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19/12/2016

Os Doces da Consoada

fotografia Moacir Pimentel



Moacir Pimentel

Ah, a doçaria lusitana. Aquele buffet de doces da foto foi elaborado para a chegada de um sobrinho, mulher e filho de Dubai, onde  trabalham fugindo da tal da crise. Mais comuns nas mesas portuguesas na época natalina, os doces foram feitos em casa segundo receitas familiares, à exceção da rosca de nozes em primeiro plano. Não, não são rabanadas as delícias nas taças de vidro. À esquerda e mergulhadas em calda estão as filhoses de abóbora - receita de uma cunhada - e à direita, recheados de doce de leite, se encontram os sonhos - receita da minha saudosa sogra. Note à direita a presença de um saboroso e cremoso queijinho da Serra.
Na noite de Natal que na t'rrinha é chamada de Consoada, depois do "fiel amigo" dos portugueses - o bacalhau de primeira! - cozido em postas com legumes variados e servido com um molho levemente picante feito com azeite e alho e cebola e pimenta... ai jizuzzzzzz!... vai rolar um número bem maior de sobremesas: pudim, rabanadas, formigos, aletria, lampreia de ovos, pão de ló inteiro e escangalhado, bolo rei e de amêndoas e... o leite-creme!
Na família portuguesa da minha vida o leite-creme é feito no dia 24 mas só é servido no almoço do dia 25 depois da roupa-velha, um prato típico do Norte que feito com os restos do bacalhau e dos legumes sobreviventes da Consoada. Tenho um afeto muito grande por esse creme que provei pela primeira vez no Natal de 1985, feito pelos pais da minha mulher.
Sim, nesta casa portuguesa os homens participam da elaboração do prato. Após o cozimento o leite-creme é colocado em travessas e coberto por açúcar e então é preciso queimá-lo para que adquira uma cor dourada. Usa-se para tanto uns ferros antigos feitos sob encomenda com desenhos diversos que moram numa parede do sótão e que, é claro, antes precisam ser limpos e desenferrujados pelos machos do clã.
Depois que os doces esfriam, os ferros são esquentados na lareira e, em brasa, com eles vão sendo queimadas as sobremesas nas travessas. Mas só no dia seguinte o doce é liberado para consumo, com o açúcar queimado já derretido e o creme nadando nele. Antigamente a queimada do açúcar era tarefa do meu sogro. Hoje passou a ser do meu cunhado.
Eu gosto mesmo não é nem do doce. É do cheiro do fumo que sobe dos ferros em contato com o açúcar. Do cheiro do Minho! Da fumaça  subindo e perfumando a casa de caramelo, misturada com outros aromas tão bons: lenha, chouriços e presunto da Serra, castanhas, bacalhau sendo demolhado, alho e cebolas sendo picados para as vinhas d'alho e molhos e  vinho do Porto usado para temperar outros pratos da Consoada.

Acho que jamais passou pelas cabeças dos tugas usar um desses maçaricos modernosos. Sem os ferros e seus arabescos de estimação enfeitando a guloseima, o leite- creme não seria o deles, famoso e disputado por todos os membros de uma família cada vez maior.


7 comentários:

  1. Monica Silva19/12/2016, 10:27

    Sou do interior onde ainda se dá muito valor às festas e comidas tradicionais. Obrigada por me lembrar dos cheiros dos Natais da minha infância quando a minha 'tarefa' era peneirar acúçar misturado com canela nas fatias paridas. Seu artigo me deixou com água na boca e nos olhos. Tenha um Natal caramelado, Moacir!

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  2. 1) Bela foto, boa mesa, ótimos doces... não bebo ...

    2)Nessa época tenho que me segurar com a dieta ...

    3) Feliz Natal Moacir para vc e todos os seus !



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  3. Dulce Regina19/12/2016, 15:58

    Olá Moacir. Depois de uma semana ausente, volto atrasada, para tecer meus comentários sobre suas três últimas pautas. Consegui lê-las pelo meu iPhone e infelizmente não aprendi ainda acessar para postar meu comentário. Então...primeiro quero falar sobre ". os Portões do Inferno " . Primoroso seu relato sobre o intenso relacionamento de Camille x Rodin, apesar de tumutuado você deu um ar ameno na relação dos dois escrevendo " se apaixonaram, como tivessem se fecundado.." e sobre suas obras ; " elas confundiam-se, como tivessem sido amorosamente trabalhadas a quatro mãos ..." . Gostei muito disso...você sabe que amo de paixão esculturas, e as de Rodin estão entre elas, já trocamos figurinhas sobre as mesmas e o mais importante é que vem sempre novidades para enriquecer meu conhecimento. Essa escultura " O Pensamento " eu não conhecia e achei fantástica, sua explicação sobre ela traduz tudo o que realmente podemos sentir ao analisá-la. Outra surpresa para mim foi " Os
    Portões do Inferno " , que admiro demais e aprendo mais e mais. Se ficarmos sentados em frente a ele, podemos sentir e ver detalhadamente cada pedacinho ali esculpido. Ri quando você disse que Rodin não estava preocupado em explicar quem era o " Pensador " , é isso mesmo, o papel do artista não é esse, cabe a nós analisar e chegar a uma conclusão do trabalho exposto. As Três Sombras no portão , referindo a " Divina Comédia " e apontando para a inscrição " Deixai toda esperança, vós que entrais " , fez-me lembrar da nossa troca - para mim uma das melhores - sobre a Divina Comédia " . Essa escultura isolada nos jardins do Museu é uma das mais significativas, os corpos esculpidos lembram perfeitamente a miséria do pecador e Rodin soube como ninguém , porque vivenciou isso, colocar toda sua alma nesse trabalho . Lembro de uma explicação sua sobre a obra de Camille, logo depois que separou-se de Rodin, " A idade madura " , daria um belo texto aqui para o blog. Não posso deixar de falar sobre " A valsa ", " A implorante ", de Camille. Deixo meu abraço rodiniano para você. Dulce

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  4. Dulce Regina19/12/2016, 16:16

    Seguindo minha tarefa de boa (???) aluna, quero comentar sobre o " Comedor de Barro " . Estivemos nesse recanto encantado em certa ocasião, e para nossa felicidade não chovia e estivemos pessoalmente com o artista Brennand , coisa difícil de acontecer. Muito simpático, caminhou conosco num pequeno espaço de tempo em meio as suas belas obras. O local é privilegiado pela localização, pelo espaço, natureza e as belíssimas obras sempre localizadas num espaço escolhido a dedo para ali estarem. Houve só uma admiração visual, não entrei em detalhes ou estudos sobre as obras e você partilhou generosamente seu conhecimento conosco, de um jeito só seu, simples e suscinto e de bom entendimento, falando-nos até da vida do artista. Mas uma vez, obrigada por essa troca . Isso é que o faz generoso e ímpar, nesse mundo tão conturbado. Aproveite, meu amigo, sua estadia nessa terra lusa. Abraços, Dulce

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  5. Dulce Regina19/12/2016, 16:44

    Enfim, dever cumprido...E agora a conversa muda de rumo...nessa pauta você nos adoça virtualmente com essa foto de deixar água na boca. Bacana os homens portugueses participarem da preparação da Consoada e não abandonarem o ritual antigo, isso é que faz o momento ser inigualvel e inesquecível. Só uma pergunta, se não é rabanada - pois parece - então, qual é o doce ? E os vinhos muito bem escolhidos, um do Porto e outro de Alentejo, delicioso ! Já provamos dele...Achei muito importante a reunião em familia e cada vez maior sinal que os mais jovens continuarão a tradição familiar. Os italianos não ficam para trás nessa linda tradição natalina, cabrito, bacalhau e diversos doces italianos ainda fazem parte da nossa ceia. Tudo de bom para essa Familia lusa, um Feliz Natal e aproveite muito essas semanas de férias merecidas. Abraços, Dulce

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  6. Flávia de Barros19/12/2016, 19:18

    Moacir,

    Eu diria que o seu artigo de hoje é simplesmente delicioso. Um doce abraço para você.


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  7. Heraldo Palmeira22/12/2016, 00:16

    Caríssimo,
    Iniciar esta leitura é como entrar no ambiente onde a mesa está posta, pronta para oferecer tantos sabores, cheiros e tradições. Obrigado por sempre nos levar a viajar e, de quebra, oferecer tantos prazeres aos cinco sentidos. Sempre com mesa farta.

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