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29/11/2017

O Zero e o Budismo

O número "605" em Khmer antigo, no templo de Sambor - a mais antiga escrita do "zero" como algarismo
(imagem Wikipedia)

Antonio Rocha
Pegue qualquer algarismo, por exemplo, o número 1, a unidade, e acrescente à esquerda um zero, depois dois zeros, três e assim sucessivamente. Chegaremos a quantidades ínfimas, medidas microscópicas, pesos quase inexistentes. Se continuarmos nessa escala, chegaremos quase que ao nada, ao vazio.
Agora, do mesmo modo utilize qualquer outro algarismo, de preferência o número 1 que já vimos. Coloque a sua direita um zero, depois dois, três, quatro cinco zeros etc. Chegaremos então a números astronômicos, infinitos, imensuráveis, impossíveis de serem medidos, pesados, quantificados.
Observe. Tudo por causa de um pequeno e simples símbolo, um círculo que sozinho não representa nada, mas junto com outros significa muito.
Assim somos nós. Sozinhos não somos nada, é em contato com os outros que crescemos. Em certo sentido valemos muito, mas este valor, esta importância não deve desenvolver o nosso ego. O ideal é que cresçamos de forma positiva, o zero à direita; enquanto que o nosso egoísmo, a nossa vaidade, as nossas mazelas, a nossa arrogância devem decrescer como os zeros à esquerda.
As nossas negatividades acabam no vazio. As nossas iluminações crescem, brilham no outro lado até o infinito e pós-infinito. Em um sentido, o vazio é o infinito e vice-versa.
Mas, o que pouca gente sabe é que o zero, a representação desse algarismo como uma “bolinha” vazia, tem sua origem no budismo. Tradicionalmente, aprendemos na escola que os algarismo arábicos são 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0; o zero também está incluído, só que, a bem da verdade, o fato histórico é o seguinte:
Quando os árabes invadiram a Índia, eles só conheciam os algarismos de 1 a 9. A chegada da cultura árabe ao subcontinente indiano deparou-se com o apogeu da civilização budista, a explosão búdica nas artes, ciências, filosofias, religiões etc... os árabes ao entrarem em contato com esta rica tradição budista encontraram o conceito de vazio bem estabelecido.
“Sunya”, ou seja, um termo da língua sânscrita para caracterizar o vazio, que os budistas conheciam e praticavam desde o século VI antes de Cristo. Os budistas desenhavam uma bolinha vazia para explicar, caracterizar o conceito filosófico de vazio.
Eis aí uma importante contribuição do budismo para a humanidade, e como esta, existem outras colaborações também muito grandes, de que falaremos adiante.
Estas informações colhemos no excelente livro “Budismo, sua essência e desenvolvimento”, de Edward Conze, publicado pela Editora Civilização Brasileira, em 1973.
O autor (1904-1979), dedicou toda a sua vida à difusão do Darma (a Doutrina budista) na Inglaterra, o seu país natal, e por extensão em todo o Ocidente. Escreveu treze livros sobre o assunto, mas este referido é considerado como uma das melhores, senão a melhor exposição sobre o budismo já publicada em qualquer língua, pela sua clareza e objetividade.
Imagine agora, se o mundo de hoje, não conhecesse o zero? Impossível, não é?
Pois bem, à proporção que os séculos avançam, mais e mais pessoas vão se dando conta de que o budismo é, realmente, algo notável.


8 comentários:

  1. Moacir Pimentel29/11/2017, 14:27

    Vizinho Antonio,
    "Sozinhos não somos nada, é em contato com os outros que crescemos"
    Pois é. É tão bom descobrir que não estamos falando sozinhos no éter rodeados de zeros destilando ódio por todos os lados! Obrigado!
    A minha mulher sempre repete que é preciso prestar atenção "aos sinais". Eu não entendo muito disso, não traduzo a linguagem lá muito bem, passo batido por inúmeros neons, mas como não sou besta entendo o que ela fala e então finjo que obedeço, de vez em quando (rsrs)
    Mas o fato é que, coincidentemente, ontem à noite eu tentei escrever sobre a "matemática cubista". Desisti , frustrado com o texto e convicto de que não valia mesmo a pena: quem iria se interessar?
    E então entro aqui e me deparo com o seu belo post e descubro a matemática budista. Foi um sinal? Não sei. Mas uma coisa lhe garanto: quanto mais posts seus eu leio, mas me convenço de que os meus poetas prediletos eram todos budistas, se bem que alguns deles da vertente tântrica (rsrs)

    "Tão cedo passa tudo quanto passa!
    Morre tão jovem ante os deuses quanto
    Morre! Tudo é tão pouco!
    Nada se sabe, tudo se imagina.
    Circunda-te de rosas, ama, bebe
    E cala. O mais é nada."
    ( Ricardo Reis, um dos fantasminhas de Fernando Pessoa, em Odes)

    Às matemáticas!
    Abração

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    1. 1) Salve Moacir, estou no aguardo do texto "Matemática Cubista"... sempre vale a pena e sempre aprendemos... aliás, arte, música tem muito a ver com matemática.

      2) Lembro que, lá no meu querido Gama, DF, década de 1960,me colocaram o apelido de "Pi", por causa do grego 3,14... é porque era pequeno, baixinho e então virei Pi...

      3) Penso que o Fernando Pessoa conhecia o budismo, pois traduzia os livros da Teosofia.

      4)Abraços inumeráveis !

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  2. Mestre Antonio, um belo texto sobre como o zero pode significar a ambivalência que nos faz balançar entre o nada e o infinito. E aprendi com você que os árabes aprenderam o zero com os indianos. Obrigado.

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  3. 1) Salve Mano, e aprendi com vc que o zero do povo khmer, no distante Camboja budista é muito bonito.

    2)Este belo blog nos proporciona amizades pós-infinitas !

    3)Gratidão !

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  4. Francisco Bendl29/11/2017, 17:46

    Rocha,

    Reitero que os ensinamentos budistas muito me agradam.

    Aplaudo mais essa história que nos relata do Mestre, que sempre me faz pensar sobre uma séria de situações análogas.

    Um forte abraço.
    Saúde e paz.

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    Respostas
    1. 1) Salve Chicão, obrigado pelo comentário.

      2) É sempre bom compartilhar com os amigos aspectos da Vida Budista.

      3) Tudo de bom !

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  5. Olá Antonio Budista,
    Aprendo muito com você. Vivendo e aprendendo, não é assim?
    Texto interessantíssimo.
    Faça muitos mais.
    Obrigada.

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  6. 1)Obrigado Ana !

    2) Com vcs estamos somando sempre boas mensagens.

    3) Abraços.

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