioso Império dos Sentidos, que agitou os circuitos mundiais porque abordava o amor carnal tão intenso que as cenas eram de sexo explícito (o Rio Grande do Sul tem uma colônia italiana muito grande, localizada na serra do Estado. Algumas cidades são rivais em brincadeiras e chacotas entre si. E não só vivem bem como as “pegadinhas” são constantes.
Quando esse filme chegou em uma dessas cidades italianas, o sucesso foi enorme, assim como no mundo todo.
Um casal de colonos, plantadores de uva, simples, queria assistir a película que tantos comentários causava. Os dois se arrumaram com a melhor roupa, o sapato mais novo, e foram para a cidade ver o tal filme.
Entraram onde imaginaram que era o cinema e pediram dois ingressos;
- Ei, tchó, querrrrremos duas entrrradas para ver esse fillllme.
O rapaz olhou para um lado, para o outro, e questionou o senhor:
- Que filme que o senhor quer ver?!
- Orrra, eu e a minha môllherr querremos ver o Império dos “Chentidosss”!
- Meu senhor, responde o balconista, aqui não é o cinema, mas a loja Empório dos Tecidos...
Meus sentimentos foram exaltados em filmes;
Meu coração bateu mais forte em centenas de cenas de filmes;
A mulher sonhada e idealizada em sua beleza, meiguice e feminilidade foi em filmes, e a minha musa era Ingrid Bergman;
As grandes vitórias de vidas em extremas dificuldades foram em filmes;
Atos heroicos em filmes...
Sonho vai, sonho vem, sonho se dissipa, desaparece como um passe de mágica.
A imaginação passa a dar lugar obrigatoriamente à realidade com o avanço do tempo, implacável, sem qualquer senso de humor.
Mesmo assim, apesar de os pés não poderem sair do chão, eu queria muito fazer da minha vida um filme.
Teria de ter um roteiro, claro, um script a seguir, e que eu fosse indiscutivelmente o ator principal!
Vá lá que eu fosse um canastrão em representar a mim mesmo, mas eu teria de ser o nome maior, aquele que encabeçava o cast, que daria significado e sentido ao filme.
E como as películas de “amor” sempre foram nostálgicas, pois invariavelmente o filme terminava com os amantes separados – neste particular o célebre filme e genial título, Suplício de uma Saudade, com a sua música que ganhou o Oscar, inegavelmente é um marco na história do cinema -, de modo eu não sentir o coração palpitar em vão ou de me apaixonar pela mulher impossível, eu me casei aos vinte anos!
O meu grande amor, a mulher tão sonhada está comigo há quase cinquenta anos, e sentada ao meu lado enquanto escrevo as minhas recordações que os filmes tão prazerosamente me deixaram.
Paradoxalmente, as imagens inesquecíveis dos filmes me ajudaram muito durante a minha vida, repito, a separar a ilusão da realidade, principalmente, a ponto de eu poder afirmar e com bases em acontecimentos e episódios marcantes durantes essas quase cinco décadas de casado, que a minha união com a Marli poderia ser filmada e daria um belíssimo filme!
Houve a paixão avassaladora de imediato (namoramos, noivamos e casamos em trinta dias);
Extremas dificuldades a serem vencidas diariamente;
O nascimento de três filhos em intervalos de dois em dois anos aumentava a luta a ser enfrentada cotidianamente;
Os esforços para sustentar, educar e formar a prole foram imensos;
O grande amor que venceu o tempo e os obstáculos quase que intransponíveis;
Os filhos depois bem encaminhados, casados, e que nos presentearam com netos;
A alegria de um churrasco aos fins de semanas com a família reunida, e os dois netos e as três netas como consequência de um casamento digno de um final empolgante de um filme bonito, meigo, de um final feliz e com os espectadores querendo o mesmo para suas vidas!
Que lindo filme!
Em Cinemascope e Technicolor, projetando a arte de viver de uma família modesta, porém coesa, em prol de objetivos comuns, assentada no caráter, honra e decência de todos os membros desse clã.
Um roteiro muito parecido com o seriado dos anos sessenta, que se chamava Papai Sabe Tudo.
Um título pretensioso, além de sobrecarregar o pai em demasia, lógico, mas de uma importância significativa, pois se espera sempre que o pai saiba resolver os problemas e as agruras rotineiras de uma família.
O final de cada capítulo sempre deixava uma mensagem positiva e da criatividade daquele vendedor de seguros que, juntamente com a sua mulher, encontravam as soluções para os problemas.
Sem dúvida alguma, o meu filme não seria apenas um filme...


8 comentários:

  1. Chicão, belo post com um bonito final contando seu melhor filme :)
    Você foi buscar lá no fundo das minhas memórias "O Drama do Deserto", cujas belíssimas imagens foram postas num livro de impressão primorosa e inspiraram algumas de minhas iludidas tentativas de garoto de pintura a óleo... Tínhamos assistido o filme lá em casa, um amigo de Papai tinha um cinema e nos emprestou uma cópia em 16mm.
    Um abraço do Mano

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  2. Francisco Bendl09/11/2017, 16:24

    Wilson,

    Obrigado pelo comentário.

    O Drama do Deserto foi lançado em 53, mas veio para o Brasil lá pelos idos de 55.
    Um espetáculo as filmagens a respeito de os animais e insetos lutarem para viver e sobreviver.

    No Youtube, que aponta a película estar completa, há um cartaz em vermelho dizendo ser restrita a sua apresentação. Uma lástima porque não existe esse filme para alugar, pois o tempo é o mesmo para quem vive no deserto, ainda de certa forma mantido intocável pela mão do homem, por motivos óbvios.

    Quanto ao meu filme ... sonho de uma noite de verão, evidentemente.

    Vale a projeção que a gente faz da vida em certos momentos, querendo um “grand finale”, algo apoteótico por que não?

    Afinal das contas, precisamos amenizar a dura realidade que nos acompanha do início ao fim de nossas existências e, a fantasia, inegavelmente tem esses predicados, de nos fazer viajar no tempo com quem queremos e onde quisermos.

    Um forte abraço.
    Saúde e paz, meu caro.

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  3. 1) Parabéns pelo artigo Chicão !

    2)Interessante, quando jovem, era cinéfilo, mas os anos foram passando e eu fui mudando.

    3) Hoje, raramente assisto filmes em casa; gosto mesmo é de ficar estudando e pesquisando na web.

    4)Na casa dos parentes ou em casa, no meio do filme acabo adormecendo. Então levanto, faço outras coisas e volto.

    5) Da última vez que fui ao cinema com minha irmã e sobrinha, em Brasília, após o almoço, adormeci e ronquei bem alto, atrapalhando os demais. Isso tem mais de 4 anos...

    6) Hoje, gosto mesmo é de computador, nem a TV aberta ou fechada assisto. Em compensação leio todos os jornais on line.

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  4. Francisco Bendl10/11/2017, 07:01

    Rocha,

    Obrigado pelo comentário.

    Muitas pessoas encontram nos filmes um belo sonífero!

    Conheço muita gente que é assim como falas, adormecem, ferradas no sono.

    No entanto, na condição de notívago que sou, vejo filme e séries durante a noite, até quase seis horas, quando desligo a TV e preparo o dia, se tenho de sair, comprar alimentos, pagar contas ...

    Um forte abraço, meu amigo.
    Saúde e paz.

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  5. Olá querido amigo,
    Não fique triste!
    Seu post está ótimo e carrega a gente para o passado: Álamo, Sonata de Outono, O mais longo dos dias, Bom dia Vietnã, os Cafagestes, My Fair Lady, O julgMento de Nuremberg, Descalços no Parque, A noite dos Desesperados, Agnes de Deus, e por aí vai e vai e vai...
    E, finalmente, o filme de nossas vidas: o primeiro amor, o primeiro beijo, a primeira transa, casamento, nascimentos e mortes e a gente virando Gente.
    Com certeza o seu filme tem mais suspense e aventura do que o meu. Vidas ricas, isso sim. Temos que ser gratos!
    Até mais.

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    Respostas
    1. Francisco Bendl10/11/2017, 13:53

      Aninha, minha querida dissidente,

      Grato pelo comentário.

      A minha intenção foi obtida, de sugerir que meus amigos regatassem o passado através de grandes filmes para que relembrassem os bons momentos vividos.

      E escreveste muito bem quando temos o filme de nossas vidas, se não nas telas dos cinemas, em nossas mentes, e são mesmo inesquecíveis.

      Sabe, este nosso diálogo no Conversas do Mano tem uma particularidade muito importante:
      Diante da faixa etária que pertencemos, a compreensão pelo que postamos e os recados deixados são facilmente assimilados, aceitos, e que nos impulsionam para novas tarefas deste tipo, de agitar nossas lembranças - recordar é viver -, colocá-las no liquidificador do tempo e sorvê-las moderadamente pela nostalgia do gosto que outrora fora arrebatador!

      Um grande e forte abraço, Aninha.
      Saúde e paz, extensivo aos teus amados.

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  6. Moacir Pimentel10/11/2017, 11:42

    Bendl,
    Um ótimo post para quem, como eu, é viciado em uma boa história. Os filmes dão vida a muitas delas em vastos mundos diante de nossos olhos mas ainda assim, não têm a mesma força dos livros. Diante das telas somos apenas observadores das paisagens físicas e mentais e espirituais que desfilavam à nossa frente enquanto que nos bons livros os protagonistas e/ou antagonistas viram nossos amigos de infância e conhecemos seus pensamentos mais íntimos, as suas dúvidas, medos e esperanças. Os filmes permitem que a gente observe tudo, é verdade, mas os livros são mágicos e nos fazem sentir e viver suas histórias nas nossas imaginações. Portanto quando os roteiros são adaptados de livros, boto as pretinhas na frente (rsrs)
    Porém, enquanto vou envelhecendo diante da Netflix e vendo mais e mais filmes, eu já não mais preciso que eles sejam brilhantes de cabo a rabo, durante duas horas de perfeição ininterrupta. Aprendi a apreciar nos screenplays apenas aquela tomada de beleza pura, ou aquela cena cuja luz é estupenda, ou aquele diálogo inesquecível que me fazem perceber que tem mais gente como eu fora das minhas paredes e esse é um ótimo sentimento.
    Assim como na vida, também os filmes têm altos e baixos, mas em meio a tudo isso guardam momentos que são tão perfeitos, reais ou convincentes, pungentes ou divertidos, que a gente esquece de tudo e se perde neles. Como o Pianista judeu tocando e o general alemão escutando, o tango cego em Perfume de Mulher, a belíssima cena final de Nostalgia do diretor russo Andrey Tarkovski e aquela abertura que resume toda a trama de Melancolia, o olhar daquele alemão, o agente secreto da RDA em A Vida dos Outros, cada vez mais sensibilizado pelo escritor dissidente que vigia, o beijo faminto do Jude e da Natalie em Closer depois dele confessar à moça que está apaixonado pela Julia , e o prezado Rhett Butler pegando sua malinha e se mandando depois de dizer para a Scarlett o eterno bordão: "Francamente, minha querida , não tou nem aí". O que acontece depois disso, se o cara volta ou não para a mocinha chorosa não tem a menor importância, o que importa é a triste perda de tempo, é essa mania que os humanos têm de só dar valor ao que perderam. Tem mais: As Time Goes By em Casablanca, a cena do julgamento em M ...O Vampiro de Dusseldorf, a despedida do ET, as cenas do desembarque na Normandia no Resgate do Sargento Ryan e last but not least uma das mais hilárias frases do cinema: "Quero o mesmo que ela comeu" , em Harry e Sally , Feitos Um Para o Outro (rsrs)
    https://www.youtube.com/watch?v=rNQaL5iFi08
    É engraçado como eu consigo me lembrar mais facilmente desses meus retalhos prediletos do que, por exemplo, dos nomes de alguns dos filmes. São coisas pequenas mas tão boas de assistir que obliteram todos os sentimentos negativos e quaisquer críticas que eu possa fazer às tramas rasas ou maniqueístas, aos personagens confusos e egocêntricos, à impossibilidade de “conversa” nas misturas de soluços, palavras, lágrimas e culpa nos diálogos bobóides.
    Eu aprendi a relevar o resto e a focar naquilo que faz o filme único. Às vezes eu não sei a quem dar o crédito. Não sei explicar porque a história funcionou, se teve significado devido à ocasião e/ou a companhia, se foi o script que me agradou ou se o diretor sabe das coisas ou se a fotografia me ganhou ou se talvez os atores - quem sabe? – improvisaram minhas cenas favoritas. O fato é que sempre descubro nas páginas e telas alguma coisa que tem conexão comigo e que me faz acreditar que aqui, na nossa não tão glamorosa real, a vida ainda vale a pena.
    Abraço

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    Respostas
    1. Francisco Bendl10/11/2017, 14:12

      Prezado Pimentel,

      Obrigado pelo comentário.

      Na verdade, o texto que comentas sobre o artigo em tela é que deveria ser o próprio e, a minha postagem, o comentário.

      Mas, diante do que escrevi para a Ana, o meu objetivo era exatamente resgatar das nossas memórias os filmes que tanto nos emocionaram e alegraram, analogamente aos acontecimentos de nossas vidas. Não comparando-os, pois a fantasia não pode ser confundida com a realidade, apesar de suplantá-la, às vezes, mas em face dos enredos, de alguns finais, de certas gargalhadas e fortes emoções.

      E olha que os filmes nos deram tais sensações às pencas, logo, uma das tantas se encaixa plenamente em nossas vidas.

      A lista dos filmes que mencionas é fenomenal. Vi todos eles, alguns várias vezes.
      E como diversão, haja vista que muitas famílias possuem situações parecidas, Parente é Serpente!
      Outro:
      Amarcord, fabuloso, e a trilha sonora, então?

      Um forte abraço.
      Saúde e paz.

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