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07/06/2016

Junho

Não posso andar
ou falar
Nem respirar
nem pensar
Porque a folha vermelha e seca
estala no cimento cinza
E o sol macio
espicha a fenda do concreto
E o galho desfolhado
se aninha no meu frio.
É junho

Ana Nunes, em “Inteira aos Pedaços”


É junho. E é em junho que começamos a querer reviver este blog que esteve parado por tanto tempo.
Só que não vou estar mais escrevendo sozinho. Vou escrever junto com dois amigos, também comentaristas da “Tribuna da Internet”, que se dispuseram a compartilhar comigo este espaço.

Um deles, o Chico Bendl, gaúcho dos pampas, daqueles de faca na bota, homem de muita vivência e muita leitura, que depois de muitos anos de carreira como vendedor ficou desempregado e foi trabalhar como chofer de táxi até se aposentar.
Hoje, ele se recolhe na sua biblioteca, que ele chama de “Oficina do Pensamento”, rodeado por seus mil e tantos livros e outras tantas revistas, e se dedica a escrever e a comentar as notícias na TI.
Há mais tempo ele editou um livrinho, só para a família, com vinte crônicas contando as suas conversas com seus passageiros, que intitulou “O Divã Móvel”. Agora gentilmente me deu permissão para publicar essas crônicas no blog, e depois certamente vai continuar a colaborar conosco.

O outro, o Moacir Pimentel, também apaixonado por livros, que depois de se formar nos Estados Unidos resolveu por a carreira em espera, pendurou a mochila nos ombros e passou dois anos dando a volta ao mundo com a cara e a coragem, com nove meses na Índia, antes de voltar para o Brasil.
E ainda hoje, muitos anos depois, passa uma boa parte da vida por outras plagas.

O Moacir deve começar escrevendo no blog principalmente sobre viagens, mas também, como o Chico, tem muito mais coisas interessantes para contar.

Começamos hoje com uma das crônicas do Chico, e vou deixar que ele mesmo se apresente para vocês:

Nasci em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 1950.
Em 1959 minha família mudou-se para Brasília, no tempo de sua construção, e lá fiquei sete anos, terminei  o curso ginasial e ainda guri tomei meu primeiro contato com o volante no caminhão de meu pai.
 Casei cedo, aos 21 anos, em Porto Alegre, ainda servindo o Exército, e estou com a minha esposa há 46, a mulher da minha vida, que me deu três filhos, e estes me presentearam com cinco netos, três meninas e dois guris.
Depois que dei baixa da P.E.,  durante  muitos anos trabalhei como vendedor, representante comercial e propagandista de laboratórios multinacionais. Depois as reviravoltas da vida me levaram a conduzir um táxi durante seis anos, e a vivência desses anos conduzindo os mais diversos passageiros me levou a escrever um pequeno livro de crônicas, que chamei de “Divã Móvel”. 
Hoje, aposentado, permito-me destinar boa parte do tempo que ainda me resta a escrever, e,  se não agrado pelo estilo ou porque de fato não sei registrar o que penso, delicio-me comigo mesmo pela coragem que tenho de assinar meus comentários, que deveriam me fazer sentir envergonhado pela forma como tento unir as palavras e dar-lhes um sentido, pelo menos.
Saúde e Paz a todos!

A J U D A

Em várias corridas que faço no táxi durante uma jornada percebo passageiros que embarcam nervosos, ansiosos, preocupados.
Visível a tensão que os aflige.

Tento amenizar este desconforto, geralmente relatando um episódio engraçado, divertido e, naturalmente, eu sendo a figura central em razão das minhas dimensões me credenciarem para este fim (o caso da confusão que se faz com o alerta ao motorista que passa com seu carro ao lado e está com a porta aberta e ele entender o aviso que eu o chamei de boca aberta é quase infalível, e o triste é ser verdadeiro).
Às vezes resulta em êxito alegrar esta pessoa, mas em outras ou ela fica indiferente ou gentilmente fala que meu esforço de nada vai adiantar.

Alguns colegas não concordam comigo, no entanto, entendo ser meu papel de motorista de táxi – além da consciência permanente de que conduzo VIDAS ALHEIAS – contribuir também para que os poucos minutos de duração do percurso se tornem o melhor possível e eu deixar uma boa impressão inclusive.

Se vou conseguir ou não, pelo menos houve a tentativa e fico contente comigo mesmo, pois ouvir problemas que não me diziam respeito e que talvez essas aflições que me fossem confidenciadas trouxessem alguma instabilidade emocional durante a jornada do dia, então é melhor o silêncio entre mim e o passageiro.
Bastam as agruras diárias do trânsito e os azuizinhos à espreita com seus talões de multa.

Entretanto, após eu deixar a pessoa no local onde me pedira, resgato meus temores também com a ideia de compará-los porque tenho igualmente atribulações que exigem soluções para elas e, ironicamente, relembro que por mais que alguém se prontifique em me ajudar a amenizá-las – familiar ou amigo – ou queira contribuir com sugestões sobre os problemas que me perturbam, eu me afasto deles e me isolo não permitindo que se “intrometam” nos meus assuntos.

Interessante a reação que temos ao receber atenção pelo momento difícil que estamos vivendo e de nos afastar das pessoas quando deveria ser o contrário, isto é, justamente nos aproximarmos de alguém para dividir esta fase complicada e possivelmente encontrar a solução para o impasse que martiriza a vida.

Deveria ser natural e até aconselhável aceitar ajuda, ainda mais quando se tratasse de uma pessoa estranha disposta a colaborar, portanto, isenta para opinar ou sugerir sem maiores envolvimentos, imparcial, mas não é assim infelizmente.

Pior é quando fingimos que está tudo bem e por dentro somos um poço de amarguras, angústias e impotência.
Aliás, como gostamos de representar, mostrar uma imagem irreal de nós mesmos, certezas que não temos, afirmações que não sabemos, caminhos que desconhecemos, situações que nem imaginamos.

Será falta de importância que atribuímos a nós mesmos?
Precisamos agir como atores e nos investirmos de um personagem fictício para enfrentar a realidade por falta de condições ou coragem?

Se ainda fôssemos poetas...
Fernando Pessoa (1888-1935), português, um dos expoentes da literatura universal, escreveu:

“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente,

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.”

                        Tenho a sensação de que mais gostamos de sofrer e cultivar a dor do que de  encontrar respostas às dificuldades que nos alteram e prejudicam a existência.
Nós, humanos, somos mesmo uma incógnita ou temos muito de sofrer até aprender.
Aprendemos sofrendo ou sofrer é aprender?

7 comentários:

  1. Caro amigo Wilson,
    Fico muito alegre com a volta do blog Conversas do Mano, e uma das minhas "croniquetas" publicada, da época que fui taxista.
    Muito obrigado.
    Espero que eu não seja o culpado pela debandada de um público que seria ótimo, aguardando a retomada dos assuntos neste espaço cultural, mas tentarei ser o mínimo possível causador de decepções quanto aos meus registros.
    Um forte abraço.
    Saúde e Paz!

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  2. Gosto muito de suas crônicas Sr. Bendl, pois lhe acompanho no TI desde sempre! O melhor de tudo é saber q aqui é PROIBIDO falar sobre política - o que nos dias atuais está ficando difícil de obedecer. Mas p/ mim é muito bom sair desse "metiê" desalentador e botar os olhos em algo além desse circo de horrores! Grande abraço!

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    1. Prezada Maria Lucia,
      Obrigado pelas palavras gentis para comigo.
      De fato este espaço que o nosso caro Wilson reabriu é como se fosse uma ilha de paz no meio da turbulenta política que nos encontramos, sem saída e perspectivas de melhora.
      Desta forma, podemos trocar ideias mais amenas, porém tão importantes que a realidade que nos cerca, pois viver também exige momentos de reflexão, calma, tranquilidade, exatamente como este que ora estamos conversando.
      Espero ter a tua companhia permanente.
      Um abraço.
      Saúde e Paz!

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  3. Bons textos, belo blog, bom trabalho. Não entendo de web, é possível que o comentário anterior que fiz tenha se autodeletado. Saudações Literárias

    http://estudoliteraturas.blogspot.com.br
    Antonio Carlos Rocha

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    Respostas
    1. Muito obrigado, Antonio. Esperamos, quem sabe, vir a ter você aqui também.

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  4. Caro Bendl,
    "Eu não tenho respostas para as suas perguntas mas posso dar-lhe as minhas perguntas ainda à espera de respostas".
    O meu velho disse-me isto , lá atrás , e é isto que hoje eu repito para os meus filhos.
    De todo jeito conversar sempre será preciso. Quando acaba a conversa ou , o que é pior, quando nela passamos a dar chicotadas verbais que, além de fazerem viiiiiibrar nossos hipotálamos masoquistas, não resolvem nada, fica complicado. Que mal pode causar um dedo de prosa amena entre velhos rostos enrugados diante de suas cervejas quentes? Estamos todos nós tão cansados da guerra envenenada da política.
    Talvez a gente precise aprender a aprender para depois aprender a conversar.A valorizar o que o outro têm a nos dizer, a equilibrar verdades parciais, já que ninguém é professor de vida.Não se pode entrar na conversa já certo de se estar completamente certo como se já fôssemos algo pronto, acabado , definitivo e incapaz de evoluir.
    Às vezes tenho a impressão de que,num debate,ninguém quer ouvir ninguém ,e sim ,ganhar na queda de braço. Em vez de negociar , de se chegar a um consenso , de se atingir um meio termo quiçá mais temperado, preferimos estar certos.Embora sozinhos nas nossas certezas.
    Dizem os sábios orientais que " a pessoa que chega é a pessoa certa". Mas jamais será se não a escutarmos , se nos recusarmos a ler os seus sinais.
    Se de nada nos adiantar a leitura uns dos outros, pelo menos através dela teremos percebido que nossas dúvidas não são só nossas e que aquilo que julgávamos nos ser mais particular, em vez ,é o mais geral.Descobrir que não estamos sozinhos às voltas com as nossas angústias é um sentimento muito bom.
    Houve um tempo ,há muito tempo, no qual as coisas pareciam ter sentido : o passado estava lá em sépia nos álbuns de família , o presente era familiar , seguro e amoroso , e o nosso futuro seria em tecnicolor.
    Aos sessenta já não é mais assim. Não há mais ninguém,por perto, para nos dizer quem é quem nas velhas fotos,não há outra geração entre a nossa e o Rubicão e então a vida parece um beco sem saída e avaliamos que nela não vale mais a pena fazer escalas ou estabelecer novas conexões.
    Nas nossas formidáveis infâncias e irrequietas juventudes, tínhamos uma experiência absolutamente nova, subjetiva ou objetiva, a cada hora do dia. A apreensão era vívida,a adrenalina constante, a curiosidade uma outra pele. Daí as nossas lembranças daquela época serem tão emocionantes ,tão reais, enquanto que hoje os dias nos passam como paisagens contempladas de longe pela janela de um táxi em movimento numa viagem rápida e cinzenta por demais.
    Talvez a receita seja criar , dentro das tais de rotinas da “terceira idade”,novas rotinas. Tentar construir um Brasil soltando o verbo do alto de nossos banquinhos virtuais , empreender novas viagens, novos aprendizados, novas experiências e muito principalmente, novos e enriquecedores significados, novos bytes para nossas memórias.E fazer tudo isto calmamente.Prestando atenção.
    Foi exatamente isso que você fez ao descrever os quilômetros rodados no seu táxi-sofá e nessa sua belíssima crônica-reflexão Jamais deixe de escrever,amigo Bendl. Seria um pecado cabeludo.
    E o resto? Que tal o Drummond?
    "
    Estou preso à vida e olho meus companheiros
    Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças
    Entre eles, considero a enorme realidade
    O presente é tão grande, não nos afastemos
    Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas
    "
    Abraço

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    1. Pimentel, meu caro,
      Obrigado pelo comentário, pertinente, adequado, e que me traz incentivo para continuar escrevinhando.
      A tua experiência como um globetrotter será demasiadamente agradável para este blog, Pimentel, e não vejo a hora de começar a ler sobre as tuas viagens mundo a fora, pois viajar é a maneira mais prática e deliciosa de se aprender sobre lugares e pessoas.
      Conheço pouquíssimos países fora do Brasil:
      Uruguai, Argentina, Chile e parte da Bolívia, mas jamais saí do Continente sul-americano, e se eu tivesse tido a oportunidade no passado, meus dois locais iniciais seriam a Espanha e Itália, e depois a Rússia.
      Eu até deixaria os Estados Unidos de lado, mas a Rússia seria algo de notável porque eu viajaria pela Transiberiana, de Moscou a Vladivostok, no Pacífico, algo em torno de dez/onze mil quilômetros de distância, passando pela Sibéria, lógico!
      Se fizeste esta viagem, eu te ORDENO que fazes um relato da mesmo imediatamente, pois um amigo meu, que serviu comigo, na década de sessenta, e hoje mergulhador profissional e autor de dois livros muito importantes sobre os submarinos alemães que foram postos a pique pelos aliados, e quase deram a vitória aos nazistas, não fosse a descoberta de uma das máquinas Enigma e traduzi-la, descobrindo o código secreto de comunicação, fez este magnífico percurso, E COM FOTOS, me deixando maravilhado pela aventura, legítima!
      Outras crônicas que o nosso amigo Wilson vai publicar, eu também sempre termino com parte de uma poesia, pois precisamos dar lugar à imaginação, à paz, ao belo, e a poeta resume a mente humana de maneira mágica, bonita, sonhadora, por mais que a profissão e a vida sejam desafiadores e, muitas vezes, torturadores!
      Um forte abraço.
      Saúde e Paz!

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