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14/06/2016

Fernando Pessoa e o Lankavatara Sutra

Hoje se junta a nós um novo colaborador, o Antonio Rocha. Deixemos que ele se apresente:

          Nasci no Recife, em 19 de setembro de 1952. Aos quatro anos de idade fui para o Rio de Janeiro, de navio. Claro, com essa idade fiquei junto com minha mãe e as mulheres, recordo-me, maravilhado que as outras passageiras trocavam de roupa na minha frente e desde então passei a contemplar o Infinito e Esplendoroso Universo Feminino ...

          Costumo dizer que, parcialmente, tenho uma memória de elefante e lembro-me às margens de um dos rios que cruzam a capital pernambucana. Só não identifico qual rio, se Beberibe ou Capibaribe.
          Lembro também passeando com o meu pai na Praça do Derbi, perto de onde nasci; depois ele foi para o Rio de Janeiro e minha mãe, mais adiante, foi atrás.

          Morei primeiro em um bairro chamado Barata, ao pé da serra onde hoje tem o Parque Estadual do Pico da Pedra Branca. Depois fui para o outro lado da linha do trem, o bairro de Realengo. Fiquei lá até 1966, quando me mudei para Brasília.
          O detalhe de Realengo é que, diariamente, ao longe, eu avistava a serra do Gericinó, que era um campo de treinamento do Exército.
          Foi aí que me nasceu a paixão pelas cores verde e branca. O verde da floresta e o branco das nuvens. Deste modo, até hoje, torço por qualquer time verde e branco, não importa a divisão. Nas escolas de samba também, prefiro as verdes e brancas.

          Em vez de Brasília, morei, mais precisamente no DF, residindo lá até 1971, na cidade satélite do Gama.
          Em 1972, voltei ao Rio e passei a morar, onde estou até hoje, em Santa Teresa, mas com algumas vacâncias, por exemplo, em 1979/1980 morei na querida Lisboa.

          Sou casado com Heloisa, artista plástica, faz gravuras e expõe por aí, numa dessas, fez exposição em Estocolmo, e a brasileira Silvia, Rainha da Suécia, abrilhantou o evento com sua presença. O Rei da Tailândia também, no seu acervo pessoal consta gravura da minha digníssima. Desde 1974 estamos casados.
          Temos uma filha; ela e meu genro nos deram um feliz netinha, nasceu em Madri, moram lá. Hoje, 14/06/16,  ela completa 1 ano e 5 meses.

          Como os outros daqui, eu também gosto dos livros, sou Doutor e Mestre em Ciência da Literatura pela UFRJ e professor de Língua Portuguesa e Literatura na rede estadual. Como já colaborei com vários jornais e revistas, disciplinei-me a escrever textos curtos.
Deste modo, adiante conto mais, em próximas crônicas. Se o editor, Mano, concordar, claro.
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          Fernando Pessoa não precisa de apresentação, queremos apenas esclarecer que o ilustre poeta da Língua Portuguesa foi tradutor das obras de Helena Petrovna Blavatsky em Portugal, fundadora da Sociedade Teosófica. Uns dizem que ele foi maçom, outros afirmam que ele foi rosacruz, e por que não, teosofista?

          Devido à sua familiaridade com os textos do Oriente, deduzimos que ele conhecia o Lankavatara Sutra. É um texto clássico do Budismo, muito reverenciado pelo sistema búdico chamado Mahayana japonês. E foi divulgado, pela primeira vez no Ocidente, pelo grande pensador nipônico Daisetz Teitaro Suzuki, no princípio do século 20.

          Em determinado trecho o Lankavatara Sutra diz: "Árvores, montanhas, rios, pedras, relva tudo é Buda". É um sentido total de integração com o ecossistema. Já vi também uma versão que tira a palavra Buda e coloca a palavra Deus. Dá no mesmo, são sinônimas.

          Agora veja este belo poema de Fernando Pessoa, onde ele expressa, de forma ímpar, o sentido do Lankavatara Sutra:

               Não acredito em Deus porque nunca o vi.
               Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
               Sem dúvida que viria falar comigo
               E entraria pela minha porta dentro
               Dizendo-me, Aqui estou !

               (Isto é talvez ridículo aos ouvidos
               De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
               Não compreende quem fala delas
               Com o modo de falar que reparar para elas ensina).

               Mas se Deus é as flores e as árvores
               E os montes e sol e o luar,
               Então acredito nele,
               Então acredito nele a toda hora,
               E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
               E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

               Mas se Deus é as árvores e as flores
               E os montes e o luar e o sol,
               Para que lhe chamo eu Deus?

               Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
               Porque, se ele se fez, para eu o ver,
               Sol e luar e flores e árvores e montes,

               Se ele me aparece como sendo árvores e montes,
               E luar e sol e flores,
               É que ele quer que eu o conheça
               Como árvores e montes e flores e luar e sol.

               E por isso eu obedeço-lhe,
                (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
               Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
               Como quem abre os olhos e vê,
               E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,

               E amo-o sem pensar nele,
               E penso-o vendo e ouvindo,
               E ando com ele a toda hora.


                                                  Em: “O Guardador De Rebanhos E Outros Poemas”

2 comentários:

  1. Moacir Pimentel15/06/2016, 11:35

    Antônio,

    Seja muito bem vindo às Conversas!

    É fascinante essa sua interpretação budista desse belíssimo poema do Mestre Alberto Caeiro ,o mesmo que escreveu no seu
    O Guardador de Rebanhos:

    “Os poetas místicos são filósofos doentes,
    E os filósofos são homens doidos”

    Sobre o mesmo tema , versou Álvaro Campos,mais outro dos heterônimos de Fernando Pessoa:

    "O meu mestre Caeiro não era um pagão: era o paganismo. O Ricardo Reis é um pagão, o António Mora é um pagão, eu sou um pagão; o próprio Fernando Pessoa o seria se não fosse um novelo enrolado para dentro"

    Recentemente, graças a você,comecei a ler à procura da espiritualidade de Pessoa. Pense em um paradigma! Aqui e ali , no entanto , vão pintando os sinais dessa viagem espiritual pessoana. Deparei -me , dia destes , com um texto que poderia ser lido - quem sabe? - como uma iluminação, como um insight do Divino, a exemplo das que tiveram Jesus , depois de jejuar por 40 dias no deserto ou Buda depois de meditar por 49 dias. Eis o trecho:

    "Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e da plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Gênio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser. Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou. Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste. O último rastro de influência dos outros no meu carácter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de lançar-me ao Interseccionismo — a tranquila posse de mim. Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci."
    (Páginas Íntimas e Auto-Interpretação - Fernando Pessoa)

    E finalmente o epitáfio escrito por Pessoa para o Mestre Alberto Caeiro:

    "Ponha na minha sepultura

    Aqui jaz sem cruz,

    Alberto Caeiro

    Que foi buscar os deuses...

    Não importa qual é o caminho que tomamos nessa busca, desde que as pegadas sejam para o alto.

    Parabéns pelo post e um

    Abraço

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  2. O mestre Antônio Rocha seria imprescindível para este espaço cultural, e alegro-me sobremaneira com a presença do professor e a leitura do seu primeiro texto, que me agradou plenamente.

    Reitero que não sou budista, mas tenho por esta filosofia uma simpatia enorme porque pacífica, de contemplações, de sabedoria.

    Não sei se por sermos uma sociedade jovem, ainda em formação neste país, mas o Budismo poderia crescer bem mais se as suas características não se identificassem tanto com os orientais e menos que os ocidentais justamente em relação às meditações, pois desejamos mais agitação que calma, mais vibração que paz, lamentavelmente.

    Um forte abraço, professor Rocha.
    Saúde e Paz!

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