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23/06/2016

Carros Perfeitos



Meu Fusca 54 - foto Heraldo Palmeira


Heraldo Palmeira       

Os sinais iniciais da minha paixão pelos carros estão registrados na primeira infância. Desfilava garboso em um jipe de lata Bandeirante, verde musgo, a pedal. Fazendo com a boca o barulho do motor, da buzina, dos pneus cantando em freadas e curvas perigosíssimas criadas pela imaginação. O alpendre que circundava a casa enorme era a minha pista de corrida. Não demorou, descobri que podia turbinar o motor e ficar ainda mais rápido: ao invés de pedalar, algum amigo empurrava loucamente o carrinho. Que não tinha qualquer sistema de freio!

Na terceira infância, já piloto experimentado, me aventurava como construtor de carrinhos de lata de óleo de cozinha, para consumo próprio. Com a bossa de colocar para fora o lado interno das latas, que deixava nossas picapes com carroceria de alumínio – novidade certamente capturada pela DeLorean na série cinematográfica De volta para o futuro. E para aproveitar as ruas de terra batida do interior, uma pequena tira de aço instalada no eixo traseiro riscava o chão levantando uma espetacular nuvem de poeira.

Caminhando pela avenida Paulista em pleno domingo, deparei-me com um senhorzinho vendendo carros de lata de óleo. Estilizados. Parei na hora e, em segundos, alheios ao movimento frenético da rua, estávamos gastando o verbo sobre carros e motos célebres. Todos em linha de produção no artesanato do homem simpático.

Aproveitei para recomendar a ele uma visita à exposição montada no Conjunto Nacional, onde uns quase 30 carros estavam parados no tempo emoldurando um Jaguar E-Type e um Shelby Cobra de desregular qualquer coração.

Ao fim da conversa, acrescentei à minha frota um fusca azul e prata, modelo 1954 segundo seu construtor. “Veja, o vidro traseiro é bipartido!” – e me deu desconto porque o tanque estava vazio. Saí pela avenida em busca de casa, feliz da vida como um menino que viajou para a infância feliz.

Já na minha poltrona predileta, admirei meu carrinho e senti saudades daqueles bólidos da infância. Sem emplacamento. Sem carteira de motorista. Sem combustível. Sem seguro. Sem acidentes. Sem engarrafamentos. Sem poluição. E nem precisava ter aquele luxo de carroceria de alumínio reluzente. Eram carros perfeitos, como o meu fusca 54 novinho em folha!

5 comentários:

  1. Prezado Heraldo, vc falou em fusca, saudades ... a meu ver, um carrão ...

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  2. Moacir Pimentel24/06/2016, 08:34

    Mestre Heraldo, um dia , quando eu crescer, quero escrever tão bem quanto você.

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  3. Marcus Guedes24/06/2016, 10:06

    Velhos tempos, belos dias ...
    Lembranças que nos mostram que tivemos infância e que fomos felizes naqueles tempos!
    E essas lembranças reforçam a ideia de que continuamos crianças, e mais felizes ainda, porquanto nos reencontramos com os brinquedos e os sonhos que tivemos naqueles dias.
    Nota 10, Mano Heraldo!!

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  4. Que texto gostoso de ler. Também viajei no tempo, um tempo bom de viver.
    parabéns amigo e um bj no coração.

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  5. Não sei se tenho a mesma idade do autor, mas na infância de qualquer guri na minha faixa etária, 67 anos, a construção de carrinhos com latas de azeite, rolimãs ou latas de Nescau, as arredondadas, as lembranças sempre serão inesquecíveis, tanto pelas emoções de se dirigir o carro do sonho, quanto pela sensação de se ter um veículo, de ser dono de um patrimônio de valor inestimável!

    E o primeiro carro verdadeiro, que é a primeira compra que se tem em mente?!

    Inexoravelmente um fusca, na minha época, e pouco importava se queimando óleo, batido, suspensão arriada, não interessa, era o carro que se sonhava deste quando guri!

    Belo texto, emocionante, que trouxe recordações saudosas de um tempo que não voltará jamais.

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