Francisco Bendl
Antes de a minha avó
falecer, mãe da minha mãe, ela me deu de presente uma relíquia!
Simplesmente ela
guardara por anos a fio o filme do casamento da sua filha, a minha mãe!!
A película era ainda
em 8mm, e precisei encontrar uma empresa que o copiasse para VHS (não havia
CD), e torcer para que restassem algumas imagens do matrimônio dos meus pais.
Durante o tempo que
seria levado para esta transposição, a minha ansiedade era muito grande.
Meus pais se casaram
em 1949, e depois de tantos anos vê-los “sem mim”, antes de eu ter dado o ar da
graça neste mundo, confesso que a minha cabeça girava à espera do que eu veria
naquela fita.
No dia combinado, fui
buscar o filme. A pressa de chagar em casa era muita, a ponto que fui de táxi,
sem perder tempo de tirar o carro da garagem, procurar uma vaga de
estacionamento, voltar para apanhá-lo e depois guardá-lo na garagem de novo.
Mal entrei e coloquei
a fita no aparelho, não sem antes chamar a Marli para ver comigo o célebre
acontecimento!
A técnica fez um bom
trabalho.
Lá estavam
nitidamente os meus pais subindo os degraus da Igreja São Geraldo, em Porto
Alegre, o padre fazendo a liturgia da função, os dois saindo da Igreja e entrando
no carro que os levaria para casa.
A emoção tomou conta
de mim, totalmente.
A festa, na casa das
minhas tias, na avenida Eduardo, perto da Igreja, teve a presença dos meus
tios, tias, amigos dos meus pais, que eu ia reconhecendo e me emocionando a
cada tomada de seus rostos, suas alegrias, cumprimentos efusivos, e a minha mãe
radiante, belíssima, absolutamente feliz!
Vi de novo gente que
havia morrido, que era jovem quando este filme fora feito, que tinham planos de
futuro, e que os sorrisos eram fáceis.
Cheguei a ver o meu
primo Sérgio, que nascera em 47, no colo da minha mãe – eu nasci em 50 – e do
meu pai(eram seus padrinhos). Este primo morreu aos cinquenta anos, no ano de
97. Meu tio, irmão do meu pai, ainda solteiro, tinha 21 anos. Meu pai com 23 e,
a minha mãe com 20!
A vida foi
interrompida para a minha mãe quando ela mal completara 42 anos, em 1971; meu
pai morrera em 75, aos 49 e, o irmão dele, aos 47, TRINTA DIAS DEPOIS DA MORTE
DO IRMÃO, meu pai!
Assistir tanta gente
que não estava mais viva, alegre, rindo, dançando, sem imaginar as surpresas
que a vida lhes reservaria, me causou um mal-estar, e não achei que eu tinha
feito algo bom ao ver aquelas lembranças animadas e que tanto me haviam
emocionado!
Vi a fita até o fim,
quando as minhas tias também eram vivas - tias da minha mãe -, o meu avô, pai
do meu pai – a minha avó, mãe do pai havia morrido em 47 – parentes que também
não estavam mais vivos, amigos, quase que me arrependi de ter assistido o
filme, mas foi uma experiência avassaladora, forte, inesquecível para o resto
dos meus dias.
Meu irmão veio ver a
fita no dia seguinte. Também as lágrimas lhe correram pela face. Mais emotivo
que eu, a minha mulher teve de lhe dar um copo d’água com açúcar!
Certamente o que mais
nos deixou amargurado foi por termos sido testemunhas de uma relação conjugal
que não dera certo, e desde o início!
O ar de felicidade e
alegria de nossa mãe naquele dia, em seguida seria substituído por lágrimas,
decepções, frustrações, e o rosto do nosso pai demonstrando que casara com a
mulher que amava era apenas representação de uma realidade que se mostraria
completamente diferente meses depois!
Ambos se separaram em
59, dez anos após um casamento radiante, em um dia que ficaria marcado como
terrível para aquela família pequena – dois filhos - que teve condições de
alçar voo, porém jamais conheceu as alturas de uma relação adequada e propícia.
Não me lembro de a
minha mãe ter tido dois dias seguidos de felicidade enquanto vivi. Igualmente
não percebi no pai momentos de confiança no casamento, e amor à esposa e
filhos, que lhe impulsionariam para sustentar a mulher e os tais rebentos!
Se morreríamos de
fome ou não, se tivéssemos onde morar ou não, se a vida nos seria cruel ou não,
nada importou quando jogou a aliança em cima da mesa e deu no pé!
Portanto, ver o
casamento de dois jovens, e saber que aquela união não se concretizaria, que
ruiria em seguida, e que redundaria duas crianças, dois guris - sou seis anos
mais velho que meu irmão - que tiveram de encontrar seus próprios caminhos, sem
qualquer orientação e apoio, e estavam assistindo ao casamento de seus pais
muito tempo depois, foi algo que me abalou profundamente, e que me trouxe como
mensagem que mais ainda eu deveria preservar o meu matrimônio, e cumprir com as
minhas obrigações até o fim!
Após o meu irmão ter
visto o tape, eu joguei fora!
Não era uma boa
lembrança, mas uma grande tristeza se eu guardasse o filme de uma relação que
não vingara, e de meus pais, simplesmente!
No entanto, as
imagens jamais vão me deixar. Nunca irei esquecê-las. Definitivamente me
lembrarei daquela jovem mulher alegre, feliz, sorrindo, belíssima em seu
vestido de noiva, até fim da minha vida!
E, da mesma forma, a
figura do meu pai sempre a terei comigo, tentando descobrir as razões que o
levaram a ser tão infeliz, a ponto de nos abandonar à própria sorte uma década
após juras de amor eterno à sua esposa!
Pena que jogou fora caro Francisco, mas entendo que cada um reage a sua maneira. Entendo perfeitamente sua colocação, pela história dos seus pais ser parecida com a dos meus. Só que ao invés de jogar fora, tenho a bela foto preto e branco, envelhecida em minha cabeceira. E sempre que olho penso: pena que não souberam ser felizes.
ResponderExcluirCabe a nós fazermos a nossa diferente.
Seja sempre feliz
Cara Mônica,
ResponderExcluirAs fotos do casamento dos meus pais eu as tenho todas. A fita é que achei que não devia guardá-la, pois era complicado vê-los sem sequer eu ter nascido, uma espécie de viagem ao passado antes da minha existência, algo mesmo de filme de ficção!
Vê, apesar dos meus 67 anos, como é poderosa a presença dos pais na memória, para quem já os perdeu, incrível.
Grato pelo comentário, Mônica.
De fato, causa-nos estranheza a dificuldade que nossos pais encontraram para ter uma vida pelo menos mais amena, mais de acordo, e não com tantas diferenças ou falta de compreensão e, consequentemente, amor.
Enfim, penso que eu tenha conseguido junto à família que formei dar a estabilidade devida ao meu casamento, onde lá se vão 46 anos de matrimônio inquebrantável, sólido, consistente, e que tem feito muito bem aos nossos filhos e netos, além de nós dois, claro!
Um forte abraço, menina.
Saúde e Paz, extensivo também aos teus amados.
Olá amigo Francisco Bendl,
ResponderExcluirUma triste história lindamente contada por voce. Como diz a Mônica, que pena que eles não souberam ser felizes! Mas você e sua guria souberam consertar o passado e contar uma história diferente, com seus filhos e netos.
Saúde e paz para voces.
Até mais.
Prezada Aninha,
ResponderExcluirFiz um juramento para mim mesmo ao me casar:
Vou até o fim da linha!
Evidente que eu deveria manter o trem nos trilhos, pois se descarrilasse de nada adiantaria eu querer, pois eu precisava colaborar para que o comboio obedecesse a curvatura da ferrovia e, assim, fizesse as curvas necessárias.
Só haveria uma forma de levá-lo até o destino final: tratando-o com cuidado, paixão, e amor pela função de "maquinista".
Ao longo do curso outros vagonetes se atrelaram à composição original, chamados de filhos, aumentando substancialmente a responsabilidade do condutor e de seu Imediato, que deveriam se preocupar naquele momento não mais consigo mesmos, mas com o trem no seu todo.
A velocidade diminuiu, as paradas para abastecimento aumentaram, o vagão-restaurante teve uma frequência maior de público, assim como precisamos aumentar a capacidade de água nos tanques, e colocar vestiários nos vagões-dormitórios.
Tratava-se, agora, de uma composição enorme, transportando carga preciosa, e que somente receberia o combinado se chegasse sã e salva ao fim da linha.
A longa viagem foi um sucesso!
Não foi fácil. Não foi como andar em um carro moderno e em estradas espetaculares. Muitas vezes precisamos percorrer variantes, desvios, e voltarmos para o leito principal, mas jamais nos afastamos do objetivo, de se chegar aonde pretendíamos.
Hoje, quando estamos deitados, ela com a cabeça no meu braço, o percurso nos vem à mente, e não ficamos incrédulos pelos milhares de quilômetros percorridos, mas contabilizando que se estamos nesta situação, de absoluta estabilidade emocional e nossas presenças ainda agradam e fazem falta um ao outro é porque logramos êxito na empreitada contratada há 46 anos!
Nessas alturas, viramo-nos face a face, beijamo-nos, e comemoramos o sucesso!
Um grande abraço, Aninha.
Saúde e Paz, extensivo a ti e amados.
1) Caríssimo vizinho do Universo,
ResponderExcluir2) O Buda tem uma frase que gosto muito:
3) Se vc não tem um Deus para louvar, reverencie os seus pais. Graças a ele vc está hoje no mundo.
4) Na dimensão em que eles se encontram, sejam muito felizes.
Espero que sim, Antônio, que na dimensão que tiverem sejam felizes, pois merecem esta condição pelo que sofreram neste plano ou foram frustrados ou se decepcionaram.
ResponderExcluirObrigado pelas palavras sábias de Buda.
Um forte abraço.
Saúde e Paz, meu caro amigo.